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A força das instituições, as formas extrajudiciais de solução de conflito e o assoberbo da máquina judiciária.

Atrasada modificação de paradigmas

A força das instituições, as formas extrajudiciais de solução de conflito e o assoberbo da máquina judiciária. Atrasada modificação de paradigmas

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A necessária aplicabilidade das formas extrajudiciais de solução de conflito para vigência do Estado Democrático de Direito.

A FORÇA DAS INSTITUIÇÕES, AS FORMAS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO E O ASSOBERBO DA MÁQUINA JUDICIÁRIA- ATRASADA MODIFICAÇÃO DE PARADIGMAS.

THEMIS SABACK[1]

 INTRODUÇÃO

Os operadores dos direitos reconhecem a necessidade de utilização de mecanismo que promovam a diminuição de demandas para que, ao menos, diminua o grave encacho da máquina judiciaria.

Com efeito, a atuação jurisdicional não mais comporta o ritmo frenético de novas demandas, sem prejuízo de um evidente e acentuado crescimento na demora na prestação jurisdicional.

Nesse contexto, tem-se buscado soluções para que o Poder Judiciário não se torne, ainda mais assoberbado, impossibilitado de resolver litígios, de significativa expressão, no menor tempo possível.

A mediação e arbitragem surgem como forma extrajudicial de solução de conflito, tornando a cultura do litigio, afastada da dimensão jurisdicional. Tratam-se de politicas públicas, que devem ser seguidas pelo Poder Público, consoante Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça.

O presente artigo mostrará a importância do êxito da implementação de novo estímulo a essas diferentes culturas de solução de conflitos, como forma de promover maior credibilidade e celeridade na atuação do Poder Judiciário na solução de conflitos e, consequentemente, restaurando a credibilidade e vigor das instituições vigentes.

1.O IDEAL DE JUSTIÇA E O EQUILÍBRIO DOS PODERES.

Ao Poder Judiciário cabe dirimir conflitos, pacificando as relações sociais. Para tanto sua missão é bem simples: restabelecer o direito material afetado, ante adequada e célere prestação da tutela jurisdicional.

Esta  é a essência e a razão de ser desse, que é um dos três poderes,  que, harmonicamente, junto com o Poder Legislativo e Executivo dão equilíbrio, força e credibilidade as instituições vigentes. 

A função do judiciário é resguardar a força e vigência do Estado Democrático de Direito e consequentemente dando poder e confiabilidade as instituições democráticas, inclusive ao próprio Poder Judiciário.

É evidente, que muitos desses conflitos poderiam ser resolvidos sem a interferência e atuação jurisdicional. Aliás, os operadores do direito esquecem-se que é função primordial do judiciário prestar a tutela jurisdicional, dizendo quem detém o direito.

Notadamente, essa função  precípua tem sido olvidada pelos aplicadores do direito ao longo de décadas, na medida em que se tornou praxe relegar ao Poder Judiciário a obrigação de mediar e compor  todo e qualquer tipo de conflito, ante a  celebração de  acordos e transações, que poderiam ser obtidas prescindido o acionamento da máquina estatal jurisdicional.

2.O PODER JUDICIÁRIO COMO ÚLTIMA RATIO NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS.

Ao Poder Judiciário cabe decidir conflitos. Realizar mediação é função que poderia e deveria ser relegada a outro órgão, independente da prestação jurisdicional ou preexistente a esta.

Ocorre que no dia a dia forense, ocasionado o assoberbo da máquina judiciária, diversos litígios que poderiam e deveriam ser resolvidos em outras esferas são levados, imediatamente, à apreciação do Poder Jurisdicional.

Comumente, observa-se a atuação jurisdicional com caráter conciliatório e mediador, em situações que poderiam ser resolvidas sem a interferência da jurisdição, que tem como característica dirimir o conflito, decidindo quem tem o direito.

Essa  crise de identidade, pode-se vislumbrá-la por um certo embaçamento do papel judicial como mediador central de conflitos, perdendo espaço para outros centros de poder, talvez mais aptos a lidar com a complexidade conflitiva atual, mais adequados em termos de tempo  e espaço[2].

                                           

Com efeito, a inobservância dessa primícia basilar, culmina no assoberbo do máquina judiciária, ante a jurisdicionalização  de questões que seriam resolvidas em uma esfera pré processual, face a possibilidade de transação da questão controversa.

Consequência dessa simples prática, o fortalecimentos das instituições pátrias.

Explique-se: o encacho da máquina judiciária, por temas que poderiam e deveriam ser resolvidos em fase pré processual com mediação, por exemplo, impossibilita adequada e prestação jurisdicional em prazo razoável de questões somente solúveis com a intervenção estatal, o que leva a descrença do jurisdicionado a esse tão importante Poder.

Com o Poder Judiciário desacreditado, inexiste uma resposta razoável aos conflitos levados a sua apreciação, por conta da máquina judiciária restar assoberbada, como consequência dessa descrença, temos o  seu enfraquecimento.

Se um dos três poderes instituídos é enfraquecido, isso atingira os demais, em elucubração simples da teoria idealizada por Montesquieu em sua obra o Espírito das Leis.

Em situações como as vivenciadas hoje, os processualista entendem a necessidade de se colocar em prática a terceira onda renovatória do processo civil, conforme pontua Francisco Jose Cahali, em sua obra Curso de Mediação e Arbitragem, 2 ed.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p.37:

... Além da autotutela existem meios heterocompositivos e autocompositivos de resolução de conflito. As principais formas heterocompositivas de solução de conflito são a negociação, a conciliação e mediação. Esse tema, dos métodos alternativos integra aquilo que se designou de terceira onde renovatória do direito processual civil, da qual a obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth é fonte de consulta obrigatória. No que diz respeito a essa terceira onda renovatória, os autores lecionam que, além de abranger a forma de procedimentos judiciais, a criação de determinados procedimentos especiais, a mudança de métodos para a prestação de serviços judiciais e a simplificação do direito, também se inclui  a utilização de mecanismos privados ou informais de solução de litígios...

A adoção dessas medidas, ante a alteração de paradigmas acerca da atuação jurisdicional, impõe-se como solução para  restabelecer a força e credibilidade do Poder Judiciário,  afastando, por sua vez, a sensação de insegurança decorrente da demora na prestação jurisdicional.

Do contrário,  continuaremos a evidenciar a descrença a esse Poder instituído, com situações de busca por realização de justiça pelas próprias mãos, como visto recentemente em algumas cidades do pais, amplamente divulgados pela mídia.

A  falta de credibilidade sobre a atuação do Poder Judiciário em questões pontuais, reflete na credibilidade de outras instituições, a exemplo das Policias e o Ministério Público, denotando-se uma evidenciada crise institucional vigente.

Toda essa situação é reflexo, até então, de uma ausência política para estimular a composição extrajudicial de conflitos, a exemplo da mediação e arbitragem.

3.MUDANÇA DE PARADIGMAS

Sensível a essa realidade, temos a atuação do Conselho Nacional de Justiça, que, no manejo de suas infindáveis metas, busca dar agilidade ao Poder Judiciário, tentando recuperar a sua maculada imagem frente aos jurisdicionado.

Há quem diga que não se pode culpar o assoberbo da máquina a cultura beligerante do brasileiro, porquanto não há investimento na estruturação dos trabalhos, contratação de novos servidores e etc, necessários ao bom funcionamento do Poder Judiciário.

Não deixa de ser verdade que esse aspecto é importante. Entrementes, o fundamental é uma modificação na postura adotada na resolução de conflitos. Trata-se de uma mudança atrasada de paradigmas, onde se deve buscar mediar e compor antes de jurisdicionalizar o conflito.

Nesse sentido, ainda que tardiamente, temos a tramitação do projeto de lei 7169/14, que tem como função pôr fim a cultura do litígio,  necessariamente, jurisdicionalizado, cultivada ao longo de décadas, estabelecendo a mediação no âmbito extrajudicial e judicial para pacificação de conflitos.

Resta esperar para vermos a redação final do texto e validade de suas disposições, de modo que possam assegurar a pacificação do conflito junto ao jurisdicionado.

Não podemos olvidar, também, da lei de arbitragem, lei n Lei 9.307/96, que malgrado esteja vigente desde o meado da década de 90, por ser de aplicabilidade onerosa, impede a amplitude de sua eficácia junto ao cidadão.

Como forma de possibilitar o acesso a essa forma extrajudicial de pacificação de conflito, encontra-se em tramitação o projeto de lei n. 406/2013, alterando, pontualmente, a referida norma.

O intuito do legislador, ainda que após mais de uma década de vigência, é ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral, a sentença arbitral e o incentivo ao estudo do instituto da arbitragem.

Modificações salutares a essa forma de composição extrajudicial de conflitos, até então, inacessível ao cidadão comum, dado os altos custos do procedimento arbitral.

4.CONCLUSÃO

Esperamos que as  medidas adotadas para fazer valer a aplicabilidade dos institutos extrajudiciais de solução de conflito, como a mediação e arbitragem no país, possam refletir em uma diminuição de demandas a serem resolvidas de forma jurisdicionalizada.

Notadamente, resta necessário que, efetivamente, o Poder Judiciário  atue como última ratio na resolução de conflitos, possibilitando o mais célere funcionamento da máquina judiciária  e a  retomada da credibilidade de sua força e eficácia como vigorante Poder instituído.

5.REFERÊNCIAS

1.Mediação enquanto política pública [recurso eletrônico] : o conflito, a crise da jurisdição e as práticas mediativas / organizadores: Fabiana Marion Splenger, Theobaldo Spengler Neto - 1.ed. - Santa Cruz do Sul : EDUNISC, 2012. http://150.162.138.7/documents/4740 < acessado em 4 de março de 2014>.

2.CAHALI. Francisco Jose, em sua obra Curso de mediação e Arbitragem,        2 ed.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012:

3.BRASIL. Lei nº 9.307, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece a lei de arbitragem.


[1] Mestranda em Segurança Pública, Professora da Universidade Federal da Bahia, Professora da Faculdade Mauricio de Nassau, Especialista em Direito Público, Pós Graduada Direito Processual Penal, Advogada em Salvador-BA.

[2] Mediação enquanto política pública [recurso eletrônico] : o conflito, a crise da jurisdição e as práticas mediativas / organizadores: Fabiana Marion Splenger, Theobaldo Spengler Neto - 1.ed. - Santa Cruz do Sul : EDUNISC, 2012.


Autor

  • Themis Saback

    Advogada. Mestranda em Segurança Pública. Professora da Universidade Federal da Bahia, Faculdade Baiana de Ciências-FABAC e da Faculdade Mauricio de Nassau .Especialista em Direito Processual e Pós graduada em Direito Público. Lecionou no Curso Damásio de Jesus- Unidade Salvador.

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