Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/28671
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O nada legislativo.

O bestialismo no Congresso

O nada legislativo. O bestialismo no Congresso

Publicado em . Elaborado em .

Estou mais convicto de que o fim do mundo está no fim da inteligência.

Toda vez que leio sobre o brilhantismo dos nossos representantes penso que já chegamos ao fim do poço. Mas, como diz o caipira, “nada como um dia após o outro” e, assim, logo nos cega e mumifica nossa capacidade legislativa. Vejamos a contribuição contra o satanismo e que vem do partido do malufismo (qualquer coincidência é mera semelhança). O Missionário José Olímpio (PP-SP), da Igreja Mundial do Poder de Deus, apresentou proposta na Câmara Federal proibindo a implantação de uma “satânica Nova Ordem Mundial”. O deputado quer justificar a necessidade de se proibir a implantação de chips em seres humanos no Brasil. Segundo o deputado/ficcionista, a implantação dos chips é a “marca da besta” (Apocalipse, capítulo 13, versículos 16 e 17)[1].

O romance Eu Robô, do famoso Isaac Asimov, nem se compara com a deletéria ficção legislativa. Leonardo da Vinci também nos legou um santo Bestiário (“fábulas e outros escritos”. Portugal – Lisboa : Assírio & Alvim : 1995) e, com ele, sempre me lembro das histórias contadas com uma ironia que as crianças não percebem. Para nossa infelicidade, entretanto, todas as fábulas do Congresso Nacional são verdadeiras. Também fico pensando sob qual escola da Hermenêutica Jurídica poderíamos enquadrar esta memorável legislação contra o chips da besta.

            O nobre deputado bem que poderia propor que restasse a todo e qualquer ser humano nunca ser abduzido por alienígenas (ou agentes da CIA). Temos de proteger nossa liberdade, ainda que isto custe toda a inteligência mediana do parlamento brasileiro. Outro caminho, bem mais longo, seria investir muito – metade do PIB – em educação, para, quem sabe, com melhores eleitores, termos melhores pensamentos políticos. No Estado Laico, cada um pode ter suas próprias elucubrações religiosas ou não ter nenhuma simpatia com Deus. O que não dá é pagar o salário de um sujeito desses com os recursos do erário.

Diz-se que a educação é a única saída do Brasil. Todavia, enquanto não modificamos/revolucionamos as bases da educação no país, a fim de produzir melhores eleitores e assim, sucessivamente, melhores deputados, proponho que pensemos em uma emenda à constituição. Trata-se de regulamentar e de proibir – penalizando a falta como crime hediondo – que os deputados proponham tolices pagas com o dinheiro do povo. Não se trata de censura política prévia, mas sim de propositura de que o bom senso possa, um dia quem sabe, ser a essência ou o “espírito da lei” no Brasil.

Há muita fantasia no artigo e na proposta que lancei, porém, penso que é menor do que a trazida pelo nobre deputado com seus pesadelos de perseguição diabólica. Em verdade, penso que tanto Deus quanto o diabo tem mais o que fazer do que sonhar com os implantes de chips (ou de silicone). Ou, talvez já tenham implantado seus mecanismos pessoais de controle e isto lhes permitiu, entre tantas outras coisas, manipular legisladores no Congresso Nacional para gastar tempo e dinheiro (e tinta e papel de jornal) com o “Nada”. É isso, proponho que investiguemos os deputados para saber quais estão implantados com os chips do “Nada Legislativo”. A surpresa não será grande.

Gostaria de acordar desse pesadelo.


[1]http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/deputado-propoe-lei-contra-%e2%80%9cnova-ordem-satanica%e2%80%9d/


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.