usucapião em usufruto
Gostaria de saber se é possível ocorrer aquisição de usucapião no usufruto. Como isso pode acontecer ? Em quais situações?
Renata,
Usucapião é forma de aquisição de qualquer direito real em que seja possível o exercício da posse. O usufruto é um desses casos. O usufrutuário poderá adquirir o usufruto por usucapião.
Ex: "A", nu-proprietário, concede a "B" usufruto vitalício sobre imóvel da sua propriedade. Não houve a feitura da escritura pública de instituição do usufruto ou, mesmo tendo sido feita, não foi levada a registro no Cartório de Imóveis. Digamos que, passados 20 anos, "A" aliene a propriedade plena a "C", que não deseja a permanência de "B", assinalando a este o prazo de 30 dias para devolução do imóvel. Mesmo sem o registro, "B" poderá intentar ação de usucapião para adquirir o usufruto vitalício que "A" lhe outorgara mas não houve registro.
cordialmente,
Alexandre Sales
Renata... a resposta do colega Alexandre, está correta, é possível, adquirir pela usucapiçaõ o direito ao usufruto, basta que se some aos requisitos para o usucapião, ao invés da intenção de ser proprietário (o que levaria a aquisição da propriedade) a intenção do possuidor de ser usufrutuário, eis aí a influencia de Savigny, numa questão relativa a posse, ou seja o "animus".
Doutores, a pergunta feita por Renata também faz parte de minhas dúvidas, e penso que as respostas dadas não abrangeram o cerne da questão, qual seja: é possivel um terceiro interessado adquirir a propriedade por meio de usucapião de um imóvel sobre o qual recaia usufruto? Já pesquisei em algumas doutrinas e, sinceramente não encontrei resposta. Abraço a todos e sucesso no ano que chega.
Prezados senhores:
Minha dúvida é a mesma da Andreia Rodrigues, em situação idêntica que me chegou para análise. o Juiz inclusive reconheceu exceção de usucapião requerida pelo Réu em possessória, sobre imóvel de propriedade do Autor, mas usufruto dos pais. Para tanto, foi contada a posse para usucapião de terceiro que não tinha usufruto, nem posse, nem propriedade. Para fundamentar, o juiz trouxe uma doutrina mineira que sequer chega próximo as respostas corretas aqui aventadas, em situação jurídica que não se amolda ao caso apresentado pela Andreia. Inclusive o juiz diz que, não havendo jurisprudência similar ou lei para fdundamentação, usa por analogia outra (que no meu entendimenmto, não é cabível para caso). Está em grau de recurso - apelação, movida pelo Autor da possessória, já que a sentença lhe foi desfavorável. Andreia, se voce puder me repassar o material que conseguiu sobre o tema, agradeço.
Entendo que não é possível que um terceiro que adquire posse de usufruário possa obter a propriedade do imóvel através de ação de usucapião alegando sucessão de posses (art.1207, CC 2002) com o intuito de preencher o prazo da prescrição aquisitiva. Isto porque a posse exercida pelo usufrutuário não é considerada "posse ad usucapionem", ou seja, a posse não é exercida a título de dono (reflexos da teoria subjetiva da posse, estampada no Código Civil). O art.1197 do CC 2002 é claro ao dispor que "a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireito". Para ser mais claro a respeito do tema, basta citar o artigo 486 do CC 1916 que tratava da matéria no antigo diploma revogado: "quando, por força de obrigação, ou direito, em casos como o do usufruário, do credor pignoratício, do locatário, se exerce temporariamente a posse direta, não anula esta às pessoas, de quem eles a houveram, a posse indireta". Por mais que o usufruto possa ser vitalício, sempre existirá a obrigação (se não ao usufrutário, p.ex, quando renunciar em vida ao direito, ao menos aos seus herdeiros, após a extinção do usufruto em virtude da morte), de extinguir a posse direta exercida sobre o bem, consolidando todos os poderes inerentes à propriedade em favor do nu-proprietário. Portanto, o usufruto inegavelmente terá um marco temporal final, que pode ser conhecido a priori (ex: com termo - art.131 e art.1410, II, 2002) ou desconhecido quando da instituição deste direito real (ex: com condição art.121 e 1410, IV, 2002 ou mesmo o vitalício - art.1410, I, pois não se sabe de antemão quando o usufrutuário morrerá). Em todos os casos (usufruto vitalício, constituído com termo ou com condição), a posse sempre será precária (art.1200, CC 2002). Portanto, pouco importa o lapso temporal em que o usufrutuário tenha permanecido no imóvel. Por outro lado, somando aos argumentos acima, o usufruto só pode ser constituído por registro (art.1391, CC 2002), o que confere a um provável adquirente da posse do usufrutuário o conhecimento da existência prévia do direito real e das limitações da posse transferida. Assim, a própria publicidade da existência do usufruto na matrícula do imóvel (mesmo que o adquirente da posse, por negligência, não consulte o registro de imóveis) importará em posse de má-fé (ao adquirente), pois este não ignorará o vício da posse que impede a aquisição da coisa (art.1201, CC 2002). Caso diferente ocorrerá se o usufrutuário não tiver levado a registro o título constitutivo do usufruto. Neste caso, entendo que a posse do futuro adquirente será posse de boa-fé, considerando-se que este não sabia dos vícios anteriores, inclusive por não estar registrado em matrícula. Entretanto, se por outro meio for provado que tinha conhecimento da posse precária do usufrutuário sem usufruto registrado, será considerado posseiro de má-fé (ex: o usufrutuário, no momento de realizar instrumento de cessão de direitos de posse, menciona a existência de título constitutivo de usufruto não levado a registro). E se o usufrutuário, antes de ceder a posse, ajuizar ação de usucapião? Poderá tranquilamente obter procedência da ação. O magistrado, entretanto, oficiará ao cartório de imóveis para que seja averbada na matrícula a existência de usufruto. Assim, recairemos no que já foi dito acima: a posse do adquirente será posse de má-fé, pois pela publicidade da matrícula considerar-se-á abstratamente que tomou ciência dos vícios da posse. Esta presunção não existe enquanto tramitar a ação de usucapião, pois a lei não chegou a tanto: ninguém é obrigado a pesquisar todas as demandas em que figure o cedente da posse. Outra situação bastante diferente é quando o usufrutuário, ao invés de almejar transferir a posse, opta por ceder seu exercício. Neste caso, a posse do adquirente continuará a ser precária (art.1393 combinado com art.1197 do CC 2002), pois a posse do adquirente (tecnicamente: cessionário do exercício do direito de usufruto), sempre será precária. Entre eles se estabelecerá uma relação de direito pessoal, de molde que se o usufruto se extinguir em relação ao cedente (ex: morte ou advento do termo ou condição), o usufruto (seu exercício) também se extinguirá em relação ao cessionário. Portanto, sintetizando as conclusões:
A)Não é possível somar a posse do cessionário à posse do cedente (usufrutuário), pois este é possuidor a título precário, de molde que inexistente a posse ad usucapionem. Isto não impede que o adquirente tenha direito ao usucapião da propriedade (não usucapião do usufruto), desde que comece a contar novamente novo prazo de prescrição aquisitiva.
A.1) Entretanto, a posse adquirida será considerada posse de má-fé (art.1202, CC 2002). No que isto refletirá? O adquirente da posse somente poderá ajuizar ação de usucapião extraordinária (art.1238, CC 2002), o que exigirá o lapso temporal de 15 anos após a aquisição da posse do usufrutuário que, como mencionado acima, não poderá ser somada à do adquirente;
A.2) Se o adquirente da posse adquiri-la de usufrutuário que não registrou o usufruto no cartório de registro de imóveis, poderá ser considerado possuidor de boa-fé (art.1201, Cc 2002), pois desconhecia o vício que maculava a propriedade. Evidentemente isto só será possível se o adquirente por outro meio não conhecer o vício e nem a qualidade de usufrutário do transmitente, pois, nestes casos, será considerado igualmente possuidor de má-fé;
A.3) Se o usufrutuário sem registro no cartório de imóveis promover a prévia ação de usucapião do usufruto antes de terceiro adquirir a posse, a posse do adquirente será posse de má-fé, pois pela publicidade da matrícula (após o julgamento da ação de usucapião e ofício ao cartório de imóveis) considerar-se-á abstratamente que tomou ciência dos vícios da posse;
A.4) A posse de ma-fé afastará a possibilidade de se valer do usucapião ordinário (art.1242, CC 2002 - prazo de 10 anos), mas permitirá a aquisição da propriedade pela modalidade de usucapião extraordinário especial se, após 10 anos, o adquirente tiver constituído moradia no local ou realizado obras e serviços de caráter produtivo (parágrafo único do art.1238 do CC 2002;
A.5) Se o caso do adquirente se enquadrar no de usucapião especial (seja de área urbana, seja de área rural – arts.1239 e 1240 do CC 2002), poderá adquirir a propriedade da área em 5 anos, independente de boa-fé, ou seja, preenchidos os requisitos, poderá mesmo confessar a posse de má-fé. De qualquer modo, permanece a restrição de somar a posse anterior do usufrutuário.
B)Não é possível que o adquirente obtenha usucapião do usufruto. Isto porque a lei impede a alienação do usufruto (art.1393, CC 2002). A lei é clara ao dispor que o usufruto transfere alguns poderes da propriedade (uso e gozo), mas não o poder de disposição (art.1394, CC 2002). Ao realizar uma cessão de exercício do direito de usufruto, o cedente está transferindo apenas o exercício dos direitos de uso e gozo do bem, mas não o poder de disposição (pois, assim como não pode dispor da propriedade, não pode conceder direito a que outrem a faça com o intuito de alienação). Portanto, a usucapião só caberá ao usufrutuário “originário” que tiver recebido diretamente do nu-proprietário o direito real de usufruto;
C) Quando a lei proíbe a alienação do usufruto, não impede que o usufruário venda onerosamente a posse. A interpretação que podemos fazer do art.1393 do CC 2002 é que, após ceder a posse, o novo adquirente não poderá ser considerado cessionário do usufruto, isto é, outra figura jurídica surgirá (posse de má-fé) que não o exercício do direito real de usufruto. A alienação descaracteriza o instituto, pois o único que pode alienar é o nu-proprietário. Questão interessante surge: e se após a transferência da posse pelo usufrutário, e antes de completar o prazo legal de posse para que o adquirente possa ajuizar ação de usucapião, poderá o nu-proprietário reaver judicialmente o bem através de ação possessória (é este o caso e não de reintegratória, pois no usufruto o nu-proprietário conserva a posse indireta)? Acreditamos que sim. Se já tiver sido implementado o prazo, o adquirente poderá ventilar exceção de usucapião. Caso contrário, deverá se retirar do imóvel.
C.1) E neste caso, qual será a responsabilidade do usufrutário que transmitiu a posse? O adquirente da posse somente poderá se valer do instituto da evicção se desconhecer a qualidade de usufrutuário do transmitente. É o caso de usufruto não averbado na matrícula e do usufrutuário que esconde sua qualidade de possuidor precário ao alienar a posse. Caso contrário, se souber que o transmitente era usufrutuário, não poderá se valer do instituto da evicção, pois este exige que o adquirente não tenha ciência de que se trata de coisa alheia ou litigiosa. Somente restará a possibilidade de perdas e danos se esta estiver expressamente contratada no instrumento de cessão firmado entre cedente e cessionário;
C.2) No curso da ação possessória movida pelo nu-proprietário, o adquirente da posse (quem adquiriu do usufrutuário), poderá ceder novamente a posse a outrem. Mas neste caso (desde que a existência da demanda já tenha sido averbada na matrícula ou que o adquirente saiba de sua existência), recaíremos no instituto da aquisição de coisa litigiosa (art.43, CPC), o que sujeitará o adquirente aos efeitos da sentença;
C.3) E se no curso da demanda (sem existir prévia anotação da existência da ação na matrícula), o adquirente da posse (quem adquiriu do usufruário) ceder novamente a posse a terceiro de boa-fé, que não sabia que a posse não era mansa e que existia demanda possessória? Não poderá ser considerado fraude à execução, dados os requisitos do art.593 do CPC e da jurisprudência dos tribunais que exigem que o terceiro tenha prévio conhecido da existência de demanda. Então, o adquirente conseguirá consolidar a posse sob o argumento de ser terceiro de boa-fé ou será caso de evicção do terceiro contra o alienante? Deixo a pergunta no ar.
D)Se a intenção dos contratantes for apenas realizar a cessão do direito de exercício dos poderes inerentes ao usufruto, a posse do cessionário continuará a ser precária e, neste sentido, nunca cessará (art.1208, CC 2002). Portanto, o cessionário não terá posse ad usucapionem, muito menos poderá transmiti-la a terceiros para fins de soma da posse e propositura de ação de usucapião;
E)Se a intenção dos contratantes for realmente ceder o exercício do direito de usufruto, seja a título oneroso ou gratuito (art.1393, CC 2002), nada impedirá que o cedente (“usufrutuário originário”) sem registro no cartório de imóveis, promova em nome próprio ação de usucapião do usufruto. Neste caso, apenas regularizará a situação e dará publicidade a terceiros. O cessionário continuará a exercer os direitos inerentes ao usufruto, sem qualquer interrupção, até a sua extinção (por morte, termo, condição, etc). De acordo com a melhor doutrina (Marco Aurélio Viana. Comentários ao Novo Código Civil. v.16. p.632-633), a cessão do exercício dos direitos inerente ao usufruto cria uma relação de direito pessoal entre cedente e cessionário. Entretanto, apenas o cessionário (“usufrutuário original”) manterá o direito real e, como tal, será o único legitimado à propositura da ação de usucapião. Trata-se, inclusive, de questão de possibilidade jurídica do pedido, pois se o cessionário pleitear em direito próprio, terá a ação extinta sem julgamento de mérito, pois a lei veda a possibilidade de cessão DO DIREITO de usufruto, permitindo apenas cessão DO EXERCÍCIO dos poderes inerentes a este direito real (usar e gozar). É o que se depreende do art.1393 do CC 2002.