O que significa causa de pedir aberta no Controle Concentrado de Constitucionalidade (ADI, ADC, ADPF)?
Se no controle concentrado de constitucionalidade um dos legitimados ativos obtém um provimento do STF me parece óbvio que a coisa julgada impede outro legitimado de obter decisão diversa sobre a (in)constitucionalidade de norma sobre os mesmos fundamentos (causa de pedir) anteriores. Não tenho a mesma certeza no caso de causas de pedir não apresentadas anteriomente.
Prezado Eldo,
ainda que um dos legitimados ativos requeira, no controle concentrado, a declaração de inconstitucionalidade de lei/ato normativo invocando sua contrariedade a determinado artigo/princípio constitucional, pode o STF declarar a inconstitucionalidade (ou não) com base em fundamento totalmente diverso.
E mesmo que haja causas de pedir diversas, alegadas por outro legitimado em ação distinta, ainda assim haverá a coisa julgada, uma vez que em razão da causa de pedir aberta, o STF declara a inconstitucionalidade (ou não) analisando a CF/88 inteira, ou seja, não toma por base apenas a causa de pedir declinada na inicial, mas o texto constitucional como um todo.
Veja o que dizem Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (Direito Constitucional Descomplicado):
"(...) Esse entendimento de que a causa de pedir é aberta no controle abstrato de constitucionalidade é o fundamento para a impossibilidade de ação rescisória nas ações que o integram. Com efeito, ao declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de uma lei, o STF terá analisado a Constituição inteira, e não só o fundamento apontado na petição inicial, razão pela qual não é possível pretender-se nova apreciação da validade de dispositivo de uma lei que já foi considerada constitucional pela Corte Suprema, mesmo que o novo pedido apresente fundamentação constitucional inteiramente diversa da anterior."
Um dos problemas nesse caso de controle concentrado é se o STF muda a sua jurisprudência, mas a decisão proferida anteriormente em ADIN se perpetuaria ad infinitum, ainda que o STF tenha mudado o posicionamento. Ai vem até as questões de possibilidade de ação rescisória tendo em vista a mudança de interpretação constitucional e a relativização da Súmula nº 343 do STF, e ai uma discussão seguinte seria o termo inicial para a contagem do prazo, 2 anos após a publicação do acórdão a ser rescindido ou da decisão do STF que mudou o entendimento.
Um caso que pode levar o STF a essa discussão é a questão das Constituições Estaduais preverem a necessidade de autorização da assembleia legislativa estadual para o STJ processar e julgar os governadores de estado, e o caso "lava-jato" pode impulsionar essa mudança de entendimento. Isso porque em diversas ADI's propostas contra as Constituições Estaduais que tinham essa previsão o STF disse que isso era plenamente constitucional, entretanto num julgamento recente alguns Ministros já se mostraram favoráveis ao STF rever esse tema, pois o Ministro Marco Aurélio sempre ficou vencido pela inconstitucionalidade de tal previsão e os argumentos dele são bem fortes.
Dai o problema seria o que fazer com todas as Constituições Estaduais que já foram analisadas pela via da Ação Direta e estão protegidas pelo manto da coisa julgada. Seria essa mudança de entendimento um "fato novo" a autorizar a propositura da rescisória? E isso mesmo após ultrapassados (e muito) o prazo decadencial de 2 anos?
Tem também a questão da Lei de anistia que estão querendo que seja revista, mas nesse caso a ADPF 153 ainda tem um embargos de declaração pendente de julgamento, então a rigor não houve o trânsito em julgado.
Mas esse é um tema bastante interessante, recentemente houve o julgamento do RE 590.809 que a discussão tangencia esse tema, porém no citado RE se trata de interpretação constitucional (não declaração de inconstitucionalidade propriamente dita). Em controle concentrado eu não sei se já se chegou a uma situação dessas.
Hen_BHl, obrigado pela explicação. Vamos dar um exemplo que tem a ver com texto de Marcos Alexandrino e Vicente Paulo : É dito no texto que ao analisar pelo controle concentrado de constitucionalidade o STF analisa a norma infraconstitucional (pode até ser constitucional quando afrontar cláusula pétrea da Constituição ou se usando princípios constitucionais relevantes se escolhe entre um princípio e outro). analisa em vista da Constituição inteira e não apenas diante dos dispositivos e preceitos constitucionais apresentados pelo legitimado. Então segue a pergunta: Suponhamos que foi movida ADI contra dispositivo de uma lei. O legitimado ativo apresentou fundamento para declaração de inconstitucionalidade do dispositivo de lei a contrariedade a um dispositivo da Constituição que chamaremos dispositivo 1. O STF analisa além do 1 um outro dispositivo 2. E considera improcedente a ADI por não contrariedade nem do dispositivo 1 nem o 2 pela norma impugnada. Há o transito em julgado pela constitucionalidade da norma. Tempos após um outro legitimado (ou o mesmo) descobre que a norma declarada constitucional ofende dois outros dispositivos da Constituição (poderia ser 1 ou 100 exagerando). Na ação em que foi confirmada a constitucionalidade da norma nem os Ministros do STF nem o legitimado notaram a ofensa (potencial) a estes dois dispositivos da Constituição. Você entende que em tal caso a coisa julgada só vale para os dois dispositivos analisados?Podendo ser proposta nova ação de controle concentrado de constitucionalidade para analisar estes dois fundamentos (causas de pedir) que podem levar agora à declaração de inconstitucionalidade. Ou você acha que considerando a causa de pedir aberta no controle concentrado presume-se que a norma foi analisada diante de toda a Constituição? De forma que nova ADI sobre fundamentos diferentes não seria sequer conhecida pelo STF? E no caso de ser alegada apenas inconstitucionalidade formal (a norma impugnada é lei ordinária em situação em que haja dúvida se a lei exigida pela Constituição é ordinária ou complementar)? Nem o STF nem o legitimado notaram possíveis inconstitucionalidades materiais da norma impugnada quando confrontada com outros dispositivos da Constituição. O STF entende que não há inconstitucionalidade formal. Não pode ser proposta nova ADI para análise da inconstitucionalidade material que passou despercebida.
Um dos problemas nesse caso de controle concentrado é se o STF muda a sua jurisprudência, mas a decisão proferida anteriormente em ADIN se perpetuaria ad infinitum, ainda que o STF tenha mudado o posicionamento. Ai vem até as questões de possibilidade de ação rescisória tendo em vista a mudança de interpretação constitucional e a relativização da Súmula nº 343 do STF, e ai uma discussão seguinte seria o termo inicial para a contagem do prazo, 2 anos após a publicação do acórdão a ser rescindido ou da decisão do STF que mudou o entendimento. Resp: Isto ocorre quando há leis (inclusive emendas constitucionais) de outros entes da federação com teor idêntico. Pelo que li até agora embora pela Constituição Federal o STF tenha competência para julgar rescisórias de suas próprias decisões não cabe rescisória no controle concentrado de constitucionalidade. O texto constitucional não vincula o STF a suas próprias decisões. Mas o STF está limitado à coisa julgada. Há este dispositivo da lei 9868 (lei da ADIN e ADCT): Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.
Um caso que pode levar o STF a essa discussão é a questão das Constituições Estaduais preverem a necessidade de autorização da assembleia legislativa estadual para o STJ processar e julgar os governadores de estado, e o caso "lava-jato" pode impulsionar essa mudança de entendimento. Isso porque em diversas ADI's propostas contra as Constituições Estaduais que tinham essa previsão o STF disse que isso era plenamente constitucional, entretanto num julgamento recente alguns Ministros já se mostraram favoráveis ao STF rever esse tema, pois o Ministro Marco Aurélio sempre ficou vencido pela inconstitucionalidade de tal previsão e os argumentos dele são bem fortes.
Dai o problema seria o que fazer com todas as Constituições Estaduais que já foram analisadas pela via da Ação Direta e estão protegidas pelo manto da coisa julgada. Seria essa mudança de entendimento um "fato novo" a autorizar a propositura da rescisória? E isso mesmo após ultrapassados (e muito) o prazo decadencial de 2 anos? Resp: Não creio nisto. Uma opção seria mudar a lei 9868 pelo Congresso Nacional. Para permitir em tais casos revisão. Uma vez mudada pelo Congresso e passando a mudança pelo controle de constitucionalidade (que acredito o STF aceitará) os Ministros podem fazer a revisão. O fato novo seria este. O Congresso quando age como órgão legislativo não fica vinculado à decisão do STF.
Tem também a questão da Lei de anistia que estão querendo que seja revista, mas nesse caso a ADPF 153 ainda tem um embargos de declaração pendente de julgamento, então a rigor não houve o trânsito em julgado. Resp: Pois é. Mas o próprio Lewandovski que votou a favor da revisão na ADPF 153 já admitiu que os embargos de declaração não vão mudar muita coisa. O PSOL moveu nova ADPF de número 320 com o mesmo objetivo da ADPF 153. Apesar de pendente de julgamento muitos juízes e tribunais tem dado Habeas Corpus com base na lei. E no mínimo em duas Reclamações os MInistros do STF Teori ZavasKi e Rosa Weber concederam liminar. Creio que no final vai ser do Congresso a decisão final. Reinterpretando a lei de anistia. Ou não.
Mas esse é um tema bastante interessante, recentemente houve o julgamento do RE 590.809 que a discussão tangencia esse tema, porém no citado RE se trata de interpretação constitucional (não declaração de inconstitucionalidade propriamente dita). Em controle concentrado eu não sei se já se chegou a uma situação dessas.
Boa parte dessas questões que eu falei são meras especulações, agora no momento que cairem no STF a discussão vai ser grande, porque é aquela coisa eles vão olhar e pensar (essas decisões não podem continuar prevalecendo), dai eles vão precisar achar um jeito de fundamentar a decisão que pretende rescindir os acórdãos em ADI. Mais ou menos o que eles fizeram na questão da prisão civil do depositário infiel.
Mas quanto à pergunta em si, na minha opinião a ADI deve ser julgada com a seriedade de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, todas as questões sobre a matéria devem ser analisadas na própria ADI (talvez por isso também a causa de pedir aberta), se porventura não forem analisadas e não oporem embargos de declaração a questão morreu.
Pra resumir tudo, a ADI deve ser analisada como tal e não como um simples RE em que se discuta uma questão subjetiva, e os próprios Ministros tem que ter a consciência do que é uma ADI e a matéria deve ser completamente esgotada.
Pois uma vez transitada em julgado se joga uma "pá de cal" na questão. A rejeição de inconstitucionalidade formal e não analise de possível inconstitucionalidade material seguiria a mesma sorte.
Basicamente, uma vez proposta a ADI (ou outra em controle concentrado) e conhecida pelo Tribunal eles devem esgotar completamente a matéria sobre o tema. A não ser que venha determinado "fato novo" (mudança de entendimento ou nova regulamentação da matéria), que ai eu até gostaria de ver o STF diante de um caso desse para ver se realmente eles não iriam aceitar uma ação rescisória em ADI.
Eu particularmente apostaria que eles declarariam inconstitucional o dispositivo da Lei 9868 que prevê a impossibilidade de propositura de ação rescisória e analisariam a questão.
Agora um bom começo para fazer uma análise realmente profunda da questão acho que seria estudar o Controle Concentrado de Constitucionalidade na Alemanha ou na Austria. Talvez a tese de doutorado do Ministro Gilmar Mendes (Jurisdição constitucional : o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha) tenha algumas considerações sobre o tema.
A causa de pedir aberta em controle concentrada trás onus e bonus, ela dá um maior poder ao STF que fica totalmente livre para apreciar a matéria da maneira mais profunda possível.
Porém uma das consequência é a de que caso a questão seja analisada de maneira superficial isso inviabiliza a propositura de uma nova.
E a reforma da Previdência do Servidor Público em dezembro de 2003 que alterou a aposentadoria do servidor público retirando a aposentadoria integral e com paridade dos servidores e instituindo cobrança previdenciária inclusive para servidores e pensionistas que adquiriram direito aos benefícios antes da emenda 41 de 19/12/2003? O STF confirmou a constitucionalidade desta reforma. Tentou-se contra a decisão do STF levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A petição foi considerada inadmissível de modo que inclusive em foros internacionais a questão não está mais sujeita a discussão. Posteriormente na AP 470 lideres de partidos que deram quorum para aprovação foram condenados pelo chamado escândalo do mensalão. O que indica que os votos para aprovação da emenda foram comprados. Na Corte Interamericana o mensalão foi citado antes da AP 470. Passo um link com artigo sobre o assunto http://www.conjur.com.br/2012-dez-13/adis-questionam-reforma-previdencia-base-julgamento-mensalao Eis um fato novo para revisão de entendimento do STF.
Sim, porém ao meu ver isso só seria passível de ser discutido pela via de Ação Rescisória (ainda que a Lei 9.868 diga que não é possível).
Mas por isso que eu falei pra (caso tenha interesse em se aprofundar no tema) estudar o controle de constitucionalidade Alemão e o Austríaco, pois salvo engano lá existe apenas o controle concentrado e eles estão "juridicamente a frente" bem a frente do Brasil ao meu ver. Kelsen inclusive é Austriaco, eles provavelmente já devem ter passado por situação semelhante e taria um ótimo "norte" para procurar aprender com pessoas que já passaram por esse problema na prática.
Agora com como o Brasil adota um sistema misto de controle de constitucionalidade surge outro problema, que é a possibilidade de rescindir decisões já trânsitadas em julgado, tendo em vista determinada decisão do STF.
São temas bem interessantes que dariam um ótimo artigo, mas teria que se aprofundar muito e acredito que necessariamente para fazer um artigo realmente bom teria de estudar o controle de constitucionalidade Austriaco/Alemão.