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Filha tem direito a receber auxílio-acidente solicitado pelo pai, falecido durante o processo

Filha tem direito a receber auxílio-acidente solicitado pelo pai, falecido durante o processo

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Em razão de acidente de trabalho, um trabalhador recorreu à Justiça e propôs uma ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para recebimento de auxílio-acidente. Porém, no curso do processo, ele acabou falecendo. Sendo assim, sua filha habilitou-se nos autos para receber o benefício e garantiu o direito. Em sua defesa, o advogado Marlos Chizoti ressaltou que ela possui interesse e legitimidade em buscar os valores retroativos que eram devidos ao pai. A decisão é do juiz Rodrigo de Melo Brustolin, da 2ª Vara Cível e Ambiental de Itumbiara (GO), a cerca de 200 km de Goiânia.

O advogado destacou o artigo 112, da Lei n. 8213/1991, que dispõe: “o valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento”. Além disso, Chizoti apresentou o laudo pericial, atestando que o autor teve uma amputação do terceiro dedo da mão direita, bem como apresenta fratura no fêmur direito, configurando incapacidade permanente.

Os argumentos foram reconhecidos pelo magistrado. “Chega-se à compreensão de que todos os elementos necessários à concessão auxílio-acidente foram satisfatoriamente demonstrados, porque por intermédio dos documentos apresentados constata-se primeiramente que o falecido autor tinha qualidade de segurado, bem como sofreu acidente de trabalhado conforme Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e que esse acidente provocou sua incapacidade permanente, razão pela qual foi beneficiado com o auxílio-doença por acidente de trabalho”.

Diante disso, Brustolin condenou o INSS a conceder à filha os valores retroativos referentes ao benefício de que o pai tinha direito, a partir da data da cessação do benefício do auxílio-doença (15/03/2000), ressalvada a prescrição das eventuais prestações vencidas no quinquênio anterior ao ajuizamento da demanda (15/08/2007). “As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de correção monetária pelo INPC, desde a data de vencimento de cada parcela, e juros de mora desde a citação, segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da lei 9.494/97, com a redação dada pela lei 11.960/09”, complementou o juiz. (Vinícius Braga)



 

Autos 0412863-83.2007.8.09.0087

Parte autora: JOSE PEREIRA BORGES

Requerido(a)(s): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS

Vistos etc.

I - O autor propôs ação acidentária em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, alegando, em suma, que sofreu acidente que o incapacitou para o trabalho.

Citado, o INSS apresentou resposta.

Houve réplica.

Realizado laudo pericial, sobre o qual as partes foram instadas a se manifestar.

O autor faleceu no curso do processo e, então, sua filha Ana Rita Pereira da Silva (nascida em 17/10/2009 – representada por sua guardiã/avó materna Francisca Nina de Lima e Silva) habilitou-se nos autos.

Vieram-me então conclusos os autos.

II - Primeiramente, é importante frisar que a sucessora e filha Ana Rita Pereira da Silva (nascida em 17/10/2009 – representada por sua guardiã/avó materna Francisca Nina de Lima e Silva) tem interesse e legitimidade em buscar os valores retroativos que eram devidos ao falecido autor, nos termos do artigo 112, da Lei n. 8213/1991: “o valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento”.

A controvérsia existente nos presentes autos pode ser resumida, em apertadas linhas, à possibilidade ou não de concessão de auxílio-acidente.

Sabe-se que o auxílio-acidente encontra sua disciplina no artigo 86 da Lei federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991, cuja finalidade é indenizar o segurado que teve sua capacidade laborativa reduzida em razão de acidente de trabalho, in verbis:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

§ 1º. O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinquenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.

§ 2º. O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (...). 

No plano infralegal, o auxílio-acidente é regulamentado pelo Decreto federal nº 3.048, de 06 de maio de 1998, que assim dispõe, ad verbum: 

Art. 104. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado empregado, exceto o doméstico, ao trabalhador avulso e ao segurado especial quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequela definitiva, conforme as situações discriminadas no anexo III, que implique: I. redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exerciam; II. redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exerciam e exija maior esforço para o desempenho da mesma atividade que exerciam à época do acidente; ou III. impossibilidade de desempenho da atividade que exerciam à época do acidente, porém permita o desempenho de outra, após processo de reabilitação profissional, nos casos indicados pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social. § 1º. O auxílioacidente mensal corresponderá a cinquenta por cento do salário de benefício que deu origem ao auxíliodoença do segurado, corrigido até o mês anterior ao do início do auxílioacidente e será devido até a véspera de início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. § 2º. O auxílio-acidente será devido a contar do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. § 3º. O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. § 4º. Não dará ensejo ao benefício a que se refere este artigo o caso: I. que apresente danos funcionais ou redução da capacidade funcional sem repercussão na capacidade laborativa; e II. de mudança de função, mediante readaptação profissional promovida pela empresa, como medida preventiva, em decorrência de inadequação do local de trabalho. § 5º. A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente quando, além do reconhecimento do nexo entre o trabalho e o agravo, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que o segurado habitualmente exercia. § 6º. No caso de reabertura de auxíliodoença por acidente de qualquer natureza que tenha dado origem a auxílio-acidente, este será suspenso até a cessação do auxílio-doença reaberto, quando será reativado. § 7º. Cabe a concessão de auxílio-acidente oriundo de acidente de qualquer natureza ocorrido durante o período de manutenção da qualidade de segurado, desde que atendidas às condições inerentes à espécie. § 8º. Para fins do disposto no caput considerar-se-á a atividade exercida na data do acidente.  Sobre o assunto, cumpre citar os ensinamentos de Frederico Amado, in verbis : 

O auxílio-acidente é o único benefício previdenciário com natureza exclusivamente indenizatória, não se destinando a substituir remuneração do segurado, e sim servir de acréscimo aos seus rendimentos, em decorrência do infortúnio que reduziu a sua capacidade laborativa. Com efeito, será concedido ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia ou mesmo impossibilidade de desempenho dessa atividade, uma vez possível a reabilitação profissional para outra que garanta a subsistência do segurado. (In: Curso de Direito e Processo Previdenciário. 17ª ed. rev. ampl. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 701) 

Ao subsumir os requisitos legais ao conjunto probatório contido no feito, chega-se à compreensão de que todos os elementos necessários à concessão auxílio acidente foram satisfatoriamente demonstrados, porque por intermédio dos documentos apresentados constata-se primeiramente que o falecido autor tinha qualidade de segurado, bem como sofreu acidente de trabalhado conforme CAT e que esse acidente provocou sua incapacidade permanente, razão pela qual foi beneficiado com o auxílio-doença por acidente de trabalho. 

O laudo pericial atesta que o falecido autor teve uma amputação do terceiro dedo da mão direita, bem como apresenta fratura transtrocanteriana no fêmur direito, configurando incapacidade permanente. 

Considerando a legislação acima exposta, percebe-se que o requisito legal foi preenchido, uma vez que as sequelas sofridas pelo falecido autor implicaram lesões permanentes que dificultaram o exercício de seu trabalho. 

Importante mencionar, outrossim, que o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.109.591/SC, representativo de matéria repetitiva, decidiu que conforme o disposto no art. 86, caput, da Lei 8.213/91, exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão. Nesse sentido, é a jurisprudência do nosso Egrégio Tribunal: 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. SEQUELA IRREVERSÍVEL EM GRAU LEVE. MAIOR ESFORÇO NA EXECUÇÃO DAS ATIVIDADES. 1. Demonstrado pelo laudo médico pericial que o acidente de trabalho causou ao apelado lesão que deixou sequela irreversível que, no exercício de suas atividades, faz com que tenha que despender maior esforço que o habitual para atingir o mesmo desiderato, correta é a sentença que concedeu ao recorrido o benefício do auxílio-acidente (Art.86, da Lei nº8.213/91 e art.104, ?caput?, do Decretonº3.048/99 (anexo III, quadro nº08). 2. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. HONORÁRIOS MAJORADOS EM GRAU DE RECURSO (§11, DO ART.85, CPC). (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5102047-40.2019.8.09.0174, Rel.Des(a). DESEMBARGADOR GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, 5ª Câmara Cível, julgado em 25/04/2022, DJe de 25/04/2022) 

Assim, o autor, antes de falecer, já havia preenchido os requisitos para a concessão do auxílio acidente, porquanto cumpre as determinações contidas no art. 86 da lei nº 8.213/1991, sendo devido a partir do dia 15/03/2000 (data da cessação do auxílio-doença de acordo com Tema Repetitivo 862, STJ). 

Entretanto, mister reconhecer a prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos antes da propositura da demanda (15/08/2007), isto é, serão devidos somente a partir de 15/08/2002. Destarte: 

(…) 4. O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observando-se a prescrição quinquenal da Súmula 85/STJ, consoante tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no recurso repetitivo REsp 1729555/SP, Tema 862. (TJGO, AC 5376991-44.2018.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª CC, DJe de 14/03/2022). 

No que diz respeito aos juros de mora e correção monetária aplicáveis ao caso, cumpre trazer à baila as teses jurídicas fixadas pelo colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema/Repetitivo nº 905, para o qual foram afetados os Recursos Especiais nº 1495146/MG, nº 1492221/PR e nº 1495144/RS. 

Nesse diapasão, infere-se que os juros moratórios são devidos a partir da citação, conforme determina o artigo 405 do Código Civil c/c artigo 240 do Código de Processo Civil, nos termos do artigo 1º-F da Lei Federal nº 9.494/97. Já a correção monetária será devida desde quando as verbas deveriam ter sido pagas e deverá incidir, uma única vez, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). 

III - Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para CONDENAR o requerido INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL a conceder à sucessora Ana Rita Pereira da Silva os valores retroativos referente ao benefício de auxílio acidente de que o falecido Jose Pereira Borges tinha direito, a partir da data da cessação do benefício do auxílio-doença (15/03/2000), ressalvada a prescrição das eventuais prestações vencidas no quinquênio anterior ao ajuizamento da demanda (15/08/2007). 

As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de correção monetária pelo INPC, desde a data de vencimento de cada parcela, e juros de mora desde a citação, segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da lei 9.494/97, com a redação dada pela lei 11.960/09. 

Em atenção ao princípio da sucumbência, condeno a autarquia requerida ao pagamento de verba honorária em 10 % (dez por cento), tendo em vista o que dispõe o artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil, calculada sobre o valor das prestações vencidas, até a prolação da sentença (Súmula 111 do STJ). 

Sem custas, já que a autarquia requerida é isenta, conforme estatuído na Lei Estadual 14.376/02.

 Publicada e registrada em meio eletrônico (Lei 11.419/06).

Intimem-se.

Transitada em julgado e ultimadas as providências necessárias, arquivem-se.

 De Goiânia para Itumbiara, datado e assinado digitalmente. 

Rodrigo de Melo Brustolin 

Juiz de Direito

 

(Decreto Judiciário 1.059/2022)


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