A paternidade socioafetiva

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28/09/2022 às 17:15
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INTRODUÇÃO

Na medida em que a sociedade vem evoluindo, novas nomenclaturas de família foram surgindo, ou seja, hoje é possível encontrar novas estruturas que compõe famílias chamadas de famílias informais, sejam elas, famílias homo afetivas; anaparental; monoparental; pluriparental; multiparental e entre outras.

Com o surgimento cada vez maior das famílias socioafetiva os pedidos de adoção e o reconhecimento de paternidade apresentaram um crescimento considerável.

O STF em julgar o Recurso Extraordinário 898-060 SC e da análise de Repercussão Geral 622, reconheceu a família socioafetiva como parentesco, tendo em vista que a afetividade sobrepõe à paternidade biológica.

A paternidade afetiva, ganhou o direito do reconhecimento do vínculo de filiação agregando o direito de assento no registro civil da pessoa natural, gerando efeitos jurídicos próprios.

A doutrina e as decisões jurisprudenciais serão unanimes em citar que na evolução das filiações socioafetivas, a uma importância enorme no Registro Civil como reconhecimento das entidades familiares e seus aspectos incorporadores deste.


PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMILIA

O Princípio do Direito de família está intimamente ligado aos Princípios Constitucionais garantidores com a vigência da Constituição Federal de 1988. Vários princípios foram direcionados ao Direito de Família, especialmente o princípio da dignidade da pessoa humana denominada pelo professor Flávio Tartuce (2016, p. 1183) como o princípio máximo, superprincípio, macroprincípio, ou princípio dos princípios.

Outros princípios também ganharam grande importância, como por exemplo, o princípio da igualdade; princípio da liberdade; princípio da afetividade e outros que sustentam o direito de família.

Segundo Gagliano e Filho:

A principiologias do direito de família divide-se em dois princípios gerais e o princípio especiais. Os princípios gerais aplicados no Direito de Família subdividem em: dignidade da pessoa humana; igualdade e vedação ao retrocesso já os princípios especiais peculiares ao direito de família subdividem em: afetividade; solidariedade família; função social da família; plena proteção à criança e ao adolescente; convivência familiar; intervenção mínima do Estado e proteção ao idoso. (2017 p. 58)

O artigo 226, caput, da Constituição Federal estabelece ser a família a base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Portanto o Estado tem o dever de proteção, e a família o dever de cuidar conforme o artigo 227, caput:

ART 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim o Direito de família ganhou corpo e um grande avanço impondo ao Estado o dever de proteção, e a família o dever de cuidar.

Deste modo, a família moderna atinge a realidade social, atendendo as necessidades e os anseios da prole e maior interação entre cônjuges ou companheiros.

PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Um dos princípios principais e que deve ser ressaltado quando se fala em família sócio afetiva é o princípio norteador, o princípio do afeto, ele é o liame entre as relações familiares unidas por sentimentos que transcendem os laços consanguíneos, sem amor não há que se falar em afeto, apenas lado extrínseco de uma aparência ou por interesses pessoais.

O afeto é o lado mais puro, a alma ligada aos laços familiares consistente no amor, na igualdade e na fraternidade, princípio básico para dignidade da família. Não importam as várias entidades familiares, sua constituição deve ser pautada pelos laços afetivos apoiados pela moral e pela ética.

Não se pode fechar os olhos para as novas formas de constituição familiar, entretanto o que prevalece é o laço afetivo que como uma bolha envolve toda família independentemente das suas origens, em suma o que importa mais é o viés de afeto do que propriamente a sexualidade. Enxugada pelo simples reconhecimento de união entre pessoas do mesmo sexo.

Para Maria Berenice Dias (2017, p 78))

De forma cômoda, o Judiciário busca subterfúgios no campo do Direito das Obrigações, identificando como uma sociedade de fato o que nada mais é do que uma sociedade de afeto. A exclusão de tais relacionamentos da órbita do Direito de Família acaba impedindo a concessão dos direitos que defluem das relações familiares, tais como: herança, usufruto, habilitação, alimentos, benefícios previdenciários, entre tantos outros.

Berenice (2001, p.102 apud GAGLIANO; FILHO, 2017 p.95) Conclui ainda:

Indispensável que se reconheça que os vínculos homoafetivos muito mais do que relação homossexuais configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito. Está na hora de o Estado, que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana, reconhecer que todos os cidadãos dispõem do direito individual à liberdade, do direito social de escolha e do direito humano à felicidade

Assim todas as entidades familiares merecem o reconhecimento do Estado e sua proteção, garantindo assim uma forma mais justa e igualitária para busca da felicidade.

Nas palavras de Pessanha (2011, p.5):

É por meio do amor que se busca demonstrar o afeto, tornando-se de grande relevância jurídica o princípio da afetividade, com a finalidade precípua de constituição familiar, uma vez que a afetividade busca aproximar as pessoas e é elemento basilar a formação e estruturação familiar na atualidade. Assim, todas as entidades familiares alicerçadas no afeto são merecedoras de proteção total do Estado, através de interpretação do artigo 226, da Constituição Federal, onde estão às famílias heteroafetivas (casamento ou união estável), homoafetivas, monoparentais, socioafetivas, entre outras, nas quais todas são entidades familiares merecedoras de todos os direitos que lhe são inerentes.

O ambiente familiar passou a ser ligado em laços de afetividade, de forma pública, contínua e duradoura, tendo assistência mútua entre os membros daquela entidade familiar, com o primado de busca de felicidade, sendo por isso, a família, de acordo com a Constituição Federal, a base da sociedade brasileira.

Portanto, a afetividade deve ser considerada como princípio constitucional implícito ao aproximar pessoas, dando origem aos relacionamentos que geram relações jurídicas formando o status familiar, que contribui para a felicidade individual e/ou coletiva.


TIPOS DE FAMÍLIA

A Família é o marco inicial da existência da sociedade em que vivemos, o núcleo central é a sua formação que consiste no amor ligado entre duas pessoas consagradas pelo casamento. Assim consolidava a família perante a igreja e a sociedade.

Ao longo dos tempos esse conceito foi mudando e passou-se a entender que família é muito mais do que o enlace matrimonial consagrado pelo casamento, mas apenas como uma união constituída de amor, afeto, afinidade e respeito mútuo.

Seguindo essa linha, Gagliano e Filho (2013 p.49):

Família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes, segundo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

A base da família é o amor, vigorado pelo sentimento afetivo que envolve os laços consanguíneos ou não consanguíneos de todos os indivíduos que a incorporam.


PATERNIDADE

Paternidade, substantivo feminino que vem do latim Paternitas, ou seja, qualidade atribuída ao pai, já para a mãe utiliza-se materna, embora ambos completem o significado de paternidade, pois é o ato de gerar um filho.

Paternidade ato que confere ao pai ou a mãe dever de afeto, amor e cuidado, pois a paternidade não está ligada apenas ao ato de gerar um filho, vai mais além é um ato de amor.

A paternidade está ligada na adoção pelo ato do amor, assim tanto a paternidade biológica quanto a paternidade socioafetiva corresponde a um só ato: amar seus filhos.

Historicamente a pessoa ao ser gerada constitui um DNA, uma genética capaz de promover suas características adquiridas.

Acontece que quando não se descobre o pai biológico, a essência destas características se perde, retirando da pessoa o direito de conhecer seus ancestrais e descobrir sua verdadeira origem.

Esta falta passa a ser suprida por um pai socioafetivo, portanto a paternidade socioafetiva envolvida de amor, afeto, não retira o direito de se buscar suas raízes, mas supre a falta de quem deveria estar mais presente.


PODER FAMILIAR

Poder Familiar é a expressão adotada pelo Código Civil, porém para compreender essa expressão é necessário conhecer sua origem o que nada se compara com essa expressão adotada pelo Código Civil atual.

A expressão Pátrio poder ou pater potesta significa direito absoluto conferida ao pai sobre os filhos, isso significa que a ele é conferido todos os poderes inclusive de matar o filho jus vitae et necis, esse direito estendeu até a República, apenas no século II, sobre a influência de Justiniano, os poderes do chefe de família limitou ao direito de correção dos atos da prole, de acordo com Miranda (1947, p.109 apud MADALENO, 2016 p.687).

Já para os romanos o modelo de família predominava o princípio da autoridade (pater famílias), o senhor absoluto do lar, a ele todos deviam obediência, seja a esposa, filhos, netos irmãos, clientes, libertos, escravos e as pessoas colocadas in mancipio.

Historicamente, o poder do chefe antigamente era tão absoluto que conferia a ele o poder de venda dos filhos com uma duração de cinco anos, uma espécie de suspensão do pátrio poder, essa finalidade de venda era em pró do grupo familiar que por questões financeiras a família cometia o sacrifício de um de seus integrantes para suprir a necessidade de todos.

Outro ponto que era conferido ao chefe da família era a noxae delitio, significava que o filho era entregue a vítima de um dano por ele causado, uma forma de compensação com os prejuízos mediante prestação de serviços.

Para concluir essa fase imperiosa ao chefe da família era conferido a faculdade de abandonar o filho recém-nascido (ius expomendi) quando esse nascesse uma criança débil.

Com o cristianismo esse poder de mando encerra pondo um fim nos poderes que era conferido ao chefe da família, em que já não mais podia dispor da vida de seus filhos, sendo proibida a venda, a morte ou a entrega do filho a um credor.

Mas com a influência do cristianismo o poder familiar assumiu característica protetivo, no sentido de os pais zelarem pela formação integral dos filhos, firmado pela Constituição Federal no artigo 227, competindo aos pais com absoluta prioridade assegurando à criança total proteção, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, deixando-o a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O poder aqui já não transcende, entretanto no Código Civil atual ainda é utilizada a expressão poder o que remete imediatamente ao domínio, o que é democraticamente afastada.

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De acordo com Mizrahi (2019 p.240 apud MADALENO, 2016 p. 688)

O poder gera a probabilidade de asfixiar o menor em sua célula parental, desencadeando neuroses infantis, ao passo que a expressão dever se inclina a auxiliá-lo para convertê-lo em um ser pleno em suas forças criativas prossegue o autor o termo responsabilidade parental utilizado pelo vigente Código Civil e Comercial da argentina ajudará a eliminar os vestígios autoritários existentes na atuação dos progenitores, porquanto a pátria potestade se transformou em responsabilidade parental, que os pais assumem em somatório de responsabilidades com a finalidade de satisfazer os interesses superiores dos filhos.

O conceito de Pátrio Poder foi definido sendo conjunto de direitos concedidos ao pai, ou à própria mãe, a fim de que, graças a eles, possa melhor desempenhar a sua missão de guardar, defender e educar os filhos, formando-os e robustecendo-os para a sociedade e a vida, de acordo com Carvalho (1995, p. 175. apud MADALENO, 2016 p.688).

Percebe-se que há um limite da autoridade parental exercida sobre os filhos enquanto menores e incapazes, pois ao atingir a plena capacidade civil essa autoridade se encerra.

É dever dos pais proporcionar educação e desenvolvimentos físicos, morais, sociais, intelectuais e afetivos, para o crescimento intelectual e psíquico.

Os filhos estão sujeitos ao poder familiar enquanto menores (CC art. 1.630), não importa a origem do filho, seja ele natural, seja ele socioafetiva (CC art. 1.593), estarão sempre sujeitos de direitos e deveres recíprocos.

Aos pais, cabe proteger e administrar os bens da prole, desempenhado tarefas dentro dos deveres e do direito do seu poder familiar. Harmonizando esse conjunto de regras agregada ao bom convívio familiar, os filhos alcançam estável formação, amparados pelo bom desenvolvimento social, cultural e intelectual.


EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR

A extinção do poder familiar encontra-se previsto no artigo 1.635 do CC/2002 e é a interrupção definitiva da autoridade parental. As causas elencadas no artigo 1.635 do CC/2002 são: pela morte dos pais ou filho; pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; pela maioridade; pela adoção.

Assim qualquer dessas hipóteses, o poder familiar deixa de existir automaticamente. Essas hipóteses são imutáveis, isto é não se admitindo outras, porque implicam restrições de direitos fundamentais, como afirma Lobô (2017, p.296).

A morte de um dos pais apenas extingue a autoridade parental, imputando ao sobrevivente a sobrecarga de exerce-la de forma exclusiva. Entretanto se a morte for do filho leva à perda do objeto da autoridade parental.


FILIAÇÃO SOCIAL

Filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é titular de autoridade parental e a outra a esta se vincula pela origem biológica ou socioafetiva. A filiação não é, e nem será apenas biológica. Duas etapas vinculam a filiação, a biológica que deriva da consanguinidade dos pais e a socioafetiva que deriva da relação advinda de outro relacionamento, isto é, a conjunção de duas famílias já constituídas de sua prole formando uma só. Quando a relação é considerada em face do pai, chama-se paternidade, quando em face da mãe, maternidade. Filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace, de acordo com Lôbo (2017, p.211) .

O pai biológico não significa que possui vínculo afetivo com o filho ao passo que a filiação socioafetiva muitas vezes supre a falta do pai biológico agregando ao filho a afetividade, amor, carinho liame basilar da família pai é aquele que cria e, é a mais pura verdade. Assim entende também Oliveira (2003). Nas palavras de Simão (2017, p.411), o afeto venceu o DNA: a afetividade prevalece sobre a biológica.

A filiação biológica predominava excluindo qualquer outra forma de filiação, entretanto após a Constituição Federal de 1988 não há mais nenhuma forma discriminatória de filiação, todas são iguais provento dos mesmos direitos e deveres.

Portanto não cabe mais distinguir entre família legitima e ilegítima, ou qualquer tratamento diferenciado entre os membros da família.

Outro ponto de relevância ao tema e a filiação socioafetiva que incorpora mais aos laços afetivos e o princípio da dignidade da pessoa humana e a solidariedade, deixando o vínculo sanguíneo, e a descendência genética para dar ensejo mais no sentimento afetivo.

Na visão de Boeira (1999, p. 54. apud MADALENO, 2016 p.479) A própria modificação na concepção jurídica de família conduz, necessariamente, a uma alteração na ordem jurídica da filiação, em que a paternidade socioafetiva deverá ocupar posição de destaque, sobretudo para solução de conflitos de paternidade.

A jurisprudência vem se pronunciando acerca da posse do estado de filho:

DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM - IMPROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU - RECURSO DO REQUERENTE - PROVAS DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL DA SOCIOAFETIVIDADE - ESTADO DE FILIAÇÃO COMPROVADO - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO A posse do estado de filiação, consubstanciada em relação afetiva e pública como pais e filho, autoriza o reconhecimento de filiação socioafetiva, amparada na lei civil (art. 1.593. do CC) e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).

Processo AC 03013751220148240039 Lages 0301375-12.2014.8.24.0039, Órgão Julgador Sexta Câmara de Direito Civil, Julgamento 5 de Dezembro de 2017, Relator Monteiro Rocha

Aqui prevalece a vontade de ser genitor a afetividade que estabelece a filiação e não o vínculo parental que apenas promove o laço consanguíneo.

Para Maria Berenice Dias a posse de estado de filho caracteriza-se pela presença de três elementos:

Tractatus quando a pessoa é tratada pela família como filha; Nomem o uso do sobrenome da família; Fama (ou reputatio) a reputação, a notariedade de ser reconhecida no meio social como filha. (Berenice, 2017 p.49)

Portanto a posse de estado de filho caracteriza mais pela filiação de afeto do que a verdade jurídica ou a verdade biológica.


MULTIPARENTALIDADE

A paternidade que vinculava um pai e uma mãe, porém ganhou um novo capítulo a Multiparentalidade, que significa a dupla paternidade, ou seja um filho possuir dois pais ou duas mães simultaneamente, produzindo seus efeitos jurídicos em relação a todos eles.

Como decisão inovadora a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, afirma Gagliano e Filho (2017, p. 656).

MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593. do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido.

(TJSP, 1.ª Câmara de Direito Privado, Registro: 2012.0000400337. Apelação Cível n. 0006422-26.2011.8.26.0286, Comarca de Itu, Relator: Desembargador Alcides Leopoldo e Silva Júnior).

Assim compreende tanto a importância do pai biológico quanto a paternidade socioafetiva, os quais não cabem impor prevalência do vínculo biológico com o afetivo, assim sendo, é dever de reconhecê-los.

Tese já fixada em repercussão geral do RE 898.060 /SC STF:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobre o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art. 226, § 4º, CRFB). Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279. desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. 3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobre princípio da dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada família monoparental (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de dupla paternidade (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

(RE 898060, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017).

O que se busca neste caso é o direito de constar o nome do pai biológico, tanto quanto o socioafetiva no seu registro, independentemente de ter consumado o laço afetivo com o pai biológico, pois por lógica o laço de afetividade criou-se com o pai socioafetiva.

É a livre escolha, não há uma imposição, mas uma vez registrados seus efeitos jurídicos estão consumados, como exemplo o direito à herança e alimentos, que por sua vez recai tanto ao pai biológico quanto ao socioafetiva, caso este venha registrar.

Outro ponto importante refere-se a paternidade socioafetiva em que constando ou não no registro público, não cessa o vínculo de filiação e seus efeitos jurídicos.

O fato é registrado ou não uma vez criado o vínculo socioafetiva os efeitos jurídicos se produzem decorrente do poder familiar.

Nas sabias palavras de Maria Berenice Dias;

Não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai ou uma mãe. Agora é possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. (...) Tanto é este o caminho que já há a possibilidade da inclusão do sobrenome do padrasto no registro do enteado. (2010.p.370).

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