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Teoria da prescrição retroativa adequada.

Uma reflexão sobre a suspensão do processo e do prazo prescricional em face da pena aplicada

Teoria da prescrição retroativa adequada. Uma reflexão sobre a suspensão do processo e do prazo prescricional em face da pena aplicada

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Cuida-se de uma nova visão acerca da contagem do prazo prescricional para os processos que foram suspensos com arrimo no art. 366 do Código de Processo Penal.

Teoria da prescrição retroativa adequada

Uma reflexão sobre a suspensão do processo e do prazo prescricional em face da pena aplicada.

Por: Gustavo Holz

Do jus puniendi.

Ao Estado incumbe a celebre e árdua missão de exercer o direito de punir daqueles que incidiram no fato delituoso, visando assim a rechaçar a justiça privada.

Mas há limites no que tange a tal exercício, consubstanciado na lei, que impõe o seu respeito pelo poder estatal quando examinar o fato praticado, bem como quando for aplicar a pena.

O ilustre doutrinador Afrânio Silva Jardim destaca que: “Explicando o fim precípuo do Estado como instituição humana, restaria escolher o instrumento ou caminho para atingir tal escopo. Desconfiado do poder dos homens, o Estado de Direito optou pelo pode da lei. Em obra escrita com parceria, afirmou a ilustre professora Ada Pelegrini Grinover que um dos postulados básicos do Estado de Direito é o princípio da legalidade, vale dizer, ‘a atuação da autoridade pública de acordo com a lei, segundo as formas prescritas pela lei e dentro dos limites postos pela lei’, tendo como significado maior ‘impedir o arbítrio daqueles que exercem o poder’”. (Ação Penal Pública: Princípio da obrigatoriedade, 4ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 8)

Desta forma, denota-se que o princípio da legalidade atua em dois sentidos diametralmente opostos, pois de um lado concede o poder/dever ao Estado em punir o transgressor, contudo, em sentido oposto delimita os contornos da punição e forma como ela será levada à efeito, coibindo abusos e destemperos.

Da prescrição e o seu significado pragmático.

Como visto adrede, o Estado deve ser norteado pelo princípio da legalidade, somente processando e punindo na esfera da lei.

Entrementes, há a necessidade de apontar que o decurso de tempo milita em prol do agente que não vier a ser processado ou, caso venha, a demanda não ostente a celeridade inerente ao exercício efetivo do jus puniendi.

Seguindo essa diretriz, há quase um século, fomos agraciados com sábias palavras provenientes de um dos maiores expoentes do direito pátrio, Ruy Barbosa que afirmou: “(...) Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.” (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2012/12/21/justica-atrasada-nao-justica-por-ruy-barbosa-479697.asp).

Dessarte, para evitar que o agente que tenha cometido um delito viva com o temor que recaia sobre ele a espada de Dâmocles, nossa legislação penal estatuiu a possibilidade do escoamento do direito de punir por parte do Estado, consubstanciada no instituto da prescrição, que significa: “a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo" (JESUS, Damásio E. de. "Prescrição Penal." 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998).

Com observância no princípio da proporcionalidade os prazos prescricionais foram cunhados de acordo com a gravidade abstrata do delito (Código Penal, artigo 109), o que representa a necessidade de um prazo mais elastecido para infrações de maior gravidade e um prazo mais exíguo para aquelas menos lesivas. Entrementes, milita em prol do jus puniendi a possibilidade de interrupção dos prazos prescricionais em hipóteses taxativas estabelecidas no rol do art. 117 do Código Penal, isto é, existindo uma causa interruptiva do prazo prescricional, a sua contagem recomeça.

Urge destacar, que mesmo previsto o recomeço da contagem do prazo prescricional, o tempo decorrido não deve ser extirpado de forma absoluta, uma vez que poderá incidir a prescrição retroativa após o transito em julgado para a acusação da sentença condenatória, de modo a fazer com que a pena efetivamente aplicada seja a mola mestre da regulagem do prazo prescricional, o que demonstra um respeito à individualização da pena.

Da razão de ser da suspensão do processo e do prazo prescricional do art. 366 do Código de Processo Penal.

Pairando entre o decurso do prazo prescricional e as causas interruptivas, nossa legislação traz hipóteses de suspensão do prazo prescricional, tencionando, assim, ampliar a margem de tempo de que dispõe o Estado na busca pelo julgamento da lide criminal.

O presente estudo não tem a ambição de examinar a natureza de todos os prazos suspensivos da prescrição, mas somente aquele positivado no art. 366 do Código de Processo Penal, cuja redação que lhe foi dada pela Lei 9.271 de 14/04/1996 é a seguinte: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.”

O toque que legitima a suspensão do prazo prescricional para os acusados citados de forma ficta se justifica pelo sobrestamento da marcha processual, na busca por elucidar os fatos contra aquele que há indícios de autoria que autorizaram a deflagração da ação penal. Assim, tenciona proporcionar que o acusado tenha efetivamente a chance – quando for encontrado, ou constituir advogado – de externar a sua versão sobre os fatos e produzir a prova pertinente, evitando um desvirtuamento dos princípios do contraditório e da ampla defesa pelo rótulo simplificado da observância ao devido processo legal, pois a condenação de um inocente a ninguém interessa, ao reverso, desacredita a autoridade Estatal.

Certo é que o processo não deve permanecer de forma indefinida aguardando o comparecimento do acusado, pois estar-se-ia criando, na prática, novas situações de crimes imprescritíveis não autorizados pelo texto Constitucional (art. 5º, XLII e XLIV). Atento a tal realidade, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a orientação, por meio do verbete sumular 415, de que: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”.

Assim, mesmo existindo a possibilidade de ser determinada a suspensão do processo e do prazo prescricional, esta não é desmedida e deve sempre ter como parâmetro o prazo prescricional estatuído, para que o jus puniendi seja exercido dentro do limite temporal razoável.

Da pena e sua função.

A pena é a resposta estatal efetivamente dosada para o agente que foi responsabilizado pela infração penal, seguindo como limite o preceito secundário estabelecido no tipo penal.

Mesmo existindo várias teorias atreladas a função da sanção penal, o presente trabalho irá adotar para tal finalidade a teoria mista que a aborda com as seguintes características: retributiva, intimidativa e ressocializadora.

Nosso texto constitucional impõe a individualização da pena como mandamento fundamental (art. 5º, XLVI), com o fito de apontar a efetiva medida de responsabilização que deverá o condenado sofrer, bem como descreve um rol das espécies de sanções aceitas em nossa legislação, sempre voltando os olhos para a natureza e gravidade da infração perpetrada.

Sem maiores embargos, nosso Código Penal descreve a partir de seu art. 59 os critérios que deverão ser adotados pelo magistrado para sopesar a pena que deverá sem imposta, passando pelas seguintes fases: circunstâncias gerais, causas agravantes e atenuantes e, por fim, circunstâncias especiais de aumento e diminuição da pena.

Com o brilhantismo que acompanhou a sua trajetória, urge destacar a precisa lição de Francesco Carnelutti: “(...) o juiz deve deduzir a gravidade do delito e por isso a quantidade da pena da conduta do réu subsequente ao delito. Esta é uma fenda pela qual brilha um raio de verdade. Já disse que não há razão no mundo para limitar ao dia do juízo a relevância da conduta do réu; além disso, precisamente o instituto da condenação condicional está fundado sobre a transcendência penal da conduta posterior ao juízo, tanto assim que esta conduta vale para extinguir o delito. Não é, portanto, possível a priori valorar a gravidade do delito; mas o juízo, embora a posteriori a respeito do delito, é a priori a respeito da pena. Isto significa que o princípio da individualização da pena não poderá verdadeiramente atuar enquanto não se tenha eliminado o obstáculo da coisa julgada penal. A pena determinada irrevogavelmente determinada, sem a experiência de sua eficácia, é uma pela abstrata, não uma pena concreta. A pena concreta é o remédio de que o réu tem necessidade, e sua valoração preventiva deve poder ser confirmada, por isso, retificada pela experiência do cumprimento da pena.” (Lições Sobre o Processo Penal, tradutor Francisco José Galvão Bruno. 1ª ed. Campinas/SC, Bookseller, 2004, Vol. 1, p. 157). (itálicos do original).

Com arrimo no acima exposto, temos que a pena aplicada é o termômetro da necessidade de atuação do Estado e passará a guiar, inclusive o prazo prescricional retroativamente, isto é, a importância medida na sentença será a diretriz para a contagem do prazo prescricional, pois agora não se tem mais unicamente a possibilidade de se examinar a prescrição in abstrato, mas se colhe a prescrição in concreto, o que representa, sem embargo, respeito à individualização da pena e a delimitação da atuação do poder público.

Da retroatividade do prazo prescricional pela pena aplicada para ajustar o prazo de sobrestamento dos autos pelo artigo 366 do código de Processo Penal.

Extrai-se do acima apontado, que a função de punir pertence ao Estado e que este deve exercê-lo em período de tempo proporcional a infração delituosa sendo que o prazo para tanto é dividido em dois momentos distintos, antes e depois da aplicação da pena, podendo no desenrolar da lide, em face da citação ficta, ser determinado o sobrestamento do processo e do prazo prescricional.

Não é novidade, sequer no presente estudo, o teor do verbete da súmula 415 do STJ que apregoa textualmente: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”, isto é, se verifica qual é a pena máxima prevista no tipo penal e se calcula o prazo prescricional sobre ela.

Justamente no que concerne ao período de suspensão do processo reside a necessidade de evitarmos o simplismo que poderá redundar em situações insustentáveis, mormente se voltarmos os olhos para o abismo existente entre a pena mínima e a máxima prevista em abstrato para alguns delitos (v.g. 312 do CP, art. 33 da Lei 11.343/06), o que desagua no fato de muitos crimes com pena mínima pequena ou média terão o prazo prescricional tangente a suspensão do processo regulado como se fosse gravíssimo. 

É certo que a pena fixada pelo magistrado, após o exame das três fases delineadas pelo Código Penal, representa a resposta estatal pela ofensa perpetrada pelo agente, levando em consideração os patamares previamente delineados no preceito secundário do tipo penal no qual foi incurso, ou seja, deve o juiz fazer a individualização da pena, em observância a mandamento constitucional.

Focado na individualização da pena, o artigo 110 do Código Penal aponta que após passada em julgado a sentença penal condenatória para a acusação deve o prazo prescricional ser aplicado nos termos do art. 109 referido Código, o que importa dizer na possibilidade do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva executória em virtude do transcurso de lapso temporal maior que o estabelecido entre dois marcos interruptivos, salvo entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia (Código Penal, art. 110, §1º, com a redação que lhe foi dada pela lei 12.234/10 de constitucionalidade duvidosa).

Acontece que tal delimitação estatuída na sentença condenatória, como visto acima, também deve ser a guia mestre para se verificar o prazo máximo pelo qual um processo poderia ter ficado sobrestado na forma do artigo 366 do Código de Processo Penal. Isto é, abstratamente, pode os autos ficar suspenso considerando o máximo da pena prevista no tipo penal (não se foge da orientação sumular), mas após a individualização da pena, tal parâmetro não se sustenta mais, pois a resposta estatal para a ofensa perpetrada já restou decidida e deve ser adotada para todos os prazos, inclusive no que toca a suspensão.

Defender situação oposta dignifica dizer, exemplificativamente, que um processo por crime de peculato pode ficar suspenso na forma do art. 366 do Código de Processo Penal por até 16 anos (CP, art. 109, II), e não será considerada a prescrição mesmo se para o acusado for aplicada pena mínima de 2 anos, cujo prazo prescricional é de apenas 4 anos (CP, art. 109, V), o que representa, nessa toada, ofensa a individualização da pena e a proporcionalidade da sanção.

É inegável que a nossa legislação penal adota o decurso do tempo como prova de ressocialização do condenado depois de transcorridos longos prazos sem que exista qualquer fato que tenha sido trazido à baila para desabonar a sua conduta. São exemplos de tais prazos temporais o afastamento da reincidência escoado o período de 5 anos do cumprimento da pena, o livramento condicional; o sursis da pena, isto é, o tempo milita em prol do condenado, sinalizando que o caráter ressocializador que a pena teria foi alcançado.

Demais disso, o prazo de suspensão do processo e do prazo prescricional redunda em um comodismo velado do órgão acusatório, em detrimento do acusado, pois o titular da ação penal que pode passar por anos sem buscar realizar qualquer diligência para localizar o réu e, valendo-se da sorte, agregada ao longo lapso temporal que milita em seu favor, se o sujeito for encontra afirma que há interesse estatal em puder o agente.

Tal situação caminha em sentido contrario a celeridade processual apregoada como garantia fundamental (CRFB/88, art. 5º, LXXVIII), uma vez que o tempo delineado para que o Estado se valha do sobrestamento da ação penal deve ser equitativo com a resposta sancionatória efetivamente aplicada.

Dessarte, o presente estudo tem a finalidade de advogar a tese de que os processos que foram suspensos pelo artigo 366 do Código de Processo Penal que redundaram em sentença condenatória deverão ter contado o prazo prescricional do sobrestamento considerando a pena efetivamente aplicada, pois não será heresia, ao reverso, reconhecer a prescrição da pretensão executória do estado pelo decurso elevado da paralização processual em decorrência da pena efetivamente imposta.

Bibliografia

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Autor

  • Gustavo Holz

    Possui graduação em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC (2006) e Especialização em Direito Constitucional pela mesma Instituição (2009), além de ter realizado curso da Escola da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC) e cursos de excelência em Direito Constitucional e Tributário. Foi servidor do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) de 2004 a 2015, exercendo a função de assessor jurídico. Atualmente é professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), onde leciona as disciplinas de Direito Processual Penal, Legislação Penal Especial e Processo Constitucional. Professor do Curso de Pós-graduação do Instituto de Consultoria Educacional e Pós-Graduação – ICEP (São José/SC) e do Curso de Pós-graduação Valor Humano (Blumenau/SC). Advogado.

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