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Não haverá amanhã, sem sustentabilidade

Não haverá amanhã, sem sustentabilidade

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Analisa o princípio da sustentabilidade ou do desenvolvimento sustentável em suas dimensões ambiental, social e econômica, com enfoque em combustíveis fósseis (gás, petróleo e carvão) , a partir do documentário "There´s no tomorrow" (não haverá amanhã).

                Incubate Pictures, em parceria com o Post Carbon Institut, sob a direção de Dermot O'Connor,  produziram um documentário de cerca de trinta e quatro minutos intitulado “There´s no tomorrow”, sobre o esgotamento de recursos naturais, sobre  energia e crescimento.  Sintetiza os dilemas energéticos que o mundo enfrenta atualmente. Segundo a narração de Bruno Bártulitch (2014), em versão dublada em português,  foram seis anos para a preparação do documentário.

       Divulgado no Youtube e em blogs (DOCUMENTÁRIO...,2013), o vídeo recebeu críticas de leitores diversos, sendo apontado de tendencioso por uns (MENDES, 2012), ou incompleto, por não apresentar soluções coletivas, somente algumas medidas de caráter individual. Robson Fernando de Souza (2012) faz vários comentários, apontando situações que mereceriam, na sua visão, estar de forma mais aprofundada no vídeo, como, por exemplo, a pecuária e a criação de peixes.

       Céticos ou crédulos em resposta da Ciência, pessimistas ou otimistas a respeito do futuro, o dado central do documentário não é rechaçado: a dependência do mundo moderno ao combustível fóssil (petróleo, gás e carvão mineral), recurso natural não renovável que já atingiu seu pico de produção (pick oil) e tende a diminuir e encarecer, deixando de atender à demanda de consumo.

       O documentário analisa, ainda, outras fontes de energia, demonstrando que algumas delas também dependem, de alguma maneira, dos combustíveis fósseis, como, por exemplo, para seu transporte.

       A recomendação final do documentário é a de busca pela autossuficiência, retornando a alguns hábitos dos antepassados, em período anterior à globalização. Como coloca,  com a globalização possibilitou-se a comercialização de alimentos e de outros produtos entre os diversos países. Com a redução e consequente encarecimento dos combustíveis fósseis, que afetará os transportes, uma das  alternativas será o investimento no comércio local, comprando dos produtores da região.

       O prognóstico feito por Pereira (2009, p. 36) também foi de alteração da globalização, no tocante a equipamentos e bens materiais. Para o autor, a circulação física e generalizada de produtos pelo mundo não é sustentável, daí por que a tendência será de voltar a viver com os recursos da própria região.

       Consoante o documentário, pode-se e deve-se investir em fontes de energias limpas, mas estas não são suficientes para continuar a manter o modo de vida atual, seja por sua descontinuidade, como no caso da energia eólica, seja pela dificuldade de transmissão para locais mais distantes, como no caso de aproveitamento da energia das ondas dos oceanos.

       Um dado bem colocado é o do comprometimento da eficiência das medidas de preservação ambiental, como reciclagem,  uso de transportes menos poluentes, etc. Se de um lado, podem promover a redução do consumo de combustíveis fósseis, aumentando sua disponibilidade, de outro podem levar ao aumento de consumo por determinados setores. Em outras palavras, uns economizariam para outros consumirem, não sendo, portanto, medida de todo eficiente ao final.

       Neste ponto, frisa Souza (2012), mais do que providências individuais, indicadas no documentário, como a de  reserva econômica e de não assumir dívidas, porque haverá necessidade de utilização dessa poupança em tempos futuros, urgem providências de caráter coletivo. Estas passam, inevitavelmente, pela educação ambiental e por uma nova cultura, com reavaliação do consumismo a que a sociedade global foi sendo conduzida.  

       Vladimir Passos de Freitas (FREITAS, 2014), apontou sete pecados capitais que conduziram ao colapso da falta d´água em São Paulo. Tais comportamentos indevidos igualmente são observados em relação a outras matrizes energéticas.  São eles:

desperdício e má educação ambiental, problemas de tubulação, agricultura não sustentável, gratuidade, ausência de estímulos para economizar, aumento da população e ausência de sanções.

      Desse modo, para tentar conter esse panorama nada promissor retratado no documentário, impõe-se um efetivo caminhar em direção a um desenvolvimento sustentável. O conceito vem do Relatório Brundtland, publicado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, assim definido:

O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades.

      O Relatório Brundtland apontou medidas a serem adotadas em âmbito nacional e internacional para que o desenvolvimento sustentável fosse alcançado. Entre elas, a limitação do crescimento populacional, a diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energéticas renováveis (RAMMÊ, 2014, p. 24).  

       Em evolução histórica, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, vige o princípio da garantia de desenvolvimento econômico e social ecologicamente sustentado. Deste modo, foi feita a opção pela preservação do meio ambiente desde logo, para atender as necessidades das futuras gerações (MIRRA, 1996, p. 59).

       A sustentabilidade é mais conhecida em sua dimensão ambiental, como preservação do meio ambiente para garantir a qualidade de vida das presentes e das futuras gerações. Abarca, deste modo, a conservação ambiental intergeracional, isto é, para as gerações futuras, compreendendo a conservação de opções (manutenção da diversidade biológica e cultural), a conservação da qualidade e a conservação do acesso com equidade (BENJAMIN, 2001, p.8).

       Todavia, opera igualmente nas dimensões social e econômica. Alguns autores a apresentam calcada em cinco alicerces,     asseverando  que  há  sustentabilidade   quando “o empreendimento humano for economicamente viável, politicamente adequado, socialmente justo, culturalmente aceito e ecologicamente adequado” (COELHO, ARAÚJO, 2011, p. 5).

       No aspecto social, destacam-se o crescimento populacional, cumulado com a distribuição não equitativa dos recursos naturais. Nenhuma das duas situações é sustentável.

       O crescimento populacional ocorre de modo exponencial, sendo estimado que atingirá cerca de 10.000 milhões de habitantes no mundo em 2100, isto contando com as taxas de crescimento negativo nos países industrializados. Do contrário, o quantitativo seria de 22.000 milhões de pessoas (PEREIRA, 2007, p. 28-29). É preciso conter o crescimento populacional, muito mais acentuado do que a regeneração dos recursos naturais, para que não haja um colapso no sistema produtivo, como alertou o Relatório Meadows (RAMMÊ, 2014 p. 18).

       De outro lado, há uma situação distorcida no consumo, posto que apenas 1/5 da humanidade consome 2/3 dos combustíveis fósseis (PEREIRA, 2007,  p. 30). Assim, afirma-se que a sustentabilidade social implica em buscar a melhoria da qualidade de vida da população, com inclusão social, gerando benefícios a todos e não somente aos empreendedores ou a uma camada da população (ARAÚJO, COELHO, 2011, p. 13).

       No aspecto econômico, sustentabilidade é o equilíbrio entre a utilização dos recursos naturais e a produção de riquezas (COELHO, ARAÚJO, 2011, p. 7).

       Repercute o interesse de muitos países em atingirem outro patamar de desenvolvimento, mas isto não pode ser feito sem preservação ambiental, à custa do esgotamento de recursos naturais e poluição (RAMMÊ, 2014, p. 18).  Impõe-se revisar o entendimento da relação entre crescimento econômico e desenvolvimento (CHRISTMANN, 2014, p. 16) ou entre progresso e riquezas, pois não são causa e consequência, obrigatoriamente. Outros fatores deverão ser valorados para atestar o desenvolvimento, como qualidade e expectativa de vida, grau de escolaridade,  etc.

       Importa ter presente que o progresso também é causador de impactos ambientais.  Desta maneira, deve-se considerar e internalizar os custos decorrentes do desgaste dos bens ambientais e perdas sociais para atingi-lo e não mais tratá-los como externalidades (CHRISTMANN, 2014, P. 17), que não precisam ser pagas por quem as causou nem ser distribuídas equitativamente.   

       O certo é que “o modelo de desenvolvimento econômico de intensa exploração dos recursos naturais e gerador de comportamentos humanos predatórios”, como sintetiza Rammê (2014, p. 16), não é sustentável. É descompromissado com o futuro e cria situações de risco para a própria humanidade (RAMMÊ, 2014, p. 16).

       Por isto, a questão da sustentabilidade e as preocupações ambientais são debatidas internacionalmente. Ocorre que as Declarações Internacionais, apesar de serem “método de cristalização de novos conceitos e princípios gerais” (MIRRA, 1996, p. 53),  não são mandatórias, isto é,  não têm força normativa nem “a imperatividade jurídica própria dos tratados e convenções internacionais” (MIRRA, 1996, p. 53). A adesão não é obrigatória. Os países demoram a subscrever ou até mesmo se recusam a assinar, como aconteceu com os Estados Unidos, em relação ao Protocolo de Kyoto, em que pese serem os maiores emissores de gases de efeito estufa no mundo (RAMMÊ, 2014, p. 29).

       Não obstante, a reflexão e a adoção de providências têm de ser imediata. O documentário, mesmo apresentando um quadro futurístico pessimista, conduz a essa reflexão. Além disto, são  pertinentes as sugestões de procurar consumir menos energia; de aumentar sua eficiência e não sua quantidade, quando for usada e, por fim, diminuir o desperdício e ampliar a oferta de energias renováveis. Tanto que constam do artigo 1º da Lei nº 9.478/1997 (BRASIL, 1997), como objetivos da política energética nacional.

       Por fim, por mais que não representem a “descoberta da roda”, pois no mínimo desde a Declaração de Estocolmo, em 1972, prega-se como solução para os problemas ambientais a adoção de políticas de controle populacional, a utilização de tecnologias limpas e a transferência de recursos financeiros e dessa tecnologia limpa dos países industrializados para os países em desenvolvimento(RAMMÊ, 2014, p. 19), quanto mais divulgação, informações e debate sobre a crise energética e meio ambiente, mais facilitadas estarão a adoção de medidas conscientes pela redução do consumo e mudança de postura frente aos recursos naturais, os quais, como visto, não são inesgotáveis.       

Referências

BÁRTULITCH, Bruno. . Não há amanhã/Dublado HD Brasil/There’s no  tomorrow (2012). Youtube, 22 de abril de 2014. <https://www.youtube.com/watch?v=aUF9XnZjmBk>. Acesso em 11 Out. 2014.

BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Objetivos do direito ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e; SÍCOLI, J. C. M. (Coord.). O futuro do controle da poluição e da implementação ambiental. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde; Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, 2001. p. 56-78. Acesso em: 13 out. 2012. 

BRASIL, Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política nacional, as atividades relativas ao monópolio do petróleo, institui o Conselho Nacional De Política Energética e a Agência Nacional Do Petróleo (ANP) e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 Ago. 1997, P. 16925.

CHRISTMANN, Luiza Landerdahl. Sustentabilidade e matrizes energéticas no Brasil. Palhoça : UnisulVirtual, 2014, p. 16-29.

COELHO, Saulo de Oliveira Pinto. ARAÚJO, André Fabiano Guimarães  de. A sustentabilidade como princípio constitucional sistêmico e sua relevância na efetivação interdisciplinar da ordem constitucional econômica e social: para além do ambientalismo e do desenvolvimentismo. Jan. 2011.  Disponível em http://mestrado.direito.ufg.br/up/14/o/artigo_prof_saulo.pdf. Acesso em 12 Out. 2014.

DOCUMENTÁRIO: There is no tomorrow (Não há amanhã). Notícias Alternativas, 13 Fev 2013. Disponível em < http://noticias-alternativas.blogspot.com.br/2013/02/documentario-there-is-no-tomorrow-nao.html>. Acesso em 12 Out. 2014.

FREITAS, Vladimir Passos de. Falta de água em São Paulo é a chegada do futuro? Revista Consultor Jurídico, 27 Abr. 2014. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2014-abr-27/segunda-leitura-falta-agua-sao-paulo-chegada-futuro>. Acesso em 12 Out. 2014.

MENDES, Victor. Não há amanhã – There´s no tomorrow (2012) legendado. Youtube, 17 Mar. 2012. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=aUF9XnZjmBk. Acesso em 12 Out. 2014.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios Fundamentais do Direito Ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 2, 1996, p. 50-66
PEREIRA, Manuel Collares. Energia e Ambiente num mundo com muita gente. Primavera 2009, n. 122, 4ª série, PP. 25-41. 

SOUZA, Robson Fernando de. Documentário fala que “não haverá um amanhã”, mas esquece que a pecuária e a pesca existem. Consciência Blog, 23 Set. 2012. Disponível em <http://consciencia.blog.br/2012/09/documentario-fala-que-nao-havera-um-amanha-mas-esquece-que-a-pecuaria-existe.html#.VDnhgPnF8YF>. Acesso em 11 Out. 2014.

RAMMÊ, Rogério Santos. Panorama histórico-evolutivo da preocupação e proteção ambiental. Palhoça: Unisulvirtual, 2014, p. 16-36.


Autor

  • Karina Gomes Cherubini

    Promotora de Justiça do Estado da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Gestão Pública pela Faculdade de Ilhéus. Especialista em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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