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A criação de um tribunal penal internacional.

Dos tribunais militares aos tribunais "ad hoc"

A criação de um tribunal penal internacional. Dos tribunais militares aos tribunais "ad hoc"

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Ao longo dos séculos, existiram várias iniciativas para julgar os crimes cometidos durante as guerras, tanto contra os combatentes como contra os não combatentes, incluindo os prisioneiros de guerra e os civis.

Tais iniciativas se registram há aproximadamente 2500 anos. Podemos encontrar processos realizados por tribunais ad hoc no ano 500 a. C. na Grécia, onde a maior parte deles foi realizada por tribunais ad hoc por um dos beligerantes, normalmente o vencedor, no lugar dos tribunais ordinários. [01]

Há quem aponte um marco inicial mais remoto, como faz Japiassú, citando Bassiouni:

Acredita-se que a primeira manifestação de Direito Penal Internacional tenha ocorrido na cláusula de extradição contida no Tratado de Paz celebrado em 1280 a. C., entre Ramsés II, do Egito, e Hatussilli, rei dos Hititas. As relações existentes entre esses dois povos antigos fizeram com que seus governantes sentissem a necessidade da cooperação internacional, para garantir a real aplicação do Direito Penal interno. [02]

Quanto à eleição de um marco originário da jurisdição internacional penal, vários episódios são apontados, e os doutrinadores não são pacíficos em suas opiniões. Para uns, o Direito Internacional Penal é um ramo novo do Direito, pois as suas origens estariam apenas no século XIX, quando os crimes de guerra eram punidos, destacando as primeiras convenções relativas ao direito da guerra como reveladoras das primeiras codificações do Direito Internacional Penal; para outros, o Direito Internacional Penal é um ramo tradicional do Direito Internacional, pois há muito tempo estaríamos assistindo ao crescimento de normas de crimina juris gentium [03], com seu marco inaugural observado na pirataria, reconhecida como infração internacional secular. [04]

Verifica-se que os autores não entram em desacordo quanto à existência ou inexistência do Direito Internacional Penal, mas apenas adotam diferentes marcos de referência. Demonstra-se indiscutível que as origens do Direito Internacional Penal remontam às tentativas de se punir indivíduos pela prática de delitos cujas decorrências não se atavam às fronteiras nacionais.

Nesse contexto, abordaremos sucintamente a conceituação dos crimes de pirataria, passando pelo julgamento de Peter von Hagenbach na Alemanha, pela discussão dos ideais de Gustav Moynier, para logo em seguida analisar o Tratado de Versalhes, o período entre guerras e, por fim, após estabelecidas as origens do Direito Internacional Penal, considerar e analisar os Tribunais ad hoc, quais sejam: o Tribunal de Leipzig, o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, o Tribunal Militar Internacional do Extremo-Oriente, o Tribunal Penal para a Ex-Iugoslávia e o Tribunal Penal para Ruanda.


1.1 Origens remotas do Direito Internacional Penal: a pirataria, o tribunal para Peter von Hagenbach e os ideais de Gustav Moynier

Uma prática que se difundiu durantes os séculos XVII e XVIII foi a pirataria [05], que é remotamente conceituada como violação internacional, de acordo com a Convenção sobre o Alto Mar (Genebra, 1958) e a Convenção sobre o Direito do Mar (Montego Bay, 1982). A pirataria apresentou-se à época como a única exceção ao princípio da exclusiva responsabilidade objetiva dos Estados, aplicando-se a responsabilidade penal internacional aos sujeitos individuais, já que os piratas eram considerados perpetradores de normas do Direito Internacional, ainda que tal responsabilidade não fosse expressamente prevista. A sociedade global teria o poder de procurar e processar os piratas, independentemente da nacionalidade das vítimas e de o Estado que estivesse processando ter sido ou não diretamente danificado pela pirataria. Os piratas eram considerados inimigos da humanidade, na medida em que dificultavam a liberdade em alto mar e violavam a propriedade privada. [06]

Há autores, como Casesse, que não consideram a pirataria um precedente do Direito Internacional Penal, pois "além de haver se tornado obsoleta, tal prática não apresenta os requisitos dos crimes internacionais propriamente ditos" [07].

No entanto, com a tipificação da pirataria como infração, as bases do Direito Internacional Penal estavam lançadas, mas não com a mesma perspectiva sobre a qual a disciplina iria desenvolver-se.

Na realidade, a pirataria foi de fato a primeira infração internacional, de origem costumeira a ser codificada, todavia, ela corresponde a uma tentativa parcial e incompleta de codificação de infrações internacionais, pois expressa o Direito Penal Internacional e não o Direito Internacional Penal, pois, segundo as palavras de Momtaz "cada Estado membro da comunidade internacional vê-se assim investido de um poder de polícia e de uma competência repressiva nacional por devolução do Direito Internacional" [08]. E ainda no mesmo sentido são as palavras de Lima:

Afinal, no caso da pirataria, a punição imposta não visava à proteção de valores da sociedade internacional, mas ao interesse particular de lutar contra um perigo comum. Não se tratava de competência universal e sim de competência nacional. Portanto, a criminalização internacional da prática da pirataria precede à construção do Direito Internacional, mas seus elementos constitutivos são outros. [09]

O mais antigo tribunal penal internacional ad hoc parece ter sido um constituído para o julgamento de Peter von Hagenbach, em 1474, na cidade de Breisach, Alemanha. Foi provavelmente o primeiro apontamento histórico do surgimento de um tribunal desta natureza. Hagenbach havia sido anteriormente nomeado Governador da cidade de Breisach pelo Duque Charles de Borgonha, sendo que com tal posto instituiu um reino de terror na cidade. Numa batalha contra um grupo de coalisão formado por França, Áustria e por forças do Alto Reno, o Duque de Borgonha foi derrotado e Peter von Hagenbach preso e julgado na Praça do Mercado de Breisach, por ordem do Arquiduque da Áustria, onde fora capturado. Assim, formou-se um Tribunal por 27 juízes de nacionalidades alemã, suíça e austríaca. Peter von Hagenbach, apesar de alegar que apenas cumpria as ordens de seu superior, o Duque de Borgonha, foi condenado à pena capital em razão da violação de "leis Divinas e Humanas", por ter autorizado suas tropas a cometerem estupros, homicídios a homens civis inocentes e pilhassem propriedades, durante a ocupação militar daquela cidade, bem como dispensado tratamento desumano à população que lá vivia, em momento em que não havia hostilidade alguma. [10]

Muito embora seja este o primeiro precedente constantemente mencionado, em realidade não constituiu de fato uma Corte Internacional, mas sim uma corte confederada, pois todos os juízes formadores do Tribunal pertenciam ao Sacro Império Romano-Germânico. Também há que se relevar que o julgamento de Peter von Hagenbach não influenciou na criação de uma futura corte permanente. Somente em 1872 que, pela primeira vez na história, surgiu uma opinião favorável à criação de uma jurisdição internacional penal permanente.

A grande maioria dos autores imputa o nascimento da ideia da criação de um Tribunal Penal Internacional do repúdio às atrocidades cometidas durante a Primeira Guerra Mundial, no entanto, em épocas anteriores, existiram pelo menos mais de uma dezena de propostas para a constituição de um tribunal de tal natureza. Cada uma das referidas propostas enfrentou dificuldades análogas aos problemas que se fizeram tanto na Conferência Diplomática de Roma como nos diversos trabalhos do Comitê Preparatório para o atual Tribunal Penal Internacional.

Ao final do século XIX e princípio do século XX, a Convenção Internacional de Genebra (1864) [11], e as Declarações de São Petersburgo (1868) [12] e Bruxelas (1874) [13] foram as primeiras a atuar em favor da melhora das condições dos militares feridos nos campos de batalha, tendo por objetivo atenuar o mais possível as calamidades da guerra e proibir o emprego de armas contrárias às leis da Humanidade. Tais textos foram os primeiros oficiais de caráter internacional que evocaram a conciliação das necessidades da guerra com as leis da Humanidade. [14]

Uma das iniciativas anteriores à Primeira Guerra Mundial, baseada na Convenção de Genebra de 1864 que pode ser citada é aquela que partiu de Gustav Moynier, um dos fundadores do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, uma entidade privada com sede em Genebra, que atua como intermediária neutra tanto nos conflitos armados internacionais como internos. Inicialmente, em 1870 nos seus comentários à Convenção de Genebra de 1864 sobre o tratamento dos soldados feridos, considerou a necessidade de estabelecer um Tribunal Internacional que garantisse a sua efetiva vigência. No princípio da vigência da Convenção, primeiramente chegou a descartar esta ideia, confiando na eficácia da opinião pública internacional. Já em 1872, com o início da Guerra Franco-Prussiana, e horrorizado com as atrocidades e violações da Convenção de Genebra cometidas por ambos os lados, alimentado pela imprensa e pela opinião pública de seu país, Moynier propôs em uma Conferência da Cruz Vermelha, a constituição, por meio de um tratado, de um Tribunal Penal Internacional com competência para julgar tão só os crimes de guerra (a chamada "Convenção para criação de um órgão judicial internacional para a prevenção e punição das violações à Convenção de Genebra") [15], cuja jurisdição deveria se ativar automaticamente em caso de conflito entre as partes. O Presidente da Confederação Suíça deveria eleger três juízes neutros e os Estados beligerantes outros dois. Somente os Estados interessados teriam a faculdade de apresentar denúncias, uma vez que Moynier temia que a Corte ficasse sobrecarregada de denúncias inúteis. [16]

Reconhecendo que as finalidades da Convenção de Genebra não eram adequadas para constituir normas que pudessem alinhavar uma responsabilidade penal individual, Moynier propôs definir as violações e as penas desta Convenção em um instrumento separado. [17]

O Tribunal deveria determinar a inocência ou a culpabilidade depois da audiência, em que se ouviriam as duas partes envolvidas. No caso de sanção, a imposição da pena ficaria complementada pela determinação de uma indenização para as vítimas. Se a pessoa declarada culpada não pudesse pagar os danos e prejuízos intentados, o governo do Estado da nacionalidade do processado seria responsável por se fazer efetivar a indenização. Moynier considerava que o estrito respeito da Convenção de Genebra por parte dos próprios cidadãos era um interesse primordial do Estado. A sentença deveria ser publicada em um boletim oficial dos Estados partes. [18]

Um dos pontos mais débeis do projeto de Moynier era que os custos do Tribunal deveriam ser pagos pelos países beligerantes, e não por todos os Estados, sobre uma base segura a largo prazo.

A proposta de Moynier foi de forma unânime descartada pelos principais juristas internacionais da época durante as Conferências de Haia de 1899 e 1907, com a exceção do governo suíço, que defendeu sua criação. Assim, as ideias de Moynier restaram qualificadas como pouco realistas, porque segundo as palavras de Gramajo:

Uno de los pontos más débiles del proyecto era que los costos de La Corte debían ser pagados por los países beligerantes, y no por todos los Estados, sobre uma base segura a largo plazo. Además, La Corte no hubiera tenido competência sobre las violaciones al derecho consuetudinário, siquiera durante los conflictos armados internacionales o internos. Estos últimos, dicho sea de paso, comenzaban por entonces a adquirir relevância, al conocerse los dramáticos acontecimientos de La guerra de secesión norteamericana, finalizada pocos años antes. [19]

Ainda podemos citar as Convenções adotadas ao final das Conferências de Paz realizadas em Haia, respectivamente, em 1899 e 1907 [20], onde previram, a seguir, que, mesmo durante conflitos armados "as populações e os beligerantes permanecem protegidos e sob o império dos princípios do Direito das Gentes, tal como resulta dos costumes estabelecidos entre as nações civilizadas, das leis da Humanidade e das exigências da consciência pública". [21] Estas convenções, ademais, realçam o desenvolvimento do direito da guerra, na medida em que visaram à prevenção da guerra, à disciplina da condução das hostilidades e do regime da neutralidade, proporcionando também avanços no domínio humanitário. [22]

Tais documentos foram os primeiros esboços de um Direito Humanitário, estabelecendo obrigações às quais os Estados aceitavam sujeitar-se, com fundamento na existência de leis imanentes, e que representam a antecâmara dos valores universais, cuja doutrina iria desenvolver-se mais de meio século depois, trazendo então a tipificação dos crimes internacionais. [23]


1.2 A Primeira Guerra Mundial e o Tribunal de Leipzig

A principal propulsora moderna da ideia da criação de um Tribunal Penal Internacional nasceu do repúdio às atrocidades cometidas durante a Primeira Guerra Mundial.

Um primeiro aviso dos excessos cometidos durante esta guerra e as primeiras medidas internacionais a respeito da proteção de populares civis e militares feridos ou capturados foram adotadas durante o massacre dos armênios praticado pelo Império Turco-Otomano em 1915, [24] conhecido como o Genocídio Armênio. Em 28 de maio do mesmo ano, os governos britânicos, francês e russo, afirmaram que os responsáveis pelas 600.000 mortes de armênios na Turquia deveriam ser pessoalmente julgados e punidos. Além disso, classificaram o ato como crime contra a humanidade, demonstrando a vontade de que os membros do governo turco haveriam de responder pelos crimes juntamente com todos os seus agentes envolvidos. [25] Essa vontade, contudo, permaneceu sem efeito.

A reação contra as hostilidades de 1914-1918 e os horrores que foram conseqüência deste conflito foi expressa com o fim da conflagração, na conferência de paz de 1919 dos Estados aliados, onde se discutiu a possibilidade de constituir um tribunal internacional para julgar os crimes cometidos pelas potências centrais (Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia) e suas autoridades civis e militares. Com o término da Primeira Grande Guerra, pela primeira vez se:

[...] cogitou a consciência dita universal de julgar e punir os chamados criminosos de guerra, isto é, aqueles que durante o desenrolar do conflito ultrapassaram, pelos seus verdadeiros atos de terrorismo, as normas tradicionais da guerra, geralmente sancionadas em tratados e costumes admitidos pelas potências em choque. [26]

Para tal finalidade, se criou um organismo especial denominado "Comissão sobre a Responsabilidade dos Autores da Guerra e da Execução das Penas pela violação das Leis e Costumes da Guerra" [27].

Esta comissão de inquérito tinha como escopo a investigação do que ocorrera no episódio do massacre armênio e, ao final de seus trabalhos, recomendou que os militares turcos responsáveis fossem julgados e em tal recomendação aparece a noção de crimes contra a humanidade [28], estabelecendo duas categorias de delitos: 1) fatos que provocaram e deram começo a Guerra Mundial, e; 2) violações às leis e costumes da guerra e das leis da humanidade. [29]

Os Estados Unidos alegaram que estes crimes não existiam na ordem internacional, o que impedia que o julgamento fosse levado adiante. Desta forma, o Tratado de Sèvres, de 10 de agosto de 1920, trazia em seus artigos 226 a 228, a previsão de sanção às violações das leis e costumes da guerra e, em seu artigo 230, trazia a previsão do julgamento dos responsáveis pelos massacres cometidos durante o estado de guerra no território do Império Turco por um tribunal especial criado pela Sociedade das Nações ou pelos próprios aliados. Este tratado nunca foi ratificado, pelo contrário, foi sucedido pelo Tratado de Lausanne, de 24 de julho de 1924, que veio a substituí-lo, anistiando os pretensos responsáveis. [30]

Além dessas discussões referidas sobre o caso turco, existiu um acordo entre todas as potências vencedoras sobre a responsabilidade do Kaiser Guilherme II, que também havia violado as leis da guerra, pela prática da ofensa suprema contra a moral internacional e a autoridade sagrada dos tratados. O resultado deste acordo foi a adoção dos artigos 227, 228 e 229 do tratado de paz assinado pelas potências europeias que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes (1919).

Neste Tratado, na parte inicial do artigo 227, se decidiu pelo processamento criminal do Kaiser como responsável de um delito supremo "contra a moral internacional e a autoridade suprema dos tratados". Como conseqüência, se constituiria um tribunal especial no qual seriam respeitadas "as garantias essenciais do direito de defesa". O referido tribunal estaria constituído por cinco juízes designados pelas quatro potências vencedoras: Estados Unidos, Grã Bretanha, França, Itália e Japão.

Art. 227. As potências aliadas e associadas acusam Guilherme II de Hohenzollern, ex-imperador da Alemanha, por ofensa suprema contra a moral internacional e a autoridade sagrada dos tratados.

Um tribunal especial será formado para julgar o acusado, assegurando-lhe garantias essenciais do direito de defesa. Ele será composto por cinco juízes, nomeados por cada uma das potências, a saber: Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, França, Itália e Japão.

O tribunal julgará com motivos inspirados nos princípios mais elevados da política entre as nações, com a preocupação de assegurar o respeito das obrigações solenes e dos engajamentos internacionais, assim como da moral internacional. Caberá a ele determinar a pena que estimar que deve ser aplicada.

As potências aliadas e associadas encaminharão ao governo dos Países Baixos uma petição solicitando a entrega do antigo imperador em suas mãos para que seja julgado.

De acordo com o Tratado, o Tribunal estaria guiado pelos mais altos princípios de política internacional na perspectiva de defesa das obrigações solenes derivadas dos compromissos internacionais e da validez da moral internacional. Ao mesmo tempo, o tribunal teria o direito de fixar a pena que considerasse que deveria ser imposta.

No entanto, com o fim da guerra e a derrocada do Império Germânico, o Kaiser se refugiou na Holanda, coincidentemente um dia antes da assinatura do armistício do Tratado de Versalhes, já que por esse tratado, obrigavam-se as autoridades alemãs a entregar aos aliados as pessoas por estes definidas para serem julgadas de acordo com as leis. Na parte final do artigo 227, as potências aliadas e associadas solicitaram ao governo holandês que o ex-imperador lhes fosse entregue, com a finalidade de submetê-lo a julgamento.

A petição enviada pelos Aliados em 16 de janeiro de 1920 a Holanda (Países Baixos), expõe entre os motivos:

A cínica violação da neutralidade da Bélgica e de Luxemburgo, o bárbaro e impiedoso sistema de reféns, as deportações em massa, o rapto das moças de Lille arrancadas de suas famílias e entregues sem defesa às piores promiscuidades, a responsabilidade pela morte cruel de 10 milhões de homens na flor da idade. [31]

Os holandeses, todavia, negaram a sua extradição por entenderem que ele estava sendo acusado por um crime político, e sob o argumento de que não havia de sua parte obrigação internacional de obedecer à política dos aliados, alegando ainda, o Direito do Asilo, e, finalmente, que somente participaria de um Tribunal quando esse fosse legalmente constituído, [32] o que somado à falta de vontade política das potências vencedoras, fez com que o Kaiser jamais fosse julgado.

Os artigos 228 e 229 estabeleceram que houvesse a criação de um tribunal internacional para os criminosos de guerra alemães, ditando que os sujeitos culpáveis de atos delituosos contra os cidadãos de uma das potências aliadas e associadas seriam obrigadas a comparecer perante os tribunais militares da dita potência, e os sujeitos culpáveis de atos delituosos contra os cidadãos de várias potências aliadas e associadas seriam obrigadas a comparecer perante tribunais militares compostos por membros dos tribunais militares das potências interessadas.

De fato, estas disposições não tiveram êxito na sua aplicação. Tanto é que os aliados não criaram o Tribunal previsto no Tratado de Versalhes para os crimes de guerra cometidos por nacionais alemães, o que ocasionou uma lei alemã de 18 de dezembro de 1919, concedendo à Corte Suprema Alemã, o Reichgericht de Leipzig, competência excepcional para julgá-los. [33]

De uma lista inicial de 21.000 pessoas acusadas, lista esta apresentada pelas potências da base aliada, que ocasionou uma onde de protestos na Alemanha, os aliados terminaram cedendo e a lista se reduziu a 895 pessoas acusadas de haver cometido crimes de guerra. [34] O governo alemão somente reconheceu 45, porque o Procurador-Geral alemão concluiu que era impossível julgar um número ainda tão grande de reús. Destas 45 pessoas, apenas foram julgados 21 oficiais alemães, sendo que 13 foram condenadas pelo Tribunal de Leipzig à pena máxima de 3 anos. [35]

Segundo Maia, o maior motivo do não alcance dos objetivos do Tratado de Versalhes neste quesito se deu porque "naquele momento, a justiça foi sacrificada em favor da política. Havia uma preocupação maior em salvaguardar a paz na Europa". [36]

Apesar dos aparentes resultados pífios, o Tratado de Versalhes resultou um enorme avanço no campo internacional penal, pois além de afirmar uma concepção jurídica nova, segundo a qual os autores dos crimes de guerra deveriam responder na justiça por meio de tribunais internacionais, também criou uma universalidade de pensamento.

Trata-se, portanto, de um avanço que, embora não tenha surtido os efeitos esperados, abriria precedentes para futuras iniciativas, sendo a mais próxima situada no período entre guerras. [37]

É oportuno assinalar a opinião da já citada "Comissão sobre a Responsabilidade dos Autores da Guerra e da Execução das Penas pela violação das Leis e Costumes da Guerra", no sentido de que "é desejável que para o futuro se apliquem sanções penais para os graves ultrajes contra os princípios elementares do direito internacional". [38]


1.3 O período entre guerras

A aparente derrota da não aplicação do Tratado de Versalhes aos delitos cometidos na Primeira Guerra Mundial, incentivaram os juristas a perseguirem a elaboração de um direito penal internacional específico e à implementação de uma organização jurisdicional supranacional capaz de julgar em um nível universal os prejuízos mais graves ao "direito das pessoas".

Em 1924, animados por um pensamento universalista, confiando na norma jurídica, alguns juristas fundam, na Universidade de Paris, La Sorbonne, a Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), sendo que um dos seus objetivos era o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional permanente.

Em 1926, no I Congresso Internacional de Direito Penal, organizado pela AIDP em Bruxelas, discutiu-se o tema. [39] Como conseqüência, em 1927, a AIDP propõe à Liga das Nações a criação de uma Câmara Criminal da Corte Permanente de Justiça Internacional. [40] Procurava-se, assim, o estabelecimento dos princípios de direito penal internacional e, principalmente, da responsabilidade penal do indivíduo no campo internacional.

No plano diplomático, devem ser reconhecidos alguns esforços no sentido de declarar a ilicitude da guerra de agressão. Assim foi tratado no Protocolo de Genebra de 2 de outubro de 1924, que estabeleceu o princípio da arbitragem obrigatória, além de qualificar, pela primeira vez, a guerra de agressão como crime internacional. No mesmo ínterim, estabeleceu a Declaração aprovada pela Assembleia da Liga das Nações em 27 de setembro de 1927. [41]

Em 1928, a mesma Liga das Nações ajustou o tratado geral de renúncia à guerra, denominado Pacto Briand-Kellog, que definiu a guerra somente como ilícita, e não como criminosa, além de estabelecer que os atos de agressão proibidos por suas disposições somente geravam responsabilidade do Estado, sem estendê-la às pessoas que a organizaram e ordenaram.

Paralelamente, em 1920, a Liga das Nações criou um "Comitê Consultivo de Juristas", com a incumbência de preparar um projeto de tribunal de justiça permanente, como prolongamento dos princípios estabelecidos em 1919. Recomendou-se que essa jurisdição fosse competente para "julgar crimes que constituem violação da ordem pública internacional da Lei Universal das Nações", princípio invocado pela Assembleia da Liga das Nações. [42]

Neste âmbito, se elaborou um projeto, por iniciativa do representante belga, Barão Deschamps, de constituir um alto Tribunal de justiça internacional, criado para processar a todos aqueles que fossem responsáveis por delitos contra a ordem pública internacional e contra a lei universal das nações. Neste projeto, o Comitê sugeriu que tal Tribunal tivesse a faculdade de definir a natureza do delito, fixar a pena e decidir os meios apropriados para a execução da sentença. Este Tribunal seria composto por um juiz para cada um dos Estados, eleitos dentro os membros dos grupos nacionais do Tribunal Permanente de Arbitragem. [43]

Depois de analisar o projeto, a Terceira Comissão da Assembleia da Liga das Nações declarou que era inútil estabelecer, além do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, outro Tribunal de caráter penal. A melhor alternativa seria confiar as causas criminais aos tribunais ordinários, como vinha se desenvolvendo até então, segundo o costume e o procedimento internacional. Ao mesmo tempo, se recomendou que, no futuro, chegaria o dia em que seria necessário a constituição de uma sala penal no Tribunal Permanente de Justiça Internacional. [44]

Estes trabalhos receberam forte impulso após o atentado ocorrido em Marselha em 9 de outubro de 1934, perpetrado por terroristas macedônios e croatas [45], que vitimou o estadista Jean-Louis Barthou (1862-1934), presidente do Conselho da República Francesa, e o Rei Alexandre I, da Iugoslávia, provocando a realização, entre 1° e 16.11.1937, sob os auspícios da Liga das Nações, da Conferência Internacional para a Repressão do Terrorismo, ao final da qual foi concluído o primeiro instrumento jurídico que considerava o terrorismo crime internacional [46], a "Convenção para a Prevenção e Punição do Terrorismo".

A Convenção ficou aberta à assinatura até 31.5.1938, data em que contava com 23 Altas Partes Contratantes, a saber: Albânia, Argentina, Bélgica, Índia, Bulgária, Cuba, República Dominicana, Egito, Espanha, Estônia, França, Grécia, Haiti, Iugoslávia, Mônaco, Noruega, Países-Baixos, Peru, Romênia, Tchecoslováquia, Turquia, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Venezuela, [47] que, todavia, não chegou a entrar em vigor, tendo sido ratificada apenas pela Índia. [48]

Definia a Convenção no seu Artigo 2° os atos de terrorismo, e não o terrorismo:

1. Fatos internacionais que tenham por finalidade atingir a vida, a integridade corporal, a saúde ou a liberdade de:

a) chefes de Estado, pessoas que exerçam prerrogativas de chefe de Estado, de seus sucessores hereditários ou designados;

b) cônjuges das pessoas enumeradas acima;

c) pessoas encarregadas de funções públicas ou que ocupem cargos públicos quando o fato for praticado contra eles em razão das funções ou cargos que exerçam.

2. O fato intencional consiste em destruir ou causar dano a bens públicos ou destinados a finalidades públicas que pertençam a outra Alta Parte Contratante ou que estejam sujeitos à sua autoridade.

3. O fato intencional de colocar em risco vidas humanas para a criação de um perigo comum.

4. A tentativa de cometer as violações previstas nos dispositivos precedentes do presente Artigo.

5. A fabricação, obtenção, detenção ou fornecimento de armas, munições, produtos explosivos ou substâncias nocivas visando à prática, em qualquer país, das condutas previstas no presente Artigo. [49]

O Protocolo da "Convenção para a Prevenção e Punição do Terrorismo" incluía também uma "Convenção para o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional", onde tal Tribunal que se pretendia criar destinava-se a julgar pessoas acusadas das condutas tipificadas como terrorismo.

Esta Convenção para a criação de um Tribunal Penal Internacional da mesma forma não chegou a entrar em vigor internacionalmente, por falta de ratificações, mas se reconhece que tal esforço apresentou um extraordinário interesse jurídico e histórico para a codificação da matéria. Já nesta época intuía-se a internacionalização dos delitos, o que revela-se pela análise do Preâmbulo da Convenção que criava o Tribunal Internacional, que declarava: "[...] of creating na International Criminal Court with a view to making progress in the struggle against offences of na international character [...]". [50]

Percebe-se, assim, que durante o final do século XIX e início do século XX o crime de guerra foi considerado crime internacional e, neste período entre guerras, o terrorismo passou a ser considerado pela comunidade jurídica como o segundo crime internacional.

Neste quadro, nota-se que o momento histórico era mesmo impossível a criação de um Tribunal Penal Internacional, já que se alinhavavam os novos fatos históricos internacionais que ocasionariam na eclosão da Segunda Guerra Mundial e todas as suas violações aos direitos humanos.


1.4 A Segunda Guerra Mundial e o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg

Muito provavelmente, a Segunda Guerra Mundial foi uma mera continuação da Guerra de 1914-1918. As questões que envolviam as potências europeias e acabaram levando-as ao conflito não só não foram resolvidas, como foram acirradas no período entre guerras e acabaram por gerar a grande tragédia iniciada em 1939.

Foi assim que em 1º de setembro de 1939 as tropas alemãs atravessavam a fronteira polonesa, dando início assim ao maior conflito bélico pelo qual a humanidade já presenciou. Mais de 60 milhões de mortos, outros tantos milhões de feridos, nações devastadas e desrespeito a diversos princípios do direito de guerra por todos os lados em conflito. Todo esse panorama foi produzido em apenas seis anos de guerra.

No contexto da II Guerra Mundial, tem-se um conflito significativamente marcado por inovações em termos de combate. Nunca houvera antes uma guerra naqueles moldes: novas violações às garantias fundamentais da pessoa humana foram postas em prática, violências quase que inconcebíveis até então passaram a ser infligidas contra indivíduos, populações ou mesmo etnias inteiras. Sobretudo no fronte oriental da Europa e na guerra no Pacífico atrocidades eram cometidas. Esta Guerra foi marcada por novas modalidades de violência, que, de tão atrozes, tornavam-se pouco previsíveis. E sob a ótica jurídica, salvo em alguns crimes de guerras específicos, as novas e drásticas violações eram tão absurdas, que não havia sequer previsão de tipificação das mesmas no sistema jurídico internacional. Por outro lado, seria inaceitável que aqueles que tivessem cometido tantas atrocidades escapassem incólumes com o fim das hostilidades. Não se poderia admitir que aquelas atrocidades se tornassem usuais em possíveis conflitos posteriores. Ainda no decorrer da guerra as partes combatentes preparavam-se para estabelecer punições aos considerados culpados por tão graves violações, após o desfecho do conflito. [51]

Já nos primeiros meses de guerra surgiam protestos oriundos dos territórios invadidos, sobretudo no Leste Europeu, contra os métodos das forças de ocupação para com as partes derrotadas. No entanto, tais clamores só mereceriam consideração pelos Aliados alguns anos depois, quando Grã-Bretanha e EUA sentiam os efeitos de seu envolvimento direto no Conflito. Os protestos diziam respeito não apenas às forças do Eixo, mas também à conduta dos soviéticos nos territórios vítimas da agressão dos bolcheviques: Polônia, Letônia, Estônia, Lituânia e Finlândia. Entre estas agressões dos soviéticos, logo no início da guerra está o episódio do massacre de Katyn, quando milhares de oficiais poloneses foram sumariamente executados pelo Exército Vermelho, violando-se as mais basilares convenções de direito de guerra. Este fato foi denunciado pelos alemães ainda durante o conflito, mas as atrocidades também cometidas pelas forças de Stalin durante a Segunda Guerra Mundial não receberam atenção por parte das Potências Ocidentais. Atentamos para este evento específico, porque pelo mesmo seria atribuída a culpa aos réus em Nuremberg.

Já no início do conflito estava claro que quem saísse perdedor se subjugaria aos auspícios do vencedor. Dentre as primeiras declarações de princípios contra a conduta do Eixo, tem-se uma declaração conjunta feita por Roosevelt e Churchill, em 27 de outubro de 1941. Talvez em virtude de ainda não estarem os EUA oficialmente envolvidos na Guerra, os comentários do presidente Roosevelt restringiram-se a uma mera condenação moral. Entretanto, a declaração de Churchill foi mais precisa, sobretudo em suas conclusões:

O governo de Sua Majestade associa-se plenamente aos sentimentos de horror e de reprovação expressos pelo Presidente dos Estados Unidos concernentes aos massacres nazistas na França. Estas execuções de inocentes, feitas a sangue frio, recairão sobre os selvagens que lhes ordenaram e seus executores. Os massacres na França são um exemplo do que os nazistas fazem em muitos dos outros países sob seu jugo. [...] A punição para esses crimes deve estar permanentemente entre os objetivos maiores da guerra. [52]

Em 17 de dezembro de 1942, os EUA, a URSS e a Grã-Bretanha fizeram uma proclamação, à qual se seguiu uma outra, dada a conhecer em 5 de janeiro de 1943, nas quais indicavam a intenção dos aliados de responsabilizar os alemães e a Alemanha pelos crimes de guerra e pelas atrocidades cometidas durante o conflito. [53]

Portanto, em meio ao conflito, o princípio da repressão pelos crimes cometidos é apresentado pelos aliados. Tais declarações de castigo para os criminosos de guerra também faziam parte da conduta beligerante de ambas as partes em contenda. Do lado do Eixo, diversas vezes suas autoridades deixaram claro que, com sua vitória – do Eixo – no conflito, também os agressores aliados seriam julgados por seus crimes na Europa. Sabia-se que a sina dos vencidos em um conflito daquelas proporções seria a submissão ao arbítrio da outra parte. Independentemente de quem fosse o vitorioso, todos tinham consciência de que o vencido estaria condenado à violência e arbitrariedade do vencedor.

Mesmo antes do final da Guerra e da criação da Organização das Nações Unidas, [54] foi assinado, em 13 de janeiro de 1942, pelos representantes em Londres dos Estados europeus ocupados, um acordo no palácio de St. James, referente à punição dos criminosos de guerra:

Os abaixo-assinados representantes do governo da Bélgica, do governo da Tchecoslováquia, o Comitê Nacional da França Livre, o governo dos Países Baixos, o governo da Noruega, o governo da Polônia e o governo da Iugoslávia;

Visto que a Alemanha, desde o início do presente conflito provocado por sua política de agressão, instituiu nos países ocupados um regime de terror caracterizado, entre outras coisas, pelas prisões, expulsões massivas, massacres e execuções de reféns;

Visto que esses atos de violência foram igualmente cometidos pelos Aliados e Associados do Reich e, em alguns países, por cidadãos cúmplices da Potência ocupante;

Visto que a solidariedade internacional é necessária para evitar que estas violências dêem lugar a atos de vingança individual e coletiva, e com o objetivo de satisfazer ao espírito de justiça do mundo civilizado;

Lembrando que o Direito Internacional, e em particular a Convenção assinada em Haia, em 1907, referente a leis e costumes de guerra terrestre, não permitem aos beligerantes cometerem nos países ocupados atos de violência contra civis, violar as leis em vigor, ou eliminar as instituições nacionais;

1º - Afirmam que tais atos de violência nada têm em comum com o conceito do ato de guerra ou do crime político da maneira como estes são conhecidos pelas nações civilizadas;

2º - Acolhem as declarações feitas a respeito, a 27 de outubro de 1941, pelo Presidente dos Estados Unidos da América e pelo Primeiro Ministro britânico;

3º - Consideram entre os principais objetivos da guerra a punição, por meio da justiça organizada, dos culpados ou responsáveis por estes crimes, os quais tenham eles ordenado, perpetrado ou participado;

4º - Decidem velar, sob a égide da solidariedade internacional, para que a) os culpados ou responsáveis, quaisquer que sejam suas responsabilidades, sejam identificados, postos à disposição da justiça e julgados; b) que as sentenças pronunciadas sejam executadas [...]. [55]

Conjuntamente com esta Declaração, foi constituído pelas potências signatárias o "Comitê Inter-aliado para a Repressão dos Crimes de Guerra". Por meio dessas declarações, os governos exilados passaram a influenciar os Aliados para o estabelecimento de um sistema de sanções. Tanto é que, em 6 de agosto de 1942, o governo britânico fixa os princípios da repressão, de acordo com a seguinte determinação:

O governo de Sua Majestade não chegou a conclusões definitivas referentes à política a seguir no que concerne aos criminosos de guerra, mas os princípios gerais a seguir representam sua atual opinião:

1º - A política e o procedimento referentes aos criminosos de guerra, aí compreendida a questão da jurisdição competente, devem ser estabelecidos de acordo com todos os governos aliados interessados.

2º - Para o julgamento dos criminosos de guerra, qualquer que seja o Tribunal competente, far-se-á uso das leis já em vigor, sem promulgar qualquer lei especial ‘ad hoc’.

A punição dos criminosos será empreendida assim que possível após o fim das hostilidades, com o objetivo de:

- assegurar uma imediata justiça.

- prevenir medidas de vingança individual.

- assegurar uma execução rápida dos julgamentos, a fim de facilitar o retorno a um atmosfera pacífica na Europa.

3º - Seria desejável, em última instância, fixar uma data limite, após o fim das hostilidades, para a abertura dos processos.

4º - Cada governo aliado interessado poderá, a partir de agora e assim que possível, apresentar uma lista de criminosos para os quais deseja que seja feita a persecução penal, bem como preparar as provas contra os mesmos.

5º - Dispositivos devem ser incluídos nas Convenções de armistício para a captura imediata ou a entrega dos criminosos indiciados e tal medida deve permanecer em vigor até a conclusão do Tratado de Paz. De outra maneira, poderia ser impossível, como aconteceu após a última guerra, trazer a juízo os acusados.

As listas porventura inclusas nas Convenções de armistício não devem ser consideradas como restritivas e é permitido às autoridades de ocupação requerer o indiciamento de outras pessoas. Cada Tratado de paz conterá consequentemente disposições necessárias para que este plano seja posto em prática.

6º - Todas as precauções devem ser tomadas para evitar que os criminosos de guerra obtenham asilo nos países neutros.

7º - Uma distinção deve ser estabelecida entre os criminosos de guerra inimigos e os nacionais provenientes dos países aliados interessados (como os ‘Quislings’). Estes últimos deverão ser julgados pelos governos dos países interessados, sob sua própria lei, e nenhuma entente interaliada será necessária nesse sentido, bem como acordos particulares que possam ser necessários para a entrega dos culpados à autoridade competente. [56]

O presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt e o Primeiro-Ministro britânico Winston Churchill apresentaram declarações de apoio, assim como os soviéticos, que aderiram aos princípios gerais dos aliados.

Os aliados também criaram a "United Nations War Crimes Comission" (UNWCC), ou "Comissão de Crimes de Guerra das Nações Unidas" [57], em 20 de outubro de 1943, para investigar os possíveis crimes que estivessem sendo cometidos àquele tempo. Assim, sua finalidade era semelhante à da "Comission the Responsabilities of the Authors of the War and the Enforcement of Penalties for Violations of the Laws and Costume of War" de 1919. Ocorre que aquela Comissão enfrentou problemas, pois muitas das condutas as quais se pretendia castigar não estavam definidas e sancionadas pelo direito internacional àquele tempo. [58]

Mas o verdadeiro e principal marco preparatório para a formação do Tribunal de Nuremberg foi a Declaração de Moscou, onde em 11 de fevereiro de 1943, durante a Conferência de Yalta, Roosevelt, Churchill e o Premier soviético Josef Stalin a subscreveram. Em 1º de novembro de 1943, a Declaração de Moscou, adotada por esses líderes, em nome de seus respectivos governos, tornava explícita a política dos aliados em relação aos criminosos do Eixo, que consistia em julgá-los após o encerramento das hostilidades. Esta declaração estabeleceu os princípios adotados pelas Nações Unidas para julgar os criminosos de guerra do 3º Reich:

[...] Ao acordar qualquer armistício com qualquer governo que possa ser estabelecido na Alemanha, os oficiais e praças alemães e membros do Partido Nazista que sejam responsáveis pelas atrocidades, massacres e execuções descritas acima ou nelas tomaram parte consentânea, serão reconduzidos aos países onde seus abomináveis atos foram cometidos, a fim de que possam ser julgados e punidos conforme as leis destes países libertados e dos governos livres que ali sejam estabelecidos.

[...] Que aqueles que até o momento não banharam as mãos no sangue dos inocentes resguardem-se de reunir-se ao rol dos culpados, porque podemos afirmar que as Três Potências aliadas lhes perseguirão até as mais longínquas regiões da terra e irão enviar-lhes de volta seus acusadores a fim de que seja feita a justiça.

Esta Declaração é feita sem prejuízo dos casos dos principais criminosos de guerra, cujos delitos não tenham definição geográfica particular e que serão castigados por decisão comum dos governos aliados. [59]

Desta forma, percebemos que dois modos de repressão são claramente apresentados na Declaração de Moscou.

Primeiramente, tem-se a repressão local, para os crimes individualizados, cometidos em um território específico, onde o julgamento destes criminosos seria feito pelas autoridades do lugar onde haviam praticado o delito e com base no direito comum daquela jurisdição.

Em um segundo modelo de repressão, levavam-se em consideração os chamados grandes criminosos de guerra, cujos delitos não tinham definição geográfica específica. Foi por meio deste princípio que se teve o ponto de partida para a formação do Tribunal de Nuremberg.

À medida que a guerra ia chegando ao seu fim, os princípios elencados na Declaração de Moscou eram postos em prática. As Convenções de Armistício com a Romênia (19/09/1944), Finlândia (19/09/1944), Bulgária (28/10/1944) e Hungria (30/01/1945), continham em seus textos cláusulas que obrigavam os governos dos países vencidos a colaborar com os aliados para a captura dos criminosos de Guerra. [60] Da mesma forma buscou-se também evitar que os criminosos de guerra identificados pelos aliados obtivessem asilo nos países neutros, impedindo assim a repetição do que acontecera com o desfecho da Primeira Guerra Mundial, quando o próprio Kaiser se refugiou junto à uma nação neutra.

Com o fim definitivo da Segunda Guerra com o rendimento incondicional da Alemanha nazista em 8 de maio de 1945, o acordo de Potsdam previa que os criminosos de guerra deveriam ser julgados. No entanto, nenhuma dessas declarações ou acordos estabelecia a forma precisa para levar os responsáveis pelos crimes a tribunais.

Enquanto na Europa ocorriam reuniões preparatórias, que tratavam da questão do julgamento dos criminosos de guerra, no Extremo Oriente, região em que o Japão continuava lutando, nenhuma iniciativa semelhante estava sendo adotada, o que levou ao desenvolvimento separado de estruturas institucionais e procedimentais para tratar das persecuções penais em cada região. [61]

Após muita discussão sobre a necessidade, a extensão e a forma do julgamento, em 8 de agosto de 1945, durante a conferência de Londres, as quatro potências vencedoras – os Estados Unidos, o Reino Unido, a União Soviética e a França – celebraram acordo destinado a estabelecer as regras que deveriam orientar o processo e julgamento dos grandes criminosos de guerra das potências europeias do Eixo. Este acordo, que subsequentemente recebeu a assinatura de mais 19 Estados, ficou conhecido como a Carta de criação do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, que acabou por ser conhecido como o "Tribunal de Nuremberg".

Em 6 de outubro de 1945 foi aprovado o Estatuto do Tribunal de Nuremberg (Charter of the International Military Tribunal for the Trial of the Major War Criminals), contendo 30 artigos e estabelecendo no art. 4º que aquela seria uma corte quadripartite, à qual cada país aliado deveria enviar um juiz titular e outro suplente, com a Presidência sendo exercida de forma rotativa.

O Reino Unido indicou Geoffrey Lawrence – que também foi escolhido como presidente do Tribunal – e Noram Birkett (suplente). Já os Estados Unidos indicaram Francis Biddle e John Parker, como seu suplente. Por sua vez, a França indicou o professor Henri Donnedieu de Vabres, Professor da Universidade de Paris e um dos maiores especialistas europeus em direito internacional, e Robert Falco como seu suplente. Por fim, a União Soviética teve o Major-General Iona T. Viktchenko e, também, o Tenente-Coronel Alexander F. Volchkov.

O Ministério Público foi composto por equipes das potências, chefiadas, respectivamente, por: Robert H. Jackson (EUA), Auguste Champetier de Ribes e François de Menthon (França), Hartley Shawcross e David Maxwell-Fyfe (Reino Unido) e General Roman A. Rudenko (URSS). [62]

Os advogados de defesa eram todos alemães, merecendo destaque os Drs. Hans Marx, Otto Stahmer, Fritz Sauter e Gunther Von Rohscheidt, que, em moção datada de 19 de novembro de 1945, centraram suas teses de defesa na assertiva de que a Corte Militar era um tribunal de exceção, constituído ex post facto com a finalidade precípua de condenar e não de julgar os acusados, verdadeiro "tribunal de vencedores contra vencidos", em frontal desrespeito à velha parêmia: "nullum crimen, nulla poena sine praevia lege", de cumprimento obrigatório no Direito Penal. [63]

Como se pode constatar, embora o Tribunal tivesse a denominação de militar, todos os juízes, salvo o soviético, eram civis e considerados juristas notáveis em seus países. A denominação Tribunal Militar decorreu da necessidade dos Estados Unidos contornarem o obstáculo do princípio da anterioridade da lei previsto no Direito Penal comum interno e inexistente em seu Direito Penal Militar. [64]

O Tribunal poderia julgar pessoas que tivessem cometido crimes a) contra a paz; b) crimes de guerra; e c) crimes contra a Humanidade (Artigo 6), devendo a responsabilidade dos acusados ser apurada tanto como indivíduos como quanto membros de organizações (Artigo 4). A estes foram acrescidos ainda o crime de complô (conspiracy):

Art. 6º - O Tribunal estabelecido por acordo mencionado no art. 1º acima, para o julgamento e castigo dos grandes criminosos de guerra dos países europeus do Eixo, será competente para julgar e punir quaisquer pessoas que, agindo por conta dos países europeus do Eixo, tenham cometido, individualmente ou sob o título de membros de organizações, qualquer dos crimes seguintes.

Os seguintes atos, ou qualquer um entre eles, são crimes submetidos à jurisdição do Tribunal e elencam uma responsabilidade individual:

a) Crimes contra a paz: a saber, a direção, preparação, o desencadeamento ou a persecução [poursuite] de uma guerra de agressão, ou de uma guerra violadora de tratados, garantias ou acordos internacionais, ou a participação em um plano concertado [plan concerté] ou em um complô para a realização de qualquer um dos atos precedentes;

b) Crimes de guerra: a saber, as violações das leis e costumes de guerra. Tais violações compreendem, sem limitar-se a estes, o assassinato, os maus-tratos e a deportação para trabalhos forçados, ou com qualquer outro objetivo, das populações civis nos territórios ocupados, o assassinato e os maus-tratos dos prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar, a execução de reféns, a pilhagem dos bens públicos ou privados, a destruição sem motivo das cidades e vilas, bem como a devastação não justificada pelas exigências militares;

c) Os crimes contra a humanidade: a saber, o assassinato, o extermínio, a escravização, a deportação e qualquer outro ato inumano cometido contra quaisquer populações civis, antes ou durante a guerra; ou ainda as perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, cometidos em prosseguimento a todos os crimes sob a competência do Tribunal Internacional, ou a eles vinculados, mesmo que tenham tais perseguições constituído ou não uma violação do direito interno do país onde foram perpetradas.

Os dirigentes, organizadores, colaboradores ou cúmplices que tenham participado na elaboração ou execução de um plan concerté ou de um complô para o cometimento de qualquer um dos crimes acima definidos são responsáveis por todos os atos perfeitos realizados por qualquer pessoa na execução deste plano. [65]

Apesar do Estatuto de Nuremberg não trazer o enquadramento de nenhum crime definido como "crime de organizações", mesmo assim seis entidades do nazismo foram formalmente denunciadas perante o Tribunal: O "Gabinete do Reich" (Reichsregierung), as "SA" (Sturmabteilungen der National-Socialistischen Deutschen Arbeiter-Partei), o "Corpo Diretivo do Partido Nazista" (Das Korps der Politischen Leiter der Nationalsozialistischen Deustschen Arbeiterpartei), as "SS" (Schutzstaffel), a "Gestapo" (Geheime Staatpolizeiamt), e o grupo formado pelo Estado-Maior e pelo Alto Comando de Reich: o "OKH" (Oberkommando der Heeres, armada de terra), o "OKM" (Oberkommando der Marine, armada marítima) e o "OKL" (Oberkommando der Lufwaffe, força aérea). Acima deles estava o "OKW" (Obercommando der Wehrmacht, comando superior militar) encabeçado pelo Führer (Adolf Hitler), do qual o Marechal Wilhelm Keitel fora Chefe de Estado-Maior. [66]

O texto do Estatuto, portanto, atribuía as responsabilidades das mais genéricas, de modo que qualquer pessoa poderia ser indiciada, julgada e condenada com base em qualquer daqueles preceitos do artigo 6º. A caracterização de cada delito específico ficaria a cargo da Corte, de modo que a Acusação tinha grande facilidade em adequar qualquer conduta aos encargos de amplo sentido elencados no Estatuto.

Assim, em 20 de novembro de 1945, no Palácio da Justiça da cidade bávara de Nuremberg, sob a presidência de Geoffrey Lawrence, juiz da representação britânica, foram iniciadas as 403 sessões públicas do julgamento de vinte e quatro líderes nazistas capturados pelas forças aliadas, dentre os quais vinte médicos considerados criminosos de guerra, devido aos brutais experimentos realizados em seres humanos.

A cidade de Nuremberg foi escolhida porque além de representar o ponto de concentração da zona de ocupação norte-americana, foi o centro irradiador do nazismo, bem como ex-palco das mais gigantescas manifestações do partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, nome oficial do Partido Nazista. [67]

Ao longo de 218 dias de audiência, em 1º de outubro de 1946, o Tribunal divulgou as sentenças absolvendo três réus, condenando nove à pena de prisão perpétua ou temporária, e, o restante deles (doze) à pena de morte por enforcamento e condenando quatro organizações criminosas.

Os sumários do Tribunal de Nuremberg totalizaram, no final, 4 bilhões de palavras e ocuparam 16 mil páginas. O libelo tinha 25 mil páginas e só a sua leitura consumiu todo o primeiro dia de julgamento. Foram ouvidas 360 testemunhas e anotou-se 200 mil declarações sob juramento. [68]

Foram os 218 dias mais longos da história, onde ao final deram origem aos chamados "Princípios de Nuremberg", em número de sete, que constituem os fundamentos principais do moderno Direito Internacional Penal, e também ao "Código de Nuremberg", documento este que se traduziu num conjunto de diretrizes que orientaram as experiências médico-científicas em seres humanos, consolidado com base no resultado dos julgamentos do tribunal, em resposta às experiências desumanas realizadas pelos nazistas durante a guerra, por médicos como Josef Mengele. Este documento pode ser considerado como um marco na história, pois pela primeira vez foi estabelecida uma recomendação de repercussão internacional sobre os aspectos éticos e humanitários envolvendo pesquisas em seres humanos.

Em 16 de outubro de 1946, os condenados à morte são enforcados no ginásio da prisão de Nuremberg, onde posteriormente seus corpos foram secretamente incinerados em um crematório de Munique e suas cinzas jogadas em um afluente do rio Isar, para que se evitassem futuras glorificações. Em 18 de julho de 1947, os condenados à prisão são transferidos para a penitenciária dos Aliados no complexo de Spandau, em Berlim, reservada exclusivamente aos criminosos de guerra e sob controle das quatro potências vencedoras da Guerra.

O Tribunal de Nuremberg já nasceu polêmico em razão de ter sido criado para o julgamento de fatos pretéritos (ex post facto). Mesmo assim para muitos foi um progresso do Direito Internacional, para outros um tribunal improvisado e arbitrário, onde foram negados os mais elementares postulados do direito penal tradicional, tais como: os "princípios da legalidade" [69] e da "irretroatividade da lei penal" [70], sendo conhecido como o "julgamento de vencedores contra vencidos". A fim de concretizar seu "Plano de Julgamento" o Tribunal Militar Internacional mesclou as regras do Direito Civil europeu com o anglo-americano, evitando usar as palavras "lei" ou "código", tudo num esforço de lidar pela primeira vez na história com um julgamento a ser realizado ex post facto, fundamentando esta decisão no plano do Direito Internacional, no fato de que as quatro "potências vencedoras" eram o governo do território alemão. Várias outras críticas foram opostas ao Tribunal, tais como: impossibilidade de o direito penal atuar em relação aos chamados "Atos de Estado"; impossibilidade de reconhecimento da responsabilidade penal dos entes coletivos; impossibilidade de atuação do direito penal internacional contra os indivíduos e a questão da obediência hierárquica.

Com relação a essas questões, os julgadores do Tribunal de Nuremberg entenderam não haver violação do princípio da nullum crimen nulla poena sine lege quanto aos crimes de guerra, pois o próprio Estatuto declarou o que fora definido na Convenção de Haia de 1907. Quanto aos crimes contra a paz, decidiu-se que o princípio da reserva legal não limitaria a soberania dos Estados, pois seria justo punir aqueles que, em desacordo com tratados solenes, agridem, sem prévio aviso, a um outro Estado. Ficou realçado em Nuremberg que os acusados conheciam os tratados assinados pela Alemanha, tratados estes que proibiam a guerra como solução de eventuais diferenças. Significava, pois, que sabiam que a guerra de agressão era proibida pela lei pela maioria dos Estados, inclusive pela Alemanha.

O princípio da irretroatividade da lei penal, no entanto, foi flagrantemente violada em Nuremberg. O direito internacional penal, embora seja uma disciplina autônoma, não pode abrir mão das garantias fundamentais asseguradas pelo direito penal. A justificativa da violação a tal princípio residiu apenas no ponto de vista moral, da equidade e da consciência universal, onde se imaginaria inconcebível não haver uma exigência de punição pelos fatos cometidos pelos acusados.

Como já explanado, o direito internacional penal anterior ao Estatuto de Nuremberg já proibia as guerras de agressão e os crimes de guerra. Mais que isso, os aliados por diversas vezes durante a guerra denunciaram as atrocidades praticadas pelos alemães e afirmaram a intenção de punir os responsáveis. Contudo, nenhum documento internacional havia previsto os crimes contra a humanidade como tipo penal e muito menos cominara qualquer tipo de sanção penal. Esta foi, sem dúvida, uma inovação prevista pelo Estatuto e que significou uma das maiores violações da reserva legal, pois os acusados foram processados e julgados muito mais do que leis posteriores, mas sim por um direito acima do direito positivo e acima dos Estados.

O Tribunal de Nuremberg foi, ainda é e sempre será alvo de inúmeras críticas, dentre elas temos a de Nelson Hungria, que chegou a admoestar severamente os julgamentos de Nuremberg, afirmando:

O Tribunal de Nuremberg há de ficar como uma nódoa da civilização contemporânea: fez tabula rasa do nullum crimen nulla poena sine lege (com um improvisado Plano de julgamento, de efeito retroativo, incriminou fatos pretéritos e impôs aos seus autores o ‘enforcamento’ e penas puramente arbitrárias); desatendeu ao princípio da ‘territorialidade da lei penal’; estabeleceu a responsabilidade penal de indivíduos participantes de tais ou quais associações, ainda que alheios aos fatos a ele imputados, funcionou em nome dos vencedores, que haviam os mesmíssimos fatos atribuídos aos réus; suas sentenças eram inapeláveis, ainda quando decretavam a pena de morte. Como diz Montero Schmidt (Ver. de Ciencias Penales, tomo IX, nº 4, 1946): ‘jamais había podido concebir la mente de jurista alguno um derumbe más grande de los principios de Derecho, que se iluminó, al postre, com uma escerna grotesca: el ahorcamiento del cadáver del Mariscal Goering, después que este se había suicidado! [71]

Todavia, contrariamente a esta opinião, em relação ao Tribunal de Nuremberg, Quintano Ripollés expressou que:

[...] constituída la Comisión y firmada la declaración y Proyecto de Estatuto por los solos representantes de las cuatro grandes potencias [...], no hay que olvidar que diecinueve países le prestaron expresa e incondicional adhesión [...]. De outra parte, la coetánea Conferencia Interamericana sobre Problemas de la Guerra y de la Paz, celebrada em Chapultepec (México) el 6 de marzo de 1941, supuso la coincidencia del continente americano casi íntegro em los principios de la Declaración Tripartita de Moscú de 1943, en el sentido de que los culpables, responsables y cómplices de los crímenes de guerra fuesen juzgados y condenados, negando refugio y concediendo la extradición de los acusados por tales hechos. Es gratuito, en consecuencia, el afirmar la unilateralidad de la justicia criminal proyectada, que si bien se hizo, como no podia ser por menos, por los vencedores, llevó al asentimiento de la mayor parte de la comunidad internacional, pocas veces tan manifiestamente expresada. [72]

Claramente temos que admitir que Nuremberg transpareceu um Tribunal de vencedores julgando os vencidos. No entanto, apesar de tal pecha e da maciça opinião pública mundial ter desenvolvido imensa repulsa pelos atos praticados pelos representantes do Estado nazista, o Tribunal de Nuremberg tentou, na medida do possível, fazer um julgamento e não um ato de vingança internacional, visto que três absolvições foram pronunciadas. Uma pura justiça de vencedor não teria certamente chegado a isso. Nuremberg foi, sem dúvida alguma, um passo largo na construção do direito internacional penal. Lá, a despeito de não existir norma escrita específica, foi concretizado o conceito de crime contra a humanidade e reconhecido o conceito de crime de guerra de agressão. Outro ponto não menos importante, já abordado anteriormente, foi a introdução definitiva da figura do indivíduo nas questões internacionais penais.

Abstraindo todas as críticas, resta claro que o maior mérito de Nuremberg foi, sobretudo, o de ter formulado pela primeira vez tipos penais internacionais, tipificando assim os crimes mais graves contra o direito internacional, de modo que todas as codificações internacionais posteriores se basearam nestas definições. Com isso, ante a experiência de Nuremberg, subsistiu a exigência por um Tribunal Penal Internacional permanente.


1.5 A Segunda Guerra Mundial e o Tribunal Militar Internacional de Tóquio

Os fundamentos para a criação do Tribunal de Tóquio encontram-se na Declaração do Cairo, datado de 1º de dezembro de 1943, em que participaram e assinaram representantes dos Estados Unidos da América, da Grã-Bretanha e da China, no qual demonstraram a intenção de por termo a agressão japonesa e levar a julgamento os criminosos de guerra japoneses. Tais objetivos são reiterados e anunciados durante a Conferência de Potsdam, em julho de 1945, quando os três mesmos aliados fazem saber que uma estrita justiça deve sancionar todos os criminosos de guerra e especialmente aqueles que tiveram cometido crueldades contra os prisioneiros.

O Japão só se rendeu em 2 de setembro de 1945 e, no ato de rendição, se definiu precisamente como se dariam os procedimentos relativos às condições de tratamento a serem empregados aos suspeitos de terem cometido crimes de guerra. Ao mesmo tempo, a Comissão de Crimes da Organização das Nações Unidas aprovou uma recomendação para o estabelecimento de um tribunal militar internacional para julgar os crimes praticados pelos japoneses. Nessas bases, o Departamento de Estado dos EUA adota um instrumento visando à prisão e à sanção dos criminosos de guerra no Extremo Oriente pelo qual notifica o Comando Supremo das Forças Aliadas e as oito nações (Austrália, Canadá, China, França, Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Países Baixos e União Soviética) de criar o tribunal militar. [73]

A Conferência de Moscou entre os Ministros das Relações Exteriores de Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética e China, concordaram que o tribunal fosse sediado em Tóquio. Em janeiro de 1946, o general Douglas Mac Arthur aprovou a Carta do Tribunal, que tinha competência para julgar os acusados de crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade.

O tribunal era composto de juízes provenientes de 11 nações aliadas: Austrália (Wiliiam F. Webb, presidente do Tribunal), Canadá (E. Stuart McDougall), China (Ju-ao Mei), Estados Unidos (John P. Higgins), França (Henri Bernard), Grã-Bretanha (Lorde Patrick), Índia (Tadhabinod M. Pal), Países Baixos (Bernard Victor A. Roling), Nova Zelândia (Erima Harvey Northeroft), Filipinas (Delfin Jaranilla) e União Soviética (I. M. Zaryanov).

O procurador-chefe estava a cargo do norte-americano Joseph Keenan e cada país aliado designava um procurador-adjunto.

A Carta do Tribunal Militar Internacional par ao Extremo Oriente contava com 17 artigos, contra 30 do Estatuto do Tribunal de Nuremberg. Contudo, a substância e a forma eram muito parecidas, senão quase idênticas.

Os julgamentos se realizaram no prédio onde funcionava o Ministério da Guerra japonês, tendo início em maio de 1946, durando dois anos e meio, até novembro de 1948. Dos 80 suspeitos de terem cometidos crimes de guerra, capturados e detidos na prisão de Sugamo, em Tóquio, só são levados a julgamento 28 deles, dos quais 9 civis e 19 militares de carreira.

A acusação os censurou por terem elaborado e executado um plano de conquista baseado na realização de um programa de assassinatos, terem subjugado prisioneiros de guerra e submetido civis a experiências médicas, trabalhos forçados em condições desumanas, pilhagem de bens públicos e privados, destruições de cidades e vilarejos sem necessidades militares, e de uma forma geral assassinatos, estupros e crueldades em massa em todos os territórios invadidos. Dos réus, dois morreram de causas naturais durante o julgamento, enquanto outro teve um colapso nervoso, sendo levado a um hospital psiquiátrico, de onde foi libertado em 1948. Os 25 restantes foram considerados culpados, diversos deles por mais de um crime. Sete foram condenados à morte por enforcamento, 16 à prisão perpétua e dois a penas menores. [74]

O processo de Tóquio foi manifestamente submetido a razões de Estado e a justiça que foi feita se prestou a várias críticas, mais ainda que as do Tribunal de Nuremberg. As críticas se fundaram na razão de que foi uma justiça de vencedor submetida de forma muito estreita à tutela norte-americana e ao seu representante, o general Mac Arthur, que tinha não apenas o poder de escolher os juízes componentes do Tribunal, mas também de reduzir as penas pronunciadas, sem entretanto poder aumenta-las. Além disso, os Estados Unidos foram os principais provedores de fundos do tribunal. Enquanto o Tribunal de Nuremberg era composto por quatro juízes, contando cada um com um substituto, em Tóquio os onze juízes não tinham substitutos. Em Nuremberg, as nações aliadas contavam cada uma com um procurador com igualdade de direitos, enquanto em Tóquio os procuradores das potências aliadas eram apenas os assistentes do procurador dos Estados Unidos.

As críticas ao Tribunal de Tóquio não foram poucas, podendo ser adicionadas aquelas lembradas por Jean-Paul Bazelaire e Thierry Cretin, na análise entre o Tribunal de Nuremberg e Tóquio:

Os dois tribunais diferem também no que diz respeito às infrações e às pessoas julgadas. Apenas os crimes contra a paz com contornos incertos e violações caracterizadas das leis de guerra são retidos em Tóquio, enquanto em Nuremberg, outras categorias de crimes são visadas pela acusação. Enfim, em Tóquio são julgadas apenas pessoas físicas, enquanto em Nuremberg organizações como a Gestapo são acusadas. Entretanto, no Japão não faltam organizações patrióticas que preconizam a política expansionista. [75]

Ainda podemos ressaltar as críticas no que corresponde aos desacordos expressos pelos juízes do Tribunal de Tóquio no final dos processos. Alguns juízes criticaram duramente as penas aos acusados, outros entenderam que algumas autoridades japonesas, como o próprio imperador japonês que não foi julgado, deveriam fazer parte do rol dos acusados, já o juiz Radhabinod Pal da Índia entendia que todos os acusados deveriam ser absolvidos.

Enfim, os resultados dos processos de Tóquio podem ser considerados como insatisfatórios em larga medida. Todavia, também foi mérito do Tribunal Militar do Extremo Oriente, assim como do Tribunal de Nuremberg, a partir da tipificação dos crimes referenciados, instigar o nascimento da obrigação das Nações em respeitar os princípios do Direito Internacional e mais ainda, a criação do embrião do Direito Internacional Penal, que tem como "pressuposto de que existem certas exigências fundamentais de vida em sociedade internacional" [76].

Os Tribunais Militares Internacionais alimentaram a esperança de que, no futuro, os crimes contra os direitos humanos seriam julgados em um tribunal penal permanente das Nações Unidas, livre de pressões políticas, dotado de uma jurisdição definida e com base em uma legislação abarcando os crimes contra a humanidade.


1.6 O período pós-guerra

Após os Tribunais de Nuremberg e Tóquio, os Aliados criaram Tribunais Internacionais para crimes de guerra em suas respectivas zonas de ocupação na Alemanha. A República Federal da Alemanha, após a II Guerra, processou (entre 1947 e 1990) cerca de 60.000 pessoas acusadas de genocídio e crimes de guerra, das quais 960 foram condenadas à morte. Na França, registram-se os julgamentos de Paul Touvier, Klaus Barbie e René Bousquet por crimes praticados durante a II Guerra Mundial [77]. A Itália processou Erich Priebke (condenado a 15 anos de prisão) e Karl Hass (condenado a 10 anos e 6 meses de prisão). O Canadá julgou Inre Finta e a ex-Iugoslávia julgou e executou Artukovik.

Além desses, de todos os julgamentos posteriores à Segunda Guerra Mundial, o que se tornou mais célebre foi o de Adolf Eichman em 1961 perante o Estado de Israel. Eichman foi seqüestrado em 11 de maio de 1960 pelo serviço secreto israelense na cidade de Buenos Aires, Argentina, e foi levado para ser julgado pelo Tribunal Distrital de Jerusalém. Lá, Eichman, que fora subsecretário do Estado nazista, que se tornara, segundo ele próprio afirmara, um perito na questão judaica e que atuou ativamente, embora sem ter sido diretamente responsável pela morte de uma única pessoa, no extermínio de milhões de pessoas durante o conflito mundial. Tal julgamento criou um grande paradoxo para a humanidade, pois Eichman não se revelou um monstro assassino, mas apenas um funcionário burocrático que cumpria ordens e agia conforme determinação de seus superiores. Eichman foi condenado à morte por enforcamento.

Hannah Arendt traduziu uma das questões que ficaram expostas com o julgamento de Eichman, com relação à esses eventos relativos as duas guerras mundiais:

Resta, porém, um problema fundamental, que está implicitamente presente em todos esses julgamentos pós-guerra e que tem de ser mencionado aqui porque toda uma das grandes questões morais de todos os tempos, especificamente a natureza e a função do juízo humano. O que exigimos nesses julgamentos, em que os réus cometeram crimes ‘legais’ é que os seres humanos sejam capazes de diferenciar o certo do errado mesmo quando tudo que têm para guiá-los seja apenas seu próprio juízo, que, além do mais, pode estar inteiramente em conflito com o que eles devem considerar como opinião unânime de todos a sua volta. E essa questão é ainda mais séria quando sabemos que os poucos que foram suficientemente ‘arrogantes’ para confiar em seu próprio julgamento não eram, de maneira nenhuma, os mesmos que continuavam a se nortear pelos valores, ou que se nortearam por crenças religiosas. [78]

Apesar desses julgamentos levados à cabo pelas jurisdições nacionais, a necessidade do estabelecimento de um Tribunal Internacional Penal foi discutida na Organização das Nações Unidas, em 1948. Na Resolução 260, de 9 de dezembro, a Assembleia Geral reconheceu que em todos os períodos da história o crime de genocídio havia amealhado grandes perdas para a humanidade, sendo que deveria haver uma cooperação internacional a partir de então.

Nesta mesma Resolução, a Assembleia Geral das Nações Unidas requisitaria à Comissão de Direito Internacional (CDI) um estudo sobre a possibilidade do estabelecimento de um órgão judicial internacional para julgar as pessoas que cometessem crimes de genocídio, iniciando assim uma elaboração de um Estatuto para uma corte penal internacional.

Desta forma, a CDI concluiu em seus estudos que uma corte internacional para julgar crimes de genocídio e outros crimes de gravidade similar era tanto possível como desejável. Então, a Assembleia Geral nomeou um comitê para preparar uma proposta de Estatuto para a almejada corte. O comitê preparou o primeiro anteprojeto em 1951 e um outro, revisado em 1953. Entretanto, o cenário internacional, marcado pela Guerra Fria, impediu avanços neste sentido, o que só seria retomado em 1989, quando retornaram com força as discussões na ONU para a negociação de uma convenção internacional acerca do tema.

No ano de 1989, em resposta a um requerimento de Trinidad e Tobago, a Assembleia Geral solicitou à CDI um resumo dos trabalhos sobre uma corte internacional penal em cuja jurisdição se incluísse o tráfico de drogas. O fato ensejou levantar, novamente, a necessidade de se pensar a criação de um sistema penal permanente. [79]

No próprio ano de 1989, através de uma resolução da Assembleia Geral, a CDI deu início novamente a estudos para viabilizar o estabelecimento de um órgão judiciário com competência para o processamento de crimes semelhantes àqueles julgados pelos tribunais militares internacionais. No entanto, os trabalhos não avançaram, novamente, por efeito das divergências ideológicas proporcionadas por um mundo que, ainda naquele período, estava marcado pelo equilíbrio de poder entre EUA e União Soviética. [80]

Durante a Guerra Fria os crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio receberam menor atenção do que as prementes questões que se desenrolavam no cenário internacional, eis que os fatos que preocupavam a paz e a segurança internacional eram tais como as invasões da Hungria (1956) e Tchecoslováquia (1968) por tropas da URSS, a crise dos mísseis em Cuba (1961), a construção do muro de Berlim (1961), a corrida armamentista, entre outros. Mas com a derrocada dos regimes comunistas do Leste Europeu no início da década de 90, representada pela queda do Muro de Berlim, houve a reativação pelo interesse pela matéria, já que as tensões Leste-Oeste foram reduzidas.


1.7 O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia

Com a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, a ordem internacional criada com o fim da Segunda Guerra Mundial caiu por terra, e a última década do século XX é marcada pelo surgimento de uma nova ordem internacional.

No mundo pós Guerra Fria o equilíbrio entre as superpotências desaparece, revelando, com o fim dos regimes socialistas, conflitos regionais e localizados, motivados por fatores étnicos e religiosos.

Gustavo Sampaio T. Ferreira sintetiza o que ocorreu nesse período da seguinte maneira:

Com o advento da Guerra Fria, os países socialistas, sob o patrocínio da União Soviética e edificados sob as bases do totalitarismo, impunham por vezes a união de povos diversos em torno da bandeira de um só Estado Nacional, gerando uma falsa unidade que, em momentos de tensão, certamente não resistiriam a propostas separatistas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Ex-República Socialista Federal da Iugoslávia. Com o fim da bipolaridade ideológica e com a conseqüente abertura política dos países do Leste, vários foram os pontos de insurgência de movimentos étnicos com vistas a obter independência. O caso que mais repercutiu foi sem dúvida o da Iugoslávia, onde as múltiplas etnias geraram, com o romper do governo forte, as sangrentas disputas pela imprensa internacional e deflagradoras de uma expressa violação dos direitos do homem. [81]

Nos conflitos regionais que se desenvolveram, volta-se a testemunhar crimes de genocídio, limpeza étnica, agressões direcionadas contra populações civis não-combatentes e conflitos armados significativos. Após a Segunda Guerra Mundial, foi a primeira vez que a Europa presenciava muitas das atrocidades elencadas em Nuremberg.

Para se dar uma clara ideia do que aconteceu, deve-se ler alguns trechos constantes do documento S/25274, de 9 de fevereiro de 1993, que consubstanciou o primeiro relatório da Comissão nomeada pelo Secretário Geral da ONU, em atenção ao determinado pela Resolução 780 (1992) do Conselho de Segurança:

A expressão ‘depuração étnica’ é relativamente nova. No contexto dos conflitos na ex-República Socialista Federal da Iugoslávia a prática da ‘depuração étnica’ consistiu em dar homogeneidade étnica a uma zona, utilizando a força ou a intimidação para expulsar pessoas ou determinados grupos em dita zona. A ‘depuração étnica’ violou o Direito Internacional.

A julgar pelo grande número de informações nas quais foram descritas as políticas e práticas aplicadas na ex-Iugoslávia, a ‘depuração étnica’ se produz mediante homicídios, torturas, encarceramentos arbitrários, execuções sem processo judicial, estupros e outras agressões sexuais, confinamento de populações civis em guetos, expulsões pela força, deslocamento e deportação de populações civis, ataques deliberados ou ameaças de ataques contra civis e zonas civis, destruição injustificada de bens. Estas práticas constituem crimes de ‘lesa-humanidade’ e podem ser assemelhadas a crimes de guerra concretos. Esses atos também poderão ser considerados como compreendidos na Convenção de Prevenção e Repressão do Delito de Genocídio. [82]

Ainda Sobre os crimes cometidos na ex-Iugoslávia, acrescenta João Marcello de Araújo Júnior:

A vinculação entre as agressões sexuais e a política de depuração étnica ficou provada de forma manifesta, pois muitos estupros foram praticados em praça pública como fim de desmoralização pessoal e coletiva e, além disso, os estupradores afirmavam que queriam tornar suas vítimas grávidas e, quando efetivamente engravidavam eram mantidas presas pelo tempo necessário a tornar inviável o aborto. Ficou conhecido o caso de uma mulher muçulmana, que permaneceu detida por um vizinho, durante seis meses, em uma casa perto de sua aldeia. Foi estuprada reiteradas vezes por três ou quatro soldados, que lhe diziam que daria à luz um menino chetnik, que ao crescer mataria muitos muçulmanos.

[...] Grande parte dos atentados aconteceram no contexto dos esforços efetuados para o deslocamento de grupos étnicos de um lugar para outro. Além disso, alguns dos supostos autores alegaram haver recebido ordens para a prática de estupros. [83]

Assim, devido a este panorama, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) é criado em 25 de maio de 1993, pela Resolução 827 do Conselho de Segurança, com caráter ad hoc, ou seja, não permanente, com sede na cidade de Haia, Holanda.

O Estatuto [84] desse tribunal permitiu responsabilizar criminalmente indivíduos que tivessem cometido crimes contra a humanidade no território da antiga Iugoslávia, cujas definições são bastante similares às do art. 6º do Estatuto do Tribunal de Nuremberg.

As competências do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, que é órgão da ONU, são:

a)ratione temporis: o período de tempo abrangido tem início em 1º de janeiro de 1991, primeiro dia do ano calendário de 1991, conforme estipulado no art. 1º;

b)ratione materiae: os crimes são definidos no art. 3º (crimes de guerra), no art. 4º (genocídio) e no art. 5º (crimes contra a humanidade), além das condutas especificadas no art. 2º, de forma genérica, como graves violações às Convenções de Genebra de 1949, em especial uma série de condutas enumeradas nesse dispositivo (contra pessoas ou propriedades protegidas pelos dispositivos da correspondente Convenção de Genebra);

c)ratione loci: o território da antiga Iugoslávia;

d)ratione personae: delimitado como as pessoas responsáveis por graves violações ao Direito Internacional Humanitário (art. 1º), tanto aquelas que cometeram quanto as que deram ordens para que fossem cometidos esses crimes (art. 2º, caput, 1ª parte).

A competência do TPII é concorrente com a de tribunais nacionais para processar os acusados. Contudo, pode solicitar preferência em relação a estes tribunais nacionais, assumindo assim as investigações e procedimentos locais em qualquer fase, se isso se mostrar de interesse da justiça internacional (art. 9º).

O grande marco na estrutura do Tribunal é a regra contida no art. 7º, que prevê a responsabilidade penal individual, quando dispõe que, além dos sérvio-bósnios, também os ocupantes de cargos oficiais, como chefes de Estados ou de Governo serão submetidos à jurisdição criminal do Tribunal. Além disso, prevê-se a possibilidade de recurso (art. 25), que não havia nos Tribunais Militares de Nuremberg e Tóquio.

Desde a primeira audiência, sobre o caso Tadic, em 8 de novembro de 1994, até outubro de 2009, o Tribunal havia acusado formalmente cerca 160 pessoas, das quais apenas 2 estavam foragidas; 181 processos haviam sido concluídos, dos quais 151 foram declarados procedentes (dos quais 6 ainda estão pendentes de julgamento de recurso) e 30 casos foram declarados não procedentes (dos quais 3 ainda estão pendentes de apreciação de recurso). Retiraram-se as acusações contra 25 acusados e 6 morreram, destes últimos, três na prisão e três em liberdade condicional. Quatro casos foram enviados a tribunais nacionais para serem localmente julgados. Os processos continuam em relação a 25 acusados. [85]

Entre os indiciados encontram-se desde soldados rasos até generais e comandantes políticos. O indiciado mais notório em âmbito internacional é o de Slobodan Milosevic, ex-presidente da República Federal da Iugoslávia, preso em Belgrado em 1º de abril de 2001, e cujo julgamento se iniciara em 12 de fevereiro de 2002. Milosevic fora acusado de crimes contra a humanidade, de infrações graves às Convenções de Genebra de 1949 e de violações a leis e costumes de guerra. Foi processado tanto com base em sua responsabilidade individual (art. 7.1 do Estatuto deste Tribunal) quanto em virtude de sua condição de superior hierárquico (art. 7.3 do Estatuto deste Tribunal) daqueles que cometeram atrocidades na Bósnia-Herzegóvina, na Croácia e no Kosovo. Durante o julgamento, no entanto, foi encontrado morto em sua cela, na prisão das Nações Unidas em 11 de março de 2006.

Logicamente que diversas críticas são dirigidas contra o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, destacando-se as seguintes:

1) Foi criado pelo Conselho de Segurança da ONU, e não pela Assembleia Geral. A questão foi levantada por Milosevic e por Tadic, em seus respectivos julgamentos, argumentando que, por esse fato, não teria legitimidade internacional, uma vez que o Conselho de Segurança não representaria uma base ampla de Estados-membros. A Carta da ONU estipulou, no Artigo 42, que o Conselho de Segurança poderá ‘adotar a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais’, e é muito discutido se a criação de um tribunal poderia ser considerada uma medida para a manutenção ou restabelecimento da paz;

2) Um número desproporcional de sérvios foi acusado, enquanto relativamente poucos indivíduos foram indiciados por crimes cometidos contra os sérvios (muitos croatas indiciados foram acusados de terem cometido crimes contra muçulmanos de origem bósnia). Os defensores do Tribunal argumentam, dizendo que os sérvios controlavam a maior parte da estrutura de comando e dos armamentos, o que facilitava a ocorrência de crimes em uma escala mais ampla e organizada. Além disso, pelo nível de organização militar, consegue-se mais facilmente identificar os comandantes responsáveis pelos crimes de guerra;

[...]

4) O Tribunal pode fazer acusações secretas, e isso seria incerteza entre pessoas que entendem poder ser acusadas, o que faz surgirem tensões injustificadas, que as impediam de levar uma vida normal, tanto a curto quanto a longo prazo;

5) O Tribunal não diferencia os idiomas bósnio, croata e sérvio, redigindo documentos em uma língua que identifica como ‘B/C/S’, sem diferenciar os três. Isso é justificado pelo fato de que as três línguas são perfeita e mutuamente inteligíveis (e, oficialmente, eram consideradas língua única antes do desmantelamento da antiga Iugoslávia), o que dispensaria traduções. Apesar, no entanto, de a maioria dos acusados serem sérvios, o Tribunal emprega, exclusivamente, tradutores que falam apenas os idiomas bósnio e croata. Alguns dos acusados apresentaram reclamações por não entenderam plenamente as traduções oficiais feitas;

6) O Tribunal não processou cidadãos dos países da OTAN, como resultado do envolvimento dessa organização no Kosovo;

7) A atuação do Tribunal, na visão de seus críticos, exacerbou as tensões, em lugar de promover a reconciliação, conforme alegado por seus defensores. Pesquisas de opinião mostram uma reação geralmente negativa entre a população sérvia e croata. A maioria dos membros dessas etnias duvida da integridade desses tribunais, enquanto os albaneses do Kosovo e os muçulmanos bósnios têm visão opostas;

8) O alto custo do Tribunal, que chegou a US$ 277 milhões par ao biênio 2006-2007, arcado por todos os Estados-membros da ONU;

9) A duração excessiva dos julgamentos é outro ponto levantado pelos críticos, mas os defensores alegam que muitos dos réus são acusados de diversos crimes, com muitas vítimas, o que exige provas conclusivas e demanda muito tempo. Também a tradução simultânea retarda os julgamentos;

10) Alguns analistas políticos comentam que decisões judiciais não obtêm êxito em escrever a História. Constataram os historiadores que julgamentos como os de Nuremberg e Tóquio não afetaram as populações da Alemanha e do Japão, respectivamente, na forma desejada. Essas populações passaram a adotar uma postura defensiva, desconfiada, que encarava esses processos como julgamento-exibição (show trials) ou mesmo como armas de vingança usadas pelas forças de ocupação. Apenas mais de duas décadas depois do fim da guerra, e com a prosperidade econômica, é que a opinião pública, em geral, passou a concordar com diversos pontos (mas não com todos) levantados em Nuremberg. [86]

Ainda no que tange às críticas quanto aos trabalhos deste Tribunal, temos a opinião de Thales Tácito Pontes Luz de Pádua:

O Tribunal de Milosevic é uma réplica do de Nuremberg, enfim, uma ''trapalhada'' internacional, quebrando o juiz natural em nome do salvamento da humanidade, esquecendo-se de que o exemplo é sempre seguido pelas futuras gerações (leis casuísticas). A grande questão é: os fins justificam os meios ou os meios deveriam justificar os fins?. Com a palavra, as ‘grandes potências’ que inexplicavelmente se opõem à consolidação e efetividade de um Direito Internacional justo, ético e humanitário que tenha como foco a dignidade da pessoa humana e a participação igualitária das nações pobres e ricas. [87]

No entanto, devem-se realçar as virtudes deste Tribunal, dando créditos aos trabalhos apuratórios levados a efeito para o julgamento dos crimes contra a humanidade cometidos no território da antiga Iugoslávia, o desenvolvimento dos princípios e dos mecanismos de apuração dos crimes de genocídio, de Guerra e contra a humanidade, bem como a responsabilidade penal do indivíduo, inclusive quando pratica atos na qualidade de governante, ou desempenha funções de preposto do Estado ou agindo em seu nome. [88]


1.8 O Tribunal Penal Internacional para Ruanda

O Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) foi criado pouco tempo depois do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, também com embasamento no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, quando o Conselho de Segurança, em 08 de novembro de 1994, aprovou a Resolução 955. Esta resolução criou o referido Tribunal, ratificando sua sede na cidade de Arusha, capital da Tanzânia.

A mencionada Resolução foi uma resposta ao genocídio e outras sistemáticas, freqüentes e flagrantes violações de leis humanitárias internacionais que haviam sido deflagradas em Ruanda, principalmente após o chamado "Genocídio de Ruanda", onde houve o massacre de um número de pessoas até hoje não estimado precisamente. Calcula-se entre 500 mil e um milhão de membros mortos da tribo Tutsi e da tribo dos Hutus moderados. Tais atos foram perpetrados mormente por duas milícias extremistas Hutus chamadas Interahamwe e Impuzamugambi, num período de apenas 3 meses, que vai de abril a julho 1994.

Em 1962, Ruanda, país pertencente à África Oriental, teve sua independência declarada. A população ruandense - que era à época do massacre composta por aproximadamente 8 milhões de habitantes - é composta essencialmente pelos Hutus, que correspondem a 80%, e pelos Tutsis, correspondente a um pouco menos de 20%. Os hutus ocuparam a região entre 500 a.C e o fim do primeiro milênio, já os Tutsis chegaram posteriormente, entre 1400 e 1700 d.C. Assim, as relações entre os membros das duas etnias nunca foram plenamente pacíficas, sempre marcadas pela disputa do poder econômico e político. [89]

No ano de 1994, o país entrou em uma sangrenta guerra entre as etnias, em decorrência dos graves problemas políticos e ganhando maiores proporções após o atentado contra o Presidente de Ruanda, Juvenal Habyarimana, em 6 de abril de 1994, quando o avião que o transportava juntamente com o Presidente do Burundi, foi abatido quando aterrissava em Kigali, a capital de Ruanda. As circunstâncias exatas não foram esclarecidas e os autores desse ato não são conhecidos até hoje. No entanto, tomando esse atentado como pretexto, a guarda presidencial e as milícias extremistas Hutus (Interahamwe e Impuzamugambi), instalam imediatamente barricadas nas ruas da capital e começam a responsabilizar, prender e matar os Tutsis e a minoria Hutu moderada. Nos dias que seguem, a perseguição a estas tribos e o massacre percorre o país inteiro, fato que fez com que a Frente Patriótica Ruandense (FPR), movimento armado de oposição Tutsi, reagisse.

O Tribunal Penal Internacional para Ruanda possui a competência para julgar qualquer pessoa considerada responsável por atos de genocídio, crimes contra a humanidade e outras violações graves do direito internacional humanitário (art. 2º, 3º e 4º de seu Estatuto) cometidos no território de Ruanda, e os cidadãos ruandanses considerados responsáveis pelos mesmos atos e violações cometidos no território de Estados vizinhos, no período que compreende entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1994 (art. 7º de seu Estatuto). As competências deste Tribunal Penal Internacional é extremamente restringida no tempo, no espaço e até mesmo na nacionalidade, como relata Bazelaire, "o TPIR é ainda mais ad hoc que o da ex-Iugoslávia". [90]

Cabe notar que a jurisdição do Tribunal Internacional concorre com as jurisdições nacionais, sendo que tem primazia sobre as jurisdições de todos os Estados, o que implica poder solicitar oficialmente, em qualquer fase do processo que as jurisdições nacionais renunciem à respectiva competência a seu favor, em conformidade com o presente Estatuto e com o Regulamento Processual. [91]

Inclui também o Estatuto do TPIR apenas o julgamento de pessoas singulares, segundo seu art. 5º, ressaltando que a responsabilidade penal alcança, ao lado de quem executa o crime, aquele que tiver planejado, ordenado, instigado, cometido ou, por qualquer outra forma, tiver ajudado e encorajado a planejar, preparar ou executar um dos crimes referidos nos arts. 2º a 4º do Estatuto. São alcançados pelo TPIR os chefes de Estado ou de Governo ou de um alto funcionário, inclusive nas condutas omissivas, conforme o art. 6º do mencionado diploma. Observem-se que, também como os antigos Tribunais Penais Internacionais, as ordens de superior hierárquico, manifestamente ilegais, não isentam de pena o executor da ordem, que poderá ter, segundo os julgadores, uma redução de pena. De resto, o Estatuto do TPIR é muito próximo do Estatuto do TPII, sendo que, quanto aos demais aspectos, aqui se aplicam os comentários feitos sobre o TPII, já que os Tribunais têm uma estrutura organizacional muito assemelhada.

O TPIR sofreu críticas semelhantes àquelas formuladas contra o TPII. Entretanto, a contribuição jurídica do TPIR se manifestou claramente no julgamento de Jean Kambanda, em que foram tratados com originalidade pontos fundamentais acerca do conceito de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e obediência hierárquica. [92]

Até outubro de 2009, 46 casos já estavam encerrados, sendo 40 casos julgados culpados (sendo 10 casos ainda pendentes de apreciação de recurso), e 6 casos julgados absolvidos; 26 casos ainda estão em andamento e 3 estão aguardando o seu devido processamento; 2 casos foram remetidos para julgamento perante a jurisdição nacional da França. [93]


Notas

  1. Cf. GRAMAJO, Juan Manuel. El estatuto de La corte penal internacional. Buenos Aires: Editorial Ábaco, 2003. p. 49.
  2. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O estabelecimento da corte criminal internacional e a implementação do direito penal internacional. Disponível em: <http://www.uva.br/icj/revista_direito_icj/carlos_edu_japiassu.htm>. Acesso em: 31 agosto 2009.
  3. Fala-se crimina juris gentium ou delicta juris gentium para remeter às infrações que afetam os bens jurídicos e interesses da humanidade como um todo.
  4. Cf. LIMA, Renata Mantovani de; COSTA, Mariana Martins da. O tribunal penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 20.
  5. O art. 101 da Convenção de 1982 que trata das Leis do Mar define o conceito de pirataria: "A Pirataria consiste em qualquer um dos seguintes atos: a) qualquer ato ilegal de violência ou detenção, ou qualquer ato de depredação, cometidos para fins privados pela tripulação ou pelos passageiros de
  6. um navio particular, ou aeronave particular, e direcionado: (i) em alto mar, contra outro navio ou aeronave, ou contra pessoas ou bens a bordo de tal navio ou aeronave (ii)contra um barco, aeronave, pessoas ou bens em lugar fora da jurisdição de qualquer Estado; b) qualquer ato de participação voluntária na operação de um navio ou aeronave com o conhecimento de fatos que façam dele um navio ou aeronave pirata; c) qualquer ato incitando ou intencionalmente facilitando um ato descrito no subparágrafo a) e b)".

  7. Cf. LIMA, op. cit., p. 22.
  8. CASESSE, Antonio. International criminal law. New York: Oxford University Press, 2003. p. 16.
  9. MOMTAZ, Djamchid. Chapitre 40: La piraterie em haute mer. In: ASCENSIO, Hervé; DECAUX, Emmanuel; PELLET, Alain. Droit international pénal. Paris: A. Pedone, 2000. p. 505. apud LIMA, op. cit., p. 22.
  10. LIMA, op. cit., p. 22-23.
  11. Cf. BASSIOUNI, M. Cherif. The time has come for an International Criminal Court. In Indiana International & Comparativa Law Review, vol. 1, n. 1, Spring 1991, p. 1; ROBINSON, Arthur N.R.. National sovereignty and human rights in the nuclear age, apresentado na "International experts conference on International Criminal Justice: historic and contemporary perspectives", Siracusa, 4 a 8 de dezembro de 1994, p. 3, mimeografado; Anistia Internacional. La corte penal internacional – la opción de las opciones correctas – parte I, índice AI: IOR 40/01/97/s, janeiro de 1997, 3. apud JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O direito penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 65.
  12. Documento responsável por codificar a neutralidade, embora enfatize a proteção dos feridos e doentes.
  13. Embora igualmente codificasse a neutralidade, restringia a utilização de certos armamentos.
  14. Documento responsável por delimitar a distinção entre militares e civis no caso de conflitos armados.
  15. Cf. CRETELLA NETO, José. Curso de direito internacional penal. Ijuí: Unijuí, 2008. p. 30.
  16. KREβ, Claus; WERLE, Gerhard; GEIGER, Hansjörg et al. Tribunal penal internacional: aspectos fundamentais e o novo código penal alemão. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2004. p. 17.
  17. Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 38.
  18. Cf. GRAMAJO, op. cit., p. 50.
  19. Cf. GRAMAJO, op. cit., p. 50-51.
  20. GRAMAJO, op. cit., p. 51.
  21. A Convenção de 1907 estabelecia em seu art. 1°: "Tendo em vista prevenir, tanto quanto possível, o recurso à força nas relações entre os Estados, as potências contratantes concordam em envidar todos os seus esforços para assegurar a resolução pacífica dos conflitos internacionais".
  22. CRETELLA NETO, op. cit., p. 30.
  23. Cf. PELLET, Alain. Direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 74. apud LIMA, op. cit., p. 23.
  24. Cf. CRETELLA NETO, op. cit., p. 30.
  25. Cf. BOURDON, William. La Cour pénale internationale. Paris: Éditions du Seuil, 2000. p. 14.
  26. Cf. GIL GIL, Alicia. El genocídio y otros crímenes internacionales. Valência: UNED, 1999. p. 33.
  27. TORRES, Luís Wanderley. Crimes de guerra: o genocídio. São Paulo: Fulgor, 1967. p. 9.
  28. Comission the Responsabilities of the Authors of the War and the Enforcement of Penalties for Violations of the Laws and Costume of War.
  29. Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 39.
  30. Cf. GRAMAJO, op. cit., p. 52.
  31. Cf. BASSIOUNI, M. Cherif. Chronology of efforts to establish an International Criminal Court. In: Nouvelles Études Penales, n. 10, Toulose: Érès, 1993. p. 22. apud JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O direito penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 67.
  32. BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro de Nuremberg a Haia. Barueri: Manole, 2004. p. 15.
  33. Cf. TORRES, Luís Wanderley. Crimes de guerra: o genocídio. São Paulo: Fulgor, 1967. p. 11-12.
  34. Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O direito penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 67.
  35. Cf. ARAÚJO JR., João Marcello. Tribunal penal internacional permanente, instrumento de garantia dos direitos humanos fundamentais (processo legislativo histórico e características). Parecer apresentado ao Instituto dos Advogados Brasileiros, indicação n. 036/98, 1999. p. 38.
  36. Cf. MULLINS, Claude. The Leipzig trials: an account of the war criminals trials and a study of German mentality. London: H.F. & G. Witherby, 1921. 238 p.
  37. MAIA, Marielle. Tribunal penal internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 47.
  38. Cf. LIMA, op. cit., p. 26.
  39. GRAMAJO, op. cit., p. 53.
  40. Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 41.
  41. Cf. Revue internationale de droit penal, v.5, 1928. apud BAZELAIRE, op. cit., p. 16.
  42. Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O direito penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 68.
  43. Cf. CRETELLA NETO, José. op. cit., p. 32.
  44. Cf. GRAMAJO, op. cit., p. 56.
  45. Cf. GRAMAJO, op. cit., p. 56.
  46. Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e criminalidade política. Rio de Janeiro: UERJ (tese), 1980. p. 49. apud JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O direito penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 53.
  47. Essa convenção internacional dispunha que atos de terrorismo são "atos criminosos dirigidos contra um Estado cujo objetivo ou natureza é a de provocar um estado de terror em determinadas personalidades, em grupos de pessoas, ou no público em geral" (Artigo 1.2).
  48. Cf. CRETELLA NETO, José. op. cit., p. 33.
  49. Cf. CRETELLA NETO, José. op. cit., p. 32-33.
  50. Actes de La Conférence Internationale pour La Répression Du Terrorisme, N° Officiel C.94.M.47.1938.V, de 1°.06.1938. apud CRETELLA NETO, José. op. cit., p. 33-34
  51. Actes de La Conférence Internationale pour La Répression Du Terrorisme, N° Officiel C.94.M.47.1938.V, de 1°.06.1938. apud CRETELLA NETO, José. op. cit., p. 34.
  52. Cf. GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de uma nova ordem no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 60-61
  53. Declaração conjunta de Roosevelt e Churchill, 27 de outubro de 1941 (tradução livre). apud GONÇALVES, Joanisval Brito. op. cit, p. 63-64.
  54. Cf. NETO, José Cretella. op. cit., p. 98.
  55. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 1945, na Conferência de São Francisco.
  56. GONÇALVES, Joanisval Brito. op. cit., p. 65-66.
  57. GONÇALVES, Joanisval Brito. op. cit., p. 67-68.
  58. Apesar do nome sugerir diferentemente, foi uma comissão criada pelas potências aliadas, já que ainda não havia a Organização das Nações Unidas, que foi fundada posteriormente.
  59. Cf. GIL GIL, Alicia. op. cit., p. 36-37.
  60. La Déclaration de Moscou, le 1er novembre 1943, vérsion française (tradução livre). apud GONÇALVES, Joanisval Brito. op. cit., p. 69-70.
  61. Cf. MERLE, Marcel. Le Procès de Nuremberg et le châtiment dês criminels de guerre. Paris: Pedone, 1949. p. 63. apud GONÇALVES, Joanisval Brito. op. cit., p. 71.
  62. Cf. CRETELLA NETO, José. op. cit., p. 98-99.
  63. Sobre toda a composição e estrutura do Tribunal de Nuremberg, vide GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de uma nova ordem no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
  64. Cf. BARROS, Miguel Daladier. Os legados jurídicos, éticos e humanísticos do Tribunal de Nuremberg: 60 anos depois. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Acesso em: 18 setembro 2008.
  65. Cf. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O direito penal internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 72.
  66. GONÇALVES, Joanisval Brito. op. cit., p. 100-102.
  67. Cf. BARROS, Miguel Daladier. loc cit.
  68. O art. 22 da Carta estabeleceu Berlim como sede permanente do Tribunal, e Nuremberg, o lugar dos processos. Nuremberg foi escolhida também por se ter levado em consideração as diversas vantagens do Palácio de Justiça de Nuremberg, pois o prédio era espaçoso, contando com aproximadamente 22 mil m², cerca de 530 escritórios e 80 salas de audiência; não fui muito danificado pela guerra; possuía uma grande prisão, em bom estado, adjacente ao próprio Palácio.
  69. Cf. BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. op. cit., p. 24.
  70. Também conhecido como princípio da estrita legalidade ou da reserva legal. Sua definição em latim é "nullum crimen nulla poena sine lege", ou seja, não há crime e pena sem previsão legal. Com isso, os crimes contra a paz, contra a humanidade e de complô só poderiam servir de base para o julgamento em Nuremberg se já se encontrassem tipificados à época que foram cometidos. Em outras palavras, não se poderia condenar pessoas por condutas criminosas não previstas pela legislação ou não existentes à época que, porventura, as tivessem realizado.
  71. O princípio da irretroatividade da lei penal dita que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Esta disposição veda a alteração das normas penais em detrimento da situação jurídica preexistente. Ou seja, uma lei nova não poderá agravar a situação de um agente em face de um ilícito já cometido. Contudo, inversamente, poderá funcionar para beneficiá-lo. Desta forma, se alguma conduta típica atual vier a ser descriminalizada, os condenados pela sua prática poderão ter suas condenações revertidas e deixar de cumprir as penas que ainda estejam sujeitos.
  72. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Tomo I, Volume I, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 31.
  73. QUINTANO RIPOLLÉS, A. Tratado de Derecho Penal Internacional e Internacional Penal. t. I. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas del Instituto Francisco de Vitoria, 1995. p. 405-406. apud ANELLO, Carolina Susana. Corte Penal Internacional: creada por el estatuto de Roma (17/7/98). Buenos Aires: Editorial Universidad, 2003. p. 21-22.
  74. Cf. BAZELAIRE, Jean Paul; CRETIN, Thierry. op. cit., p. 28.
  75. Para maiores detalhes dos condenados, confira. BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. op. cit., p. 31-36.
  76. BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. op. cit., p. 38.
  77. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 167.
  78. Sobre o tema, vide BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. op. cit., p. 45-51.
  79. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 318.
  80. Cf. PEIXOTO, A. K. A erosão da soberania e a teoria das relações internacionais. Brasília: IPR/UnB, 1997. p. 175. apud MAIA, Marielle. op. cit., p. 52.
  81. Cf. MAIA, Marielle. op. cit., p. 52.
  82. GONÇALVES, Joanisval Brito. op. cit., p. 232. apud JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 85.
  83. Parágrafos 55, 56 e 57 do documento S/25374 ONU.
  84. ARAÚJO JR., João Marcello. op. cit., p. 62.
  85. Cf. o Estatuto do TPII no Anexo.
  86. Fonte: <http://www.icty.org/action/cases/4>. Acesso em: 28 outubro 2009.
  87. CRETELLA NETO, José. op. cit., p. 187-189.
  88. PÁDUA, Thales Tácito Pontes Luz de. Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia. Prática Jurídica, Brasília, n. 56, p. 46-48, 30 novembro 2006.
  89. Cf. TAQUARY, Eneida Orbage de Britto. Tribunal penal internacional & a emenda constitucional 45/04 (sistema normativo brasileiro). Curitiba: Juruá, 2008. p. 89.
  90. Cf. BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. op. cit., p. 57.
  91. BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. op. cit., p. 59.
  92. Cf. LLORET, Jaume Ferrer. Responsabilidad internacional del Estado y derechos humanos. Madrid: Tecnos, 1998. p. 73.
  93. Fonte: <http://www.ictr.org/ENGLISH/cases/Kambanda/judgement/kambanda>. Acesso em: 28 outubro 2009.
  94. Fonte: <http://www.ictr.org/ENGLISH/cases/index.htm>. Acesso em: 28 outubro 2009.

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OLIVEIRA, Cristiano José Martins de. A criação de um tribunal penal internacional. Dos tribunais militares aos tribunais "ad hoc". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2449, 16 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14525. Acesso em: 18 abr. 2024.