Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/32425
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A importância do trabalho e da educação para o apenado

A importância do trabalho e da educação para o apenado

Publicado em . Elaborado em .

A importância na ocupação da mente ociosa do apenado.


A realidade nos presídios brasileiros, como já demonstrado ao longo dos primeiros capítulos, reforça a certeza de que o sistema prisional é ineficaz e a cada dia que passa vai ficando mais precária a situação dentro desses estabelecimentos. Com isso, o convívio dos detentos se torna mais difícil e complicado, tendo em vista a falta de educação e pouca instrução da maior parte do corpo carcerário.
Outrossim, utilizando como base os dados constantes no PLANO DIRETOR DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ , publicado no Diário Oficial do Estado em 07 de março de 2008, é possível estabelecer um paralelo entre quantidade de presos por grau de instrução. Segue abaixo tabela descriminando os dados.


ESCOLARIDADE                       MASCULINO      FEMININO      TOTAL      Percentual de presos por Grau de Escolaridade
Analfabeto                                          415                     42                  457                                        7,39%
Alfabetizado                                      1611                    22                  1633                                       26,40%
Ensino Fundamental Incompleto      2910                  154                  3064                                       49,53%
Ensino Fundamental Completo         524                    24                   548                                          8,86%
Ensino Médio Incompleto                  97                      20                   117                                         1,89%
Ensino Médio Completo                   299                      22                   321                                          5,19%
Ensino Superior Incompleto             23                         3                     26                                           0,42%
Ensino Superior Completo               15                         5                    20                                            0,32%
Ensino acima de Superior Completo 0                         0                      0                                            0,00%
Total informado                             5894                     292                  6186                                        100,00%
Total não informado                      5936                     126                  6062 
Total Geral                                  11830                     418                 12248 
 
Como observado, a quantidade de presos que não chegou a concluir o ensino médio representa 97,04% dos presos, ademais, se for observado o percentual de presos que chegou a iniciar ou concluir o ensino superior, este percentual representa 0,74% dos presos.
Outrossim, notório é o fato que quanto maior o grau de escolaridade do indivíduo, menor a possibilidade deste vir a delinquir, ademais, é viável aplicar esta premissa como ponto de partida para a ressocialização do preso, vez que, muitos dos internos do sistema penitenciário passam longos períodos com sua liberdade cerceada e, neste período, é possível aumentar seu nível de escolaridade, diminuindo assim a probabilidade deste voltar a delinquir.
A grande maioria dos presos que cumprem pena no regime fechado ficam na ociosidade, inclusive, hodiernamente, é noticiado o fato de presos ligarem aleatoriamente para pessoas com o objetivo de efetivar a conduta tipificada no art. 171 do Código Penal Brasileiro, ou seja, estelionato, sendo executado tal crime utilizando como argumentos supostas premiações ofertadas por empresas de renome ou sequestros de familiares, requerendo realização de depósitos em contas bancárias.
Faz-se necessário, então, que o Estado forneça meios suficientes para a evolução social dos presos, sendo a educação a força motriz desta evolução social. A Lei de Execuções Penais, Lei nº 7.210/84, prevê instrumentos que possam vir a estimular os presos a aderir a programas educativos, como é o caso da remissão de pena prevista em seu art. 126, conforme segue in verbis:

Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011).
§ 1o  A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) (Grifo nosso). 

Analisados os dados constantes no instituto da remição de pena acima descrita, se a cada três dias de estudo, o condenado cumprir doze horas de frequência escolar o mesmo obterá o direito de remir um dia de pena, ou seja, o apenado poderá vir reduzir um terço sua pena.
Porém, como afirmado anteriormente, faz-se necessário que o Estado forneça os meios necessários, não só pelo fato de ser uma obrigação constitucional, prevista no Art. 5º da Carta Magna, mas também por ser a atitude economicamente e socialmente de maior viabilidade, vez que com acesso à educação, inclusive que seja com qualidade, a probabilidade de que o indivíduo volte a delinquir, este não será, mais, um fardo para a sociedade, e sim, um indivíduo ressocializado e produtivo.
A pena privativa de liberdade possui três principais características: retributiva, ou seja, retribuir ao apenado o mal por ele ocasionado, porém, tem como consequência coibir que o mesmo não pratique novas infrações; coercitiva, que tem como objetivo intimidar outros indivíduos a não cometerem ilícitos penais, e a terceira e última característica é a ressocializadora, que tem como condão, ressocializar o apenado.
Ocorre que apenas as duas primeiras características estão sendo efetivamente aplicadas nos sistemas prisionais, em geral, do Brasil, haja vista a atual estrutura.
Desde o momento em que as cadeias públicas começaram a superlotar, o principal objetivo da privação de liberdade não vêm mais sendo cumprido, que seria exatamente a ressocialização.


A prisão é um produto muito caro e reconhecidamente não ressocializa. Pelo contrário, dessocializa. Em razão da superlotação, dos seus métodos e da sua própria natureza, é desumana e cruel; corta o vínculo com a comunidade, com a família, com o trabalho, com a educação, etc. Há séria dúvida, por tudo isso, sobre se cumpre ou não seu papel de intimidação. 


Para que essa realidade possa mudar, fazem-se necessárias grandes mudanças dentro da estrutura administrativa dos presídios, buscando o verdadeiro objetivo dos centros de privações de liberdade que é a ressocialização do preso para que o mesmo possa voltar ao convívio social.
Atualmente poucos são os estabelecimentos prisionais que oferecem trabalho e educação para os detentos, pode-se perceber que se fosse instituído dentro dos presídios programas de incentivo a qualificação profissional de empresas privadas que pudessem utilizar essa mão-de-obra ociosa, seria bastante vantajoso para o reeducando e para a sociedade em geral, haja vista o trabalho dignificar o homem.
Interessante a sensibilidade do cantor/compositor Gonzaguinha ao compor a música intitulada Guerreiro Menino, em que, em poucas palavras, consegue expressar uma filosofia de vida, como segue na estrofe abaixo:


“Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz”


Não é possível esperar que um egresso do sistema prisional venha a se ressocializar haja vista não possuir capacidade técnica e intelectual para um laboro dignificante quando da saída do estabelecimento prisional ficando à mercê da criminalidade para auferir renda e conseguir sobreviver na sociedade atual, em que a cada dia que passa se torna mais rígida na contratação de profissionais, buscando sempre pessoas qualificadas para a mais simples atividades laborais.
Outrossim, o mercado está comprovadamente carente de mão de obra qualificada, conforme dados divulgados em reportagem no Jornal Folha de São Paulo, em 28/10/2013, a Confederação Nacional da Indústria realizou pesquisa e fora obtido o dado que mais da metade das indústrias estão com dificuldade para encontrar mão de obra qualificada, como segue em parte da reportagem abaixo:


A dificuldade para encontrar mão de obra qualificada atinge 65% da indústria, segundo levantamento do setor divulgado nesta segunda-feira. O índice apresentou uma pequena queda em relação ao resultado da edição anterior da pesquisa, de 2011, da CNI (Confederação Nacional da Indústria), quando 67% dos entrevistados relataram o problema.
A redução, porém, não refletiu uma melhora de fato. Segundo o gerente executivo de pesquisa da CNI, Renato da Fonseca, a diminuição foi puxada pela menor dificuldade das pequenas empresas, o que reflete uma queda na produção desse segmento. 


As empresas poderiam ser atraídas por essa mão-de-obra ociosa se houvesse incentivos governamentais para que os projetos ressocializadores pudessem crescer e prosperar.
Por meio de parceiras público privadas ou incentivos fiscais (redução de impostos), o Estado pode ceder espaço para que empresas desenvolvam suas atividades e possam se estabilizar em um local de propriedade do Estado, entre outros benefícios que possam vir a atrair grandes empresas.
As parcerias público-privadas são de suma importância para o crescimento social. Por tratar-se de serviços disponibilizados por empresas privadas haveria uma cobrança com maior rigor e com o fito de resultado significativo, ajudando assim com que o corpo carcerário realmente passe por esse processo de ressocialização e possa surtir efeitos positivos.
Esse tipo de parceria nos dias atuais é muito utilizada em outros setores do Estado ajudando na melhor prestação de serviços e buscando o resultado almejado. Essa idéia inovadora também seria de valor significativo se fosse utilizada em todos os estabelecimentos prisionais brasileiros, nascendo uma nova esperança no que diz respeito à ressocialização e ajudando aquelas pessoas que por algum determinado motivo cometeram ilícitos na sociedade a se restabelecerem e saírem das casas de privações de liberdade ressocializados. 
O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), Luciano Losekann, em entrevista concedida à TV Justiça, afirmou categoricamente que:


Se esse modelo de parceria público-privada de gestão penitenciária possibilitar a qualificação e a ressocialização dos presos, como prevê o contrato de concessão administrativa, eu aposto nessa ideia. Hoje, pelo modelo público atual, o preso sai pós-graduado em criminalidade. 


Tal entrevista se deu em face das atividades do Complexo Penitenciário Público-Privado de Ribeirão das Neves, inaugurado no início de 2013, na região metropolitana de Belo Horizonte, por tratar-se de idéia inovadora e de modelo pioneiro no Brasil. Assim, exige obrigatoriedade do corpo carcerário para uma rotina de obrigações no laboro e estudo, qual seja, seis horas e quatro horas, respectivamente, estabelecendo sanções administrativas para os parceiros que não respeitarem as exigências impostas para o bom funcionamento.
 Nos estabelecimentos prisionais de grande porte como os presídios, esse tipo de programa de incentivo ao trabalho surtiria grandes efeitos, pois existem muitos detentos que preferem trabalhar a passar o dia trancado dentro de uma cela.
Esses detentos que procuram uma ocupação lícita dentro dos presídios realmente estão sofrendo as consequências do cárcere e querem mudar de vida. Mas, para que isso ocorra e para que todas as barreiras de preconceito e falta de emprego possa acabar, o Estado têm que prover através de seus programas de incentivos à ressocialização, empregos e qualificações ainda dentro do sistema carcerário para que esse detento possa sair de cabeça erguida e com um trabalho digno ou qualificado para conseguir um emprego dentro do seu perfil.
Essa ideia de implantar dentro dos estabelecimentos prisionais núcleos de empresas privadas para aproveitarem de forma satisfatória a mão-de-obra ociosa é também de grande proveito para as empresas, pois em troca receberia do Estado além dos incentivos citados acima, benefícios, e teria regalias em algumas de suas necessidades pela excelente iniciativa de estão buscando melhorar a sociedade em que vivemos.
A educação é outro fator de grande relevância, pois muitos detentos não têm seus estudos concluídos e outros não sabem sequer escrever o nome. Esse déficit preocupa e ao mesmo tempo assusta as autoridades, tendo em vista que a cada dia que passa o mercado de trabalho se torna mais exigente e menos flexível na contratação de pessoas para prestarem serviços de qualquer natureza.
Com isso, se houvesse a implantação de centros educacionais dentro dos estabelecimentos prisionais iria facilitar muito a vida dos apenados, pois além de estarem cumprindo sua pena, não ficariam ociosos e estariam se qualificando intelectualmente.
O trabalho e a educação dentro dos presídios é de grande importância, pois assim o apenado estaria cumprindo sua pena, trabalhando com as regalias da remição de pena que dá ao detento o direito de a cada três dias trabalhados remido um dia de sua pena e recebendo valor equivalente ao tempo laborado que seria revertido uma parte para a instituição que lhe abriga e a outra parte destinado para a família.
E também, no período noturno, o apenado iria assistir aula, dentro do próprio estabelecimento, trazendo, dessa forma, sua qualificação intelectual e aperfeiçoando suas habilidades, para que quando cumprir sua pena possa voltar à sociedade ressocializado e com uma profissão definida, da qual aprendeu dentro da prisão.
Ademais, a remição é de grande valia para o processo de ressocialização, ajudando dessa forma na reestruturação psicológica e intelectual do detento. A Lei de Execução Penal assegura essa prerrogativa como forma de incentivo à qualificação para que o detento procure se qualificar e sempre progredir, como afirma no já mencionado art. 126, da Lei de Execuções Penais.
A vigilância na frequência e no cumprimento dos horários é feito pelo próprio corpo administrativo do estabelecimento prisional, sendo dividido de duas formas, a remição de acordo com a carga horária trabalhada ou carga horária de frequência em atividades de aprendizagem, podendo ser em cursos profissionalizantes ou até mesmo em atividades de cunho escolar (ensino fundamental ou médio).
A remição nas atividades escolares vai ser de acordo com a frequência, haja vista necessitar ter 12 (doze) horas de atividades de cunho escolar ou profissionalizante divididas em no mínimo três dias pra que seja remido um dia de pena. Já no que tange ao trabalho dentro das penitenciárias a cada três dias trabalhados será remido um dia de pena. 
Outrossim, é de grande relevância destacar que se um determinado preso está no processo de ressocialização, participando dos Projetos e Programas de incentivos a reestruturação pessoal, frequentando de maneira adequada e por motivo alheio a sua vontade, devido a um acidente de trabalho ou na própria penitenciaria em outro momento sem elo com o trabalho laborado ou atividade de aprendizagem praticada sofrer um acidente, deverá ainda assim continuar a receber os benefícios da remição, como assevera a Lei de Execução Penal transcrita abaixo:


“Art. 126 - O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 4º O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.” 

A ressocialização dentro dos estabelecimentos prisionais faz parte do processo de mudanças em que é papel do Estado garantir a qualidade dos Projetos apresentados para que se concretize o objetivo da privação de liberdade e não aconteça o que está sendo posto todos os dias através das mídias sociais que é o indivíduo sair do cárcere de maneira mais agressiva e com maior periculosidade de que quando entrou. Essa é uma realidade no Brasil e que muito necessita se fazer para que esse papel social seja cumprido e que haja uma mudança no estilo de vida dessas pessoas, podendo assim prosperar por um mundo melhor.



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.