Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/28934
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O que falta à Administração Pública brasileira: comprometimento, transperência, moralidade, reestruturação ou tudo isso e muito mais?

O que falta à Administração Pública brasileira: comprometimento, transperência, moralidade, reestruturação ou tudo isso e muito mais?

Publicado em . Elaborado em .

RESUMO: O texto pretende uma análise sucinta da visão do Governo Federal em relação à Administração Pública, de maneira geral, no Brasil, em cima de um pronunciamento feito por uma ilustre ex-dirigente do governo, ao deixar suas funções num determinado Ministério para candidatar-se a um cargo majoritário em seu Estado.

Analisar a política brasileira, principalmente no seu aspecto administrativo, está mais adstrita à sociologia do que ao cientista político; é sistêmica, endêmica e crônica a deficiência administrativa, o descompromisso, a corrupção dos nossos gestores; tudo isso alicerçado na consciência coletiva da impunidade, na certeza de que a improbidade administrativa só é cobrada, nas raríssimas vezes, àqueles que não fazem parte da coligação dos que estão momentaneamente no poder.

Em palestra recentemente ministrada pelo eminente Procurador do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, o Dr. João Augusto dos Anjos Bandeira de Mello, para alunos de direito da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe – FANESE, o competentíssimo procurador fez uma explanação ímpar e muito didática. Na oportunidade, pontuou alguns tópicos tais como: Constitucionalização do Direito, Crise de Legitimidade, Direito Administrativo Cidadão e como deve ser aplicado, Papel dos Tribunais de Conta e do Ministério Público na Fiscalização do Executivo, Democracia Substantiva, Profissionalização do Gestor Público, Perda de Memória.

Achei a explanação magistral e deu-me a impressão que a parte teórica está pronta, falta a aplicabilidade. Lembro-me, quando ainda criança, meu pai dizer que os avós dele citavam um ditado popular, que no Brasil ”quem rouba um tostão é ladrão e quem rouba milhão é barão”. E aí eu me pergunto, de lá para cá o quanto se fez para modificar este quadro? Talvez muito pouco pois o quadro cresceu exponencialmente!

Sei que criticar é fácil e difícil é colocar as coisas nos trilhos. Mas alguém tem que colocar o gizo no gato, essa bolha tem que ser papocada...

Não será através do controle do  erário público por Tribunais de Contas cujos conselheiros são na sua grande maioria indicação política; não seria mais correto uma qualificação técnica, selecionada por concurso de provas e títulos do que simplesmente ser um político em fim de carreira ou “amigo do rei’, qual a legitimidade? Perda de Memória na administração pública? Acabando com a infinidade de CCs, simples assim! ...

É basilar no direito administrativo o Princípio da Eficiência; não nos choca mais a declaração de uma ex-dirigente do alto escalão do Governo Federal, a qual afirmou, em entrevista recente, que saía frustrada por não ter tido mais celeridade nas entregas de alguns projetos essenciais do Governo Dilma Russeff. A culpa, segundo ela, seria, principalmente, da “acomodação e inércia da máquina pública”, que não está acostumada com uma cultura de resultado, de comprometimento de entregas. 

Diante dessas argumentações, torna-se relevante destacar que os problemas enfrentados pela Administração Pública brasileira, que a tornaram acomodada e inerte, são muito mais complexos do que os apontados pela ilustre ex-dirigente. Eles são resultados de um descaso dos governantes e políticos brasileiros, ao longo da história, com raros espasmos, que nunca se preocuparam em montar uma Administração Pública bem estruturada, treinada, motivada, com infraestrutura e tecnologia de ponta, para apoiar o desenvolvimento do País. É oportuno lembrar que nenhum país no mundo alcançou um nível de desenvolvimento elevado, sem contar com uma Administração Pública competente e respeitada, capaz de responder aos anseios e demandas da sociedade.

As dificuldades no funcionamento adequado da Administração, que não permitiram que a ilustre ex-distante, nos ranços colonialistas, na formação autoritária do Estado brasileiro, no qual prevalece uma falta de educação, de consciência política e de cidadania da população. Esse contexto torna as instituições, Ministérios, órgãos e empresas públicas presas fáceis para a captura, desmandos e negociatas de partidos e políticos populistas, para arrecadação de recursos para financiamento de campanhas políticas, ou para atender a interesses escusos de grupos e individuais. Essas deformações e desvios na Administração têm um campo fértil no modelo federalista adotado pelo Brasil, que criou competências distintas entre União, Estados e Municípios, notadamente no campo fiscal.

As fragilidades e deficiências da Administração são agravados pelo modelo de coalizão presidencial, que visa garantir maiorias confortáveis de sustentação política ao governante, no qual as escolhas dos principais gestores são feitas pelo “político”. Nesse modelo desarrazoado de divisão de poder, que foi executado com maestria nos últimos dois governos, a competência técnica, a ética e o compromisso com a prestação de serviço público de qualidade ficaram relegados a um plano secundário.

Observa-se que são crescentes as cobranças da população, exigindo mudanças profundas nas relações entre o Estado e a sociedade, e nas formas tradicionais de administração do bem público. Querem algo que as sociedades desenvolvidas já alcançaram há bastante tempo: mais ética na política, combate aos desperdícios e à corrupção, e melhores serviços públicos. Os desconfortos e prejuízos políticos para os detentores do poder, gerado por essa nova postura da população brasileira está gerando inquietação e conflitos no seio do próprio Governo.

Na sua avaliação, talvez a ilustre ex-dirigente não tenha levado em consideração que a Administração Pública se encontra acomodada e inerte em decorrência da ausência de gestores competentes e comprometidos com os interesses da população, quando agravado pela opção pelo modelo patrimonialista de gestão, que vem sendo intensamente retroalimentado na última década. Não se pode esperar que uma gestão que se apoia em contingente de pessoas estranhas ao serviço público, atuando em funções estratégicas, em geral, desqualificadas e dispostas a atender aos interesses dos partidos ou políticos que as indicaram, obtenha bons resultados. Os seus limites de desempenho tendem a ficar entre o péssimo e o medíocre. O cenário descrito é agravado pelo viés centralizador, autoritário e intervencionista do modelo de gestão do Governo Federal, que, entre outras distorções, executa política econômica inconsistente e dúbia, a qual resultou em desempenho pífio do Produto Interno Bruto nos últimos anos, e manipula dados e indicadores econômicos, levando a uma perda de credibilidade do Governo e do País junto ao mercado e investidores externos. Além disso, torna a Administração confusa, com a execução de dois orçamentos públicos: o anual e o de restos a pagar; e, de forma deliberada, vem centralizando as suas ações na Casa Civil e no Ministério do Planejamento, suprimindo de forma crescente a colaboração e a participação das áreas técnicas, especificamente dos servidores das carreiras técnicas de Estado, na formulação, implementação, execução e avaliação das políticas públicas prioritárias. Diante desse modelo de gestão pública temerário, em execução no Brasil, fadado ao fracasso, entendo que a ilustre ex-dirigente não deveria ficar frustrada com o baixo desempenho do Governo atual.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.