THEODOR VIEHWEG
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Alfred
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO RACIOCÍNIO JURÍDICO THEODOR VIEHWEG (1)
As numerosas e valiosas investigações que atualmente se realizam sobre o raciocínio jurídico partem de posições muito diversas. Estes pontos de partida têm grande relevância, pois determinam a perspectiva da discussão posterior e atraem nossa atenção para certos conceitos fundamentais implicados na perspectiva escolhida (2).
As considerações seguintes têm como propósito apresentar, como um possível ponto de partida para a análise do raciocínio jurídico, a distinção entre raciocínio dogmático e zetético. Começaremos por uma perspectiva histórica, a fim de mostrar que esta distinção tem um precedente na jurisprudência alemã do século XVIII, e concluirei com uma ilustração do que poderia ser entendido pela expressão "sistema jurídico.
Naturalmente, este trabalho não pretende ser exaustivo. Deseja meramente contribuir com alguns pontos de vista para a discussão que, em conexão com outros, pode mostrar-se proveitoso.
I - O ponto de partida
É bem sabido que uma época significativa na história do raciocínio jurídico completou-se no fim do século XVIII, quando a versão moderna da teoria do Direito Natural triunfou. Formulada no século XVII, principalmente por Grócio, Hobbes e Pufendorf, serviu à Ilustração (Enlightnement) no então Vernunftrecht - Direito Racional. Após a Declaração de Independência Americana e a Revolução Francesa, uma boa parte desta foi incorporada ao Direito Positivo. O Código Civil Francês de 1804 foi visto como sua codificação exemplar. O Preussische Allgemeine Landrecht de 1794, e em maior extensão o Osterreichische Allgemeine Bürgerliche Gesetzbruch de 1811, codificaram parte do Direito Racional. Os pandectistas alemães do século XIX prepararam as comparativamente tardias codificações alemãs, de uma maneira extraordinariamente completa, enfatizando sua atitude histórica. Na verdade, é difícil imaginar estes pandectistas, sem o pano de fundo do Direito Racional. Tudo isto é bastante conhecido, e não me estenderei sobre o assunto.
Uma observação deve ser enfatizada, pois parece relevante para o futuro exame do raciocínio jurídico. É notório que por volta do fim do século XVIII, a função do Direito Racional mudou. Havia sido, até o momento, predominantemente um ponto de vista filosófico e crítico; a partir de então, transformou-se em uma posição dogmática como uma doutrina básica do direito. Isto resultou na procura e na descoberta de um diferente ponto de vista crítico. Ademais, obteve-se uma melhor compreensão da complexidade do chamado raciocínio jurídico.
Deveríamos acrescentar algumas poucas observações sobre este assunto. A expressão alemã Rechtsphilosophie (Filosofia do Direito) é suficientemente conhecida, mas deve-se assinalar que não é muito antiga. Somente a partir do século XVIII, tem sido amplamente utilizada. Apareceu como uma abreviatura da Filosofia do Direito Positivo e foi usada, ao menos no início, para caracterizar um novo enfoque filosófico do Direito.
Este enfoque pode ser percebido na obra de Gustavo Hugo, reconhecido como pioneiro da Escola Histórica alemã, sendo com freqüência mencionado como imediato predecessor de Savigny (3). Hugo aceitou a opinião, comum após Montesquieu e Herder, mas anterior a Savigny, que reduziu as origens do Direito Positivo, não tanto ao uso imediato da razão, mas aos fatos sobre o mundo, particularmente à História. Por detrás da pergunta o que é o Direito Positivo neste caso? Hugo sempre indagava como teria o Direito Positivo se tornado Direito. Esta é a famosa perspectiva histórica. Entretanto, Hugo não se conformava com ela. Além da questão dogmática e da questão histórica, Hugo formulou uma pergunta crítica e filosófica: É razoável que apenas o Direito Positivo seja Direito? Esta última pergunta foi discutida na Filosofia do Direito Positivo (Rechtsphilosophie) no início do século XIX (4). Sua função como um novo ponto de vista crítico é evidente. Foi preservada nos anos seguintes, e apareceu sob várias formas até o desenvolvimento posterior do Positivismo jurídico.
Este, no entanto, não é nosso tema aqui. Estamos meramente procurando um ponto de partida para um exame do pensamento jurídico, e o descobrimos: está caracterizado pelas três perguntas de Gustavo Hugo, perguntas que mostram a complexidade do raciocínio jurídico. Em última instância, este pode ser dividido, pelo menos, em raciocínio concernente à Dogmática do Direito, à História do Direito e à Filosofia do Direito. A Jurisprudência alemã, que ganhou um certo renome no século XIX, aderiu a esta divisão como um ponto de partida. Não a encontramos somente em Hugo, que a desenvolveu quase pedantemente, e teve assim uma grande influência na formação dos juristas; está também presente na obra de Savigny, que não quis ignorar completamente o modo filosófico de pensar a favor do enfoque histórico (5) . A mesma divisão pode ser encontrada nos sucessores e partidários de Savigny, entre os quais o altamente estimado L. A. Wainkönig pode ser tido como exemplo (6). O enfoque histórico do raciocínio jurídico terminou por incluir também a perspectiva sociológica.
Este ponto de partida, que estabelece uma distinção entre Dogmática, História e Sociologia do Direito, e Filosofia do Direito, esteve presente na jurisprudência alemã também na época do auge do Positivismo jurídico, quando se restringiu o pensamento filosófico e crítico. É claro que deve ser feita distinção entre estes diferentes enfoques do raciocínio jurídico, sendo igualmente claro que estes devem ser finalmente combinados. O verdadeiro problema da teoria do Direito é delinear como isto é possível. Até mesmo Hans Kelsen levantou esta questão, o que significa dizer que até ele adotou o ponto de partida que acaba de ser apresentado.
II - Dogmática e Zetética do Direito
Muitas teorias têm sido aventadas para caracterizar os enfoques do raciocínio jurídico acima mencionados. Estas teorias, em particular, examinam os usos apropriados dos diferentes enfoques e gozaram de alguma popularidade na Alemanha. Distinções são feitas entre as ciências naturais e as humanas, as ciências reais e as ideais, as ciências do ser e do dever ser (Seins und Sollens-Wissenshcaften) e outras classificações similares. Não discutiremos aqui estas teorias mas retornaremos ao nosso ponto de partida, oferecendo algumas opiniões próprias.
Inicialmente, parece aconselhável vislumbrar cada campo do conhecimento que seja de algum interesse aqui (ou em qualquer lugar) como fez Collingwood: como uma estrutura de perguntas e respostas (7) . Para estruturar um certo campo do conhecimento ou da chamada ciência, descrevemos um campo de perguntas, oferecemos certos pontos de vista como respostas, e destacamos o método de exame de acordo com o qual as respostas oferecidas possam ser aceitas ou rejeitadas. Isto é o que deve ser entendido por "estrutura de perguntas e respostas".
Obviamente, no decorrer de desenvolvimento ulterior, é possível dar ênfase tanto à parte da pergunta quanto à da resposta da estrutura dada. Quando a ênfase reside nas perguntas, mesmo os mais importantes pontos de vista que são adotados como resposta são postos em dúvida. São sugestões vulneráveis, já que são consideradas como mera tentativa. Permanecem preliminares e incertas. Sua formulação deve facilitar a discussão, o desafio e mesmo a refutação. Não devem ser tomadas por definitivas, e sua verdadeira função é caracterizar o horizonte das perguntas no campo eleito.
Quando a ênfase recai sobre as respostas, certos pontos de vista, adotados como respostas, ficam explicitamente excluídos de toda discussão. Não são postos em dúvida. São considerados como atemporais, como absolutos. Conseqüentemente, dominam todas as respostas que se seguem. Estas últimas devem demonstrar que, de alguma maneira aceitável, são compatíveis com as intangíveis respostas básicas.
Em outras palavras, o primeiro modelo é uma questão de investigação: é construído um campo de investigação em que as opiniões (proposições) são duvidosas e examinadas repetidamente. Como a palavra grega para designar isto é zetein, estas tentativas intelectuais podem ser chamadas zetéticas. O segundo modelo é uma questão de fixar certas opiniões: constrói-se um firme campo de opinião, cuja validade é intangível e com o qual se prova a validade de novas opiniões. Como "formar uma opinião" é dokein em grego e "opinião" é dogma, nos referimos aqui à dogmática. (8)
Se aplicamos estes termos ao nosso raciocínio jurídico constataremos que ele consiste ao mesmo tempo em dogmática e em zetética. Para ser mais exato, de um lado há um raciocínio jurídico com uma função zetética e uma estrutura correspondente; no outro, há um raciocínio jurídico com uma função dogmática e uma estrutura correspondente. É obvio que ambos os modos de pensamento são com freqüência intimamente combinados in praxi, mas devem ser mantidos separados in thesi. Ademais, é importante notar que um modo de pensamento pode ser facilmente transformado no outro. Para fazê-lo, temos somente que colocar em dúvida uma proposição que era intangível até então, ou declarar inquestionával uma proposição que até agora era problemática. Mais ainda devemos lembrar que transições inconscientes deste tipo freqüentemente acontecem no pensamento cotidiano, que está muito próximo do jurídico. Estas dogmatizações e desdogmatizações são bem comuns.
Podemos dizer que todo o campo do raciocínio pode ser dividido em dogmática do Direito e zetética do Direito (investigação acerca do direito). Como exemplos de dogmática do Direito, podemos apontar áreas particulares de sistemas jurídicos específicos, por exemplo, Direito Público francês, Direito Criminal inglês, Direito Privado alemão, etc. É obvio que o matiz nacional da dogmática é de considerável importância e é provável que se mantenha em amplas áreas do direito por um longo tempo, mesmo e particularmente no Direito Comparado. A zetética do direito pode ser subdividida em zetética especial (disciplina de investigação sobre o Direito) e zetética filosófica geral (investigação filosófica). As seguintes disciplinas são exemplos de zetética do Direito (Rechtsforschung): História do Direito, Sociologia do Direito, Psicologia do Direito, Criminologia, etc. Estamos, portanto, envolvidos com disciplinas que podem ser melhor praticadas internacionalmente. É evidente que na Filosofia do Direito, a Filosofia zetética se manifesta como investigação básica. Alternativas ao Direito Positivo têm sido sempre tidas como possíveis, e o direito positivo é assim visto a partir de uma distância crítica e analítica.
As questões essenciais do raciocínio jurídico que estão envolvidas nas discussões atuais acerca da reforma do ensino jurídico podem ser formuladas nos termos do esquema esboçado acima. (9) Como estes diferentes modos de pensamento sobre o direito se relacionam entre si? Podem ser conectados adequadamente, e, se possível, como podem ser conectados? São todos relevantes? Por exemplo, a visão de que apenas um modo de pensamento sobre o Direito era relevante foi favorecida depois que a Sociologia do Direito teve seus postulados aceitos no último século. Não somente Eugen Ehrlich (falecido em 1923) na Áustria, mas também Emile Durkheim (falecido em 1917) na França esperavam que a Sociologia do Direito substituísse a dogmática do Direito. Hans Kelsen se opõe a isto a partir de um posicionamento neokantiano, defendendo a independência da dogmática do Direito, introduzindo a categoria da normatividade.
Naturalmente, é impossível examinar completamente estes problemas aqui. No entanto, espero ter esclarecido as linhas que esta discussão tomará. Devemos estar satisfeitos em segui-la em poucos passos numa única direção, observando atentamente o raciocínio dogmático.
A finalidade do raciocínio dogmático é fixar certas opiniões; isto é, isentá-las de qualquer questionamento posterior. (No Direito, opiniões são postas fora de questão com o propósito de minimizar distúrbios num grupo social maior ou menor e de fornecer um mecanismo capaz de responder adequadamente a qualquer distúrbio que ocorra). Este é o objetivo do pensamento legal dogmático. É performático. Sua função social deve estar sempre em mente. Esta função o estrutura e determina seu progresso. Demanda a estabilização de um corpo central de princípios que por um lado deve ser mantido como básico dogma fundamentalmente imutável e, pelo outro, deve possuir certa flexibilidade. Isto significa que o corpo central de princípios deve ser suscetível de interpretação, e, sob o ponto de vista lingüístico, suficientemente elástico para ser preservado, apesar de tomar diversas formas em resposta a situações diferentes.
O pensamento legal dogmático tem um efeito social através da forma conceitual e lingüística na qual estabelece certas opiniões. Estas opiniões comunicam uma convicção (10) , elas influenciam pessoas (11), e, finalmente, são explicitamente formuladas como instruções (12) . Em contraste com o raciocínio zetético, o raciocínio dogmático não tem função propriamente cognitiva. Este aspecto do pensamento dogmático é notável, e várias análises que seguem outras linhas de argumentação caracterizaram o raciocínio jurídico, isto é, o raciocínio jurídico dogmático ou jurisprudencial (13) como não cognitivo e extraíram daqui conclusões de maior ou menor alcance. (14) Inicialmente, muitos pensadores se alinharam ao ponto de vista segundo o qual faltava racionalidade ao raciocínio jurídico dogmático e que ele deveria, assim, ser caracterizado como um campo de racionalidade, o qual poderia, na melhor das hipóteses, ser esclarecido pela Psicologia ou Psicanálise. Mais tarde, foi argüído convincentemente que o termo "racionalidade" deveria ser submetido a nova análise (15). Viu-se então claramente que o pensamento jurídico dogmático, a prudentia juris enquanto tal, se torna o objeto do raciocínio jurídico zetético; podemos criar jurisprudência por um lado, e metajurisprudência por outro.
Há um risco de que estes dois modos de pensamento possam ser confundidos. Este risco está sempre presente e pode ser demonstrado em vários momentos: por exemplo, se falamos sobre a teoria do direito, deve estar claro se se trata da teoria dogmática ou da zetética, pois suas características são inteiramente diferentes. Uma teoria jurídica dogmática é uma doutrina básica da dogmática do Direito. Foi mencionado acima que, neste sentido, a teoria do direito racional tornou-se finalmente a doutrina básica dos sistemas jurídicos do Ocidente. Dentro deste marco, doutrinas jurídicas foram desenvolvidas: por exemplo, aquela relativa à indenização no Direito francês. Geralmente, estas doutrinas podem ser inferidas com exatidão suficiente a partir de constituições políticas e leis sobre a matéria na jurisdição relevante. É verdade que contêm elementos cognitivos, pois freqüentemente emergem de uma teoria zetética, mas não são decididamente teorias com uma função primariamente cognitiva, isto é, não são teorias zetéticas ou teorias de investigação. Ao contrário, uma teoria deste tipo tem, precipuamente, uma função social, devendo preencher todos os requisitos de uma tal teoria. Não necessita, todavia, preencher os requisitos de uma teoria de investigação. Só pode, por exemplo, regular comportamentos, quando não se recusa a dar respostas essenciais nos seus campos de problemas. Conseqüentemente, deve tornar disponível uma totalidade satisfatória de respostas para um certo tipo de questões sociais. Desta maneira, alguma intenção holística deve ser-lhe inerente.
Se dificuldades surgirem ao lidar com os problemas sociais acima mencionados, tal teoria não deve, de forma alguma, abandonar seus dogmas básicos, porém eles só podem ser tranformados por alterações constitucionais ou revolucionárias da Constituição. Assim, como regra, os dogmas básicos têm que ser mantidos. Para isto, uma nova interpretação precisa, se necessário, ser-lhe dada; elas precisam ser suplementadas tanto em um sentido restritivo, como em um extensivo. Tais novas interpretações e retoques (arrondements) são característicos do pensamento jurídico dogmático. Estas interpretações são condicionadas por sua função. Isto significa que elas desejam manter a estrutura social de comportamento em uma certa ordem, ou (talvez) emendar esta estrutura dentro do significado desta ordem, e, certamente, induzir uma predisposição e prontidão em consentir esta estrutura de ordem. O jurista prático diariamente aplica a teoria dogmática do Direito neste sentido. Esta teoria do Direito pode ser também chamada de uma ideologia do Direito, se ideologia for entendida como uma mera teoria com uma função social (16) .
Não é necessário apontar explicitamente que um cientista usa sua teoria zetética, por exemplo, uma teoria sociológica ou normativa do Direito, de qualquer forma que não esta. Ele não adere a sua teoria com intuito de estruturar um comportamento social, como faz o jurista. De preferência, para adquirir novo conhecimento, ele examina sua teoria no seu campo de investigação e está sempre disposto a modificá-la.
Algumas vezes, as correntes intelectuais enfatizaram a zetética, outras vezes, a dogmática do Direito. Estes modelos de pensamento são opostos entre si, embora se completem um ao outro. Algumas dogmatizações são aparentemente indispensáveis na vida social; particularmente no Direito. Se, no entanto, elas alcançam graus de proliferação perturbadores (Luxerrieren), do que lhering, entre outros, ridicularizou, (17) ou se são claramente ultrapassadas pelos desenvolvimentos sociais, então, regularmente, elas causam reações zetéticas. Tanto nas sociedades não socialistas quanto nas socialistas, a aversão é geralmente a resposta à ideologização, dogmatização, institucionalização e à consolidação do "establishment".
III - O Sistema Jurídico
A teoria do Direito Racional, que discutimos anteriormente, tentou dar uma solução fácil para o recorrente problema da natureza do sistema jurídico. Elegendo a estrutura dedutiva da matemática como seu modelo e pretendendo ser hábil a fornecer um completo sistema de demonstrações com a ajuda de poucos conceitos básicos irrefutáveis, o raciocínio jurídico significou, assim, pensar em termos de um sistema legal dedutivo, e solucionar casos por uma correspondente classificação sistemática. No entanto, o entendimento histórico e o mutante mundo social do século XIX causaram dúvida nas presumidas irrefutabilidade e fertilidade dos axiomas legais. O caráter multifacetado do raciocínio jurídico foi reconhecido. O conceito de sistema jurídico torna-se novamente problemático, e outros conceitos, como a racionalidade e a ciência, afetados. Atualmente, é possível dizer que a revisão de nossos conceitos básicos encontra-se em total oscilação.
Vejamos então o problema do conceito de sistema jurídico, usando os conceitos já apresentados. Parece aconselhável examinar os sistemas jurídicos com referência a suas funções, como também com suas estruturas; e indagar a respeito da conexão entre ambas. Deve ser sensato diferenciar entre sistemas com funções dogmáticas e zetéticas e notar uma função didática freqüentemente adicionada. Uma vez que os sistemas, separados de acordo com a função, apresentam estruturas diferentes, uma diferenciação estrutural é possível entre os sistemas seriais, dedutivos, cibernéticos, dialéticos modernos e dialéticos clássicos (18).
"Sistema" pode não significar nada além de uma combinação que constitui um todo em certo sentido. Mesmo uma mera combinação enumerativa (por exemplo: alfabética) de pontos de vista adequados a um certo campo constitui um sistema, aqui um sistema serial. Tais sistemas não são irrelevantes no âmbito do Direito. São úteis onde o conhecimento serve para obter informação. Sabemos também que antigas doutrinas de princípios, numa ordem jurídica, são freqüentemente colecionadas e preservadas com auxílio de uma simples técnica mnemônica. Etnólogos afirmam que entre povos primitivos, o puro cálculo enumerativo de aspectos jurídicos relativos a um problema de Direito assume papel decisivo em julgamentos. Em muitos casos, tais catálogos enumerativos de possíveis respostas a questões jurídicas têm chegado até nós: D50, 17 no Corpus Juris é um exemplo muito conhecido. Catálogos jurídicos posteriores de topoi (pontos de vista), especialmente aqueles da Renascença, serviram para estimular sistematizações em níveis mais elevados.
Após um adequado reagrupamento dos conteúdos de tais catálogos, um sistema dedutivo poderia facilmente ser desenvolvido. Tal sistema já foi acima mencionado. Os pontos mais importantes neste conceito de sistema são a incontestável validade dos princípios usados como premissas do sistema e o desenvolvimento de um todo multiforme mediante a dedução a partir destes princípios. Na jurisprudência européia, este conceito de sistema encontra-se tão difundido que muitas vezes é considerado como o único possível, levando ao esquecimento dos outros.
Todavia, o sistema dedutivo pode ter apenas um significado parcial no campo da pesquisa sobre o Direito. Parece melhor adequado à dogmática do Direito. Seus princípios são estabelecidos dogmaticamente, e o restante é deduzido. De fato, entretanto, o sistema dogmático dedutivo poderia ser mantido como tal somente se qualquer um pudesse rejeitar casos nele não solucionáveis. Isto, entretanto, não é permitido, como é melhor ilustrado pelo art. 4° do Code Civile. Uma decisão é absolutamente necessária. Conseqüentemente, o jurista precisa constantemente alternar seu sistema para um grau maior ou menor de acordo com as interpretações necessárias. O que persiste não é certamente um sistema estrito de dedução. Atualmente, entretanto, o ponto seguinte não precisa ser supervisionado: num clima econômico suficientemente estruturado e estabelecido, zonas relevantes do Direito são programadas para um âmbito onde as decisões necessárias em casos litigiosos geralmente resultam de simples deduções. A regulação de negócios esquematizada por lei ou contrato assegura este sucesso nas sociedades não socialistas, tanto quanto nas socialistas. O juiz parece dispensável nestes casos; uma automatização adequada pode facilmente substituí-lo. Porém, isto significa que sistemáticas dedutivas são utilizadas em seções dogmaticamente simplificadas que formam vastos segmentos da sociedade industrial.
Na automatização, as sistemáticas dedutivas são combinadas com o sistema cibernético. O princípio fundamental deste sistema - a auto-regulação já é de definitiva importância para a dogmática do Direito, tanto como para a investigação acerca do Direito, particularmente a Sociologia do Direito.
Após alguma hesitação, o mundo socialista adotou entusiasticamente o sistema cibernético. Além dos requisitos práticos, motivos ideológicos foram o fator decisivo nesta etapa. A cibernética ajusta-se bem ao sistema omnicompreensivo do materialismo dialético. Mais ainda, servem para invalidar conceitos teleológicos de conveniência ideológica que, sem dúvida, influenciaram a teoria não socialista do Direito (19).
É reconhecido que o sistema dialético moderno o sistema de cunho hegeliano tanto à direita como à esquerda participou de forma efetiva da jurisprudência dos séculos XIX e XX. Este é um tema amplo, igualmente com elementos ideológicos e críticos da ideologia. É suficiente perceber que este sistema provavelmente deve seu sucesso primariamente a sua unidade única de dogmática do Direito. Esta unidade tem sido concluída apresentando-se um compreensivo ponto de vista histórico e filosófico e mantendo-o como seu dogma básico. Se este preço parece muito alto se este dogma não é adotado, ou se finalmente perde sua validade com o fim do capitalismo de acordo com as previsões marxistas a dialética clássica ou sistema tópico tornar-se-á novamente interessante.
Espero concluir minhas breves considerações com umas poucas observações sobre o sistema tópico. Este sistema é extraído da retórica. Mantém-se estruturalmente conectado com a retórica (20) e se restringe a um sistema argumentativo. Está integralmente orientado para problemas. Para resolvê-los, tanto no campo da investigação como no da dogmática, oferece uma combinação de pontos de vista (topoi), os quais são discutidos. O agrupamento dos topoi correspondentes aos problemas pode ser entendido como um sistema clássico no campo do Direito no sentido de que os outros sistemas podem ser desenvolvidos a partir dele. O sistema tópico está em permanente modificação. Suas respectivas formulações indicam, meramente, progressivas etapas da argumentação lidando com problemas particulares. O sistema pode ser razoavelmente chamado de um sistema aberto, já que a discussão, isto é, seu enfoque de um problema particular, está aberto a novos pontos de vista. Em relação ao seu conteúdo, este renuncia à noção de um argumento final ou decisivo, porém recomenda um método de argumentação que proceda não dedutivamente mas dialogicamente. Sua ultima ratio é o discurso razoável (Verenunftiges Reden) (21). Notas: (1) Texto traduzido por Carolina de Campos Melo, bolsista do PET-JUR, do original inglês Law, Reason and Justice: Essays in Legal Philosophy. Organizado por Graham Hughes. Nova Iorque: New York University Press e Londres: University of London Press, 1969 (2) ver G. Gottlieb, The Logic of Choice, 1968 (3) ver Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit (2a. ed., 1967), p. 378 e ss. (4) Gustavo Hugo, Lehrbuch eines civilistischen Cursus (2a. ed., 1799), Seção 16. (5) ver Erik Wolf, Grosse Rechtsdenker der deutschen Geistesgeschichte (3a. ed., 1951), p. 487. (6) ver Gisela Wild, Leopold August Warnkönig 1794 - 1866 (1961). (7) R. G. Collingwood, An Autobiography (3a. ed., 1951), Chap. V. (8) ver Theodor Viehweg, Systemprobleme in Rechtsdogmatik und Rechtsforschung in Studien zur Wissenschaftstheorie, BK, 2 (1968), p. 96 e ss. (9) A famosa Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, Filosofia do Direito (1965), Titulo X, p. 433 e ss. é colocada de forma diversa. (10) ver A. J. Ayer, On the Analysis of Moral Judgements in Philosophical Essays (1959), p. 231 e ss. (11) C. L. Stevenson, Ethics and Language (1960). (12) ver R. M. Hare, The Language of Morals (1961); Freedom and Reason (1965). (13) Ottmar Ballweg, Quelques progrés de recherches dans le domaine: Science, Prudence et Philosophie du Droit. 52 Archiv für Rechts - und Sozialphilosophie (1966), p. 221 e ss. (14) ver Hans Albert, Ethik und Metaethik. Das Dilemma der analytischen Moralphilosophie in 11 Archiv für Philosophie (1961), p. 28 e ss., especialmente p. 34. (15) ver G. Gottlieb, op.cit. supra nota 1. (16) ver Leszek Kolakowski, Der Mensch ohne Alternative (1960) p. 24 e ss. (17) ver Rudolf Von Ihering, Scherz und Ernst in der Jurisprudenz (1884) especialmente Dritte Abteilung: Im juristischen Begriffshimmel. (18) ver Theodor Viehweg, op. cit. supra nota 7. (19) ver em Georg Klaus, Manfred Buhr, Philosophisches Wörterbuch (4a. ed., 1966), o artigo Kybernetik. (20) ver Ch. Perelman e L. Olbrechts - Tyteca, Traité de lArgumentation (La nouvelle Rhéthorique) (1958); Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz (3a. ed., 1965). (21) ver Wilhem Kamlah, Paul Lorenzen, Logische Propädeutik (1967), especialmente Capítulo VI.