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Direitos humanos: a nova perspectiva do direito de uma família no âmbito “civil-constitucional” e o princípio da dignidade da pessoa humana

Direitos humanos: a nova perspectiva do direito de uma família no âmbito “civil-constitucional” e o princípio da dignidade da pessoa humana

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O presente artigo analisa o princípio da dignidade da pessoa humana à luz da Constituição Federal, tendo em vista seu papel como princípio fundamental do ordenamento jurídico.

RESUMO

O presente artigo analisa o princípio da dignidade da pessoa humana à luz da Constituição Federal, tendo em vista seu papel como princípio fundamental do ordenamento jurídico. Ao longo dos tempos o conceito de família mudou e a CF-88 ampliou em seu art. 226 e parágrafos, o rol de famílias constitucionalmente previstas, positivando o que já era de costume e que já fazia parte da sociedade de fato, a pluralidade familiar. A família é à base da sociedade e, portanto merece e possui especial proteção do Estado, principalmente no que tange as famílias homossexuais como entidades familiares, pois a sociedade atual percebe que não há mais diferença de sexo, idade e posição social e que, questões bem resolvidas sobre certo e errado no âmbito familiar foram deixadas para trás.

Palavras chaves: entidade familiar; família homossexual; princípios; direitos humanos; Constituição Federal.

1-INTRODUÇÃO

A nova perspectiva do Direito de Família “Civil-Constitucional” abrange princípios e direitos fundamentais, entre eles os princípios da afetividade, princípio da solidariedade familiar (art. 3º, inc. i, da constituição federal de 1988), princípio da igualdade entre filhos (art. 227, § 6º, da constituição federal de 1988, e art. 1.596 do código civil), princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 5º, da constituição federal, e art. 1.511 do código civil), princípio da igualdade na chefia familiar (arts. 226, § 5º, e 227, § 7º, da constituição federal de 1988, e arts. 1.566, incs. iii e iv, 1.631 e 1.634 do código civil), princípio da não intervenção ou da liberdade (art. 1.513 do código civil), ²princípio do melhor interesse da criança (art. 227, caput, da constituição federal de 1988, e arts. 1.583 e 1.584 do código civil), princípio da função social

Gissele B. Leal Bertagnolli, Advogada , aluna de pós graduação  em Mediação e Direito de Familia pela Fapas Santa Maria . Juiza leiga no Foro da Comarca de São Gabriel ,RS. Endereço Eletronico: [email protected]

da família, e o PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, INC. III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988), princípio fundamental e primordial em nosso ordenamento jurídico.

A fim de solucionar lacunas quanto à falta de previsão legal para as entidades familiares, o ordenamento jurídico busca o princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros.

Segundo a renomada autora Berenice Dias (p.61).

Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos a realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito.

A CF-88 amplia, no seu art. 226 e parágrafos, o rol de famílias constitucionalmente previstas, positivando o que já era de costume e que já fazia parte da sociedade de fato, a pluralidade familiar e com isso a proteção de todos os seus membros. De forma igualitária, a sociedade atual percebe que não há mais diferença de sexo, idade e posição e que, questões bem resolvidas sobre certo e errado no âmbito familiar, perderam suas fronteiras

Alguns acreditam que houve o enfraquecimento das referências parentais, outros acreditam que “a família é a célula materna da sociedade”. Apesar de ser uma frase antiga, ainda serve como afirmação para o atual contexto, até porque o art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988 dispõe que sendo a família base da sociedade, tem especial proteção do Estado, sendo assim, a família deve ser analisada em vários âmbitos e situações, levando em conta as diferenças regionais, ²ou best interest of the child, conforme reconhecido pela Convenção Internacional de Haia, que trata da proteção dos interesses das crianças.

A dignidade é um valor moral inerente à pessoa e traz consigo a pretensão ao respeito de uns para com os outros, constituindo um mínimo que deve ser assegurado ao exercício da dignidade enquanto seres humanos. Assim o direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois esse princípio significa igualdade para todas as entidades familiares, mesmo nas novas concepções de família que as transformações sociais trouxeram na última década.

Foi com a constituição de 1988 que a nova visão do conceito de família passou a ser ampliada, homens e mulheres passaram a ter igualdades de direitos e deveres, protegendo todos seus integrantes, passando a tutelar expressamente a união estável e a família monoparental. Por tanto é indigno o tratamento diferenciado aos vários tipos de constituição familiar.

2- A DECLARAÇÃO UNIVERSAL E OS DIREITOS HUMANOS

A ideia de Direitos Humanos surge juntamente com a dignidade da pessoa humana, pois são os direitos do homem que garantem a este uma vida com um mínimo de garantias. O autor João Baptista Herkenhoff entende por Direitos Humanos:

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.” ³

Como preceito, a dignidade humana foi lançada em 1948, na Declaração Universal da ONU, em seu art. 1º, segundo o qual: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de [1948]. Mesmo não sendo um documento obrigatório, a declaração universal dos direitos humanos tem força legal e é seguida por todos, cidadão e Estado.

Os Direitos Humanos embora se apresente como tema de relevância incontestável não tem alcançado garantias na dignidade humana. Casos de violação aos direitos humanos dos cidadãos, não constituem casos isolados e sim, fazem parte de uma cultura de violência.

É importante destacar-se que quando a família não pode garantir a vida dentro dos limites de dignidade, cabe ao Estado assegurar esses direitos, criasse assim, um vínculo com dimensões políticas. 

Segundo Vicente, “neste momento, o vínculo, por meio do direito à convivência passa a fazer parte de um conjunto de pautas das políticas públicas”.

HERKENHOFF, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos, págs.30 e 31.

Constatamos que:

No seu artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

No seu 2º artigo a declaração fala sobre a liberdade, diz que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades.

No seu artigo 3º a declaração diz que toda pessoa tem direito à vida, a liberdade e a segurança pessoal.

No seu artigo 4º diz que ninguém será mantido como escravo, lembra-nos que se findou a escravidão.

Porém o que vimos diariamente não condiz com à pratica da Declaração, nem com nossa constituição. Temos os instrumentos para ser seguidos, mas são desrespeitados. O direito de família é o mais humano dos direitos, apesar disso, ele não tem sido correlacionado com os direitos humanos, pois da norma à realidade há uma grande distância, não só no campo da família, mas nos mais diversos campos.

A dignidade como qualidade intrínseca do ser humano é irrenunciável, com isso todos os seres humanos nascem com direitos inalienáveis, direitos estes que buscam proporcionar uma vida digna, protegida pelo Estado, independente de raça, cor, credo religioso, classe social.

3-ENTIDADE FAMILIAR

A família é entendida como a base da sociedade, defendida e amparada, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.  (VICENTE, apud, KALOUSTIAN, 1994, p.51) pelo ordenamento jurídico. Etimologicamente, a palavra família tem origem no latim famulus e significa servo ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão, ou ainda Convivência duradoura, pública e contínua de um homem e sua mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.

A união entre um homem e uma mulher, legalizada ou não, com certa duração, é considerado núcleo familiar, pessoas com vínculos afetivos e comunhão de interesses.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu como entidade familiar a “união estável” entre o homem e a mulher:

Art. 226, § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Art. 1.723 do Código Civil: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

 A concepção de família mudou ao longo dos tempos, não existe hoje a necessidade de fixar um modelo uniforme.

No Direito Romano, a família era uma entidade que se organizava em torno da figura do homem, muito diferente da contemporaneidade. Em Roma, reinava o autoritarismo e a falta de direitos aos componentes da família, principalmente no que diz respeito aos filhos e à mulher. Existia uma concentração de poder- pátrio poder.

O Direito Canônico, diferentemente do Direito Romano, foi marcado pelo advento do cristianismo, ou seja, as famílias eram instituídas somente através de cerimônia religiosa.

A família contemporânea é caracterizada pela diversidade, muitas vezes busca-se a estabilidade financeira, a satisfação pessoal, desempenhando papel fundamental não só na relação com seus membros, mas também na relação com o Estado.

As novas configurações familiares, devem ser protegidas pelo Estado e aceitas pela sociedade, principalmente pelos mais conservadores, os que não aceitam existir famílias que não seja as chamadas NUCLEARES, que é aquela formada pelo pai, mãe e filhos.

Hoje temos diversos modelos de famílias, entre elas:

Famílias Monoparentais: A família monoparental no decorrer dos anos ganhou intensidade e visibilidade (SANTANA, 2011). Assim, a Constituição Federal veio reconhecer as famílias monoparentais, conforme estabelece o artigo:

Art. 226, § 4°-  Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

São famílias decorrentes de divórcio ou separações, onde um dos pais assume o cuidado dos filhos e o outro não é ativo na parentalidade, ou ainda famílias, onde um dos pais é viúvo ou solteiro. A família monoparental é prevista pelo artigo 226 da Constituição Federal: a família é "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".

Essas famílias formadas por um dos pais e seus descendentes organizam-se tanto pela vontade, quanto por circunstâncias alheia à vontade humana, entre as quais a morte, o divórcio.

Famílias Reconstituídas: A família reconstituída é originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros tem pelo menos um filho de um vínculo anterior em que um deles é padrasto ou madrasta.

O padrasto ou madrasta pertence ao núcleo expandido da família. Em tempos contemporâneos, não se olha mais com preconceito esse modelo de família, sendo perfeitamente viável, porém é um processo que implica mudanças na convivência familiar, englobando questões sociais, financeiras, e as vezes magoas difíceis de se lidar.

Uniões consensuais: São aquelas que se caracterizam quando há uma relação estável com ou sem contrato, são casais que preferem morar juntos, sem formalizar sua união, é o novo perfil da família brasileira.

Segundo pesquisas, essa forma de união já representa mais de 1/3 dos casamentos do Brasil.

De acordo com levantamento divulgado ontem pelo IBGE, com base em dados do Censo de 2010, este tipo de relacionamento aumentou de 28,6%, em 2000, para 36,4%, no último levantamento.

Famílias Unipessoais: pessoas que optam por ter espaço físico individual, e entendem que viver só, não é necessariamente sinônimo de solidão e sim pode ser por escolha. Segundo os estudiosos do tema, a classe média e alta é onde mais se configura as famílias unipessoais, ao contrário da classe mais baixa onde há famílias extensas, muitos filhos, todos moram juntos e avós ajudam a cuidar dos filhos.

Família por Associação: São compostas por amigos que formam uma rede de “parentesco” baseada na amizade, sem manterem relacionamento sexual, reúnem-se para manter um convívio amistoso, festejar feriados, eventos, se ajudam entre si, compartilham emoções, viajam juntos, etc. Estão juntos na “alegria e na tristeza”.

Família Homossexual: configuração familiar bastante polêmica, é a formada por casal de homossexuais que assumem uma relação estável. A união homossexual sofre diversos preconceitos e luta para reconhecimento de seus direitos. Alguns tribunais vêm reconhecendo direitos a partir da convivência em comum. Projetos de Lei tramitam com o propósito de dar aos parceiros homossexuais status de união estável e reconhecer os direitos de todo o ser humano além de deveres e obrigações e principalmente o direito de sucessões dos bens do companheiro homossexual, dessa forma saindo a relação da clandestinidade e regularizando a entidade familiar, baseados nos direitos fundamentais do ser humano.

Com relação ao direito de sucessão do companheiro homossexual a Desembargadora Maria Berenice Dias comenta: 

Tais soluções, cabe repetir, geram um descabido beneficiamento dos familiares distantes, que, normalmente, rejeitavam, rechaçavam e ridicularizavam a orientação sexual do de cujus. De outro lado, na ausência de parentes, a solução leva a um resultado ainda mais injusto. A herança é recolhida ao Estado pela declaração de vacância, em detrimento de quem deveria ser reconhecido titular dos direitos hereditários”.

No Brasil, em maio de 2013 foi regulamentado o casamento civil homossexual mesmo não havendo lei sobre o assunto, apesar do Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a união estável entre casais homossexuais em 2011, o CNJ aprovou a resolução que obriga os cartórios do pais a celebrar casamentos e converter união estável em casamento, garantido a eles direito a pensão alimentícia, previdência e plano de saúde .

O exemplo das primeiras decisões gaúchas, citamos a seguinte jurisprudência:

UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das leis nº 8.871/94 e 9.278/96 [7]

A Constituição Federal de 1988 representou uma inovação na forma de se compreender uma constituição familiar, agora não necessariamente proveniente de um casamento formal, mas fruto de uma “união estável”, entre um homem e uma mulher, como entidade familiar protegida pelo Estado, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (artigo 226, § 3º).

A família, nesta época de tantas modificações, muitas vezes vê-se confusa em suas próprias transformações. O ser humano, ao nascer em um sistema familiar, recebe todas as influências culturais do momento em que vive, acrescidas das informações transmitidas através das gerações por seus ascendentes. Necessita, então, poder elaborar em si mesmo os novos comportamentos, ideias, sentimentos, valores, etc. integrando-os adequadamente aos recebidos transgeracionalmente.

A sociedade sofre mudanças constantes e estas devem ser, quando necessário, regulamentadas pelo Direito, é o caso da homossexualidade que é uma questão que não pode mais ser deixada de lado, é gritante a urgência em se regulamentar situações que ferem diariamente os direitos fundamentais do homem.

Qualquer pessoa inserida dentro do Estado Democrático de Direito tem que ter seu direito à liberdade respeitado, não podendo ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Neste sentido podemos concluir que não há razão para não se tratar com dignidade os homossexuais e reconhecer a sua entidade familiar e seus direitos inerentes.

4- NOVO CONCEITO DE FAMÍLIA E O PRINCIPIO DA DIGNIDADE HUMANA

   A partir de situações de violência, como massacres e mutilações, nasceram novas regras que dizem respeito à dignidade da pessoa, ou seja, de todos os seres humanos, inclusive e porque não dizer, principalmente os homossexuais que foram por anos marginalizados pela sociedade, sofrendo preconceitos e ameaças.

O princípio da dignidade da pessoa humana está modelado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e demonstra uma nova visão, principalmente em relação ao direito de família.

 A todos está assegurado o direito à liberdade e protegido a dignidade da pessoa humana independentemente da opção pelo modo de viver das pessoas, não se permitindo qualquer discriminação. As influências culturais e as novas concepções dos requisitos necessários para constituição da família demostram que a família de modo restrito não existe mais, a entidade familiar baseia-se hoje na afetividade e no direito de escolha, por isso a homoafetividade é reconhecido como família.

Todo indivíduo tem o direito de ser ou não homossexual, pois esta escolha é pessoal e particular, não desrespeitando com isso nenhum direito alheio Porem esse indivíduo tem dificuldades, em uma sociedade preconceituosa, de assumir sua homossexualidade, não podendo ter os mesmos direitos inerentes, a um casal heterossexual, garantidos pela constituição, como os direitos sucessórios.

A dignidade da pessoa humana constitui um princípio jurídico essencial, do Estado Democrático de Direito. Abreu (2008), afirma que o mais precioso valor da ordem jurídica brasileira, como fundamental pela Constituição de 1988, é a dignidade da pessoa humana, que, impõe a elevação do ser humano ao ápice todo o sistema jurídico:

O princípio da dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, presentes no texto constitucional, são os valores fundantes do Estado Democrático de Direito. O princípio da dignidade da pessoa humana é o verdadeiro fundamento da República Brasileira, atraindo, com isso, o conteúdo de todos os direitos fundamentais. A dignidade humana não admite discriminações de quaisquer espécies, sendo é, pois um conceito amplo, possibilitando assim o desenvolvimento do cidadão em liberdade (ABREU, 2008, p.102)
 

Amparadas pelos princípios constitucionais, as uniões homoafetivas ganharam relevo a partir do momento em que o obsoleto modelo patriarcal e hierarquizado de família cedeu lugar a um novo modelo fundado no afeto. A propósito, as uniões entre pessoas do mesmo sexo pautadas pelo amor, respeito e comunhão de vida, preenchem os requisitos previstos na Constituição Federal em vigor, quanto ao reconhecimento da entidade familiar, na medida em que consagrou a afetividade como valor jurídico [08].

É mais que uma questão constitucional o enquadramento das uniões homossexuais dentro do âmbito de família. Como bem alerta Dias,

"Ao contrário do que se pensa considerar uma relação afetiva de duas pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar não vai transformar a família nem vai estimular a prática homossexual. Apenas levará um maior número de pessoas a sair da clandestinidade e deixar de ser marginalizadas".


            Assim, o que se tem hoje como certo em matéria de reconhecimento de união estável, seja entre pessoas de sexos opostos, seja entre pessoas do mesmo sexo, é a necessidade de demonstração quanto à ocorrência de: uma relação em que seus membros convivam um com o outro, isto é, estabeleçam uma comunhão estreita de vida e de interesses, ainda que não haja coabitação entre eles; ABREU, 2008, p.102.

            União homossexual no direito brasileiro: enfoque a partir do Garantismo Jurídico. Maria Berenice, 2009, p. 33.

b) que esta relação seja duradoura, contínua e perdure por um período de tempo que revele estabilidade e interesse na constituição de família; c) que esta relação seja igualmente pública, ou seja, de conhecimento notório e inequívoco das pessoas que integram o círculo de relações dos companheiros; e, sobretudo, d) que por meio da união estabelecida, os conviventes tenham o objetivo de constituição de família, que "se revela pelo comportamento social à moda de casados e uma gama de elementos variáveis, como a frequência a lugares públicos, a participação em reuniões, festividades e compromissos familiares, a situação de dependência de um dos companheiros, as viagens em conjunto, a colaboração nas empreitadas de interesse comum, a abertura de contas bancárias conjuntas, a existência de filhos em comum, o tratamento dispensado por parentes, conhecidos e amigos, a aquisição de bens em condomínio etc." [10].

Assim sendo, as famílias homo afetivas devem ser protegidas pelo princípio da dignidade humana, pois a homossexualidade não pode mais ser vista como uma patologia, cabendo à sociedade a aceitação e respeito desse novo modelo familiar.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

       A dignidade é um valor moral inerente à pessoa e traz consigo a pretensão ao respeito de uns para com os outros. O direito de família está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, significando igualdade para todas as entidades familiares, mesmo nas novas concepções de família.

Com a constituição de 1988 houve uma nova visão do conceito de família, e homens e mulheres passaram a ter igualdades de direitos e deveres. A dignidade da pessoa humana sendo uma qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano deve ser garantida no direito de família, sendo indiferente qual a modalidade de família, pois o que se busca hoje é que todas as famílias tenham iguais direitos sociais, afastando a desigualdade e o preconceito e criando uma sociedade justa e solidária.

Dessa forma, tem-se comprovado que a família homossexual, novo modelo de família, tem os mesmos direitos e deveres das demais, e que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana deve ser valorizado pelo Estado de forma concreta e jamais ficar sem intervir nas relações familiares, concedendo assim celeridade e efetividade ao processo, devolvendo ao indivíduo sua dignidade, e o sentimento de segurança. Assim, o almejado pela grande maioria da sociedade hoje é que em lides judiciais se valorize os princípios que regem as famílias, como o princípio da dignidade da pessoa humana, pois como princípio fundamental, exerce por tanto, a função de valor estruturante de todo o ordenamento jurídico, a ser concretizado pelos direitos e garantias fundamentais.

Sendo assim, qualquer discriminação por orientação sexual significa infringir uma norma constitucional, pois nega a pessoa um tratamento digno e fere a própria identidade pessoal.

Já é hora de pararmos para refletir e deixarmos de lado o desrespeito e o preconceito, pois o homossexual não é diferente de um heterossexual, apenas a sua opção sexual se distingue.

A dignidade de cada pessoa deve ser respeitada integralmente, por isso o reconhecimento de união homoafetiva como novo modelo de família, nada mais é, do que a realidade contemporânea preocupada com a dignidade da pessoa humana. Nascemos para sermos felizes e há de chegar o dia em que a infelicidade será considerada apenas uma questão de prefixo, como diria Guimarães Rosa.

Por fim, no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos aos casais homossexuais com relação ao princípio da dignidade humana, a doutrina e a jurisprudência passaram a compreender que os casais homossexuais representam uma família, estruturada sob afeto, e que necessita de tutela jurídica para esse tipo de união.

REFERÊNCIAS

ALVES, C. F. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

ALVES, L. B. M. A constitucionalização do direito de família. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n.52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2441>. Acesso em: 31 de agosto de 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Editora Saraiva 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição n° 29526.  Decisão Monocrática.  Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes.  Julgado em 01/08/2003.  Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/jurisp.asp?tip=DEM>. Acesso em: 31 Agosto de 2014.

COLTRO, Antônio Carlos Mathias (Org.) O direito de família após a Constituição Federal de 1988. São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000, p. 30.

DIAS, Maria Berenice. União homossexual. O preconceito e a justiça. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 79.

DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. 2ª tiragem. São Paulo Revista dos Tribunais, 2009. p.61-63.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 5: Direito de Família. 20 ed. São Paulo: Saraiva 2005, p. 17-24.

 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 91.


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