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Vitimologia, uma nova ciência e seus desdobramentos no direito penal.

Vitimologia, uma nova ciência e seus desdobramentos no direito penal.

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O presente estudo demonstra o nascimento de um novo campo de estudo, qual seja, a vitimologia.

Em um contexto mais recente, quando do estudo da vitimologia como ciência, e autores da atualidade outorgam o surgimento da Vitimologia moderna às atrocidades cometidas conta o povo judeu durante a segunda guerra mundial.

Após este importante acontecimento histórico a proteção da vítima da infração penal começou a figurar, de maneira relevante, na preocupação dos estudiosos e filósofos do direito, tais como Berenger, Mittemaier e Garofalo.

Dentro deste contexto, não seria outro, senão um professor da Universidade de Jerusalém o sistematizador da vitimologia, Sr. Benjamin Mendelsohn. Segundo este seria preciso deixar de considerar a vitima apenas como o polo passivo ou coadjuvante da infração penal, mas seria preciso sair da obscuridade.

Ainda, o Professor redigiu uma conferência que se tornou famosa na história da criminologia e por muitos considerada um dos primeiros trabalhos de grande relevância sobre o assunto, a intitulada “Um horizonte novo na ciência biopsicossocial – a Vitimologia”.

Segundo Mendelsohn, seria essencial o estudo não só do criminoso, mas também do comportamento da própria vítima, seus atos conscientes ou mesmo inconscientes que poderiam levar ao crime. Na conclusão de seu trabalho o professor sugere que estes temas sejam estudados não pela ciência da Criminologia, a qual lecionava na universidade de Jerusalém, mas a criação de uma nova ciência preocupada principalmente com este sujeito “esquecido” do delito, a Vitimologia.

Anos depois, em 1956, o autor publicou um trabalho intitulado “A Vitimologia” que foi reproduzido em inúmeras publicações relevantes da época. Neste trabalho, Benjamin Mendelsohn, citado por Valter Fernandes e Newton Fernandes, conceitua Vitimologia como[1] “a ciência que procura estudar a personalidade da vítima sob os pontos de vista psicológico e sociológico na busca do diagnóstico e da terapêutica do crime e da proteção individual e geral da vítima”.

A disciplina vem ganhando maior importância no cenário internacional desde a Declaração Universal dos Direitos da Vítima promulgada no Congresso da Sociedade Internacional de Defesa Nacional em Milão, em 1985 (Anexo ao Trabalho de Graduação Integrado).

Em síntese, tal Declaração recomenda que devam ser tomadas medidas para aperfeiçoar e aprimorar a assistência social e reparação ao dano sofrido pela vítima. Essa declaração foi elaborada diante da necessidade de que sejam estipulados parâmetros e padrões nacionais e internacionais de proteção à vítima e prescreve diretrizes voltadas para que as vítimas recebam a assistência material, médica, psicológica e social que lhes for necessária.

Tal Declaração prevê, ainda, que os Estados devem procurar indenizar financeiramente as vítimas de delitos que tenham sofrido importantes lesões corporais ou prejuízos de sua saúde física ou mental como consequência de delitos graves, bem como a família das vítimas que tenham sido mortas ou ficado física ou mentalmente incapacitadas como consequência da vitimização.


CONCEITOS RELEVANTES

Vitimologia

O Doutrinador Eduardo Mayr[2] conceitua a vitimologia da seguinte maneira:

 "Vitimologia é o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer o de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos".

Conclui-se, que no estudo da vitimologia há dois pontos fundamentais: (i) o estudo do comportamento da vítima de forma geral; e (ii) a reparação do dano causado pelo delito.

Apenas recentemente considerada como ciência autônoma, por parte da doutrina, tal ciência tem por objeto o estudo da vítima e suas peculiaridades. Entretanto, destaca-se que a própria vítima ganhou elementar importância do ponto de vista de sua proteção após a configuração do delito o que justifica a separação deste ramo do direito da Criminologia.

Como é possível verificar, o entendimento de que não se trata de uma ciência autônoma não é pacifico na doutrina, citamos o professor Guaracy Moreira Filho[3]:

“Acreditamos ser a Vitimologia um ramo da Criminologia, que estuda cientificamente as vítimas visando adverti-las, orientá-las, protegê-las e repará-las contra o crime”.

Entendemos que a Vitimologia deve, também, oferecer à sociedade meios capazes de dificultar a ação dos delinquentes habituais e erradicar de nosso convívio o denominado criminoso ocasional, tornando a vida das pessoas, principalmente das grandes cidades, mais seguras e ao mesmo tempo, por intermédio da ampla campanha, diminuir a criminalidade, atingindo a nova dupla penal vítima-criminoso.           

Quanto ao objeto da Vitimologia, Raul Goldstein[4] entende que é:

“o estudo da vítima não como efeito consequente da realização de uma conduta delitiva, mas como uma das causas, às vezes principal, que influenciam na produção de um delito”.

Vítima

A origem da palavra “Vítima” é do latim victima ou victimae, cujo significado é “pessoa ou animal sacrificado ou que se destina a um sacrifício”[5].

Com o passar dos séculos, o sentido de vítima mudou desde uma expressão religiosa até uma designação de “estado” em que se encontra uma pessoa.

Mendelsohn define vítima como:

“a personalidade do indivíduo ou da coletividade na medida em que está afetada pelas consequências sociais de seu sofrimento determinado por fatores de origem muito diversificada”.

De acordo com Piedade Júnior[6], tais fatores seriam físicos, psíquicos, econômicos, políticos ou sociais, assim como o ambiente natural ou técnico.

O mesmo autor cita a definição de vítima de Separovic, qual seja:

“qualquer pessoa, física ou moral, que sofre como resultado de um desapiedado desígnio, incidental ou acidentalmente”[7]

Segundo o ilustre Professor Guaracy Moreira[8] a vítima, quanto da designação de culpa do delito no aspecto prático pode (i) ser inteiramente inocente na dinâmica do crime; (ii) pode ser tão culpada quanto o agente; (iii) mais culpada do que o agente; (iv) pode ser menos culpada de que o agente criminoso e ainda, poderá ser a única culpada do cometimento de um crime.

O Mestre fundamenta a classificação acima exposta na correspondência entre a culpabilidade da vítima e do infrator, fazendo com que a atitude da vítima deva ser levada em consideração quando da aplicação da pena para o criminoso.

Entendemos importante mencionar as etapas que se operam em um âmbito psicológico daquele individuo que virá a se tornar uma vítima, ou Iter Victimae. De acordo com o doutrinador Edmundo oliveira[9], o chamado Iter Victimae é composto de cinco etapas, quais sejam:

I) Intuição: nesta primeira fase ocorre a inserção na psique da vítima a ideia de que será de alguma forma prejudicada pelo agressor, é um processo primordialmente intuitivo, uma sensação que poderá ser hostilizada, atacada ou sofrer de alguma forma com a ação do criminoso.

II) Atos preparatórios – depois projetar, mesmo que em seu sub consciente que se tornará vítima, o sujeito passa a tomar medidas preliminares para defender-se ou ajustar seu comportamento de modo a consentir com o fato de que se tornará vítima.

III) Início da execução – então inicia-se a execução, propriamente dita do delito, momento em que a vítima inicia a sua defesa, podendo esta ser ativa, de forma a tentar evitar o crime ou mesmo passiva quando a vítima coopera com o criminoso, visando evitar danos mais graves.

IV) Execução – posteriormente ocorre a execução do crime, por parte do criminoso. Do ponto de vista da vítima, o que distingue esta fase da anterior é a efetiva reação da vítima, que anteriormente apenas pode pensar em qual reação seria mais adequada, nesta etapa a vítima efetivamente evita, ou tenta evitar, que a conduta a atinja, ou, conforme deliberou na etapa anterior, deixa-se vitimizar.

V) Consumação ou tentativa – por fim, a última fase do Iter Victimae, é a consumação, que ocorre quando o efeito pretendido pelo criminoso foi percebido, ou a tentativa, quando sem a percepção de tal efeito[10].


CONCLUSÃO

Conclui-se que muito deve ser feito na esfera da proteção da vítima. Entretanto, a sociedade atual, de forma acertada, passa a preocupar-se cada vez mais com este importante sujeito do crime, o qual não deve ser deixado de lado. É essencial considerar quais as formas de restituição da vítima, no sentido mais amplo da palavra e não apenas a conduta do ponto de vista do acusado, ou seja, apenas considerando as possíveis penas que o agente do crime venha a “merecer”.


Notas

[1] FERNANDES, 2002

[2]MAYR; PIEDADE, 1990, p. 18.

[3]MOREIRA FILHO, 2004, p. 23

[4] GOLDSTEIN apud MOREIRA FILHO, 2004, p. 22.

[5] PIEDADE, 1993, p. 86

[6] PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 88.

[7] PIEDADE, 1993, p. 89.

[8] MOREIRA FILHO, 1999, p. 45

[9] OLIVEIRA, 2001, p. 101

[10] OLIVEIRA, 2001, p. 105



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