Não concordo... os recursos não são a causa da crise, mas uma consequência dela. Se os recursos multiplicam-se isso deve-se ao facto de as pessoas não confiarem na justiça.
Há várias causas para a crise da justiça, se bem que, no Brasil, não exista apenas uma crise da justiça... o problema brasileiro é muito maior... é uma crise do Direito em sua globalidade, começando pelas normas, passando pela doutrina, reflectindo-se na tramitação e terminando na jurisprudência.
É preciso promover um verdadeiro acesso à justiça. É claro que, para isso, as partes têm que confiar no sistema e só confiarão quando o processo for dotado de capacidade para realizar o seu fim, ou seja, a obtenção da paz social. Este fim supremo da ordem jurídica pode ser desmembrado em três outros: justiça, certeza, segurança. Nenhum destes objectivos pode ser obtido sem celeridade, mas a celeridade de nada adianta se aqueles objectivos não forem realizados.
Os problemas não serão resolvidos com a restrição da possibilidade de recorrer e se isso for feito, aí sim estará destruído o Estado de Direito.
O problema da morosidade (que talvez seja o menor dos problemas da actualidade) se resolve através de outros expedientes. A sociedade moderna é uma sociedade informada de seus direitos (a Internet contribuiu muito para isso) e por isso assistimos a uma explosão de litigiosidade. Contudo, a esta explosão de litigiosidade não correspondeu um aumento do número de juízes e estes tem que resolver milhares de processos. Daqui obviamente resulta que a análise dos casos por eles efectuada é muito superficial... e não podemos esperar melhor, pois que, deste modo, os juízes não têm tempo para pensar sobre os casos submetidos a julgamento.
Muitas outras causas podem ser apontadas. Por exemplo, o facto de o legislador ser uma verdadeira anta, de onde resulta ser o nosso sistema um emaranhado de antinomias e dicotomias absurdas que levam a que as decisões sejam tudo, menos justas.
O Brasil deixou de lutar pela justiça e passou a lutar pela celeridade, como se este fosse o valor máximo do sistema. O sistema deixou de procurar resolver os problemas da sociedade brasileira e passou a procurar resolver apenas os problemas do sistema.
O mais fácil é tomar a causa pelo efeito e, deste modo, esconderem-se os efeitos, mas os problemas persistirão, a justiça deixará de ser realizada, ou seja, tudo continuará o mesmo, mas, desta sorte, sem os recursos.
Vejam só a inversão de valores a que estamos a assistir. Promover o acesso à justiça significa incentivar o recurso aos tribunais; ora, suprimindo os recursos estaremos a fazer precisamente o oposto, ou seja, a desincentivar as pessoas a procurarem uma solução pacífica para seus conflitos. O resultado é a violência.
A qualquer momento a despromoção do acesso à justiça será feita de outra forma: logo, o Estado não estará apenas a desincentivar o acesso, estará a impedir directamente este acesso... o Estado de Direito entra em colapso... acaba o Estado tal como o conhecemos...
Fim.