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Terceirização na Administração Pública: novas perspectivas para o gestor do contrato face à jurisprudência atual do Tribunal Superior do Trabalho

Terceirização na Administração Pública: novas perspectivas para o gestor do contrato face à jurisprudência atual do Tribunal Superior do Trabalho

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A alteração da Súmula 331 do TST trouxe maior destaque à figura do gestor contratual, visto que sua atuação preventiva poderá minimizar ou mesmo excluir a responsabilização subsidiária da Administração Pública em relação as débitos trabalhistas.

1 - Introdução

A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é hoje um dos principais elementos normativos do instituto da terceirização trabalhista, a qual vem sendo amplamente utilizada pela Administração Pública na contratação de serviços que constituem atividade-meio, tais como vigilância, conservação e limpeza, etc.

Ocorre que, na prática, a Administração, ao contratar empresa para a prestação de serviços mediante licitação, vem se deparando com o abandono, pela contratada, da execução dos serviços, tendo de assumir o passivo trabalhista referente àqueles que prestam efetivamente os serviços nas repartições públicas e que foram admitidos pela vencedora do certame.

Recentemente, diante do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 8 do conflito entre a referida Súmula – que prevê a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços – e o artigo 71, § 1º da Lei de Licitações - segundo o qual a inadimplência do contratado face aos encargos trabalhistas não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento – o Supremo Tribunal Federal emitiu importante decisão no sentido de isentar o Estado da responsabilidade quanto a eventuais débitos trabalhistas nos casos de terceirização.

O referido julgamento acarretou a alteração do conteúdo da Súmula 331 em relação à responsabilidade da Administração Pública, havendo consenso no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos e terá de investigar com mais rigor, no caso concreto, se a inadimplência tem como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante antes de determinar a responsabilização subsidiária e o pagamento das verbas trabalhistas.

Assim, a gestão responsável dos contratos administrativos que visam a contratação de serviços ganhou ainda maior destaque no cenário atual, conforme se demonstrará a seguir.

2 - Objetivo

Constitui objetivo deste trabalho analisar a alteração efetivada pelo Tribunal Superior do Trabalho no teor do inciso V da Súmula nº 331, e, considerando-a no contexto em que foi editada, destacar o crescimento da importância da gestão contratual responsável e suas positivas implicações nos casos em que há o abandono da execução dos serviços pela empresa contratada pela Administração Pública.

A partir dessa análise, serão propostos alguns mecanismos que podem ser implementados ao longo da gestão do contrato e da prestação de serviços, no intuito de que a Administração Pública possa beneficiar-se da alteração jurisprudencial e minimizar a ocorrência desta modalidade de inexecução contratual e responsabilização, que acarreta sérios prejuízos e danos ao erário.

3 - Método

Em razão do objetivo proposto e considerando-se a necessidade de uma abordagem interdisciplinar que envolve nuances legais e fatos de origens diversas o presente estudo visa tratar exclusivamente do teor de normas legais, mais especificamente o entendimento jurisprudencial que culminou na edição da Súmula 331 e suas alterações, tornando-se por essa razão imperiosa a adoção da modalidade pesquisa-qualitativa, a ser contextualizada na seara da gestão pública.

Dado o caráter administrativo-jurídico do objeto de estudo o raciocínio indutivo integra a lógica experimental, de modo a atingir o estabelecimento de uma conclusão geral que possa beneficiar todo o universo de servidores públicos, acadêmicos, gestores contratuais, eventuais interessados em estudar o assunto e em especial a própria Administração Pública.

4 – Análise e discussão

O art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 impede que a Administração Pública seja compelida a arcar com o ônus trabalhista advindo da inadimplência do contratado:

“Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o  A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.”

Na doutrina do Prof. Eduardo Ferreira Jordão o mesmo apresenta relevante ponderação entre a responsabilização da Administração e o princípio da proteção ao trabalhador:

“Parece claro que o princípio da proteção ao trabalhador não pode servir de supedâneo para legitimar teses sem específico arrimo legal. O referido princípio cumpre, sobretudo, um papel hermenêutico. Em razão dele, as normas ambíguas deverão ser interpretadas de modo mais benéfico ao trabalhador. Mas é óbvio que disto não decorre a invalidade de qualquer norma que restrinja ou negue algum benefício específico aos trabalhadores.

Não cabe afastá-las com base neste fundamento principiológico. Destaque-se, por fim, a circunstância de o tomador de serviço nem mesmo ter participado de relação empregatícia com o eventual reclamante.

Não foi ele o seu empregado. Sua atuação deu-se exclusivamente em face do empreiteiro. Daí porque é questionável a aplicação de uma diretiva que busca ‘equilibrar relações ontologicamente desequilibradas’.” [1]

Além disso, o STF, em julgamento de 24.11.2010, emitiu importante decisão no sentido de isentar o Estado da responsabilidade quanto a eventuais débitos trabalhistas nos casos de terceirização.

Pelo decisum em referência foi declarada a constitucionalidade do art. [71], 1.º. da Lei de Licitações na ADC 16 ajuizada pelo Governador do Distrito Federal, decidindo que Administração Pública não é responsável por pagamentos trabalhistas, fiscais e comerciais, na inadimplência de empresas contratadas.

Ao decidir, a maioria dos ministros se pronunciou pela constitucionalidade do artigo 71 e seu parágrafo único, e houve consenso no sentido de ser necessária a verificação, no caso concreto, se a inadimplência se deu em razão de falha ou omissão de fiscalização pela Administração Pública.

Assim, a responsabilidade subsidiária se apresenta como instituto para satisfação de créditos trabalhistas, aplicável diante de culpa in eligendo ou in vigilando do tomador de serviços. Com efeito, o tomador responderia subsidiariamente ao prestador de serviços sempre que faltasse com dever de cuidado ou fiscalização da execução do contrato.


Embora os tribunais venham se manifestando em sentido contrário é necessário considerar que diante da Administração Pública como tomadora de serviços, as referidas situações de culpa sequer se apresentam. É que a seleção do prestador de serviços ao Poder Público se dá por prévio procedimento licitatório, de acordo com as prescrições legais e constitucionais, não se configurando de forma alguma a culpa in eligendo.

No que tange à culpa in vigilando, não é outro o resultado, vez que o constituinte de 88 atribuiu à União a competência para fiscalização das relações de trabalho nas Administrações Públicas, ex vi do art. 21, XXIV, CRFB/88.

Impor a obrigação de fiscalizar relações de trabalho ao Recorrente importaria em grave violação do pacto federativo delineado pela Carta da República. Ressalte-se, ademais, que a Administração pode e deve fiscalizar a execução do OBJETO contratual, mas nunca as relações trabalhistas em si, por tratar-se de acordo privado pactuado sem sua interferência, restando juridicamente impossível a configuração de culpa in vigilando da Administração.

Se é certo que a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços exige a demonstração de culpa in eligendo ou culpa in vigilando, apresenta-se totalmente frustrada toda e qualquer construção que busque imputar à Administração Pública esta espécie de responsabilização.

Além disso, ao determinar que a Administração Pública tomadora responda subsidiariamente pelas verbas devidas pelo prestador de serviços, estar-se-ia impondo a obrigação de pagar novamente ao reclamante, pelos serviços prestados já pagos ao prestador. Trata-se de evidente bis in idem, desprovido de qualquer lastro legal ou constitucional, em flagrante violação ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa, uma vez que, em muitos casos, tendo já realizado o pagamento à contratada em virtude dos serviços prestados, depara-se com a necessidade de efetuar novo pagamento, desta vez através de demanda judicial, ao empregado que executou diretamente os serviços.

 Nesta trilha, bem dispõe a CLT, art. 8.°, que na falta de disposições legais ou contratuais específicas, deve o Magistrado decidir sempre “de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”. Entretanto, como será demonstrado ao longo deste trabalho, essa tese vem sendo desconsiderada pela jurisprudência dominante.

A Súmula 331 do TST assim dispõe:

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).


II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

  
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.


IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
 
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. (Grifo nosso).
 
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

É possível observar, com a alteração no texto do inciso V, que a partir de então, para que a Administração seja condenada a arcar com o passivo trabalhista, será imprescindível a comprovação de culpa in vigilando, que decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, no caso quanto ao adimplemento de obrigações impostas ao empregador ou de culpa in eligendo, decorrente da má escolha do preposto, no caso, do licitante vencedor.

Dessa forma, os mecanismos de controle da execução dos serviços pelos gestores contratuais ganharam ainda maior importância, pois além de assegurar o regular cumprimento do fim público visado, possuem o condão de excluir a responsabilização solidária da Administração Pública quanto ao passivo trabalhista em eventual ação judicial, numa clara aplicação prática da máxima já citada segundo a qual nenhum interesse privado deve prevalecer sobre o interesse público.

A Lei de Licitações prevê algumas obrigações inerentes ao acompanhamento da gestão contratual tanto preventivas (como a vinculação do pagamento da nota fiscal à apresentação de Certidões Negativas ou Positivas com Efeitos de Negativa) quanto repressivas (aplicação de multas, rescisão contratual em caso de inadimplemento, etc.).

Além de cumprir essas obrigações, com a alteração jurisprudencial torna-se necessário a partir de agora que o gestor se utilize de outros instrumentos, criando controles e registros para monitoramento dos serviços, no intuito de instruir a Administração com documentos hábeis a comprovar que a mesma realizou a contratação da forma mais segura possível, escolhendo realmente a melhor proposta conforme as condições do certame e ainda que acompanhou de perto toda a execução contratual. Para isso, serão apontados alguns instrumentos que podem ser utilizados para se atingir esse propósito, conforme se descreve a seguir:

1 – Além da apresentação de comprovante de depósitos do FGTS e INSS (certidões de apresentação obrigatória, por força de Lei), é interessante que o gestor solicite à contratada a apresentação de cópia da folha de pagamento e comprovante de depósito referente aos salários dos empregados que prestem serviços junto à Administração;

2 – Solicitar e manter arquivado cópia das folhas de ponto/relatórios utilizadas pela contratada para o controle de jornada dos empregados prestadores dos serviços, pois estas constituem prova da execução da jornada, da realização de eventuais horas extras, do gozo de férias, etc.;

3 – Exigir garantia de execução do contrato no edital e garantia da proposta para afastar interessados que não possuam suficiente capacidade econômica, constituindo a garantia da proposta uma verdadeira reserva financeira que poderá ser retida e utilizada nos casos de inexecução contratual e falta de pagamento dos empregados que executam suas atividades junto à Administração;

4 – Suspender o pagamento pela prestação dos serviços e notificar a contratada quando identificadas irregularidades quanto às obrigações trabalhistas (a despeito do Acórdão TCU 964/2012, conforme será discutido a seguir);

5 – Manter documentação que comprove atuação diligente do gestor do contrato no controle da prestação de serviços;

6 – Instruir devidamente o processo licitatório e comprovar atuação diligente na seleção da proposta, demonstrando ainda a ampla observância do princípio da publicidade.

Como se pode perceber, a adoção das práticas ora apontadas possui o condão de assegurar à Administração um quantitativo mínimo de documentos (a serem apresentados regularmente ao longo do processo de contratação e execução contratual) que poderão ser utilizados para demonstrar a inocorrência de culpa in eligendo ou in vigilando caso venha a ser acionada judicialmente como responsável subsidiária por encargos trabalhistas.

No entanto, merece destaque a recomendação nº 4 ora apontada, que trata da retenção de pagamentos quando identificadas irregularidades relacionadas à execução contratual, sobretudo diante da recomendação prevista no Acórdão TCU 964/2012, cujas considerações se seguem.

O Acórdão 964/2012 do Tribunal de Contas da União pugna pela vedação à retenção de pagamento por serviço já entregue ou executado, ou fornecimento já entregue, sob pena de configuração de locupletamento ilícito da Administração. Veja-se:

“CONSULTA. EXECUÇÃO CONTRATUAL. PAGAMENTO A FORNECEDORES EM DÉBITO COM O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL QUE CONSTEM DO SISTEMA DE CADASTRAMENTO UNIFICADO DE FORNECEDORES. CONHECIMENTO. RESPOSTA À CONSULTA. 1. Nos contratos de execução continuada ou parcelada, a Administração deve exigir a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal, segundo o qual "a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios". 2. Nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada deve constar cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para o inadimplemento dessa cláusula, a rescisão.666/93). 3. Verificada a irregular situação fiscal da contratada, incluindo a seguridade social, é vedada a retenção de pagamento por serviço já executado, ou fornecimento já entregue, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração.

Como se pode verificar, o Tribunal de Contas da União aponta pela irregularidade na retenção de pagamentos pela Administração, ao argumento de que proceder dessa forma implicaria locupletamento ilícito. Contudo, a despeito do posicionamento adotado pela Corte, alguns fatores devem ser levados em consideração, pois novamente aqui há que ser aplicado o princípio da prevalência do interesse público sobre o privado.

SANTOS (2012) ressalta que ao mesmo tempo em que o julgado afirma não caber a retenção do pagamento em face da constatação de descumprimento de cláusula contratual, o mesmo afirma ainda que a falta de manutenção das condições de habilitação pode ensejar a aplicação de sanções, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração. Logo, a falta de manutenção das condições de habilitação configura descumprimento contratual passível de motivar a rescisão unilateral do ajuste, conforme prevê o artigo 79 inciso I da Lei 8.666/93.

O art. 80, inc. IV, da Lei nº 8.666/93 prevê como efeito da rescisão unilateral a “retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.” Observe-se:

Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguintes conseqüências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei:

I - assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração;

II - ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, na forma do inciso V do art. 58 desta Lei;

III - execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos;

IV - retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.

Desse ponto de vista, entender pela “vedação” à retenção do pagamento no caso de descumprimento contratual implica em ignorar o comando normativo que objetiva, justamente, proteger o erário.

A Administração Pública, em fase de licitação, possui a faculdade de exigir da empresa vencedora do certame uma garantia contratual, através da qual busca se resguardar de eventuais problemas relacionados à execução. Veja-se:

“Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.

§ 1º São modalidades de garantia:

I - caução em dinheiro, em títulos de dívida pública ou fidejussória;

II - (VETADO).

III - fiança bancária.

§ 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:

I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;

II - seguro-garantia;

III - fiança bancária.

§ 2o A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3o deste artigo.

§ 3o Para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato.”

É importante salientar que mesmo nas hipóteses em que a Administração opta pela exigência da garantia de execução do contrato, que pode ser utilizada para o pagamento do passivo trabalhista deixado pela contratada inadimplente, é provável que na maioria dos casos o valor apresentado como garantia se apresente como insuficiente para satisfação dos créditos, visto que o mesmo não poderá exceder a cinco por cento do valor do contrato. Ainda que atualizado seja, na prática o montante oferecido em garantia não chega, na maioria dos casos, a ser suficiente para satisfação dos créditos trabalhistas.

Assim, em que pese o atual julgado do TCU, há que ser admitida a possibilidade de cabimento da retenção do pagamento (até o limite dos prejuízos sofridos pela Administração) no caso de rescisão unilateral do contrato em decorrência de descumprimento de cláusula contratual, tendo em vista o teor do art. 80, inc. IV, da Lei nº 8.666/93.

Corroborando tal posicionamento, deve-se mencionar que em momentos anteriores o próprio Tribunal de Contas da União já admitiu a preventiva retenção de pagamento em contratos de execução continuada nas hipóteses em que há concreto risco de responsabilização da Administração em relação a débitos trabalhistas. Observe-se:

Acórdão nº 1.402/2008 – Plenário

“Relatório (...) 16. Frise-se que, apesar deste entendimento, a situação de inadimplência do contratado junto ao Poder Público é uma irregularidade grave, pois além das dívidas fiscais onerarem a Administração em sentido amplo, poderá onerar também a Administração contratante, em face da solidariedade legalmente estabelecida, quanto aos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, conforme art. 71, § 2º da Lei 8.666/1993. Para que isso não ocorra, com base no art. 80, IV, da Lei n. 8.666/1993, é admissível a retenção de pagamentos, porém, limitada aos prejuízos efetivamente causados ao Poder Público e apenas nos contratos em que a Administração seja tomadora dos serviços e possa, eventualmente, responder pela inadimplência do contratado relativamente a tais encargos. A retenção, neste caso, será tão-somente no sentido de resguardar a Administração e não de obter vantagem indevida, locupletando-se indevidamente à custa do contratado.”.

Nesse mesmo sentido o STJ em medida cautelar:

AgRg na MC nº 16.257/SP – Segunda Turma
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. PERIGO NA DEMORA NÃO COMPROVADO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. OBSCURIDADES NÃO CONFIGURADAS. MERO INCONFORMISMO EM RELAÇÃO AO PROVIMENTO JUDICIAL. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CLÁUSULA COM PREVISÃO DE REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS DA PRESTADORA EM VALOR ACIMA DO PISO SALARIAL. CONTRATADA QUE ESTABELECE “COTA UTILIDADE” (FORNECIMENTO DE CURSOS TÉCNICOS) A FIM DE CUMPRIR TAL EXIGÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DA CLÁUSULA CONTRATUAL. RETENÇÃO DE VALORES PAGOS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COM CONTRADITÓRIO DIFERIDO. NECESSIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SE RESGUARDAR DE DANOS PECUNIÁRIOS FACE AO ENUNCIADO SUMULAR N. 331 DO TST. EXCESSO NA RETENÇÃO. MATÉRIA PERTINENTE À FASE DE LIQÜIDAÇÃO. NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DESTA CORTE SUPERIOR. APLICAÇÃO DE MULTA CONTRATUAL EM PROCESSO JUDICIAL. NÃO-INCIDÊNCIA DO ART. 87 DA LEI N. 8.666/93. OBSERVÂNCIA DA DEFESA PRÉVIA NA FASE JUDICIAL.
(…)
13. Daí porque não há que se falar na ilegalidade da retenção efetuada, especialmente porque, embora o art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93 afaste a responsabilidade da Administração por encargos trabalhistas (cujo pagamento estão na base da controvérsia que se submete ao Judiciário nestes autos), o Tribunal Superior do Trabalho – TST reiteradamente atribui responsabilidade subsidiária do tomador do serviço (aí inclusas as sociedades de economia mista, como a requerida) pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas (Súmula n. 331, item IV).
14. Sem desatentar para o fato de que o Supremo Tribunal Federal vem avaliando a correção do posicionamento do TST quando em confronto com a Súmula Vinculante n. 10 (AgRg na Rcl. 7.517/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, com julgamento suspenso por pedido de vista da Min. Ellen Gracie), se a Administração pode arcar com as obrigações trabalhistas tidas como não cumpridas (mesmo que subsidiariamente), é legítimo pensar que ela adote medidas acauteladoras do erário, retendo o pagamento de verbas devidas a particular que, a priori, teria dado causa ao sangramento de dinheiro público.
(…)
 

Dessa forma, diante a impossibilidade de obtenção de vantagem indevida pela Administração Pública através da retenção preventiva, visto que essa visa apenas resguardar o ente de eventual dano ao erário, há que se considerar admissível a adoção de mais essa medida como forma de proteção do interesse público (que deve prevalecer sobre o interesse privado) e como uma tentativa de minimizar os prejuízos advindos da inexecução contratual.

5 - Conclusões                

Diversas medidas podem ser tomadas pelo gestor para afastar a responsabilização da Administração quanto a obrigações trabalhistas devidas pela contratada. Além de atender às exigências da Lei 8.666/93 verifica-se, a partir do novo entendimento do TST, a necessidade da adoção de práticas preventivas que, por sua vez, podem inclusive representar uma interferência do ente público na esfera da relação contratual firmada entre empregado/empregador.

A razão para essa prática fundamenta-se na premissa segundo a qual o interesse público há que prevalecer sobre o privado, de modo que o gestor público deverá manter registro, controles e documentações que demonstrem diligência no monitoramento da execução contratual.

O controle mais efetivo, conforme demonstrado, além de prevenir contratempos e assegurar contratação eficiente, será útil caso a Administração venha a ser demandada judicialmente, pois a demonstração de que foi criteriosa quando do julgamento da licitação e que houve efetiva fiscalização do contrato administrativo em relação aos aspectos trabalhistas poderão minimizar ou mesmo afastar a responsabilização subsidiária da Administração Pública.


6 - Referências

CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 03 jul. 2014.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 02 out. 2014.

JORDÃO, Eduardo Ferreira. A Administração Pública no Processo do Trabalho: a questão da responsabilidade pelos créditos inadimplidos pelo empreiteiro contratado. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-11-JULHO-2007-EDUARDO. Acesso em 23 set. 2014.

LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. Lei 8.666/93. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 16 ago. 2014.

SPADOTTO, Anselmo Jose. Fundamentos da metodologia científica na área jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3824, [20] dez. [2013]. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/26198. Acesso em: 25 ago. 2014.

SANTOS, Brenia Diogenes G. dos. Análise da retenção do pagamento à luz do Acórdão nº 964/2012. Plenário do TCU. Disponível em: http://www.zenite.blog.br. Acesso em: 17 set. 2014.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmulas. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ. Acesso em 18 set. 2014.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Súmulas. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/TCU. Acesso em 17 set. 2014.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmulas. Disponível em: http://tst.gov.br. Acesso em: 29 ago. 2014.


[1] A Administração Pública no Processo do Trabalho: a questão da responsabilidade pelos créditos inadimplidos pelo empreiteiro contratado. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-11-JULHO-2007-EDUARDO%20JORD%C3%83O.pdf


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