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A condenação por litigância de má-fé exclui a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita no processo do trabalho?

A condenação por litigância de má-fé exclui a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita no processo do trabalho?

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1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca contribuir para o debate sobre a possibilidade ou não de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita no processo do trabalho nos casos de reconhecimento de litigância de má-fé pela parte. Para atingir tal intento, divide-se em três partes. Na primeira, analisam-se as hipóteses de concessão da assistência judiciária gratuita. Na segunda, cuida-se do tratamento jurídico da litigância de má-fé. Por fim, na terceira, cuida-se do cotejo entre os dois institutos.


2 - DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA NO PROCESSO DO TRABALHO

No processo do trabalho, o benefício da gratuidade da justiça vem disciplinado no art.790 §3º da CLT que disciplina que :

É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

Dessa forma, conforme se depreende da leitura do artigo citado, deve ser o benefício deferido de ofício a todo aquele desempregado ou que receber salário inferior ao dobro do mínimo legal e subordinado a pedido nos demais casos.

Ponto importante refere-se à necessidade de prova ou não da miserabilidade da parte que solicita o benefício. De se notar, neste aspecto, que o art. 1º da Lei nº 7115/83, estabelece que: "a declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador bastante e sob as penas da lei, presume-se verdadeira".

Neste mesmo sentido, o art. 4º da Lei 1060/50, expõe que: "a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogados, sem prejuízo próprio ou de sua família".

Assim, não é necessária a prova do estado de miserabilidade, bastando sua simples afirmação no corpo da petição. Nesse sentido, as seguintes orientações jurisprudenciais: OJ n.° 331 da SDI-1 do C. TST: "Justiça gratuita. Declaração de insuficiência econômica. Mandato. Poderes específicos desnecessários. Desnecessária a outorga de poderes especiais ao patrono da causa para firmar declaração de insuficiência econômica, destinada à concessão dos benefícios da justiça gratuita".

De igual forma, a Orientação Jurisprudencial n. 304 da SDI-1 DO C. TST: "Atendidos os requisitos da Lei n° 5584/1970 (art. 14, § 2°), para a concessão da assistência judiciária, basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial, para se considerar configurada a sua situação econômica (art. 14, § 1°, da Lei n.° 7510/1986, que deu nova redação à Lei n° 1060/1950)."

Em síntese, essas são as regras aplicáveis ao reconhecimento da justiça gratuita no âmbito do processo do trabalho. A pergunta que não se pode esquecer, contudo, é se eventual condenação em litigância de má-fé exclui a concessão do benefício. É o que se abordará a seguir. Antes, contudo, cumpre analisar brevemente o instituto da litigância de má-fé.


3 - DA CONDENAÇÃO EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO DO TRABALHO

Litigante de má-fé é aquele que age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É aquele que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível, vencer, procrastina o feito. Eis, em síntese, uma definição de litigância de má-fé, que vem prevista no art. 17 do CPC, de aplicação subsidiária no processo do trabalho:

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Há que se resguardar, porém, o mero exercício do direito constitucional de demandar e defender-se sem a prática de nenhum ato abusivo. Deve-se observar que a boa-fé processual constitui uma presunção. O contrário, isto é, a má-fé do litigante, deve ser cabalmente comprovada pela parte que alega, a não ser que, diante da postura processual da parte o juízo reconheça a respectiva conduta desleal.

Nesse sentido de reconhecimento da presunção de litigância de boa fé, é a jurisprudência pátria:

Litigância de má-fé inaplicável - Postulação de direitos entendidos como devidos - Intenção dolosa não configurada. A aplicação da pena de litigância de má-fé, apenas porque certos pedidos da parte são rejeitados, fere o exercício regular e constitucional do direito de ação, previsto nos art. 5°, incisos XXXV e LV, da Constituição Federal. A caracterização da litigância de má-fé requer prova irrefragável, posto que a boa fé é sempre presumida. Somente pode sofrer a pena de litigante de má-fé a parte que pratica qualquer ato previsto nos incisos I a IV do art. 17 do Código de Processo Civil, sendo inaplicável a pena quando ocorre a postulação de direitos entendidos como devidos, eis que, nesses casos, não se configura a intenção dolosa do postulante." (TRT - 9a. Reg. - RO-03856/2001 - Ac. 04461/2002 - maioria - 3a. T. - Rel: Juiz Ubirajara Carlos Mendes - Fonte: DJPR, 01.03.2002).

No mesmo sentido, a ementa que se segue:

Processo. Princípios (do). Má-fé processual. A litigância de má-fé, nas condições dos arts. 14 e 17 do CPC, pressupõe intenção manifesta de causar dano material ou transtorno moral à outra parte. O inconformismo, ou a má interpretação das conseqüências do ato jurídico praticado, não torna o trabalhador litigante de má-fé." (TRT - 2a.Reg. - RO-20000508114 - Ac. 20010669765 - 9a. T. - Rel: Juiz Luiz Edgar Ferraz de Oliveira - Fonte: DOESP, 26.10.2001).


4 – DA NECESSIDADE DE NÃO CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Grande é a polêmica acerca da possibilidade de indeferimento do requerimento de concessão de assistência judiciária gratuita em razão do reconhecimento da litigância de má-fé.

Considerando-se que no processo do trabalho não existe sucumbência parcial do reclamante empregado para efeito de custas, a situação problemática, no caso de reconhecimento de má-fé do empregado, se coloca basicamente em duas situações: a primeira é a dos casos de lide temerária em todos os seus termos e a segunda é nos casos em que ocorre a realização de perícia técnica e o pedido objeto da perícia é considerado de má-fé.

Explica-se: Considerando a inexistência de sucumbência parcial para efeito de custas, nas hipóteses em que determinado pedido específico do reclamante é considerado de má-fé e os pedidos julgados parcialmente procedentes, inexiste situação problemática a ser enfrentada, uma vez que não haverá condenação do empregado em custas, tendo em vista a procedência parcial da reclamação. A situação existe, assim, naqueles casos de reclamação manifestamente de má-fé, em que os pedidos são julgados totalmente improcedentes.

Outra hipótese é aquela relativa à perícia técnica. Isso porque existe a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais, sendo clara a CLT no sentido de estabelecer que o benefício da assistência judiciária gratuita abrange os honorários periciais. Porém, como deve ser abordada a situação específica de litigância de má-fé do pedido objeto da perícia técnica? Assim, por exemplo, como analisar a hipótese em que o empregado formula pedido de adicional de insalubridade manifestamente temerário? Seria ele o responsável pelos honorários periciais? Devem esses honorários serem atribuídos à União, mesmo em casos de má-fé manifesta?

Por fim, o terceiro caso a ser abordado é o da litigância de má-fé do empregador. Sabe-se do questionamento doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade de elisão do depósito recursal nos casos de impossibilidade econômica do empregador. Esse artigo, contanto, não pretende analisar tal celeuma. O que se pretende questionar é se aquele empregador condenado por litigância de má-fé faz juz à isenção do pagamento de despesas processuais.

Sobre tal celeuma, existe a posição daqueles que entendem tratar-se de institutos diversos e desconectados:

JUSTiÇA GRATUITA - LITIGANCIA DE MÁ-FÉ - Presentes os supostos legais para o deferimento da justiça gratuita, faz jus o reclamante ao benefício, independente de sua responsabilização pelos danos processuais causados, por litigancia de má-fé, porquanto a gratuidade judiciária tem como fito viabilizar o acesso à justiça, enquanto a mencionada apenação se funda na irregularidade da conduta processual da parte,sendo, portanto, institutos jurídicos dissociados.( TRT 3ª Região. Proc. 00181-2006-106-03-00-8 RO Data de Publicação : 07/10/2006, Órgão Julgador : Oitava Turma, Juiz Relator : Desembargadora Denise Alves Horta Juiz Revisor : Desembargador Marcio Ribeiro do Valle)

Em que pese a existência de tal posicionamento, é importante lembrar que o ordenamento jurídico deve ser interpretado como um todo, não sendo possível a análise de institutos como se fossem estanques dentro do universo. Com efeito, com o interesse maior de se evitar lides temerárias e ações procrastinatórias diversas,impõe-se o reconhecimento da íntima ligação entre os dois institutos, máxime nas três hipóteses suscitadas anteriormente.

É evidente que, conforme já se deixou claro em item anterior, a mera procedência ou improcedência de determinados pedidos não conduz ao reconhecimento da litigância de má-fé. Contudo, nos casos em que esta estiver cabalmente comprovada, há se agregar o reconhecimento da litigância de má-fé ao indeferimento do benefício da assistência judiciária gratuita.

Nesse sentido, o art. 18 do CPC, ao estabelecer que o juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou, deve ser interpretado no sentido de também abranger a condenação ao pagamento das despesas processuais relativas às custas do processo.


5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2003.

CINTRA, Antônio Carlos Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2004.

COUTURE, Eduardo. Fundamentos do Direito Processual Civil. Campinas: RedLivros, 1999.

DIDIER Jr., Fredie. Regras processuais no Novo Código Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2005, v. 1.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2002.

NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

PASSOS, J. J. Calmon de. Direito, poder, justiça e processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A condenação por litigância de má-fé exclui a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita no processo do trabalho?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1463, 4 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10106. Acesso em: 25 abr. 2024.