Flanelinhas: Vigência normativa da LCP e Segurança Jurídica
Flanelinhas: Vigência normativa da LCP e Segurança Jurídica
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Em processo iniciado no Juizado Especial Criminal, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou três flanelinhas como incursos nas sanções do artigo 47 da Lei das Contravenções Penais.
Flanelinhas: Vigência normativa da LCP e Segurança Jurídica
“A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes”. Mauro Nicolau Junior
Em processo iniciado no Juizado Especial Criminal, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou três flanelinhas como incursos nas sanções do artigo 47 da Lei das Contravenções Penais.
A conduta é assim definida:
“Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício”.
A ação foi trancada pelo Juizado Especial, que afirmou que não há regulamentação para a profissão de flanelinha, e por isso não se pode falar em “exercício ilegal”. “Não há como se admitir como típica a conduta de quem exerce a atividade de flanelinha sem preenchimento dos requisitos formais constantes em lei, por faltar-lhes os elementos da tipicidade e culpabilidade, essenciais para que determinada conduta seja considerada criminosa”, diz a sentença.
O Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que reabriu a Ação Penal.
A Defensoria Pública de Minas, que defendeu os flanelinhas, impetrou Habeas Corpus ao Superior Tribunal de Justiça alegando atipicidade da conduta.
No STJ, o Habeas Corpus foi negado. O tribunal entendeu que a alegação da atipicidade da conduta “demandaria aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos”, o que é vedado ao STJ por súmula jurisprudencial.
A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. STJ Súmula nº 7 - 28/06/1990 - DJ 03.07.1990
A Defensoria Pública da União assumiu o caso e impetrou Habeas Corpus no Supremo.
A DPU havia pedido o trancamento da ação em liminar, mas o ministro Lewandowski a negou. Antes de analisar o caso, o ministro solicitou informações ao juízo de primeira instância e oficiou a Procuradoria-Geral da República.
A Defensoria alegou o princípio da insignificância e reafirmou a atipicidade, já que não existe regulamentação para o trabalho de flanelinha. Mas, em parecer, a PGR afirmou que há, sim, regulamentação.
É a Lei 6.242/1975, cujo artigo 1º diz que:
“O exercício da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores, em todo o território nacional, depende de registro na Delegacia Regional do Trabalho competente”.
A Lei em epígrafe foi regulamentada pelo Decreto 79.797, de 08 de junho de 1977.
Por essa razão, o Ministério Público rejeitou o argumento de atipicidade, pois existe regulamentação e seu desrespeito se enquadra no artigo 47 da Lei de Contravenções Penais.
O ministro Ricardo Lewandowski concordou com a rejeição do argumento da atipicidade, mas discordou da condenação dos flanelinhas.
“Entendo que a circunstância de os pacientes não possuírem o devido registro na delegacia do trabalho competente não revela grau de reprovabilidade tão elevado a ponto de determinar a aplicação do Direito Penal ao caso”.
Lewandowski entendeu que o caso apresentava todos os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, principalmente a falta de lesão relevante ao bem jurídico tutelado — a ordem econômica e social da cidade de Belo Horizonte.
“Como é cediço, o Direito Penal deve ocupar-se apenas de lesões relevantes aos bens jurídicos que lhe são caros, devendo atuar sempre como última medida na prevenção e repressão de delitos, ou seja, de forma subsidiária a outros instrumentos repressivos. Isto significa que o bem jurídico deve receber a tutela da norma penal somente quando os demais ramos do Direito não forem suficientes para punir e reprimir determinada conduta”, escreveu.
A nosso sentir, a decisão não tem força revogatória do artigo 47 da Lei das Contravenções Penais, considerando que uma lei somente é revogada por outra lei posterior que a revogue.
A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei 4657, de 04 de setembro de 1942, em seu artigo 2º, § 1º, preceitua que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
Importa ressaltar que em matéria de técnica legislativa, encontra-se em vigor a Lei Complementar nº 95/98, arrematando que a alteração das leis é realizada mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração considerável, mediante revogação parcial ou por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, conforme previsto no artigo 12 do citado comando normativo.
Como é do conhecimento geral, a decisão isolada do Ministro Ricardo Lewandowski que afastou a incidência criminal, reconhecendo ausência da tipicidade material, somente se aplica ao caso concreto, mesmo porque, trata-se de entendimento notadamente jurídico em torno da adoção do principio da insignificância.
Aliás, torna-se imperioso pontuar que o PLS 236/2012, em trâmite no Congresso Nacional reconhece o princípio da insignificância em seu artigo 28, § 1º, consignando que não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as condições da mínima ofensividade da conduta do agente, do reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e da inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Se aprovada a proposta de reforma do Código Penal, o princípio da insignificância deixará de ser jurídico para ser legal.
Por enquanto, não obstante a respeitada decisão de uma das Turmas do Colendo Supremo Tribunal Federal, o artigo 47 do Decreto-Lei 3688/41 que tipifica o crime-anão do exercício da profissão ou atividade econômica sem preencher as condições da lei ainda continua em pleno vigor em nome dos princípios da Segurança Jurídica e estabilidade social.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 18/01/2014, às 08h15min;
BRASIL. Decreto-lei nº 3688, de 03 de outubro de 1941. Dispõe sobre a Lei das Contravenções Penais. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 18/01/2014, às 19h15min;
BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 18/01/2014, às 20h54min.
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