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Rituais, drogas e lei: a cetamina no banco dos réus.

Uma análise jurídica do caso Djidja

Rituais, drogas e lei: a cetamina no banco dos réus. Uma análise jurídica do caso Djidja

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O Caso Djidja levanta questões jurídicas no uso da cetamina, inclusive a permissão legal para o uso da substância, desafios no controle do seu uso e implicações éticas na sua aplicação médica.

Resumo: Este artigo visa analisar a juridicidade do uso da cetamina no Brasil, sob a perspectiva do Direito Sanitário, abordando sua regulamentação, implicações legais e éticas, e os desafios enfrentados na sua aplicação médica e controle de uso indevido. Será realizada uma análise do caso concreto "Caso Djidja", que envolve a utilização indevida de cetamina em rituais de uma seita no Amazonas.


Introdução

A cetamina é um fármaco com múltiplas aplicações médicas, particularmente conhecido por suas propriedades anestésicas e, mais recentemente, por seu potencial no tratamento da depressão resistente. No entanto, devido ao seu potencial de abuso, a cetamina é uma substância controlada, o que levanta questões complexas sobre sua regulamentação e uso ético e legal. Recentemente, o "Caso Djidja" trouxe à tona a utilização indevida de cetamina em contextos não médicos, evidenciando a necessidade de um controle mais rigoroso.


Regulamentação da Cetamina no Brasil

No Brasil, a cetamina é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que a classifica como uma substância controlada pertencente à Lista C1 da Portaria SVS/MS nº 344/1998. Esta classificação implica que a cetamina pode ser utilizada legalmente para fins médicos, mas está sujeita a controle rigoroso. A prescrição e o uso da cetamina devem obedecer a critérios específicos estabelecidos pela ANVISA, visando garantir sua utilização segura e eficaz enquanto minimiza o risco de abuso.


Análise do Caso Concreto: Caso Djidja - Fatos Relevantes

O "Caso Djidja" envolve a morte de Djidja Cardoso e a investigação de uma seita chamada "Pai, Mãe, Vida", que utilizava cetamina de forma indiscriminada em seus rituais. Os líderes da seita, Cleusimar Cardoso e Ademar Cardoso, juntamente com funcionários do salão de beleza de Djidja, foram presos por forçar vítimas a abusar de cetamina durante rituais que incluíam violência física, psicológica e estupro de vulneráveis. A polícia também investiga uma clínica em Manaus que fornecia a substância sem controle adequado.


Aspectos Legais do Uso Indevido da Cetamina

  1. Violação das Normas Sanitárias: A utilização de cetamina fora do contexto médico e sem prescrição adequada constitui uma violação grave das normas estabelecidas pela ANVISA. A falta de controle na dispensação da substância pela clínica envolvida indica um desrespeito às regulamentações sanitárias, o que pode acarretar sanções administrativas e criminais.

  2. Crimes Contra a Pessoa: O uso da cetamina para cometer atos de violência, incluindo estupro de vulneráveis, configura uma série de crimes contra a pessoa, incluindo tortura, lesão corporal e abuso sexual. A coação das vítimas a consumir a substância agrava a responsabilidade penal dos envolvidos.

  3. Responsabilidade Penal dos Profissionais de Saúde: Profissionais de saúde e estabelecimentos que fornecem cetamina sem a devida prescrição e controle estão sujeitos a responsabilização penal por facilitar o acesso indevido à substância. A colaboração com atividades ilícitas, como as praticadas pela seita, pode resultar em penalidades severas.


Implicações Éticas e Sociais

O "Caso Djidja" ressalta a importância de um controle rigoroso sobre a distribuição e uso de substâncias controladas. A utilização da cetamina em rituais abusivos e violentos não apenas viola leis sanitárias e criminais, mas também desafia os princípios éticos fundamentais da medicina e do cuidado com a saúde. É crucial que as autoridades de saúde e segurança pública trabalhem juntas para prevenir tais abusos e proteger as vítimas.


Desafios na Aplicação e Controle

  1. Prevenção do Uso Indevido: O caso destaca a necessidade de medidas mais eficazes para prevenir o uso indevido de cetamina. Isso inclui um monitoramento mais rigoroso da distribuição da substância e a implementação de sistemas de rastreamento de prescrição.

  2. Monitoramento e Fiscalização: A ANVISA e os órgãos de segurança pública devem intensificar a fiscalização de clínicas e estabelecimentos que têm acesso a substâncias controladas. A identificação e punição de violações são essenciais para prevenir futuros abusos.


Conclusão

A cetamina representa um exemplo paradigmático de um medicamento que oferece benefícios significativos para a saúde pública, mas também apresenta riscos consideráveis de abuso. A regulamentação rigorosa pela ANVISA e o cumprimento das normas de prescrição e uso são essenciais para garantir que os benefícios terapêuticos da cetamina sejam plenamente realizados, minimizando ao mesmo tempo os riscos de abuso e dependência. O "Caso Djidja" ilustra a necessidade de uma vigilância contínua e colaborativa para prevenir o uso indevido e proteger a sociedade dos efeitos devastadores do abuso de substâncias controladas.


Referências

  • Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

  • Ministério da Saúde. Diretrizes para prescrição e uso da cetamina em tratamentos psiquiátricos.

  • Código de Ética Médica. Conselho Federal de Medicina (CFM).

  • Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas).

  • Notícias sobre o "Caso Djidja" fornecidas por Beatriz Gomes e Laila Nery, UOL.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO JÚNIOR, Tadeu José de Sá. Rituais, drogas e lei: a cetamina no banco dos réus. Uma análise jurídica do caso Djidja. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7648, 9 jun. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109723. Acesso em: 26 jul. 2024.