Silvânio Covas
Com a finalidade de destacar a evolução do pensamento da comunidade jurídica acerca dos limites temporais de permanência do registro de informações negativas nos bancos de dados dos órgãos de proteção ao crédito, haja vista a entrada em vigor do Novo Código Civil e a interpretação que passou a ser divulgada acerca de alguns de seus dispositivos, em relação ao artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, o Boletim Jurídico - Serasa Legal tratou do tema em quatro oportunidades distintas, destacando ora textos doutrinários, ora jurisprudenciais.
A Serasa, considerada, nos termos do § 4º do art. 43 do Código de Defesa do Consumidor, como entidade de caráter público, tem a responsabilidade de esclarecer a toda a sociedade o assunto em tela, dada a sua relevância.
Dessa forma, revisita-se o assunto, para sintetizar os apontamentos expendidos pela doutrina e pela jurisprudência, a eles agregando recente manifestação administrativa e outras jurisprudenciais.
Os limites temporais a que se sujeitam os órgãos de proteção ao crédito para a manutenção de informações nos seus bancos de dados encontram-se no artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se dos §§ 1º e 5º do aludido artigo, segundo os quais os referidos órgãos, além de não poderem manter em suas bases de dados informações negativas referentes a período superior a cinco anos, também devem proceder ao cancelamento dos registros de débitos prescritos.
Ao discorrerem sobre o assunto, alguns doutrinadores concluíram que o Código Civil de 2002 não trouxe qualquer alteração na disciplina concernente aos limites temporais para registro de informações nos bancos de dados dos órgãos de proteção ao crédito.
Leonardo Roscoe Bessa, Promotor de Justiça Titular da 2ª Promotoria de Defesa do Consumidor de Brasília, no Boletim Jurídico - Serasa Legal n.º 17 e Fábio Ulhoa Coelho, no Boletim Jurídico Serasa Legal n.º 18, são exemplos de estudiosos do Direito os quais concluíram pela manutenção do prazo de 05 (cinco) anos para a permanência das anotações negativas nos bancos de dados, após o advento do Novo Código Civil.
Importante posicionamento judicial, da lavra do Eminente Juiz de Direito Guilherme Santini Teodoro, negando liminar em ação civil pública proposta por associação civil (Boletim Serasa Legal n.º 19), encontra-se reafirmado em sentença proferida na referida ação, segundo a qual A restrição cadastral correspondente à ação cambial pode durar três anos (art. 43, § 5º do Código de Defesa do Consumidor). Mas, como subsiste também a ação ordinária (ou monitória) de enriquecimento injusto, a restrição pode ser divulgada por mais dois anos, perfazendo o limite de cinco anos do art. 43, § 1º do Código de Defesa do Consumidor.
Em outra passagem, na mesma decisão, o eminente magistrado pontifica:
As hipóteses consideradas bem demonstram o quanto afirmado: o Código Civil de 2002 não alterou o limite do art. 43, § 1º do Código de Defesa do Consumidor, regra que não dispõe sobre prescrição de títulos de crédito ou instrumentos particulares de dívida líqüida..
O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, vem, reiteradamente, reconhecendo o entendimento segundo o qual a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor não se restringe à ação de execução, pois ainda que prescrito o título executivo extrajudicial relativo ao débito, o ordenamento jurídico vigente contempla outros meios pelos quais o direito de crédito poderá ser perseguido pelo credor, a exemplo da ação monitória, da ação de locupletamento e da ação de cobrança pelo rito ordinário (Boletim Serasa Legal n.º 20). Exemplo disso são as recentes decisões da Exma. Ministra Nancy Andrighi, das quais podem-se citar os Recursos Especiais nºs 473.873, 471.229, 514.968, 540.506 e 534.066.
Administrativamente, não foi outro o entendimento do DPDC - Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão da SDE - Secretaria de Direito Econômico, integrante do MJ - Ministério da Justiça, conforme Nota Técnica DPDC S/N.º 2003, da qual destacamos o seguinte:
(...)2.Preliminarmente, vale registrar que a entrada em vigor do NCCB foi acompanhada de rumores acerca da derrogação do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a aparente coincidência entre o campo de abrangência dessas normas em determinados setores, máxime em relação a serviços.
3.Todavia, a melhor solução para a questão da intertemporalidade das leis sugere a coexistência das normas que não têm campo de abrangência rigorosamente idêntico, como é o caso, impondo que as fontes dialoguem entre si. Com essa percepção técnica própria à análise de um Direito Social, conclui-se que, longe de revogar o microssistema principiológico do Diploma Consumerista, o que se percebe, em verdade, é que o Código Civil de 2002 estabelece uma novel fonte que reafirma valores já insertos na Lei 8.078/90, tais como a boa-fé objetiva, a função social do contrato, a probidade e a proteção contra a onerosidade excessiva.
4. Dessa forma, o CDC permanece em vigor como lei especial subjetiva sobre as relações de consumo e tudo indica que o diálogo das fontes se dará da seguinte forma: O CDC servirá de apoio paradigmático na interpretação das novas regras sociais positivadas pelo NCCB, assim como este contribuirá democratizando a aplicabilidade de princípios valorativos que antes encontravam clara resistência da corrente mais ortodoxa dos aplicadores do direito. (...)
6. Assim, com a entrada em vigor do Novo Código Civil Brasileiro, reduzindo alguns prazos prescricionais previstos na lei revogada, houve o questionamento sobre eventual influência dessa lei no prazo para manutenção do registro de dívidas prescritas em banco de dados de consumidores, à vista do disposto no § 5.º do art. 43 do CDC...
7. Ocorre que, salvo melhor juízo, os prazos prescricionais das dívidas de consumo não foram REDUZIDOS com a entrada em vigor do NCCB, donde se infere que pouca coisa mudou no que toca ao tema proposto.
(...)
9. A principal norma do NCCB que se refere às dívidas de consumo em geral é aquela estabelecida pelo seu art. 206, § 5º, I que fixa o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. Embora se reconheça que esse dispositivo soluciona questões controvertidas, fixando um prazo inferior àquele então em vigor de 20 (vinte) anos para a prescrição de dívidas de consumo como as de telefonia móvel celular, nada muda no que toca ao prazo de permanência do registro da inadimplência no banco de dados, pois o novo prazo é o mesmo do § 1º do art. 43 do CDC.
(...)
13. Por fim, e a maior discussão firmou-se justamente neste ponto, há o prazo de prescrição da pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do seu vencimento (NCCB, art. 206, § 3º, VIII). Ocorre que tal prescrição não alcança a dívida em si, dizendo respeito apenas à respectiva ação cambial. Ademais, a norma em tela ressalva os prazos já estabelecidos em leis especiais. Assim, como os títulos cambiais mais comuns às relações de consumo já estão disciplinados em leis próprias, que já dispõem sobre prazos prescricionais iguais ou inferiores a 3 (três) anos, também nesse particular nada mudou com a entrada em vigor do NCCB.
(...)
17.Quanto aos demais prazos de prescrição fixados pelo art. 206 do NCCB, por derradeiro, aparentemente eles não guardam qualquer afinidade com alguma relação que importe em dívida de consumo.
18.Diante do exposto, conclui-se que:
a) A redução de alguns prazos prescricionais implementada pelo Novo Código Civil não altera significativamente a aplicação prática do disposto no art. 43, § 5º do CDC, isto é, não se constata que alguma dessas minorações de prazos imposta pelo art. 206 do NCCB tenha influído de alguma forma nas prescrições relativas à cobrança de débitos do consumidor, ressalvado o entendimento em sentido contrário de um dos autores do anteprojeto do CDC. (...)
DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR
SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
A ordem jurídica tem por finalidade a redução das incertezas, na sociedade. Diante de uma norma, cabe ao operador do Direito interpretá-la, harmonizando-a com o sistema jurídico no qual ela se acha inserida.
Nesse contexto, reafirma-se que, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 não houve qualquer alteração em relação ao art. 43 do Código de Defesa do Consumidor. Tal entendimento, escorado nos precedentes doutrinários e jurisprudenciais e na manifestação administrativa acima colacionada é fonte segura para o enfrentamento do tema.
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Superintendente jurídico da Serasa e mestre em Direito pela PUC/SP