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Protocolo de Buenos Aires e cláusula de eleição de foro

Protocolo de Buenos Aires e cláusula de eleição de foro

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O Protocolo de Buenos Aires (PBA), que trata da jurisdição internacional em matéria contratual, foi elaborado em Buenos Aires, em 5 de agosto de 1994, razão pela qual leva o nome da capital argentina. Restou submetido ao Congresso Nacional brasileiro, que o aprovou por meio do Decreto Legislativo nº 129, de 5 de outubro de 1995, e internalizado de acordo com a legislação específica nos demais membros do Mercosul, entrando em vigor internacional em 6 de junho de 1996.

Por sua vez, o Estado brasileiro depositou a carta de ratificação do aludido protocolo em 7 de maio de 1996, passando o mesmo a vigorar no Brasil a partir de 6 de junho de 1996, motivo pelo qual se encontra em plena vigência em solo nacional e, como rege o art. 1º. do Decreto 2.095, de 1995, verbis:

Art. 1º O Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, assinado em Buenos Aires, em 5 de agosto de 1994, apenso por cópia ao presente Decreto, deverá ser executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.

Assim sendo, de regra, o Brasil está vinculado aos princípios que regem aludido protocolo, notadamente aqueles atinentes à liberdade de eleição de foro, objeto desta resenha, quando se propõe a estabelecer a "competência" para a resolução de conflito o Tribunal escolhido por convenção expressa em contrato.

A liberdade de eleição de foro está diretamente vinculada aos princípios que ensejaram a formulação do Protocolo de Buenos Aires, quais sejam:

a) a necessidade de proporcionar ao setor privado dos Estados-Partes um quadro de segurança jurídica que garanta justas soluções e a harmonia internacional das decisões judiciais e arbitrais vinculadas à contratação no âmbito do Tratado de Assunção;

b) adotar regras comuns sobre jurisdição internacional em matéria contratual, com o objetivo de promover o desenvolvimento das relações econômicas entre o setor privado dos Estados-Partes;

c) expressão jurídica do comércio que tem lugar em decorrência do processo de integração.

Ocorre que, nesse ponto (eleição de foro), a realidade jurídica local (brasileira) não opera conforme o disposto no Protocolo de Buenos Aires. Vejamos.

Como alude Ruy Rosado de Aguiar Júnior (in Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, v.2, n. 21, p.15-31, 2000), a jurisdição internacional brasileira, exercida nos limites de seu território, encontra-se regida pelos artigos 88 (competência internacional concorrente) e 89 (competência internacional exclusiva) do Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 1973), então complementadas pelo artigo 12 da LICC, de 1942.

Dessa feita, a legislação brasileira estabelece regramento específico concernente à resolução de conflitos de cunho internacional, ou seja, quando o conflito se põe entre autoridades jurisdicionais de diferentes Estados-Partes preexistindo o elemento estrangeiro.

Nada obstante, a legislação processual brasileira para a matéria em estudo, vigente desde 1973 e 1942 (LICC), pode ensejar conflito direto com as normas laboradas pelo Protocolo de Buenos Aires, especificamente, o artigo 4º., o qual remete à Eleição de Jurisdição nos conflitos que decorram de contratos internacionais - segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, contrato internacional caracteriza-se quando preexistente à avença um elemento que possa determinar uma conexão real com o ordenamento jurídico de mais de um Estado. E, ainda, acrescenta:

Nos conflitos que decorram dos contratos internacionais em matéria civil ou comercial serão competentes os tribunais do Estado-Parte em cuja jurisdição os contratantes tenham acordado submeter-se por escrito, sempre que tal ajuste não tenha sido obtido de forma abusiva.

Veja-se que o protocolo em tela visa a regular a jurisdição de um determinado Estado em face da de outro em matéria contratual, sempre preferindo a jurisdição eleita pelas partes. O protocolo favorece, tão-somente, a cláusula eletiva de jurisdição, mas não o direito ou lei aplicável ao contrato.

A despeito das intenções do protocolo nesse ponto, o Estado brasileiro, via Poder Judiciário, titubeia na aplicação da cláusula de eleição de jurisdição oriunda de contrato internacional, ora dando prevalência, ora sustentando a competência do foro nacional como norma de caráter imperativo.

Segundo a constatação de Nádia de Araújo:

Sendo eleito o foro brasileiro, não se pode assegurar qual será a posição dos tribunais. Mesmo escolhido o foro estrangeiro, se houver competência concorrente da justiça brasileira, é possível haver problemas na utilização da cláusula.

Cumpre observar que o Estado brasileiro prefere, a despeito das premissas entabuladas em contrato, pelos termos do PBA, privilegiar a jurisdição brasileira para a resolução de conflitos internacionais, seja de ordem pública ou privada, contratuais ou não.

Consoante observado, o artigo 89 do Código de Processo Civil afasta, por completo, a jurisdição internacional para os casos que rege; não indiferente, o artigo 88 do mesmo diploma legal, acolhe, concorrentemente, a jurisdição brasileira para fatos e questões jurídicas abrangentes bastante para abarcar grande parte dos conflitos de ordem estrangeira, notadamente os contratos internacionais.

Logo, não surpreendem as premissas assentadas por Nádia de Araújo em sua obra de referência de Direito Internacional Privado. Segundo o seu magistério, o problema surge quando há uma cláusula de eleição do foro estrangeiro e é competente concorrentemente a justiça brasileira. E ainda:

Se a ação for proposta no Brasil, e a parte ré opor uma exceção de incompetência, o julgamento terá desfecho imprevisível (...).

Em verdade, se a ação for proposta no foro brasileiro, ainda que preexistente em contrato cláusula eletiva de foro estrangeiro, há grandes chances de que o judiciário brasileiro se julgue competente, ou melhor, com jurisdição para a matéria.

Cumpre observar, à evidência, que a jurisdição brasileira, primeiramente, não observa o foco especial dado pelo Protocolo de Buenos Aires, qual seja, o contrato internacional. Na mesma senda, a análise jurídica nacional perpassa por um exame uno, haja vista aplicar as normas locais que regem a competência internacional para todos os casos que envolvam o elemento estrangeiro, sem atentar às especificações de cada caso.

Igualmente, o operador do direito deixa de ponderar o primado do conflito de leis no tempo e a especialidade da legislação em comento, uma vez que o Protocolo de Buenos Aires, apto a produzir efeitos no território nacional, via Decreto 2.095, desde 1996, foi incorporado à legislação interna, no âmbito da sua aplicação, revogando as regras anteriores que dispunham de modo diverso.

Diante disso, pode-se aferir que, em se tratando de conflitos decorrentes de obrigações oriundas de contratos internacionais, no âmbito do Mercosul, é plausível, em território brasileiro, a aplicação exclusiva da cláusula de eleição de foro pelas partes, sem que isso importe ilegalidade ou conflito entre normas ou, ainda, ofensa à soberania nacional.

Nada obstante, reconhece-se que a jurisprudência nacional caminha noutro sentido. Inúmeros são os precedentes, principalmente do STJ (Resp 251.438; Resp 970.99), para firmar a jurisdição brasileira e afastar a cláusula de eleição de foro estrangeiro. Aquele tribunal, aliás, vem alargando as hipóteses de aplicação da jurisdição brasileira para além das previsões dos artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil. A esse respeito veja-se o RO 64/SP - 2008/0003366-4.

Segundo Nádia de Araújo:

Essa posição representa um recrudescimento da ideia da competência internacional em plano de igualdade concorrente com a estrangeira. (...) Esta posição está na contramão da doutrina, que prestigia o maior movimento dos negócios internacionais, mas precisa ser considerada pelos negociadores brasileiros em suas tratativas.

Nesse passo, o Estado brasileiro vem descumprindo os primados do Protocolo da Jurisdição Internacional em Matéria Contratual elaborado em Buenos Aires. Tratando-se de regramento internacional e incorporado à legislação interna, a não observância de suas disposições equivale a não dar vigência à necessidade de proporcionar ao setor privado dos Estados-partes um quadro de segurança jurídica que garanta justas soluções e a harmonia internacional das decisões judiciais. Do mesmo modo, descumpre a proposta de adotar regras comuns sobre jurisdição internacional em matéria contratual, com o objetivo de promover o desenvolvimento das relações econômicas entre o setor privado dos Estados-partes; enfim, presta desserviço ao processo de integração.

Veja-se que questões que convergem em resolução de conflitos decorrentes de relação contratual internacional envolvem relações típicas de comércio. Como referido, as titubeações do Estado brasileiro desqualificam suas próprias intenções em desenvolver a integração comercial entre Estados-partes do Mercosul, haja vista a insegurança jurídica instaurada no que tange à aplicação da jurisdição internacional em casos que envolvem a eleição de foro internacional, expressão de autonomia de vontade própria da relação comercial.

Em verdade, a resolução do entrave perpassa pelo próprio desconhecimento do Protocolo de Buenos Aires e de suas nuanças na seara jurídica nacional, notadamente a relação contratual e a eleição do foro. Assim sendo, impende ao aplicador do direito render-se ao estudo do PBA, às suas particularidades e singularidades, com o fim de buscar ativar o seu objetivo primeiro, qual seja, regular a jurisdição internacional em matéria contratual e o bom funcionamento dos contratos internacionais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

, Ruy Rosado de. Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, v. 2, n. 21, p. 15-31, 2000.

ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 331-335.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGE, Felipe Dezorzi. Protocolo de Buenos Aires e cláusula de eleição de foro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2400, 26 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14248. Acesso em: 27 abr. 2024.