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A pluritributação internacional e os tratados em matéria tributária

A pluritributação internacional e os tratados em matéria tributária

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Estuda-se a importância e a eficácia dos tratados internacionais como forma de combate à pluritributação internacional.

Resumo: Importância e eficácia dos tratados internacionais como forma de combate à pluritributação internacional. Posição hierárquica dos tratados em geral frente ao ordenamento jurídico interno. Posição dos tratados sobre tributação, tendo em vista a regra especial contida no art. 98 do CTN.

Palavras-chave: Direito tributário. Tratados internacionais. Pluritributação.


1 INTRODUÇÃO

Com o crescente intercâmbio entre os diversos países do globo, o fenômeno da pluritributação internacional é cada vez mais rotineiro e não pode ser ignorado, sob pena de abrirem-se portas para a evasão internacional.

O que se busca neste trabalho é exatamente o estudo desse pouco explorado fenômeno e das formas de tratá-lo, já que prejudicial aos negócios internacionais e ao próprio processo de integração mundial.

Não se busca, obviamente, esgotar a matéria, o que seria incompatível com um trabalho deste porte. O que se pretende é uma breve compilação do assunto e de outros a ele relacionados, para que seja possível uma visão geral do fenômeno da pluritributação, e dos tratados internacionais como principal forma de evitar ou eliminar seus efeitos.


2 TRATADOS INTERNACIONAIS

Um dos alicerces do presente trabalho são os tratados internacionais, razão pela qual é não só importante, mas também necessário, dedicar algumas linhas ao estudo, ainda que breve, dessa forma de expressão do consentimento entre sujeitos de direito internacional público.

Segundo José Francisco Rezek (1998, p. 14), "tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos".

O tratado é um acordo formal e, em consonância com as Convenções de Havana (1928) e de Viena [01] (1969), a forma escrita é obrigatória para que produza os efeitos desejados.

São legitimadas para ser partes em tratados internacionais somente as pessoas jurídicas de direito internacional público, ou seja, os Estados soberanos – aos quais se equipara a Santa Sé – e as organizações internacionais.

Para que fique caracterizada a existência de um tratado internacional, é necessário que as partes pactuantes revelem o animus contrahendi, ou seja, é preciso que desse acordo de vontades surjam, de fato, vínculos obrigacionais entre as partes. Caso isso não ocorra, caso não se verifique que o acordo firmado gera obrigações e prerrogativas, estar-se-á, então, não diante de um tratado internacional, mas da figura do gentlemen’s agreement.

2.1 Tratados internacionais e o direito interno brasileiro

A Constituição Brasileira não contém dispositivo predisposto explicitamente à recepção do Direito Internacional na ordem jurídica interna, tampouco sobre o lugar que ocupa na hierarquia das fontes do direito. Todavia, analisando-se as normas constitucionais que, direta ou indiretamente, reportam-se aos acordos internacionais, é possível, sistematicamente, chegar a algumas conclusões (TÔRRES, 2001, p. 570).

É esse o estudo que será feito a partir de agora.

Ensina João Grandino Rodas que "a tradição constitucional brasileira desde 1891, excetuando-se, obviamente, a Carta de 1937, consagra a colaboração entre Executivo e Legislativo na conclusão dos tratados internacionais" (RODAS, 1991, p. 28).

O autor acrescenta que "a participação do Executivo e Legislativo na conclusão dos tratados internacionais encontra-se consagrada na vigente Constituição, nos arts. 49, I e 84, VIII" (RODAS, 1991, p. 43). Essa exigência de participação conjunta dos poderes Legislativo e Executivo deriva da forma e do regime de governo adotados pelo Brasil: a República e a Democracia [02], respectivamente.

Assim, terminadas as negociações, para que os tratados internacionais valham e produzam efeitos no âmbito interno, deve o Presidente da República submeter o texto à aprovação do Congresso Nacional. Ressalte-se que essa submissão ao Legislativo é ato discricionário [03] do Presidente da República.

Roque Antonio Carrazza (2007, p. 228) ensina que após o referendo por parte do Congresso Nacional – referendo este que se dá mediante decreto legislativo, o qual exige, para sua aprovação, quorum simples, presente a maioria absoluta dos congressistas de cada uma das Casas –, deverão os acordos internacionais ser ratificados por meio de decreto do Presidente da República, o qual os promulgará, cuidando para que sejam publicados no Diário Oficial da União. Só a partir desse momento se incorporam ao nosso ordenamento jurídico.

A aprovação pelo Legislativo, todavia, não vincula o Presidente da República à ratificação, que, assim como a submissão do texto ao Congresso para aprovação, é ato discricionário (CARRAZZA, 2007, p. 229).

No que diz respeito ao art. 49, I, da Carta Magna, a expressão "resolver definitivamente sobre tratados", competência conferida exclusivamente ao Congresso Nacional, gerou interpretações diversas por parte dos doutrinadores, levando alguns a defenderem que, na verdade, não seria necessária a posterior ratificação por parte do Poder Executivo, já que o "decidir definitivamente" significaria "ratificar".

O mestre Carrazza, todavia, citando Mazzuoli, discorda de tal posicionamento, esclarecendo que não se pode dar à referida expressão "significado acima de seu real alcance" (MAZZUOLI, 2002, p. 164-165 apud CARRAZZA, 2007, p. 229).

Para os autores, opinião da qual compartilhamos, o termo utilizado na Constituição Federal ("resolver definitivamente sobre tratados") é imprópria, já que a ratificação é ato próprio do Chefe do Poder Executivo, responsável por representar o país no âmbito internacional, "a quem cabe decidir tanto sobre a conveniência de iniciar as negociações, como a de ratificar o ato internacional já concluído" (CARRAZZA, 2007, p. 229).

Assim, a manifestação do Congresso Nacional só é definitiva quando desaprova o tratado, hipótese em que o Presidente estará impedido de concluí-lo, ratificando-o (CARRAZZA, 2007, p. 229).

Outra discussão levantada pela redação do art. 49, I, da Lei Maior, diz respeito à parte final do dispositivo:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

[...]. (grifo nosso)

O texto do referido artigo tem levado alguns doutrinadores a entenderem, erroneamente, que aqueles acordos internacionais que não acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional prescindem, para produzirem efeitos no âmbito interno, da aprovação pelo Congresso Nacional.

Tal entendimento, para Carrazza (2007, p. 232), não leva em consideração o art. 84, VIII, da Constituição Federal, que dispõe que "compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional". Para o autor, esse referendo é sempre obrigatório, por todos os fundamentos vistos acima.

Nesse mesmo sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Carta Rogatória 8.729. Segundo o Egrégio Tribunal, enquanto não completo todo o procedimento constitucional para a incorporação do tratado ao direito interno, qual seja, a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, a ratificação pelo Presidente da República, mediante depósito do respectivo instrumento, e a promulgação, também pelo Presidente da República, mediante decreto, não haverá qualquer produção doméstica de efeitos do firmado no âmbito internacional. Segundo o mesmo julgado, é o decreto do Chefe do Executivo federal essencial à vigência interna do acordo internacional, já que é ele que viabiliza a publicação oficial do referido acordo bem como sua executoriedade no âmbito interno.

Importante notar, ainda, que os tratados internacionais firmados pelo Brasil devem guardar sintonia com o disposto no art. 4º, da Lei Maior, que estabelece os princípios que devem reger as relações internacionais. Assim, serão inconstitucionais o decreto legislativo e o decreto que, respectivamente, aprove e ratifique tratado internacional que afronte a Carta Magna (CARRAZZA, 2007, p. 231).

E não poderia ser diferente. Se, como é notório, é inadmissível a prevalência de acordo internacional contrário ao texto expresso da Carta Magna, mais grave ainda será se tal acordo afrontar princípios por ela incorporados (CARRAZZA, 2007, p. 231).

Para concluir, note-se o disposto no art. 5º, § 3º, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004:

Art. 5º, § 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Portanto, os acordos que versarem sobre direitos humanos e forem aprovados pelo mesmo processo legislativo das emendas constitucionais passarão a ter a mesma força jurídica destas. "Tanto quanto estas, porém, não poderão afrontar cláusulas pétreas" (CARRAZZA, 2007, p. 233).

A seguir será discutida a posição que os demais tratados internacionais, ou seja, aqueles que cuidam de matérias outras que não os direitos humanos, assumem perante o ordenamento jurídico interno.

2.2 Aplicabilidade das convenções internacionais em matéria tributária frente ao ordenamento jurídico interno

2.2.1 Relações entre o Direito Internacional e o direito interno: teorias em confronto

Antes de iniciar o estudo dessas relações, faz-se referência aos conceitos de direito interno e de Direito Internacional, além de uma breve exposição sobre soberania.

Como é de conhecimento de todos, o direito interno é aquele cuja principal fonte são as leis editadas conforme procedimentos específicos pelo Estado, que têm vigência e eficácia somente nos limites do território nacional. O direito interno é o nacional de cada país e se compõe de normas adotadas por cada Estado soberano (RIBEIRO, 2001, p. 23-24).

Explica Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 18) que a soberania de um Estado consiste "na supremacia de poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder". Essa regra da igualdade entre os Estados soberanos foi a base sobre a qual se erigiu o Direito Internacional.

Explica Heleno Tôrres que a soberania não é, em si, o poder que cada Estado possui, mas identifica a supremacia do poder político e da ordem jurídica existentes em determinado território e justifica a formação de um poder constituinte que, de fato, coloca o Estado no mundo jurídico (TÔRRES, 2001, p. 63-64). Citando Kelsen, conclui: "o Estado é soberano desde que se encontre sujeito somente ao Direito Internacional e não ao direito nacional de qualquer outro Estado" (KELSEN, 1984 apud TÔRRES, 2001, p. 67).

Assim é que, por outro lado, o Direito Internacional ou Direito das Gentes depende da existência de uma pluralidade de Estados soberanos, pois é o que estabelece e regulariza as relações entre esses Estados; é o conjunto de princípios e regras que regem a sociedade internacional (RIBEIRO, 2001, p. 24).

Patrícia Henriques Ribeiro, citando René-Jean Dupuy, explica que os Estados, declarando-se soberanos, não reconhecem qualquer autoridade acima deles. É isso o que torna o Direito Internacional diverso do direito interno de cada país. As normas de direito interno são subordinadas a um poder que estabelece a lei e a faz respeitar, enquanto que as normas de Direito Internacional são normas coordenadas, ou seja, são promulgadas por meio de acordos que exprimam os interesses de cada Estado contratante, "cabendo a cada um deles avaliar a dimensão do dever que lhe incumbe e as condições de sua execução" (DUPUY, 1993, p. 5-6 apud RIBEIRO, 2001, p. 25).

Apesar dessas diferenças, é inevitável que o Direito Internacional intervenha no direito interno e seja também por esse influenciado, mesmo porque a eficácia das normas emanadas do Direito Internacional depende de como o direito interno de cada Estado lhes dê aplicabilidade.

Assim, como bem explica Ribeiro (2001, p. 27):

[...] as normas de Direito Internacional ficam condicionadas à lealdade que os ordenamentos internos de cada Estado equiparem às suas respectivas normas, e lhes dêem efeito.

[...]

É imprescindível que o ordenamento jurídico interno de cada Estado não coloque barreiras às normas internacionais e defina regras claras na hipótese de conflitos entre ambos.

Tendo em vista exatamente esses conflitos que podem surgir entre normas internas e internacionais, nasceram duas correntes sobre o assunto.

A primeira corrente, denominada monista, de origem hegeliana e aceita também por Hans Kelsen, defende a unidade dos dois sistemas jurídicos. Para os adeptos dessa teoria, o Direito Internacional e o direito interno constituiriam um sistema jurídico único, situados, todavia, em campos opostos, sendo que uns defendem a primazia do ordenamento nacional e outros a do ordenamento internacional.

O monismo com primado no direito interno, também conhecido como constitucionalismo nacionalista, baseia-se na doutrina hegeliana do Estado, que considera os países possuidores de uma soberania absoluta, e não admite a possibilidade de um Estado soberano ficar submetido a qualquer sistema jurídico que não seja originário de sua vontade. Acreditam os monistas com primado no direito interno que a ordem jurídica internacional recebe a sua validade da ordem jurídica nacional (RIBEIRO, 2001, p. 60-61). Defendem os adeptos dessa corrente que o Direito Internacional é apenas um exercício da competência interna de cada Estado soberano, que poderia, de forma discricionária, adotar ou não preceitos de Direito Internacional, já que, acreditam eles, não poderia haver qualquer autoridade supra-estatal no âmbito internacional.

De outro lado, encontramos a teoria denominada monista internacionalista, defendida por Hans Kelsen, que sustenta que toda a ordem jurídica está subordinada ao Direito das Gentes, a que devem se ajustar as ordens internas.

O principal argumento dos adeptos dessa corrente é o de que os tratados firmados entre os Estados passam a fazer parte dos ordenamentos jurídicos internos. Essa idéia deriva da máxima "International Law is a part of the law of the land", a qual, todavia, atualmente possui alcance limitado, já que o Direito Internacional em certos aspectos pode ser equiparado ao direito interno, significando, por exemplo, que um tratado internacional poderia revogar uma lei que lhe é anterior, mas também poderia ser revogado por uma lei posterior. Segundo os monistas internacionalistas, todavia, negar a superioridade do Direito Internacional seria o mesmo que negar a sua existência, já que os Estados, como soberanos absolutos, não estariam subordinados a qualquer ordem jurídica que lhes fosse superior (RIBEIRO, 2001).

Assim, a tendência contemporânea é a de acatar essa última teoria, aceitando a primazia da norma internacional sobre a interna como condição necessária à existência do Direito Internacional.

Contrapondo-se à concepção monista, existe a corrente denominada dualista, que tem como principais defensores o alemão Carl Heinrich Triepel e o italiano Dionísio Anzilotti, e sustenta a independência dos ordenamentos jurídicos interno e internacional. Para essa corrente não existe hierarquia entre uma norma de direito interno e uma norma de Direito Internacional. Tal corrente enfatiza a diversidade das fontes de produção das normas jurídicas, ao entender que o Direito Internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas totalmente autônomos e distintos entre si, não havendo primazia de um ordenamento sobre outro.

Assim, uma norma interna, para ter validade jurídica, não precisaria, necessariamente, estar em concordância com a ordem internacional (REZEK, 1998, p. 4). E, da mesma forma, para que uma norma internacional fosse aplicada internamente em um determinado Estado, seria necessária, inicialmente, a sua transformação em norma de direito interno (RIBEIRO, 2001, p. 41). Dessa forma, não haveria, em hipótese alguma, conflito entre uma norma interna e uma internacional.

Como bem explica Tôrres, para os dualistas, a relação entre o direito interno e o internacional limita-se a uma relação de aplicabilidade, não de validade. Válidos devem ser os atos que recepcionam o Direito Internacional no direito interno. Assim, qualquer vício ou defeito nesses atos em nada influencia o ato internacional, que continua plenamente válido no Direito das Gentes (TÔRRES, 2001, p. 558).

A esse respeito resume Ribeiro (2001, p. 52):

[...] para a tese dualista, as normas de Direito internacional não são imperativas, não têm força cogente no interior de um Estado, a não ser que seja através da receptação, ou seja, em decorrência de um ato do Poder Legislativo que passa a convertê-las em regras de Direito interno, tornando impossível a hipóteses de conflito entre ambos os ordenamentos jurídicos.

Exatamente por esse argumento é que Agostinho Toffoli Tavolaro, Carrazza e Tôrres sustentam que o Brasil, apesar do que vem decidindo a jurisprudência internacional, adota a corrente dualista. Segundo esses autores, não é possível haver conflitos entre os ordenamentos jurídicos interno e internacional pelo simples fato de que os tratados internacionais não podem irradiar efeitos na ordem jurídica interna enquanto a ela não forem formalmente incorporados (CARRAZZA, 2007, p. 227-228; TAVOLARO, 2002, p. 44-45; TÔRRES, 2001, p. 566).

A forma como essa incorporação é feita deixa ainda mais clara a opção brasileira pelo dualismo. Como ensina Carrazza, os tratados internacionais não se tornam eficazes na ordem jurídica interna brasileira por força de uma cláusula geral de recepção automática, como entende Alberto Xavier [04]. Pelo contrário: nossa Carta Magna prevê que a incorporação dos tratados no ordenamento jurídico interno pressupõe uma vontade conjunta dos poderes Executivo e Legislativo (CARRAZZA, 2007, p. 228).

Já em 2002 entendia Tavolaro que (2002, p. 51):

Alteração à Constituição que é o tratado que tem por objeto a proteção dos direitos humanos, nada existe a justificar que não deva ser sua ratificação pelo Congresso tomada como emenda constitucional e, destarte, seguir o mesmo ‘iter’ de aprovação previsto para as emendas constitucionais no art. 60 da Lei Magna.

Em 2004, com a Emenda Constitucional n° 45, de 08 de dezembro, foi acrescentado o § 3° ao art. 5° da Constituição:

Art. 5º, § 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Em relação aos demais tratados, que não versam sobre direitos humanos, entendem os referidos autores situarem-se eles no mesmo nível da legislação ordinária, prevalecendo em relação a eles o princípio de que lex posteriori anteriori derogat. [05]

No mesmo sentido, assim decidiu o Ministro do STF Celso de Mello no julgamento da ADIMC 1.480/DF (DJ de 18.05.2001, p. 429):

[...] PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO - Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes [...].

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por seu turno, tem entendido que só se equiparam à legislação ordinária os denominados tratados-contratos, e não os tratados-lei [06].

Tôrres (2001), por sua vez, com relação à situação das normas de Direito Internacional em face do direito interno, no que diz respeito à hierarquia, entende que os tratados internacionais não são recepcionados, como se poderia imaginar, como decreto, ou, ainda, com status de lei ordinária, como defende o Ministro Celso de Mello. Isso porque o decreto, seja o legislativo, seja o da ratificação, não cria o direito, não inova o ordenamento jurídico, pelo simples fato de aprovar ou ratificar um acordo internacional. A inovação se dá com o próprio tratado.

Para o autor, não há em nossa Constituição Federal qualquer regra que confirme tais proposições. Ao contrário. Analisando-se o preâmbulo da Lei Maior, percebe-se que nele está previsto ser a sociedade brasileira "comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]". Essa solução, portanto, deve vir por meio do Direito, que é o mecanismo hábil para tal resolução. Explica Tôrres (2001, p. 572):

Como o direito interno não opera para neutralizar conflitos internacionais, é muito crível que a Constituição admita a existência daquele dualismo de ordens jurídicas, porque só mediante o Direito Internacional poderão ser solucionadas as lides de natureza internacional.

No que diz respeito à hierarquia, primeiramente cumpre observar que todo tratado internacional encontra-se subordinado à Constituição, sendo, inclusive, passível de ser declarado inconstitucional. Tal fato é notório e não merece maiores comentários.

Resta analisar, todavia, a relação entre os tratados e a legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, veja-se a lição de Tôrres (2001, p. 576):

Em face do princípio da prevalência do Direito Internacional sobre o direito interno infraconstitucional, qualquer dispositivo contrário ao teor dos tratados internacionais representará uma quebra do tratado (treaty override), uma denúncia tácita do acordo. Daí o ordenamento não dispor de regras sobre a resolução de antinomias dos tratados internacionais, mas somente de atribução de competência para a resolução de lides decorrentes da aplicação dos tratados.

Entende o autor que, ao prever essas competências para resolução de conflitos que envolvam tratados, a Constituição deixou muito bem definida a posição dos tratados em face das leis, do que se conclui que, na ordem interna, o Direito Internacional mantém-se como tal e tem prevalência de aplicabilidade sobre qualquer lei, seja ordinária, seja complementar, sendo subordinado apenas à Constituição Federal (TÔRRES, 2001, p. 577).

Apesar de todos os fortes argumentos acima apresentados, parece mais correta a posição de Tôrres. De fato a Constituição Brasileira adotou a corrente dualista no que diz respeito à relação entre o direito interno e o internacional, mas, diferentemente do que alegam Tavolaro e Carrazza, o tratado internacional, ao ser incorporado ao ordenamento jurídico interno, não assume a qualidade de norma interna, pelo simples fato de que continua sendo norma internacional, já que trata de matéria internacional, devendo, somente, para ter aplicabilidade internamente, estar de acordo com a Constituição Federal.

2.2.2 Os tratados sobre tributação e o art. 98 do CTN

A princípio, o problema da eficácia dos acordos internacionais tributários frente à lei tributária interna seria o mesmo já discutido. Há no sistema jurídico brasileiro, todavia, um dispositivo específico no que se refere aos tratados internacionais em matéria tributária, predisposto a definir a relação entre esses e a legislação interna. Trata-se do art. 98, do Código Tributário Nacional (CTN), in verbis:

Art. 98 – Os tratados e as conveções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.

Diante da redação do citado artigo, diversas interpretações surgiram sobre a hierarquia dos tratados em matéria tributária frente ao ordenamento jurídico nacional. Assim, para que se chegue a uma conclusão e ao verdadeiro sentido e alcance da norma contida no art. 98 do CTN, é necessário analisar esses posicionamentos.

Luciano Amaro (2007, p. 180), Sacha Calmon Navarro Coêlho (2005, p. 658), Xavier (2005, p. 131), Ricardo Alexandre (2008, p. 222), dentre outros, entendem que o texto do art. 98 não é adequado quando diz que o tratado "revoga" a lei interna e que a lei interna superveniente deve "observar" o tratado [07].

Para os autores, o que ocorre não é a revogação mas sim uma paralisia, uma suspensão da eficácia da lei interna naquela parte regrada diferentemente do disposto no tratado, isso porque entendem ser o tratado norma especial e a lei interna norma geral. "A lei geral permanece vigente, mas não aplicável aos casos específicos regulados pelo tratado em questão" (AMARAL, 1998, p. 34). Ou seja, a lei interna permanece válida e eficaz no ordenamento jurídico interno para as hipóteses não disciplinadas pelo tratado, tendo apenas sua eficácia restrita a um determinado grupo de indivíduos e situações (GRUPENMACHER, 1999, p. 113).

Explica Antonio Carlos Rodrigues do Amaral (1998, p. 33-34) que os acordos internacionais em geral não possuem hierarquia superior à legislação ordinária brasileira. Todavia, os autores têm entendido que os tratados em matéria tributária "ganham tratamento diferenciado pelo legislador pátrio", que esculpiu no art. 98 do CTN comando normativo que leva a entender a superioridade hierárquica desses atos internacionais perante as normas internas.

Essa superioridade, todavia, não decorre somente do disposto no art. 98, mas, principalmente, da regra da especialidade. Explica Alexandre que segundo essa regra a norma especial "deve ser aplicada com preferência sobre a geral, sem modificá-la ou revogá-la", como já visto acima (ALEXANDRE, 2008, p. 221).

Assim, como não ocorre revogação da lei interna por meio do tratado, se este for denunciado, volta-se a aplicar as disposições da lei interna anterior ao tratado, sem que ocorra o fenômeno da repristinação (AMARO, 2007, p. 180).

Percebe-se assim que, segundo a doutrina majoritária, ao invés de revogar a lei interna, o tratado sobre tributação cria exceções à aplicação daquela, nas situações por ele previstas e em relação aos países entre os quais foi firmado. Com a revogação dessas exceções, as normas da lei interna se restabelecem (AMARO, 2007, p. 180).

Betina Treiger Grupenmacher e Amaro entendem, porém, que a norma da especialidade não é suficiente para dirimir os conflitos entre tratado e lei interna. De fato, quando o tratado é superveniente à lei interna, não há que discutir a superioridade deste em relação àquela. Contudo, problemas podem surgir quando a lei interna for posterior e contrária ao tratado. Diante dessa situação não há como se furtar à análise de eventual primado do tratado sobre a norma interna (AMARO, 2007, p. 181; GRUPENMACHER, 1999, p. 109).

Nosso STF, como já visto no citado julgamento da ADIMC 1.480/DF, adota o posicionamento de que os tratados, após regular incorporação ao direito interno, adquirem a posição hierárquica de lei ordinária, sendo possível, portanto, que uma lei posterior a ele o revogue.

Alexandre concorda com esse posicionamento. Para ele, se não fosse possível a legislação interna superveniente revogar norma trazida por tratado internacional, como quer a parte final do art. 98, do CTN, o Poder Legislativo, que a princípio é representante do povo, não poderia tomar qualquer providência em relação ao tratado já aprovado e, nesse caso, estar-se-ía diante de um verdadeiro "paradoxo da democracia", já que os cidadãos teriam que conviver eternamente com normas instituídas por tratados internacionais, que somente poderiam ser alteradas por novo tratado, o qual, para sua feitura, depende de ação do Presidente da República, que, diferentemente do Congresso Nacional, não é representante do povo (ALEXANDRE, 2008, p. 223).

O STJ, por sua vez, tem entendido que a parte final do art. 98 do CTN aplica-se somente à modalidade de tratados denominada "tratados-contrato", e não àquela denominada "tratados normativos":

TRIBUTÁRIO. REGIME INTERNACIONAL. DUPLA TRIBUTAÇÃO. IRRPF. IMPEDIMENTO. ACORDO GATT. BRASIL E SUÉCIA. DIVIDENDOS ENVIADOS A SÓCIO RESIDENTE NO EXTERIOR. ARTS. 98 DO CTN, 2º DA LEI 4.131⁄62, 3º DO GATT.

- Os direitos fundamentais globalizados, atualmente, estão sempre no caminho do impedimento da dupla tributação. Esta vem sendo condenada por princípios que estão acima até da própria norma constitucional.

- O Brasil adota para o capital estrangeiro um regime de equiparação de tratamento (art. 2º da Lei 4131⁄62, recepcionado pelo art. 172 da CF), legalmente reconhecido no art. 150, II, da CF, que, embora se dirija, de modo explícito, à ordem interna, também é dirigido às relações externas.

- O art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados tratados-contratos e os tratados-leis. Toda a construção a respeito da prevalência da norma interna com o poder de revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária, foi feita tendo em vista os designados tratados, contratos, e não os tratados-leis.

- Sendo o princípio da não-discriminação tributária adotado na ordem interna, deve ser adotado também na ordem internacional, sob pena de desvalorizarmos as relações internacionais e a melhor convivência entre os países.

- Supremacia do princípio da não-discriminação do regime internacional tributário e do art. 3º do GATT.

- Recurso especial provido (Resp 426.945; 2002/0043098-0; DJ 18.09.2003; Rel. Min. José Delgado) (grifo nosso).

Grupenmacher e Amaro entendem que a hierarquia dos tratados é questão de natureza constitucional, não cabendo, portanto, ao CTN "nem negar nem afirmar (como parece ter pretendido o art. 98) o primado dos tratados" (AMARO, 2007, p. 182). Grupenmacher entende que deve ser incluída na Constituição Federal norma que atribua aos tratados internacionais superioridade hierárquica perante a lei interna, para que se configure em definitivo no ordenamento jurídico pátrio "a primazia que os tratados efetivamente possuem e que se fundamenta principalmente na obediência do princípio ‘pacta sunt servanda’" (GRUPENMACHER, 1999, p. 109-110).

Explica a autora:

Se é certo que a observância à soberania estatal é uma premissa universalmente aceita no direito internacional público, também é certo que deve ser respeitado o princípio ‘pacta sunt servanda’, em virtude do qual o Estado signatário de um tratado ou convenção deve observar as obrigações por ele impostas, sob pena de responsabilidade na ordem internacional, consoante preceitua a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, como segue:

"Art. 26 – Todo tratado em vigor obriga às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé.

Art. 27 – Uma parte não poderá invocar as disposições de seu direito interno como justificação do incumprimento de um tratado.

[...]" (GRUPENMACHER, 1999, p. 110).

Para a autora, os tratados internacionais representariam o instrumento de cooperação entre os povos a que se refere a Constituição Federal, sob pena de violação ao princípio fundamental contido no inciso IX, do art. 4º (GRUPENMACHER, 1999, p. 111).

Mesmo diante dessa situação, entretanto, Amaro e Grupenmacher entendem ser inútil o disposto no art. 98, do CTN. Num primeiro momento, porque, por se tratar de matéria de ordem constitucional, não poderia o CTN dispor a respeito do primado dos tratados sobre a legislação interna. E ainda porque, ante a existência de norma geral e norma especial, não há necessidade do prescrito naquele artigo – que de fato estabeleceu a superioridade das normas internacionais frente às internas – para que o tratado, como norma especial, prevaleça sobre a lei interna, norma geral (AMARO, 2007, p. 184; GRUPENMACHER, 1999, p. 112-113).

Diante do fato de ser assunto de natureza constitucional a da primazia ou não dos tratados perante o ordenamento jurídico interno, tem-se entendido não ser inconstitucional o art. 98 do CTN, apesar de, ao que tudo indica, ter disciplinado exatamente essa matéria no tocante à questão tributária.

Assim, para a autora, não cabe discussão acerca da constitucionalidade do art. 98, "já que a solução para conflitos normativos entre tratado e lei interna, por falta de disciplina constitucional, extrai-se do próprio sistema e não do art. 98 do CTN [...]" (GRUPENMACHER, 1999, p. 114).

Todavia, se levantada a discussão – sobre a constitucionalidade do dispositivo em análise –, entende, como se afirmou, que é constitucional, já que, como parte de lei complementar, dispõe sobre normas gerais de direito tributário (GRUPENMACHER, 1999, p. 115).

Para ela, o que faz o art. 98 não é determinar a superioridade hierárquica dos tratados, o que seria incompatível, por ser matéria constitucional, mas sim, em consonância com seu papel constitucional de lei complementar:

[...] estabelecer regra acerca da aplicação do tratado em detrimento da lei interna diante de um eventual conflito entre ambas. Tal norma não atribui, no entanto, superioridade hierárquica aos tratados. O que faz o dispositivo diante de sua natureza de lei complementar é fixar regra acerca da aplicação da lei tributária (GRUPENMACHER, 1999, p. 115).

Percebe-se, assim, que é majoritária na doutrina a tese da constitucionalidade do art. 98 do CTN, devendo ser tal dispositivo, todavia, corretamente interpretado, sob pena de errônea aplicação dos tratados internacionais em matéria tributária.


3 O FENÔMENO DA PLURITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

No mundo atual, em que recrudesce o intercâmbio entre os diversos países do globo, em que os blocos econômicos e a globalização da economia fizeram com que o comércio exterior passasse a ser uma atividade necessária e indispensável, um instrumento estratégico para promover o desenvolvimento econômico e social dos Estados, o fenômeno da pluritributação é algo rotineiro e não é possível ignorá-lo, sob pena de se abrirem portas para a evasão fiscal internacional.

Antes de se iniciar o estudo da pluritributação internacional propriamente dita, vale citar o exemplo [08] dado por Valter Pedrosa Barretto Junior (2004) para ilustrar o que será tratado mais à frente:

GN, uma multinacional fabricante de veículos automotores, com sede nos Estados Unidos da América, possui filiais em 15 países no mundo. Em todos estes países, o lucro das suas filiais é tributado (IRPJ). Como os rendimentos percebidos pelas filiais também representam lucro para a sua matriz, deverá tal quantia ser novamente tributada (IRPJ) nos EUA?

A resposta a esta indagação, por uma questão de lógica [...] fiscal, é naturalmente negativa. Em se respondendo afirmativamente a esta questão, estaremos diante do fenômeno da bitributação internacional.

Pluritributação nada mais é, portanto, do que uma situação de concurso de normas, no tempo, de direito tributário.

Ocorre concurso de normas, como se sabe, quando o mesmo fato é previsto em duas ou mais normas diferentes no mesmo espaço ou ao mesmo tempo. No direito tributário isso ocorre quando o "mesmo fato se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias materiais distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto" (XAVIER, 2005, p. 31).

Tal concurso pode ocorrer tanto no interior de um dado sistema jurídico quanto externamente, nas relações entre sistemas jurídicos de Estados independentes e soberanos. No primeiro caso, estar-se-á diante de bitributação interna, enquanto que, no último, visualiza-se a dupla tributação internacional (TÔRRES, 2001, p. 374-375).

Visto isso, cumpre esclarecer que a pluritributação internacional não é explicitamente proibida por nenhum ordenamento jurídico, tampouco pelo ordenamento internacional, já que, diferente do que possa parecer, não é uma atitude antijurídica a ser vedada, mas sim um fenômeno que, por ter um resultado negativo, deve ser evitado (TÔRRES, 2001, p. 379-380). Afinal, a tributação exercitada por cada Estado reflete nada mais do que o exercício de sua própria soberania.

A ocorrência de pluritributação internacional não provoca um ilícito fiscal que deva ser corrigido ou coibido, mas sim indesejáveis distorções no mercado internacional. Portanto, a pluritributação deve ser vista, compreendida, estudada e tratada como um fato lícito, ainda que economicamente possa parecer injusta (TÔRRES, 2001, p. 380-381). Em outras palavras, trata-se do exercício da soberania contrário à cooperação internacional, tendência mundial que parece ser inevitável.

Por isso, apesar do acima afirmado, no sentido de não ser a pluritributação um ilícito, vedado explicitamente no sistema internacional, prevalece o princípio de que "se deve evitar ou eliminar os seus efeitos jurídicos e as suas repercussões econômicas sobre os operadores que atuam transnacionalmente, dado o seu grau de nocividade" (TÔRRES, 2001, p. 385).

Dessa forma, não deve ser combatido o fenômeno da pluritributação em si, mas sim seus efeitos, já que nocivos ao desenvolvimento econômico e financeiro das pessoas e empresas tributadas.

Apresentados alguns aspectos gerais da pluritributação internacional, passar-se-á agora ao estudo das causas desse fenômeno e, mais adiante, de sua definição e de seus elementos essenciais.

3.1 As causas da pluritributação internacional

De acordo com Tôrres, a causa prevalecente do fenômeno da pluritributação internacional são as relações entre dois ou mais sistemas tributantes de Estados soberanamente independentes, instigados por inevitáveis concursos de pretensões impositivas sobre um mesmo ato de produção de rendimentos, pela incidência de normas do Estado da situação da fonte dos rendimentos e pela incidência de normas do Estado de residência, quando, é claro, elas não coincidem (TÔRRES, 2001). Ou seja, a principal causa da pluritributação internacional é o exercício simultâneo de soberanias.

Os Estados soberanos, para proceder à delimitação de sua competência tributária internacional, inspiram-se ou no princípio da universalidade ou no da territorialidade.

Aqueles que se inspiram no princípio da universalidade – geralmente países que possuem um sistema de tributação mais evoluído, com elementos de conexão de natureza pessoal – tributam todos os rendimentos dos sujeitos que possuam uma relação de natureza pessoal com seu ordenamento ou seu território, seja por nacionalidade, seja por residência (worldwide principle), não importando onde foram realizados ou produzidos os rendimentos (TÔRRES, 2001, p. 385-386). Ou seja, adotando esse princípio, o Estado submete à tributação as pessoas que residem em seu território pela totalidade de suas rendas e de seus bens, independentemente da nacionalidade dessas pessoas, da origem de suas rendas e da localização de seus bens (BORGES, 2001).

Os países que, por sua vez, adotam o princípio da territorialidade, põem em relevo os elementos de conexão de natureza objetiva, ou seja, privilegiam a fonte do rendimento (source income taxation) exclusivamente interna (TÔRRES, 2001, p. 385-386). Nesse caso, o Estado tributa todas as rendas cujas fontes se encontrem em seu território, sem considerar a residência ou a nacionalidade das pessoas que as auferem (BORGES, 2001).

Dessa forma, uma pessoa que reside em um Estado e recebe rendas produzidas em outro pode ter essas mesmas rendas tributadas duas vezes se o primeiro Estado adotar o critério da residência e o segundo o da fonte.

Tal caso pode ser comparado às situações de dupla nacionalidade, que se origina quando a pessoa tem relação com dois Estados: um que adota o critério do ius solis e outro que adota o do ius sanguinis (BARRETTO JUNIOR, 2004; BORGES, 2001).

Assim, a pluritributação internacional resulta, nas palavras de Antônio de Moura Borges (2001), "das relações que ultrapassam as fronteiras de um Estado, em conjugação com critérios diferentes de delimitação da competência tributária internacional, ou com o mesmo critério, porém entendido diversamente".

3.2 Os requisitos para a configuração da pluritributação internacional

Como visto anteriormente, a pluritributação nada mais é do que um concurso de normas tributárias. Ou seja, ocorre a pluritributação quando um mesmo fato integra a hipótese de incidência de duas ou mais normas distintas. Dessa forma, pode-se afirmar que os dois requisitos básicos para a configuração da pluritributação internacional são a identidade do fato e a pluralidade de normas.

Estudar-se-á, portanto, cada um desses requisitos.

3.2.1 Identidade do fato

Se normas diversas recaem sobre fatos distintos, não há que falar em pluritributação (XAVIER, 2005, p. 32).

Fato jurídico é "todo acontecimento da vida que o ordenamento jurídico considera relevante no campo do direito" (GONÇALVES, 2003, p. 272).

Quando este fato jurídico disser respeito à incidência de determinado tributo, estar-se-á diante de um fato jurídico tributário.

O fato jurídico tributário possui uma estrutura complexa, ou seja, é constituído por diversos aspectos: um aspecto material, um subjetivo, um espacial e um temporal (XAVIER, 2005, p. 33). Dessa forma, praticando o sujeito passivo uma determinada ação prevista em lei, em determinado lugar e tempo, nasce para ele a obrigação de pagar determinado tributo.

Existem divergências sobre se seria necessária uma absoluta identidade de todos esses aspectos para que se configurasse a pluritributação, ou se bastariam apenas um ou alguns deles como elementos de individualização.

Para resolver esse dilema, foi construída a regra das quatro identidades. Segundo essa teoria, para que seja possível falar em identidade de fato e, consequentemente, dupla ou pluritributação, é necessário que se verifique "i) a identidade do objeto, ii) a identidade do sujeito, iii) a identidade do período tributário e iv) a identidade do imposto" (XAVIER, 2005, p. 33).

Segue, então, a maneira de analisar cada uma dessas identidades.

3.2.1.1 A regra das quatro identidades

3.2.1.1.1 Identidade do objeto

Para que se configure a identidade do fato é necessário, primeiramente, que se verifique a identidade do objeto. Isso significa dizer que deve haver identidade do elemento material do fato gerador, ou da hipótese de incidência, como prefere o mestre Paulo de Barros Carvalho [09].

O referido autor explica que no critério material da hipótese de incidência "há referência a um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, condicionadas por circunstâncias de espaço e de tempo" (CARVALHO, 2005, p. 257).

Todavia, para ele, é necessário "enxergar o critério material liberado das coordenadas de espaço e de tempo, como se fora possível um comportamento de uma pessoa desvinculado daqueles condicionantes", e critica aqueles que conceituam como aspecto material da hipótese de incidência todo o perfil desta (CARVALHO, 2005, p. 257-258).

Dessa forma, os critérios espacial e temporal deverão ser estudados separadamente, para que se possa ter uma visão plena do antecedente normativo (CARVALHO, 2005, p. 258).

Cumpre esclarecer, ainda, que esse aspecto material, separado dos critérios espacial e temporal, nada mais é do que o verbo que define o antecedente da norma-padrão do tributo. Por isso é tão importante. É claro que esse verbo, esse comportamento, deve ser delimitado por condições espaciais e temporais, para que o perfil típico esteja perfeito e acabado, isso porque é o critério espacial que fixa a competência do ente impositivo, enquanto que o critério temporal determina o exato momento a que se reporta a obrigação tributária. Todavia, neste estudo que fazemos de cada uma das identidades que devem estar presentes para que se caracterize a identidade do fato, é melhor que se analise cada um desses aspectos separadamente (CARVALHO, 2005, p. 259-260).

Dessa forma, havendo identidade do objeto de dois ou mais fatos jurídicos tributários, ou seja, do verbo que define o antecedente das normas, é possível que se esteja diante de dois fatos idênticos, ou similares, que podem levar ao fenômeno da pluritributação internacional.

3.2.1.1.2 Identidade do período tributário

No que toca a essa segunda identidade, ensina o mestre Xavier que ela só é exigível quando se tratar de tributos periódicos por natureza, como, por exemplo, o imposto sobre a renda. Quando se tratar, por exemplo, de imposto sobre transmissão de bens, não se aplica tal identidade, devendo ser analisada a existência de identidade da própria trasmissão do bem (XAVIER, 2005, p. 34-35).

Tôrres explica, por sua vez, que não se trata essa identidade dos aspectos correspondentes à aplicação da lei tributária no tempo. Nesse caso, o marco de tempo deve assinalar o surgimento de um direito subjetivo para o Estado e de um dever jurídico para o sujeito passivo, que nada tem que ver com os aspectos relativos à validade ou vigência no tempo das normas em concurso (TÔRRES, 2001, p. 403).

3.2.1.1.3 Identidade do tributo

Tôrres entende ser tarefa árdua aquela de se identificar esse terceiro requisito para a configuração da identidade de fato, "dada a diversidade de critérios e de materialidades possíveis de serem alcançadas" (TÔRRES, 2001, p. 392).

Para o autor, como os tributos são criados sob a égide de sistemas jurídicos distintos, com materialidades típicas, não se deve falar em tributos idênticos (TÔRRES, 2001, p. 392).

Porém, como ensina Xavier (2005), para a averiguação dessa identidade, por vezes é necessário fazer uma certa adaptação. Isso porque, as normas em concurso provêm de ordenamentos jurídicos distintos, baseados em princípios muitas vezes diversos, utilizando técnicas e conceitos também diferentes, o que faz com que a comparação entre um tributo e outro não possa ser feita com critérios formais rígidos.

Dessa forma, para se saber se as normas em conflito dizem respeito a tributos idênticos, deve-se analisar cada uma delas cuidadosamente, não bastando verificar a denominação das espécies em causa. É necessária, sim, como ensina o mestre português, "a análise e comparação dos respectivos aspectos materiais e bases de cálculo ou demais características que contribuam para a definição da sua verdadeira natureza substancial" (XAVIER, 2005, p. 34).

Ressalte-se, por fim, que, quando se menciona a expressão "tributos idênticos", deve-se, como já visto, proceder a certas adaptações, sendo possível configurar essa identidade mesmo estando diante de tributos análogos, semelhantes ou similares.

3.2.1.1.4 Identidade do sujeito

Alguns autores têm entendido não ser necessária para a caracterização da identidade do fato a identidade de sujeito, bastando as três identidades anteriormente mencionadas. Entendem que o critério a ser utilizado para a caracterização da pluritributação deve ser um critério objetivo, ou seja, para eles o que caracterizaria a identidade do fato seria somente o aspecto objetivo da hipótese de incidência, ainda que o elemento subjetivo – o sujeito – fosse diferente (XAVIER, 2005, p. 35).

Xavier entende diferente. Para o autor, para que se caracterize a pluritributação é necessária, sim, a identidade do sujeito, e é isso que distinguiria a dupla tributação jurídica (Doppelbesteuerung) – em que essa identidade se verifica – da dupla imposição econômica ou sobreposição de impostos (Doppelbelastung) – em que a identidade do objeto coexiste com a diversidade dos sujeitos (XAVIER, 2005, p. 35-36).

Concordamos com o autor. Adotando o primeiro posicionamento exposto, entender-se-ia haver dupla tributação nos casos em que um mesmo rendimento fosse tributado por normas distintas, quando, por exemplo, uma atingisse a sociedade, pessoa jurídica onde foi gerado o rendimento, e outra atingisse o sócio a quem foi distribuído esse rendimento. O mesmo se verificaria no caso de um mesmo fato ser tributado cada vez que muda de titular (XAVIER, 2005, p. 35).

Entendemos, assim como Xavier e Tôrres, que a situação acima descrita não caracteriza a ocorrência da pluritributação em tela. Trata-se, sim, da chamada pluritributação econômica.

Explica Tôrres que, quando se fala em dupla tributação econômica internacional, não se está dizendo que existe concurso de normas ou identidade do fato-evento tributável, mas sim uma dupla ação fiscal por Estados diversos sobre a mesma produção de riqueza (TÔRRES, 2001, p. 400).

Ensina o autor:

E isso é assim exatamente porque existe uma transferência de riqueza entre operadores econômicos residentes em Estados diversos que, com razão, pretendem considerar como tributáveis tais rendimentos isoladamente, haja vista a simples transferência. Perceba-se bem: não é a transmissão per se que constitui o fato tributável predisposto à incidência normativa. A tranferência é, em si mesma, apenas um motivo predisponente para a atuação dos sistemas impositivos sobre o transferente ou o transferido, no interior de cada um dos Estados interessados, isolada e jurisdicionalmente independente de qualquer concurso impositivo (TÔRRES, 2001, p. 407).

Esses casos de transferência não são casos de pluritributação internacional pelo simples fato de que nessas situações existe apenas um duplo pagamento de tributos por sujeitos diversos, independentemente de qualquer concurso de normas. Ou seja, há dois fatos jurídicos tributários diversos gerando duas relações jurídicas tributárias logicamente distintas.

Dessa forma, por tal situação se tratar apenas de influência da carga tributária sobre a atividade econômica, matéria pertinente à ciência econômica, não deve o Direito Tributário se ocupar dela (TÔRRES, 2001, p. 407-408).

Verifica-se, portanto, a necessidade de se incluir essa quarta característica para que se verifique a identidade do fato. Se não houver identidade do sujeito – passivo – não há que falar em pluritributação, e estar-se-á diante de um problema econômico com o qual não deve se preocupar o Direito Tributário.

3.2.2 Pluralidade de normas

Como já visto, além da identidade do fato, o conceito da pluritributação exige, também, a pluralidade de normas.

Primeiramente cumpre esclarecer, como parece óbvio diante do objeto desta pesquisa, que as normas em concurso devem pertencer a ordenamentos tributários distintos. Em se tratando de pluritributação internacional, devem pertencer a ordenamentos jurídicos de Estados soberanos diversos (TÔRRES, 2001, p. 400-401; XAVIER, 2005, p. 36-37).

Como já ressaltado anteriormente, a pluritributação internacional não é um fenômeno ilícito ou proibido e neste momento fica ainda mais clara essa afirmação: esse concurso de pretensões é instalado em decorrência de normas postas legitimamente por Estados soberanos, por força de suas respectivas soberanias fiscais (TÔRRES, 2001, p. 376).

Assim, a pluritributação internacional decorre da existência de uma multiplicidade de pretensões impositivas postas em concurso, todas provenientes de soberanias tributárias que não conhecem qualquer limite no âmbito internacional. Diferente do que ocorre no âmbito interno, no Direito das Gentes não existe um órgão soberano, uma Lei Maior que possa determinar como devem agir os Estados soberanos no exercício das suas competências tributárias. É por isso que o concurso de pretensões na esfera internacional é inevitável.

Verifica-se, dessa forma, que, para que seja possível definir o fenômeno em estudo, é necessário identificar se existe uma pluralidade de normas em conflito e se tratam essas normas do mesmo fato, utilizando-se, então, o método das quatro identidades já apresentado.

Antes de iniciar o estudo das formas de tratamento da pluritributação internacional, cumpre fazer breves observações no que toca a pontos interessantes e curiosos relacionados à pluralidade de normas e à pluritributação.

3.3 A diferença entre dupla tributação e bis in idem

Apesar da semelhança existente entre os dois fenômenos, não se deve confundir a dupla tributação com o bis in idem. Este, como explica Tôrres, exsurge "com a incidência de um mesmo tributo (entendido como norma) sobre o mesmo suporte fático, operados por uma mesma pessoa política, sem que haja concurso de competência tributária ou de soberania", diferentemente do que ocorre com a dupla tributação (TÔRRES, 2001, p. 376).

Assim, enquanto o fenômeno da bitributação consiste num concurso de pretensões, na aplicação de duas normas distintas ao mesmo fato, o fenômeno do bis in idem nada mais é do que uma só pretensão sendo duplamente exigida. Trata-se, este último, "do instituto da duplicação, vedado pelo princípio ne bis in idem, o qual se coloca no plano da atividade tributária concreta ou secundária [...], e não no da atividade abstrata ou primária" (XAVIER, 2005, p. 42-43).

3.4 Concurso de competências e pluritributação

Já foi visto que, para que se caracterize a pluritributação, é necessária, além da identidade do fato, a pluralidade de normas. Ressalta Xavier que essas normas em confronto devem ser originárias de ordenamentos não só distintos, mas também paritários, isto é, devem ser "provenientes de entes situados num mesmo ‘nível de governo’, resultando o concurso de pretensões da conexão do fato com mais de um território" (XAVIER, 2005, p. 39).

Explica o autor que razões históricas levaram a ser formulado, no Brasil, conceito mais amplo da bitributação, o qual abrangeria não apenas o caso de concurso de normas oriundas de ordenamentos jurídicos paritários – que seria a chamada dupla tributação horizontal –, mas ainda aqueles em que a pluralidade de pretensões decorresse da exigência simultânea de tributos iguais ou similares por entes situados em diferentes "níveis de governo" e com jurisdição sobre o mesmo território, como seria o caso, por exemplo, de a União e um Estado-membro exigirem tributos iguais ou similares sobre o mesmo fato – chamada dupla tributação vertical – e, ainda, abrangeria o caso em que as entidades tributantes não estivessem nem situadas no mesmo nível de governo nem ordenadas entre si –, a que se deu o nome de dupla tributação diagonal (XAVIER, 2005, p. 39).

Segundo Xavier, na doutrina brasileira clássica esses "conceitos moldaram-se sobre a dogmática das modalidades possíveis de discriminação de renda entre as diversas pessoas políticas". Quando essa discriminação se efetuasse sob a forma de atribuição de competência privativa, não se haveria de falar em dupla ou pluritributação, mas em invasão de competência (XAVIER, 2005, p. 39).

Se, por outro lado, nossa Constituição Federal permitisse a existência de competências concorrentes (o que não acontece), ocorreria a verdadeira figura da dupla tributação, a qual, aliás, poderia ser eliminada por critérios predeterminados, destinados a evitar a cumulatividade das imposições, como a prevalência automática dos tributos federais sobre os estaduais (XAVIER, 2005, p. 39).

Dessa forma, não se pode falar, atualmente, no Brasil, em bitributação vertical. Aqui, a construção teórica do fenômeno da pluritributação tem se pautado na problemática dos conflitos de leis no espaço, no princípio da territorialidade, é dizer, "nas questões referentes aos concursos de normas interterritoriais, tendo sido sempre alheia à matéria de delimitação dos diversos poderes tributários concorrentes dentro de um mesmo território, ou seja, aos concursos intraterritoriais" (XAVIER, 2005, p. 40).


4 AS FORMAS DE TRATAMENTO DA PLURITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Apesar de o fenômeno da pluritributação internacional não ser considerado um ilícito fiscal, possui efeitos negativos na economia e nos negócios internacionais, devendo, portanto, ser evitado.

A partir do momento em que nenhuma medida é tomada para que sejam evitados ou ao menos reduzidos os efeitos de tal fenômeno, a evasão fiscal é o meio encontrado pelos contribuintes de tornar viáveis seus negócios, já que se vêem diante de uma elevada carga tributária.

Assim, os Estados, para minorar os efeitos da pluritributação internacional, adotam soluções tanto unilaterais, por meio de normas internas, quanto bi ou multilaterais, com a assinatura de tratados internacionais, medidas essas as quais serão estudadas a partir de agora.

4.1 Medidas unilaterais destinadas a evitar ou reduzir os efeitos da pluritributação internacional

Primeiramente cumpre ressaltar que essas medidas unilaterais são, ordinariamente, tomadas por aqueles países que adotam o princípio da universalidade para seu sistema tributário, isso porque o Estado que adota tal princípio tributa todos os rendimentos dos sujeitos que possuam uma relação de natureza pessoal com seu ordenamento ou com seu território, seja por nacionalidade, seja por residência, ainda que tais rendimentos tenham sido produzidos no exterior e já tenham lá sido tributados.

Essas medidas unilaterais nada mais são do que leis internas que delimitam as respectivas competências internacionais dos Estados que as adotam. Os fins buscados são a neutralidade fiscal às importações, a neutralidade fiscal às exportações ou, ainda, a eficiência nacional [10], e os métodos mais utilizados para se alcançarem esses fins são a isenção, o crédito de imposto, o crédito de imposto societário e a dedução de impostos com despesa [11] (GRUPENMACHER, 1999, p. 94; TÔRRES, 2001, p. 425-426; BARRETTO JUNIOR, 2004).

4.2 Soluções bilaterais e multilaterais destinadas a evitar ou reduzir os efeitos da pluritributação internacional

As medidas unilaterais, além de não serem suficientes para eliminar os efeitos nocivos da pluritributação, exigem o sacrifício unilateral de um Estado, que renuncia ao seu direito de tributar determinados rendimentos.

Mais eficientes, portanto, se mostram as soluções bilaterais e multilaterais, que são alcançadas, principalmente, por meio de tratados internacionais.

Apesar de serem as medidas bi ou multilaterais mais eficientes do que as unilaterais no combate à pluritributação internacional, não se pode afirmar que em todos os casos são elas capazes de eliminar completamente os efeitos desse fenômeno. São sim essas medidas mais eficientes do que as unilaterais, mas nem por isso são infalíveis.

Diante desse fato, e das dificuldades que podem surgir quando das negociações para a estipulação desses acordos internacionais, algumas organizações internacionais têm, ao longo do tempo, procurado desenvolver modelos de convenções que sirvam como parâmetro de orientação aos países nos trabalhos preparatórios, o que vem significando considerável progresso para o Direito Tributário Internacional, principalmente no que diz respeito à redução dos fenômenos pluriimpositivos.

O Brasil, assim como a maioria dos países europeus, adota o modelo da OCDE em seus acordos para evitar a pluritributação.

A respeito dessa forma bilateral ou multilateral de se evitarem os efeitos da pluritributação internacional, explica André Elali (2006, p. 302) que os tratados nada mais são do que compromissos e cessões mútuas entre os Estados pactuantes, em matérias que dizem respeito principalmente à soberania.

É exatamente por se tratarem de concessões mútuas que os tratados internacionais se mostram mais eficientes para evitar ou atenuar os efeitos da pluritributação do que as medidas unilaterais. Estas exigem o sacrifício unilateral de apenas um Estado, que abre mão do exercício do seu poder de tributar para evitar esse fenômeno prejudicial aos negócios internacionais.

É por isso que Elali entende que os tratados internacionais que pretendem evitar a dupla incidência tributária podem ser vistos também como instrumentos de integração econômica:

A função dos acordos não se limita, contudo, à eliminação da dupla tributação internacional: eles têm também como objectivo evitar a fraude e a evasão fiscal internacionais. E deste modo contém geralmente não apenas regras para a troca de informações entre as várias administrações fiscais [...], como também cláusulas destinadas a evitar o uso, pelos seus residentes, dos chamados paraísos fiscais ou zonas de baixa tributação (SANCHES, Saldanha, 2002, p. 63 apud ELALI, 2006, p. 303).

Grupenmacher (2006, p. 32) explica que os tratados internacionais, para evitar esses conflitos normativos que podem levar à dupla imputação, adotam critérios conexos à pessoa, relativos à nacionalidade e à residência do contribuinte, ou ainda ao território onde ocorreu a hipótese de incidência.

No tratado a ser firmado, portanto, podem os Estados agir de duas formas para atingirem o objetivo de banir os efeitos da dupla tributação: podem acordar pela tributação com exclusividade de determinadas categorias de rendimentos em cada um dos Estados pactuantes, ou, ainda, podem circunscrever quais categorias de rendimentos podem ser tributados pelo Estado da residência e quais podem sê-lo pelo Estado da fonte, atribuindo-se a um deles o dever de eliminar ou atenuar a pluritributação, utilizando-se do método da isenção, da imputação, ou de ambos (GRUPENMACHER, 2006, p. 33).

Dessa forma, como já visto, ambos os Estados cujas pretensões poderiam coincidir e gerar uma dupla imposição fazem concessões mútuas, para que nenhum tenha que se sacrificar unilateralmente, abrindo mão completamente do exercício do seu poder de tributar, tornando, assim, mais eficaz o combate à pluritributação internacional.

Neste momento, invoca-se o estudo anteriormente realizado, referente aos tratados internacionais em matéria tributária, para ressaltar a aplicabilidade desses acordos frente ao ordenamento jurídico interno de cada país e, principalmente, ao brasileiro, tendo em vista todos os princípios que regem nosso ordenamento jurídico, bem como o disposto na Constituição Federal e no CTN.

Percebe-se assim que os tratados internacionais são de extrema importância para o desenvolvimento da economia e do comércio exterior, já que têm a capacidade de, com muito mais eficiência do que as medidas unilaterais que cada Estado pode adotar, eliminar ou evitar os efeitos da pluritributação internacional.


5 TRATADOS INTERNACIONAIS EM MATÉRIA DE TRIBUTOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS

Os tratados internacionais podem ser utilizados para se evitar a pluritributação internacional. O problema que se coloca, porém, é a possibilidade de um acordo internacional dispor a respeito de matéria tributária estadual e municipal, bem como conceder isenções desses tributos, ante o princípio federativo previsto em diversos dispositivos constitucionais e mais especificamente refletido no Capítulo do Sistema Tributário Nacional, no art. 151, III, da Magna Carta (SILVA, 2003, p. 21).

Como é notório, tal dispositivo afastou a possibilidade da concessão das chamadas isenções heterônomas por parte da União Federal.

Todavia, discussões surgiram a respeito da viabilidade de tratados internacionais concederem essas isenções.

Baseados no dispositivo acima citado, alguns autores têm defendido a impossibilidade de um tratado internacional, firmado pelo Brasil, ter por objeto tributos estaduais ou municipais.

O principal argumento daqueles que defendem essa tese é o de que, sendo a União, por intermédio do Presidente da República, o ente competente para firmar tratados, não podem estes versar sobre matéria tributária de competência dos Estados e Municípios, o que configuraria clara inconstitucionalidade, ante a forma federativa e a divisão de competências previstas na Constituição Federal (SILVA, 2003, p. 21).

A doutrina dominante, entretanto, é a que defende a possibilidade de tratados internacionais versarem sobre tributos estaduais e municipais, não havendo nesses casos qualquer inconstitucionalidade.

O principal argumento encontra, inclusive, respaldo na própria forma federativa do Estado brasileiro.

Para os defensores desta corrente, primeiramente se deve distinguir "União" como membro da federação de "União" pessoa jurídica de direito público internacional [12], sendo esta quem celebra o tratado, "ignorando os demais membros da comunidade internacional as subdivisões internas do Brasil" (TAVOLARO, 2002, p. 56).

O Brasil assumiu a forma de Estado federal em 1889, com a Proclamação da República, e essa forma de Estado foi mantida nas constituições posteriores, inclusive na de 1988, que em seu art. 1º dispõe que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal.

Quando se fala em Estado federal há que distinguir "soberania" de "autonomia", além de se definir quem são seus respectivos titulares. Assim, é titular de soberania somente o Estado federal, o todo, pessoa jurídica de direito internacional. A autonomia, por sua vez, é própria dos entes que compõem a federação, que, diferentemente do Estado federal, não possuem capacidade de autodeterminação, podendo agir tão-somente "dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal" (SILVA, 1998, p. 104).

Dessa forma, a repartição de competência entre a União, os Estados-membros e os Municípios é elemento básico para a existência do Estado federal.

Essa forma federativa, como se organiza o Estado brasileiro, com distribuição de competências deve ser bem entendida, sob pena de errônea interpretação dos dispositivos constitucionais.

De fato, analisando-se brevemente o art. 151, III, da Constituição Federal, poder-se-ía pensar que a União, ente competente para firmar tratados, representada pelo Presidente da República, não poderia, sob pena de ferir o princípio federativo e a autonomia dos Estados e Municípios, dispor sobre tributos da competência desses.

Seguem mais uma vez, então, os ensinamentos de Tôrres (2001, p. 584), que, com maestria, explica a fundamental diferença entre a União de que trata o art. 151, III, e o Estado Federal, que é quem, de fato, negocia e firma os tratados internacionais:

A "União", enquanto representante da República Federativa do Brasil, logo, pessoa jurídica de Direito Público Internacional, constitucionalmente competente para comprometer o Estado brasileiro na ordem internacional, não se confunde com a "União", pessoa jurídica de direito público interno, que compõe a organização político-administrativa brasileira (art. 18, CF), de forma federativa (art. 1º, CF), dotada das atribuições constitucionalmente distribuídas segundo os interesses do Constituinte.

Acrescenta Tôrres que a procedência de sua afirmação é corroborada pelo art. 5º, § 2º, in fine, da Carta Magna, que se refere expressamente aos "tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil é parte" - veja-se, a "República Federativa do Brasil", e não a "União Federal" (TÔRRES, 2001, p. 584-585).

Percebe-se, assim, que somente a União entendida no sentido de Estado brasileiro, pessoa reconhecida pelo Direito Internacional, é titular da soberania. Os Estados federados são titulares apenas de autonomia. E, como já analisado anteriormente, no âmbito internacional, somente os Estados soberanos possuem personalidade jurídica internacional, podendo negociar e firmar acordos, não tendo os Estados e Municípios competência para tanto.

Dessa forma, quando os arts. 21, I, e 84, VIII, da Constituição Federal, dispõem que compete à União, representada pelo Presidente da República, firmar acordos internacionais, deve-se entender que, nesse momento, agirá o Presidente em nome de toda a nação brasileira, mesmo porque os Estados federados e os Municípios não têm capacidade internacional, ou seja, personalidade jurídica para o Direito das Gentes (SILVA, 2003, p. 22-23).

Dessa forma, portanto, nada impede que a União, entendida como República Federativa do Brasil, firme tratados internacionais envolvendo matérias tributárias dos Estados e Municípios.

Esse mesmo entendimento tem Amaro, quando deixa claro que não se pode confundir o tratado firmado pela União com as leis federais. Estas sim não podem, pela competência instituída na Constituição Federal, versar sobre tributos que não sejam da competência da União. Assim, o "tratado não é ato que se limite à esfera federal: ele atua na esfera nacional, não obstante a Nação (ou o Estado Federal) se faça representar pelo aparelho legislativo e executivo da União" [13] (AMARO, 2007, p. 186).

No que tange mais especificamente à concessão de isenções por meio de tratados internacionais e o disposto no art. 151, III, da Lei Maior, tem-se entendido que tal vedação é dirigida apenas à União enquanto pessoa constitucional, pessoa jurídica de direito interno, integrante do Estado brasileiro. Quando atua como representante internacional do Brasil, não sofre essa vedação, pelos fundamentos já apresentados e por tantos outros que serão abaixo demonstrados.

Explica Maria do Carmo P. Caminha que nossa Carta Magna discrimina a competência de cada uma das esferas de governo interno, sendo que "dentre elas, a mais importante é a atribuição de renda própria (para que possa subsistir a autonomia) com o poder para instituir e cobrar tributos". A partilha desse poder de tributar foi regulada rigidamente pelo poder constituinte de 1988, "objetivando impedir conflitos internos, afastando a possibilidade de incidir a bitributação, com a simultaneidade de competências entre as entidades federativas" (CAMINHA, 2001, p. 46).

Tôrres ensina, no mesmo sentido, que as normas constitucionais de repartição de competência e, por corolário, as de limitações ao poder de tributar, estão dispostas para a distribuição de competências entre os entes da federação, o que não impede, todavia, que os compromissos em matéria tributária, internacional e soberanamente assumidos pela União, representante da República Federativa do Brasil, "derroguem as prescrições constitucionais predispostas para a supressão de possíveis conflitos de competência – justo por não haver aqui qualquer conflito de competências, em vista da soberania" (TÔRRES, 2001, p. 585).

No âmbito internacional, a União age no interesse da nação, interesse este que deve prevalecer sobre os interesses dos entes federados. Assim, o tratado assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Congresso Nacional empenha a vontade de todos os brasileiros e não apenas a da União (TÔRRES, 2001, p. 587).

Tôrres explica que a vedação contida no art. 151, III, da Constituição Federal dirige-se apenas à União pessoa política de direito interno, podendo, por isso, a República Federativa do Brasil, no âmbito do Direito Internacional, conceder isenção de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (TÔRRES, 2001, p. 588)

Nesse mesmo sentido foi o Parecer PFN/CAT 907/93, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional:

[...] IV – sendo a União competente para representar a República Federativa do Brasil nos tratados internacionais, ela agirá dotada de soberania, podendo, inclusive, conceder isenções de impostos federais, estaduais e municipais.

Outro, porém, foi o entendimento do nosso STJ, que defendeu, no julgamento do Recurso Especial 90.871/PE que a Constituição Federal vedou à União Federal a concessão de isenção a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, baseando-se no art. 151, III da Carta Magna:

Tributário. Isenção. ICMS. Tratado internacional. O sistema tributário instituído pela CF/88 vedou a União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios (art. 151, III). Em consequência não pode a União firmar Tratados Internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores se inexiste Lei estadual em tal sentido. A amplitude da competência outorgada à União para celebrar tratados sobre os limites impostos pela própria Carta Magna. O art. 98 do CTN há de ser interpretado com base no panorama jurídico imposto pelo novo Sistema Tributário Nacional (Resp 90.871/PE; 1996/0017825-9; DJ 20.10.1997; Rel. Min. José Delgado).

Porém, nos julgamentos do Agravo Regimental no Recurso Especial 399281/RJ e do Recurso Especial 63879/SP, entendeu o STJ de forma diferente:

TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE BACALHAU – GATT - ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE ISENÇÃO DO ICMS POR MEIO DO TRATADO INTERNACIONAL, POR CUIDAR DE TRIBUTO ESTADUAL - SUBSISTÊNCIA DA SÚMULA N. 575 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DAS SÚMULAS NS. 20 e 71 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

O artigo III do Acordo Geral não concedeu nenhuma espécie de isenção, mas, tão-somente determinou que o tratamento tributário entre produto nacional e seu respectivo ou similar estrangeiro deve ser isonômico em relação às operações internas.

Embora o ICMS seja tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do similar nacional.

Como os tratados internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios interestaduais têm poder para revogá-los.

Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força.

Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp 399281/RJ; 2001/0171701-2; DJ 31.03.2003; Rel. Min. Franciulli Netto).

TRIBUTÁRIO - MERCADORIA IMPORTADA: ISENÇÃO POR FORÇA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL - SÚMULA N. 20 DO STJ E 575 DO STF.

1. O cominho in natura, importado para comercialização, sem sofrer nenhum processo de industrialização, está isento do ICMS, pois há similar nacional isento.

2. Precedentes desta Corte.

3. Recurso provido (REsp 63879/SP; 1995/0018081-2; DJ 09.10.2000; Rel. Min. Eliana Calmon).

Esta última parece ser a interpretação que melhor se coaduna com a realidade normativa e constitucional brasileira.

Explica Caminha que as isenções recíprocas e as convenções sobre alíquota tributária firmadas entre Estados soberanos apresentam-se como um mecanismo poderoso, "fator preponderante de acesso ao comércio mundial, utilizadas com propósitos extrafiscais, e não podem ser, simplesmente, descartadas pelo nosso País" (CAMINHA, 2001, p. 49).

Em observação pertinente no que diz respeito ao "GATT" (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), Tôrres explica que referido acordo, que regula as questões econômicas, comerciais e aduaneiras, e dispõe, também, sobre matéria tributária, possui certas peculiaridades. Esse acordo "não tem por objetivo a criação, modificação ou extinção de tributos dos países membros", nem mesmo a instituição de isenções tributárias. O que preceitua o GATT é a obediência ao princípio da não-discriminação, como bem decidido pelo STJ no julgado acima exposto. Dessa forma, "se o produto nacional for beneficiado com um regime de isenção fiscal, o mesmo tratamento deve ser dispensado ao produto estrangeiro; mas se o similar nacional for tributado, deverá ser tributado também o produto estrangeiro [...]" (TÔRRES, 2001, p. 588-590).

Ora, quem concede tratamento equânime, no âmbito internacional, é a União enquanto pessoa jurídica de direito internacional, não podendo se esperar que cada Estado-membro ou cada Município regule essas relações quando do comércio exterior [14].

Verifica-se, pois, ser possível e inclusive interessante ao comércio exterior que a União, por meio de tratados internacionais, conceda isenções de tributos estaduais e municipais.


6 CONCLUSÃO

Diante da grande importância do comércio internacional para o desenvolvimento e crescimento econômico dos Estados, é fácil perceber o aspecto negativo do fenômeno da pluritributação internacional.

Para o combate dos efeitos negativos desse fenômeno, mais eficientes do que as medidas unilaterais que podem ser adotadas por cada Estado soberano se se mostram as medidas bi ou multilaterais, que se concretizam por meio da assinatura de tratados internacionais, já que, nesse caso, estabelecem os acordos concessões mútuas entre os Estados pactuantes.

Tendo em vista a corrente dualista adotada pelo Brasil, esses tratados, quando regularmente incorporados ao ordenamento jurídico interno – após a aprovação pelo Congresso Nacional e a ratificação pelo Presidente da República por, respectivamente, decreto legislativo e decreto – não são recepcionados com status de lei ordinária ou de decreto, mas como tratados que são, ou seja, continuam sendo norma internacional, devendo apenas estar de acordo com a Constituição Federal. Dessa forma, não há que falar em hierarquia entre tratados internacionais e a legislação interna.

Todavia, em rápida análise, poder-se-ia dizer que o art. 98, do CTN, estabelece essa hierarquia quando trata dos tratados em matéria tributária. Por ser a matéria referente à hierarquia dos tratados constitucional, poder-se-ia pensar na inconstitucionalidade do referido dispositivo. Isso não ocorre, todavia, pelo simples fato de que, como lei complementar, o que faz o CTN em seu art. 98 é estabelecer normas gerais em matéria tributária e resolver conflitos de competências entre as pessoas políticas, funções típicas de lei complementar, de acordo com o art. 146 da Constituição Federal. Assim, nada mais estaria fazendo o art. 98, do CTN que exercer sua função de lei complementar.

Dessa forma, para uma correta interpretação desse dispositivo do CTN, é necessário entender que os tratados internacionais prevalecem sobre a legislação interna contrária a eles, não por serem hierarquicamente superiores, mas pelo fato de serem normas especiais. Vigora, nesse caso, portanto, a regra da especialidade.

Por fim, no que diz respeito à possibilidade de tratado internacional dispor sobre tributos estaduais e municipais e conceder isenções desses tributos, verificou-se que tal situação não afronta o art. 151, III, da Constituição Federal, que veda as isenções heterônomas, nem o princípio federativo presente, também, em nossa Carta Magna. Ao contrário, é o próprio princípio federativo fundamento para essa possibilidade, já que não se deve confundir a União como República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito internacional, competente para firmar tratados, com a União ente da federação, pessoa jurídica de direito interno, que, assim como os Estados e Municípios, não pode invadir a competência legislativa dos outros entes da federação.

Assim, resta livre a União para firmar tratados internacionais que concedam isenções a tributos estaduais e municipais, seja para o fim de evitar a bi ou pluritributação ou não.

O que se tem é sem dúvida a tendência mundial à integração, que clama por esforços técnicos no sentido da superação de todas e quaisquer barreiras encontradas nas soberanias dos Estados, o que envolve o Direito, e especificamente o Direito Tributário, que não prescinde de pesquisas no sentido desta que se realizou e em outras tantas.


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Notas

[...]

outro fim é o da eficiêcia nacional (national efficiency), que não corresponde aos objetivos perseguidos nem pela neutralidade interna nem pela neutralidade externa. Trata-se, em realidade, de uma forma autônoma de neutralidade, que busca implementar um incentivo aos investimentos internos, com a qualificação dos impostos forâneos pagos como se despesas fossem, a serem subtraídas da base de cálculo do imposto" (TÔRRES, 2001, p. 427-428).

  1. A Convenção de Viena, que codificou o direito dos tratados, foi adotada em 23 de maio de 1969 e entrou em vigor no âmbito internacional em 27 de janeiro de 1980, quando, nos termos do seu art. 84, atingiu o quorum mínimo de trinta e cinco Estados-membro. O Brasil, apesar de não ter até o momento a ratificado, segue seus preceitos, já que ela reveste-se de autoridade jurídica e é aceita como "declaratória do direito internacional geral", expressando direito consuetudinário (MAZZUOLI, 2001, p. 19-21).
  2. Conforme ensina José Afonso da Silva, citando Ruy Barbosa, a República, como forma de governo, pressupõe não só que coexistam os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas principalmente que derivem os dois primeiros de eleições populares (BARBOSA, 1932 apud SILVA, 1998, p. 107). Essas eleições, por sua vez, caracterizam a democracia adotada pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, parágrafo único, já que, como bem define o autor acima citado, a democracia "é governo do povo, pelo povo e para o povo" (SILVA, 1998, 130). Sabe-se que é o Congresso Nacional o grande exemplo de representatividade popular, no âmbito federal, principalmente a Câmara dos Deputados, chamada por José Afonso da Silva de "ramo popular do Poder Legislativo federal" (SILVA, 1998, p. 509).
  3. Vale ressaltar que essa discricionariedade só existe até a decisão do Presidente pela internalização do tratado. Decidida a internalização, há obrigatoriedade de submissão ao Legislativo.
  4. Alberto Xavier, por sua vez, entende que o Brasil adota a concepção monista internacionalista, pois vê no art. 5°, § 2°, da Constituição Federal, cláusula de recepção plena. Para o autor, os tratados internacionais são recebidos no ordenamento jurídico não como leis internas, mas como tratados, só podendo ser revogados pelos mesmos mecanismos que lhes são próprios, e não pelos que valem para as leis internas. Explica Xavier: "A revogação de um tratado por obra de lei ordinária interna, da competência exclusiva de um desses poderes – o legislativo – teria o alcance de um verdadeiro ‘golpe de Estado’, retirando da destruição dos efeitos de um ato jurídico a intervenção de um órgão sem o qual tal ato não poderia ter sido celebrado". Entende ainda o autor que os tratados internacionais têm caráter supralegislativo mas infraconstitucional, exceto em matéria de direitos e garantias, caso em que, interpretando-se o art. 5°, § 2°, da Magna Carta, têm caráter supraconstitucional. Também argumenta que, pelo disposto nos artigos 109, III; 105, III, ‘a’, e 102, III, ‘b’, da Constituição Federal, é patente que os direitos previstos em tratados decorrem diretamente destes, ou seja, têm sua origem em normas internacionais. Se assim não fosse, se tais normas internacionais fossem incorporadas ao sistema jurídico interno por meio de conversão em lei, "não faria sentido a clara dicotomia que a Constituição estabelece entre ‘tratados ou lei federal’ ao prever a possibilidade de ambos [...] ofenderem a Constituição" (XAVIER, 2005, p. 122-130).
  5. Mesmo antes da Emenda Constitucional n° 45/2004 prevalecia, na doutrina, o entendimento de que os tratados sobre direitos humanos possuíam natureza e status de norma constitucional, por força do disposto no art. 5º, § 2º, da Carta Magna. Em sentido contrário, todavia, decidiu o STF em dezembro de 1997 (RTJ 165/745), ao concluir pela persistência da prisão do depositário infiel mesmo após o advento do Pacto de São José da Costa Rica, que só admite a detenção por dívida de pensão alimentícia (DALLARI, 2003, p. 63).
  6. "[…] o art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados tratados-contratos e os tratados-leis. Toda a construção a respeito da prevalência da norma interna com o poder de revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária, foi feita tendo em vista os designados tratados-contratos, e não os tratados-leis" (Resp 426.945-PR; 2002/0043098-0; DJ 18.09.2003; Rel. Min. José Delgado).
  7. Luciano Amaro faz interessante observação no sentido de que não é a lei interna superveniente que deve observar o tratado, mas sim o intérprete que, ao analisar esta deve observar o tratado naquilo em que possa afastar, limitar ou condicionar a aplicação da lei interna (AMARO, 2007, p. 180).
  8. Por esse exemplo é possível notar o motivo pelo qual no decorrer no trabalho será utilizada predominantemente a expressão "pluritributação" e não "dupla ou bitributação" internacional: "[...] mesmo sendo o fenômeno da bitributação o de mais fácil verificação, não se pode olvidar a existência de fatos tributáveis sobre os quais há uma múltipla incidência de normas originárias e vigentes em ordenamentos diversos [...]. Sem dúvida, a correção terminológica se impõe e requer o uso do termo ‘pluri’ ou ‘múltipla’ tributação internacional de rendas, por compreender em seu bojo tanto a ‘dupla’ tributação quanto a ‘tripla’, a ‘penta’ a ‘hexa’ tributação etc" (TÔRRES, 2001, p. 377-378).
  9. Paulo de Barros Carvalho entende – e sua doutrina tem sido aceita pela maioria dos estudiosos do direito tributário –, que a regra matriz de incidência tributária, que nada mais é do que o tipo tributário previsto na lei, compõe-se de dois elementos: um antecedente e um consequente. O antecedente, conhecido como hipótese de incidência, abarca, por sua vez, três critérios: o material, o espacial e o temporal. Já o conseqüente tributário, que é a relação jurídica tributária, se compõe dos critérios pessoal (sujeitos ativo e passivo) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). Quando o antecedente se realiza, ocorre o que chamamos de subsunção, e a partir daí a implicação no consequente, que gera a relação jurídica tributária ou obrigação tributária.
  10. "Enquanto a neutralidade fiscal à exportação procura resguardar os sujeitos residentes de um mesmo Estado que produzem rendas dentro e fora deste, ou apenas fora, o princípio da neutralidade fiscal à importação, ao contrário, busca garantir aos residentes de um Estado, que produzem rendas externamente, o mesmo tratamento que o país da fonte concede aos seus residentes, e aos sujeitos não-residentes o mesmo tratamento concedido aos seus residentes, que produzem rendas internamente.
  11. Existem outros métodos, além dos indicados, de menor importância e sobre os quais não serão feitas considerações pelo fato de, conforme explica Heleno Tôrres, considerarem "prioritariamente aspectos macroeconômicos e só de um modo indireto os aspectos puramente fiscais", ou ainda, por serem de funcionamento muito simplificado. São exemplos desse métodos a redução de alíquotas de impostos com incidência na fonte e alíquota zero, que, apesar de não buscarem diretamente a eliminação da dupla tributação, provocam uma redução em seus efeitos danosos (TÔRRES, 2001, p. 426).
  12. Cumpre ressaltar que parte da doutrina denomina a pessoa interna de União e a pessoa externa de Estado federal. Outra parte, porém, adota a linguagem constitucional, que chama ambas as pessoas jurídicas de União. Isso porque nossa Carta Magna é um texto legislativo, não científico, marcado por inevitável expressão cultural diversificada própria da democracia. Adotando essa linguagem constitucional, todavia, se faz necessário ter sempre em mente a diferença entre União como membro da federação, pessoa jurídica de direito interno, e União como Estado federal, pessoa jurídica de direito internacional.
  13. Cabe, aqui, uma breve análise a respeito das leis nacionais e das leis federais. Quando a União edita leis que tratam de seus próprios assuntos político-administrativos, não produzindo qualquer efeito na estrutura federativa ou na convivência nacional, essas são leis federais, cujos efeitos não são irradiados sobre os demais entes da federação. Por outro lado, quando a União, entendida neste caso como o Estado brasileiro, edita leis que abrangem as relações jurídicas pertinentes à Nação brasileira, são essas leis nacionais. Dessa forma, se o tratado internacional é firmado pela União enquando República Federativa do Brasil, quando internalizado, assume a característica de lei nacional, obrigando não só a União – como faria uma lei federal – mas também os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (BARROS, 1993). Uma maneira clara de se observar essa diferença – entre lei nacional e lei federal – seria observar que enquanto a lei nacional determina relações jurídicas em todo o âmbito nacional, abrangendo os Municípios, o Distrito Federal e os Estados, a lei federal não o faz, pois, como ensina Pedro Lenza, por não haver hierarquia entre, por exemplo, uma lei federal e uma municipal, pois "o que ocorre são âmbitos diferenciados de atuação, atribuições diversas, de acordo com as regras definidas pelo constituinte", não pode aquela ser aplicada no âmbito municipal (LENZA, 2008, p. 369).
  14. Nesse sentido é a doutrina de Clélio Chiesa, citado por Caminha: "[...] inexiste antinomia real entre os artigos mencionados, o que existe é um tratamento especial para os serviços e produtos destinados ao Exterior, para atender a contingência da política econômica. Com efeito, essa regulamentação não conflita com a regra prevista no art. 151, III, da CF. É um tratamento diferenciado que tem por finalidade prestigiar outros valores também relevantes para a sociedade brasileira, como o incentivo às exportações para um determinado tipo de produto, de conteúdo da balança comercial, enfim, interesses da política econômica do País. São valores que transcendem aos interesses regionais" (CHIESA apud CAMINHA, 2001, p. 47).

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PROGIANTE, Ana Lia. A pluritributação internacional e os tratados em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2871, 12 maio 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19081. Acesso em: 23 abr. 2024.