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A desconsideração inversa da personalidade jurídica

A desconsideração inversa da personalidade jurídica

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Com o fim de sedimentar conceito essencial para a compreensão do título em comento, à desconsideração inversa da personalidade jurídica da pessoa jurídica é a utilização dos bens da pessoa jurídica para o pagamento de obrigações contraí-das por seus sócio

Resumo: Com o fim de sedimentar conceito essencial para a compreensão do título em comento, a desconsideração inversa da personalidade jurídica da pessoa jurídica é a utilização dos bens da pessoa jurídica para o pagamento de obrigações contraídas por seus sócios perante terceiros, e, para isso, existe a quebra da autonomia patrimonial, para responsabilizá-la por obrigações assumidas por um ou mais sócios.

Palavras-chave: Desconsideração. Personalidade Jurídica. Inversa. Autonomia Patrimonial.

1. INTRODUÇÃO

                       

No final do século XX, tornava-se cada vez maior a preocupação da doutrina e da jurisprudência com a utilização da pessoa jurídica para fins diversos daqueles previstos nas legislações e, por essa razão, buscou-se cada vez mais, meios idôneos para a repressão de utilizações indevidas das pessoas jurídicas.

Em razão da inexistência de norma expressa nos ordenamentos jurídicos, iniciou-se no âmbito do direito comum, especialmente a norte-americana, que inicialmente desenvolveu na jurisprudência, a desconsideração da personalidade jurídica.

Com o fortalecimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o ordenamento jurídico pátrio que até então não fazia qualquer referência de distinção entre as pessoas jurídicas e seus integrantes, o legislador fez incrustar no Código Civil de 1916 o artigo 20 e, pelo que se infere do indigitado artigo, este previa a distinção entre as pessoas jurídicas e seus membros. Esse foi o ponto de partida que foi aprimorado pelo Diploma de 2002, na redação do  artigo 50, assim como adoção em outras ramificações do Direito Pátrio.

Assim, iniciava-se uma construção doutrinária e jurisprudencial da desconsideração de personalidade jurídica, a qual visa coibir atos abusivos ou fraudulentos realizados pelos sócios e administradores com a intenção de se beneficiar, bem como a confusão patrimonial. Acima de tudo, a Disregard Doctrine busca fortalecer a personalidade jurídica, criando meios de restringir o seu mau uso.

Esse instituto, hoje previsto em nosso ordenamento jurídico, tem sido muito discutido tanto na doutrina como na jurisprudência, mormente no que concerne à sua aplicação, que aparentemente é vasta, mas que, em verdade, apresenta certas restrições. Nesse sentido, o presente trabalho visa também enfrentar os pontos controversos que permeiam o tema da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de esclarecer a grande amplitude dos pontos de vista doutrinários.

Ainda em estágio de amadurecimento, a desconsideração inversa da personalidade jurídica, mesmo sem norma legal, vem sendo aplicada não somente no direito comum, mas também e principalmente, no direito do trabalho, tributário, do consumidor e ambiental, sempre buscando a proteção do credor lesado por sócios ou administradores que tentam camuflar seu patrimônio, sob o véu da pessoa jurídica, o que se faz necessário uma análise mais profícua.

2. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Segundo Suzy Khoury (1995, p.139), foi a partir do trabalho do doutrinador RUBENS REQUIÃO (1969, RT 410:12-24), trouxe para o Brasil a doutrina da Desconsideração de Personalidade Jurídica, conhecida pelos juristas ingleses ou norte-americanos como “Disregard Doctrine” ou “Disregard of Legal Entity”, que consiste, na possibilidade do “levantamento do véu da personalidade jurídica”, quando em análise de uma situação jurídica, a pessoa jurídica é tratada como se não existisse, igualando a sociedade e seus sócios como se fosse única pessoa, levando a consequente responsabilização de um ou mais sócios pelas obrigações assumidas pela sociedade, possibilitando, assim, o ataque patrimonial destes, o que era, para os operadores do direito, até então, impensável.

Iniciava-se assim, uma construção doutrinária, tema este debatido de forma profícuo por grandes mestres do direito pátrio.

Para Rubens Requião (1977, pag. 69 e 156), a conceituação da doutrina do disregard, deve-se partir do princípio de que:

[...] é necessário convir que as pessoas jurídicas, sobretudo no que concerne ao direito brasileiro, constituem uma criação da lei. Como criação da vontade da lei refletem uma realidade, mas uma realidade do mundo jurídico, e não da vida sensível.

                        E, adverte que,

[...] a ‘disregard doctrine’ não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo-se, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos.

Há entre a pessoa jurídica e a pessoa natural, uma distinção legal, em decorrência da grande independência e autonomia, mesmo porque, no Código Civil de 1916, em seu artigo 20, a distinção era uma previsão legal que assim prescrevia “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.”, onde o legislador com acerto previu a distinção entre a sociedade e seus integrantes.

Insta salientarmos e deixar bem clara a distinção entre a despersonalização e desconsideração da personalidade jurídica, primeira visa à anulação da personalidade jurídica, fazendo-se desaparecer a pessoa jurídica por lhe faltarem condições de existência, como por exemplo, a invalidade dos atos constitutivos da sociedade ou de dissolução de sociedades. Já na segunda há tão somente um descortinar da pessoa jurídica com o fito exclusivo de buscar bens que o sócio devedor, possua ou deles se favoreça, e que estejam integralizados na pessoa jurídica.

Para Suzy Koury (1995, pag. 89)

Assim, deve-se, em princípio, respeitar a forma da pessoa jurídica, atendendo-se à vontade do legislador, que certamente teve boas razões para criá-la, e operando-se a desconsideração apenas quando houver uma razão suficientemente forte, conforme o ordenamento jurídico, para fazê-lo, pois, do contrário, levar-se-ia ao descrédito do próprio instituto da pessoa jurídica.

Dessa forma, fica evidente que não se tenciona negar a existência da pessoa jurídica ao se falar na possibilidade de sua desconsideração.

Assim, o julgador para desconsiderar a personalidade jurídica de uma pessoa jurídica, deve atentar para não desrespeitar a sua forma, buscando basear-se em razões efetivamente suficientes e não em meras conjecturas do credor.

3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL

Considerando as ponderações trazidas a lume, considerando ainda a independência e autonomia em razão da exclusão dos sócios, por vezes a pessoa jurídica comete abusos, desviando-se dos seus fins, cometendo fraudes e outros atos de desonestidade, levando a reações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, objetivando coibir tais abusos, desconsiderando a personalidade jurídica da pessoa jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica surgiu como meio de coibição dos abusos praticados por agentes que se acobertavam pelo véu proporcionado pelo princípio da separação patrimonial.

Ante a construção doutrinária do disregard, a legislação pátria, conjugando a construção desta teoria, aprimorando com a acepção atribuída ao Código Civil de 1916, partindo do pressuposto da autonomia da pessoa jurídica diante da personalidade e patrimônio distintos dos membros que a integram.

Com esta inspiração o judiciário abriu possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica quando esta desviar de suas finalidades ou quando haja confusão patrimonial desta com os dos membros que a integram, com intuito de lesionar credores, devendo seus sócios e administradores responder com seus bens particulares, respondendo assim por atos negociais obscuros.

O Código Civil de 2002 (Tit. II, DAS PESSOAS JURÍDICAS), em seu artigo 50, aprimorando o artigo 20 do Código Civil de 1916 revogado, aprimorou a teoria maior da desconsideração de personalidade jurídica, conforme podemos observar pelo artigo vigente, que prescreve que havendo abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, a requerimento da parte ou do Ministério Público, poderá o julgador, que os efeitos de determinadas obrigações, possam levar a constrição de bens particulares dos administradores ou sócios de uma pessoa jurídica.

Impende ainda ressaltar, que o Enunciado nº 51 da Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça assentou sobre a desconsideração tratada no artigo 50 do Código Civil que “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica “disregard doctrine” fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”.

E mais, o Enunciado nº 7 da Jornada do Superior Tribunal de Justiça, também assentou que “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido”.

Cumpre assinalar que a teoria da desconsideração de personalidade jurídica é aquela que concede ao Juiz, quando provocado, a possibilidade de desconsiderar a autonomia jurídica da pessoa jurídica e da pessoa de seus sócios, sempre que a pessoa jurídica tenha sido utilizada com escopos ilegais ou de causar prejuízos aos seus credores.

Nesses casos, o juiz poderá determinar a constrição de bens dos sócios, a fim de garantir crédito de credores da pessoa jurídica e/ou a constrição de bens da pessoa jurídica para garantia de credores do sócio devedor, podendo ainda se estender ainda mais, a constrição de bens de uma pessoa jurídica para garantia de dívidas de outras empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Em uma análise do artigo 50 do Código Civil de 2002, imperioso que tragamos à colação o comentário de  Maria Helena Diniz (2008, CC Anotado) que leciona a respeito da desconsideração da pessoa jurídica, afirmando,

[…]  Por isso o Código Civil pretende que, quando a pessoa jurídica se desviar dos fins determinantes de sua constituição, ou quando houver confusão patrimonial, em razão de abuso da personalidade jurídica, o órgão judicante, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, está autorizado a desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes de sócios que dela se valeram como escudo, sem importar essa medida numa dissolução da pessoa jurídica. Com isso subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios, mas tal distinção é afastada, provisoriamente, para dado caso concreto, estendendo a responsabilidade negocial aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Assim, como regra geral na aplicação da desconsideração de personalidade jurídica de pessoa jurídica, parte-se do pressuposto que responde o sócio com seu patrimônio particular pela obrigação da empresa. Embora exista uma regra geral diferenciadora do patrimônio da empresa e o de seus sócios, como titulares de patrimônios diferentes, este princípio da separação patrimonial deve ser superado e ceder em face de circunstâncias especiais e excepcionais.

Assim, a desconsideração de personalidade jurídica, necessariamente deverá ser embasada por provas robustas de que há desvio de finalidade, prática de atos ilícitos, abuso de direito, desonestidade, escondendo-se o sócio sob a máscara societária, com o fim único de se locupletar, desfrutando de benefícios, ocultando-se de qualquer regra ética, jurídica ou social.

Nesse diapasão, quando restar configurado, o desvio de finalidade da pessoa jurídica para qual fora constituída, em decorrência de sua utilização pelos sócios ou administradores, na intenção de prejudicar terceiros ou ainda uso indevido da finalidade social e a confusão patrimonial, ou seja, quando houver uma mistura do patrimônio da sociedade jurídica com o patrimônio particular dos sócios, com o condão de lesar terceiro, o magistrado, a pedido do interessado ou do Ministério Público, poderá, com base em prova robusta, desconsiderar a personalidade jurídica da pessoa jurídica, coibindo o abuso praticado pelos membros do quadro societário, sem, contudo, dissolver a sociedade.

Assim, a desconsideração da personalidade tem o escopo de transferir a responsabilidade para aqueles que, de modo indevido, utilizaram a sociedade. O Código Civil enumera dois pressupostos em que, em restando configurados, autorizarão a desconsideração da personalidade jurídica, a saber: a fraude e o abuso de direito.

3.1.A FRAUDE COMO PRESSUPOSTO PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A fraude é a utilização pelos sócios de uma pessoa jurídica, de caminhos indiretos para violar o texto legal, realizando por atos simulados ou não, como forma de ocultação de violação da lei. Trata-se de uma distorção maliciosa, através da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com o fito de causar prejuízos a terceiros.

Quando a simulação atua como meio de fraudar uma lei cogente, deixa de subsistir a idéia de simulação, figurando neste caso a fraude à lei, pois neste caso há uma violação da ordem pública.

Neste diapasão, convém salientar que fraude, no que se refere à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não será empregado um sentido amplo, no intento de que ela tudo corrompe, mas sim uma ótica restritiva à participação da pessoa jurídica na perpetração da fraude.

Com propriedade, há que se colacionar o entendimento jurisprudencial do E. Tribunal de Justiça do Paraná, que figura como sedimento e ventila que não basta que a pessoa jurídica não possua bens suficientes para garantia da execução, mas se faz necessário que haja comprovação efetiva de que além da insolvência, houve o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, sem os quais, impossibilitará a desconsideração, pois o mero inadimplemento não permite a desconsideração. ³

Conforme lição irreparável dos próprios arautos da “disregard doctrine”, ela foi concebida e legitima-se no objetivo de afastar a fraude que por meio da personalidade jurídica se perpetra contra terceiros.

Assim, em tempos mais recentes, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é sempre a identificação de alguma fraude, ou intenção de lesar, que levou ou tem levado os tribunais brasileiros, caso a caso, a afastar os obstáculos que eventualmente a personalidade jurídica poderia opor ao cumprimento das determinações do direito material e efetiva realização da justiça.

Também o Colendo Superior Tribunal de Justiça, das relatorias dos Ministros Barros Monteiro e Menezes Direito (2000, REsp 63.652 e AEREsp n. 86.502)  decidiu que “o juiz pode julgar ineficaz a personificação societária, sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros”.

No mesmo sentido, dissera o conceituado Min. Ruy Rosado de Aguiar (1996, REsp 86.502) que ”é possível desconsiderar a pessoa jurídica usada para fraudar credores”.

Neste mesmo passo, também José Lamartine Corrêa de Oliveira (1979, p.p., 608-609), associa a desconsideração da personalidade jurídica à “necessidade de maior atenção ao elemento ético na análise e interpretação do direito”.

Resta-nos, assim, que a rigorosa certeza de que o suporte principal da teoria da desconsideração consiste no combate à fraude e portanto sua imposição só será legitima quando houver uma concreta atitude fraudulenta, cujos efeitos sugerem pela extinção.

Portanto, sem fraude não há que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, sendo extraordinários na ordem jurídica os casos de desconsideração, mormente porque a fraude e a má-fé não são fatos ordinários na vida das pessoas e na movimentação comercial.

Em recente decisão o Superior Tribunal de Justiça no REsp 1346464/SP, julgado em 01.10.2013, da relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI,  decidindo sobre a legalidade em decretação da desconsideração da personalidade jurídica de empresa, motivada pela inatividade da sociedade empresária, somada à ausência de bens sujeitos à penhora, mormente se houve abuso da personalidade jurídica, com o encerramento da sociedade empresária, sem comunicação dos órgãos competente e sem deixar bens passíveis de penhora, possível é a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, para que a constrição recaia sobre bens de seus sócios.

3.2. O ABUSO DE DIREITO COMO PRESSUPOSTO PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Há que assinalar inicialmente que o abuso de direito como pressuposto para desconsideração de personalidade jurídica ocorrerá quando o sócio ou administrador quer seja por lei, quer seja com fundamento nos atos constitutivos da pessoa jurídica, em que pese esteja autorizado a praticar determinado ato como expressão regular do direito conferido, atua de modo a causar prejuízo à terceiro. Diversamente da fraude, no abuso do direito o ato em princípio nada tem de ilícito, mas mesmo assim não deve prevalecer, pois, foge a sua finalidade social.

Conceitualmente, podemos assinalar que, conforme prescreve Suzy Koury (1998, pág. 70),  “o abuso de direito corresponde a um ‘mau uso’ do direito, ou seja, ao exercício normal de um direito, estando o seu titular, todavia, desviado do fim econômico social para o qual aquele direito foi criado.”

Há abuso de direito, por exemplo, quando o sócio majoritário de um grupo de empresas não cumpre as obrigações oriundas das sociedades dependentes, em razão da presença de diversas pessoas jurídicas das empresas.

Em outras palavras, o abuso de direito envolve o excesso ou desmandos no exercício de um direito, ou seja, a pessoa extrapola os limites necessários na sua defesa, ou na satisfação dos direitos que lhe são legítimos.

O abuso, no caso em tela, é uma vontade de tirar proveito de uma situação fraudulentamente criada, e que, por outro lado, viabiliza que no fundo se alcance as vantagens indevidas.

4.A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

Conforme se verifica das análises até o presente momento, leva-nos constatar que a desconsideração da personalidade jurídica passou a afigurar como instrumento de grande valia no Direito Pátrio.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 2º, §2º, alberga a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiver sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis à empresa principal e cada uma das subordinadas.

Dessa forma, podemos inferir que na CLT não se faz exigível a presença de prova de fraude e nem de abuso para que empresas, do mesmo grupo da empregadora, sejam responsabilizados pelos débitos trabalhistas, apenas considerando como condição que todos integrem o mesmo grupo, a fim de que sejam solidariamente responsáveis.

Amador Paes de Almeida (2004, pág. 194) nos ensina que:

“[…] nenhum ramo do direito se mostra tão adequado à aplicação da teoria da desconsideração do que o direito do trabalho, até porque os riscos da atividade econômica, na forma da lei, são exclusivos do empregador […] No direito do trabalho a teoria da desconsideração da pessoa jurídica tem sido aplicada pelos juízes de forma ampla, tanto nas hipóteses de abuso [2]de direito, excesso de poder, como em casos de violação da lei ou do contrato, ou, ainda, na ocorrência de meios fraudulentos, e, inclusive, na hipótese, não rara, de insuficiência de bens da empresa, adotando, por via de consequência, a regra disposta no art. 28 do Código de Proteção ao Consumidor.”

Importa deixar claro que a teoria em questão é aplicada de modo abrangente na legislação trabalhista. A par disso, há que se registrar a previsão disposta no artigo 2º, §2º, da CLT, tem como objetivo tão somente fixar responsabilidade solidária entre as empresas componentes do mesmo grupo econômico para a satisfação das dívidas trabalhistas.

Nesse sentido, Suzy Koury (LTr 2004, pág. 22-28) entende haver previsão direta permissiva da desconsideração da personalidade jurídica na Consolidação das Leis do Trabalho, em face do seu artigo 2º, § 2º, lecionando que “Inicialmente, releva destacar que ao contrário do que defendem alguns estudiosos do Direito, a CLT, através do §2 do seu artigo 2º, consagra de forma efetiva e direta a “disregard doctrine”, podendo-se afirmar que se trata do diploma legal mais antigo em nosso ordenamento jurídico a fazê-lo.”

Isso porque, em regra, o descumprimento dos direitos trabalhistas configura o “desvio de finalidade”, conceito legal indeterminado presente no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que permite a desconsideração da pessoa jurídica para que os efeitos de certas e determinadas relações obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 

Nesse sentido são os precedentes jurisprudenciais do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região (AI, Relatora Desembargadora Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo/ Julgado em 09.06.2011), justificando que o descumprimento dos direitos trabalhistas, configura desvio de finalidade, conceito este presente no artigo 50 do Código Civil.

Da análise em questão, é possível denotar que assim como ocorre com o Código de Defesa do Consumidor, a Consolidações das Leis do Trabalho busca proteger sempre a parte hipossuficiente, que no caso o trabalhador/empregado, com vistas a alcançar a igualdade entre as partes.

Por outro lado, Thereza Christina Nahas (Artigo do site de Profª. Adriana Calvo), juntamente com a majoritária doutrina, posicionou-se no sentido de que o artigo 2º, § 2º, da Consolidação de Leis do Trabalho, apenas cria uma responsabilidade, sem, contudo, prever o instituto da desconsideração da personalidade jurídica diretamente.

Desse modo, não se vislumbra uma previsão expressa para a desconsideração da personalidade jurídica na Consolidação de Leis do Trabalho, tratando-se o § 2º do artigo 2º tão somente da solidariedade de grupos econômicos. Segundo esse dispositivo, o reclamante poderá recorrer a qualquer empresa que componha o grupo econômico para buscar seu crédito trabalhista, mesmo que as empresas do grupo possuam finalidades diversas, tendo em vista que o desenvolvimento de uma empresa, em regra, beneficia as demais empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Segundo entendimento pacífico no Tribunal Regional do Trabalho da Nona Região (2014, relatores LUIZ CELSO NAPP e UBIRAJARA CARLOS MENDES), a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito da justiça trabalhista, busca amparar a parte hipossuficiente, quando houver o encerramento das atividades sem que haja a satisfação do crédito trabalhista existente, sendo irrelevante a quantidade de cotas do sócio, o importante é que o mesmo usufruiu da força de trabalho despendida pelo empregado, devendo, pois, arcar com os débitos trabalhistas existentes, caso a pessoa jurídica não possua bens suficientes para garantia do débito.

Na desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho, há uma modificação do tomador dos serviços na relação empregatícia, o empregador, e isso ocorrem sem que haja qualquer prejuízo ao empregado, visto que o novo empregador será efetivamente responsabilizado pelos direitos trabalhista, como nos casos previsto pelos artigos 10 e 448 da CLT.

Assim, tal desconsideração consiste em desviar-se da pessoa jurídica, sem questionar sua regularidade ou existência, sem qualquer alteração, visto que o objetivo é alcançar pessoa física ou jurídica, para exigir obrigação da desconsiderada.

Veja-se que na seara trabalhista, não há qualquer preocupação quanto à condição do enquadramento do empregador dentro da sociedade, mas tão somente, a busca pelos créditos trabalhistas e a proteção do empregado, por se tratar de crédito privilegiado.

No direito pátrio, temos duas teorias de desconsideração. Uma denominada de Teoria Maior, mais abrangente, de maior consistência e abstração, que episodicamente condiciona o afastamento da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto.

A segunda denominada Teoria Menor, portanto de menor desenvolvimento, a qual se refere à desconsideração em toda e qualquer possibilidade executória do patrimônio do sócio por obrigação social, direcionada ao afastamento do princípio da autonomia pela simples inadimplência de crédito perante a sociedade. Esta teoria satisfaz-se com a simples demonstração pelo credor da inexistência de bens sociais e da insolvência de qualquer dos sócios, para atribuir a este a obrigação da pessoa jurídica.

Assim temos que denominada teoria menor diferencia-se da maior, simplesmente por procurar minimizar a sua complexidade, bastando apenas um pressuposto para a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, qual seja, de que haja uma inadimplência da sociedade, seja por insolvência, seja por falência.

A Justiça do Trabalho, no enfrentamento relativamente as norma reguladora da desconsideração da personalidade jurídica que melhor se ajuste ao Direito do Trabalho, no julgamento dos casos concretos que lhe são levados à apreciação, tem se posicionado, majoritariamente, pela aplicação artigo 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor.

Pela análise do “caput” do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, verificamos que o rol de possibilidades autorizadoras para aplicação da desconsideração, que traz esse dispositivo é amplo, constituindo-se dos casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência e encerramento ou inatividade da pessoa jurídica causados por má administração.

E mais, esse rol de possibilidades autorizadoras à aplicação da desconsideração, aumenta ainda muito mais, ao prever o § 5º do citado artigo, que a pessoa jurídica poderá ser desconsiderada inclusive quando esta for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Assim, na Justiça Trabalhista, o caráter protecionista é dirigido pelo princípio da proteção, no qual o fim maior do Direito do Trabalho é a tutela jurídica ao trabalhador. Busca, portanto, a igualdade nas relações de trabalho, buscando o equilíbrio entre a condição econômica de submissão e inferioridade do trabalhador frente ao empregador.

Tal é a importância deste princípio no direito juslaborativo, que não podemos deixar de trazer a colação as lições de Arnaldo Süssekind (2011, p.p., 1116-117) que lecionando sobre o tema diz

 “... o princípio protetor, ou da proteção ao trabalhador, erige-se como o mais importante e [3]fundamental para a construção, interpretação e aplicação do Direito do Trabalho. A proteção social aos trabalhadores constitui a raiz sociológica do Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu sistema jurídico.”

O Direito do Trabalho, conforme ensinamentos do ilustre mestre Maurício Godinho Delgado (2010, p. 53), tem por precípuo escopo a “melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica”.

Nesse aspecto, a principal finalidade é o princípio da proteção do trabalhador, de modo a interpretar e aplicar as regras trabalhistas, haja vista que tais regras buscam abrandar a situação real de hipossuficiência do trabalhador perante seu empregador.

Assim podemos concluir que a desconsideração da personalidade jurídica, baseada na teoria menor, torna-se mais capaz com o propósito enveredado no âmbito da justiça do trabalho, tendo como fim a proteção do trabalhador, em um caso concreto, enfraquecidas pelas desigualdades econômicas.

Dessa forma o direito trabalhista disporá da aplicação do instituto desconsideração da personalidade jurídica, buscando sempre a devida satisfação dos créditos trabalhistas, quando a sociedade se mostrar inidônea para tanto.

5. A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Em que pese à legislação pátria não regular expressamente o tema, tanto a doutrina quanto a jurisprudência há tempos vem admitindo a existência deste instituto, denominando-o de "desconsideração inversa da personalidade jurídica". 

Mesmo não existindo uma norma vigente que trate expressamente sobre o tema, tanto a jurisprudência quanto a doutrina tem admitido o modelo de "desconsideração inversa" em situações excepcionais. A 3ª Turma do STJ, no REsp 948.117-MS, julgado em 22.06.2010, por meio da relatoria da Ministra Nancy Andrighi ponderou:

"considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma".

           

Na Desconsideração Inversa temos a possibilidade de se invadir o patrimônio da empresa, por dívidas contraídas por um de seus sócios, ou seja, é admitido desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizá-la por obrigações assumidas por um ou mais sócios.

Há que se ressaltar ainda, que mesmo que o devedor seja uma pessoa jurídica e que esta ou seus sócios não possuem bens suficientes para garantia do débito, mas, o credor, conseguindo comprovar a existência de outra empresa, da qual os sócios da empresa devedora fazem parte do quadro societário e esta possua bens, possibilitará nesse caso, ao juiz, a desconsideração inversa, para que recaia sobre os bens desta empresa não devedora, mas que tem como sócios os mesmos da devedora, a constrição para garantia do credor.

A Desconsideração Inversa coíbe a fraude, o abuso de direito e, principalmente, o desvio de bens, ou seja, o sócio devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica ou de uma pessoa jurídica para outra, das quais faz parte de seu quadro societário, esvaziando seu patrimônio pessoal ou de uma das empresas, se beneficiando, com o objetivo de fraudar terceiros.

O Enunciado 283 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (JORNADA DE DIREITO CIVIL, 2007, p. 36), dispõe que “é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo à terceiro.”

Para se desconsiderar a personalidade jurídica de forma inversa uma personalidade jurídica, utiliza-se o mesmo fundamento da desconsideração propriamente dita, punindo os abusos da pessoa e da personalidade jurídica. Por exemplo, quando o sócio de uma sociedade, para evitar que os bens de sua propriedade sejam executados por seus credores, transfere-os para a própria sociedade, frustrando a possibilidade de esses bens responderem por suas dívidas, operando verdadeiro desfalque patrimonial, seria possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para que os bens desta respondam pelas dívidas do sócio. No exemplo dado, a autonomia patrimonial de que goza a sociedade claramente foi utilizada de forma abusiva, com desvio de finalidade.

Um dos grandes defensores dessa teoria é o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 45-46), que brilhantemente leciona que,

“a teoria da desconsideração visa coibir fraudes perpetradas através do uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Sua aplicação é especialmente indicada na hipótese em que a obrigação imputada à sociedade oculta uma ilicitude. Abstraída, assim, a pessoa da sociedade, pode-se atribuir a mesma obrigação ao sócio ou administrador (que, por assim dizer, se escondiam atrás dela), e, em decorrência, caracteriza-se o ilícito. Em síntese, a desconsideração é utilizada como instrumento para responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade. Também é possível, contudo, o inverso: desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação de sócio.”

A fundamentação legal utilizada para aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica são aquelas previstas no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, o qual prescreve que “Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”.

Portanto, para que haja fundamento na aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica, necessário se faz que tenhamos uma das situações previstas no artigo 50 do CC, ou seja, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. E, são somente nessas situações, não havendo qualquer outra possibilidade de aplicação da teoria.

Em decisão recente, datada de 05/06/2012, o Superior Tribunal de Justiça, julgando AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR 19142/PR (EXECUÇÃO FISCAL), em que foi Relator Ministro CASTRO MEIRA decidiu que a desconsideração inversa é medida extrema, a qual somente deve ser implementada, após o exaurimento de todos os meios para satisfação do crédito exeqüendo, bem como tal medida deva ser provocada pelo credor e jamais ex offício pelo magistrado.

O r. acórdão deixa claro que para a desconsideração inversa da personalidade jurídica deve haver comprovação de transferência de patrimônio eivada de fraude, má-fé, ou abuso de direito, e não apenas meras suposições não demonstradas.

6. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E OPRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Sempre que se falar em ônus probandi, há que se pensar na existência de um processo ou ao menos um incidente processual, que sejam adequados para realização da prova. Assim, indispensável é que seja colocado previamente em um processo ou fase de conhecimento, ou ao menos em um incidente idôneo de processo ou fase executiva, todos os fatos que o credor afirme como caracterizadores de abuso da personalidade jurídica. Nesse processo ou incidente, o julgador decidirá embasado por regular contraditório, declarando se efetivamente houve fraude e consequentemente os bens do sócio responderão ou se, ao contrário, não se tenha constatado qualquer fraude, portanto, nenhuma personalidade há de ser desconsiderada. Essas linhas norteadoras para o tema, foram elencadas, no mais elevado patamar de controle judicial, pelo Superior Tribunal de Justiça, pela Ministra Eliana Calmon (REsp n. 278.744, 2002, pág. 220) decidindo que

“resulta das garantias constitucionais do processo que, para desconsiderar personalidades jurídicas e atingir o patrimônio do responsável não-devedor, é indispensável oferecer a este prévia oportunidade para se defender em contraditório. Se a execução já foi instaurada, quer por título judicial ou extrajudicial, é indispensável citá-lo, como ordinariamente exige o Superior Tribunal de Justiça ao autorizar o redirecionamento da execução em caso de não serem encontrados bens da pessoa jurídica indicada no título.”

Também não basta que a pessoa jurídica que se pretenda desconsiderar seja citada, necessário que seja oportunizada a defesa, antes da constrição dos bens, pois, caso contrário, como bem discorre Cândido Rangel Dinamarco em sede doutrinária, “não basta a citação porque, sem um mínimo de oportunidade de defesa antes da captação de bens do sujeito, essa citação não valeria mais que um convite a assistir ao próprio velório.”

Portanto, ao credor deve ser oferecida a oportunidade de provar os fatos caracterizadores da fraude, sob pena de não poderem ser reconhecidos pelo juiz e, consequentemente, de não poder ser desconsiderada a personalidade jurídica. E, de igual modo, também ao suposto responsável, ser-lhe oferecida oportunidade idênticas e antes da decisão, sob pena de a desconsideração ser nula por infringência às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

A legislação em vigor, no que se refere aos procedimentos executivos não oferecem abertamente dilações, mas é imperioso instituir um incidente inicial na execução, ainda que sem lei expressa a respeito, caso contrário, não se poderá responsabilizar legitimamente aquele cujo patrimônio o exeqüente pretende penhorar. Dessa forma, será necessário que lhe seja oportunizada uma discussão sobre a alegada responsabilidade, procedendo-se a uma instrução, encerrando com uma decisão a cerca da desconsideração ou não da personalidade jurídica. Tendo sido o suposto responsável citado, realizando o contraditório, com a coleta de prováveis provas e ao final decidindo-se, pois, somente a partir de então, o sócio estará incluído no título executivo, passando a ter legitimidade para figurar no pólo passivo da execução, nos termos do artigo 568, inciso I, do Código de Processo Civil.

Reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça proclamam a desnecessidade de propor uma ação, ou seja, a desnecessidade de um processo de conhecimento no qual se declarasse a extensão da obrigação ou responsabilidade ao sócio pelas obrigações da sociedade. Votos da Min. Nancy Andrighi e do Min. Eduardo Ribeiro, ao decidirem, entenderam que uma decisão incidente no processo seja o suficiente, dando oportunidade ao terceiro atingido de se utilizar dos recursos cabíveis, defendendo seus interesses – com o que, obviamente, provocarão outras novas decisões do Poder Judiciário, sobre a desconsideração inicialmente imposta.

Importante é que diante do princípio das garantias constitucionais do contraditório, o julgador deverá provocar a manifestação do terceiro, antes que se decida pela desconsideração ou, ao menos, antes da medida constritiva do patrimônio deste.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, também já decidiu que “a desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que só pode ser decretada após o devido processo legal, o que torna a sua ocorrência em sede liminar, mesmo de forma implícita, passível de anulação (Min. José Delgado).”

A doutrina também se posiciona nesse sentido, de que em não havendo o devido processo legal, fere-se os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, conforme leciona Fábio Ulhoa Coelho (2000, pp. 48 ss) “simples despacho, em processos de execução movidos contra a sociedade, determinando a penhora de bens dos sócios importam flagrante desobediência ao direito constitucional e ao devido processo legal.”

Entretanto, na prática, observamos inúmeras decisões desrespeitando os princípios constitucionais, principalmente em sede de execuções fiscais, que no afã de satisfazer créditos a todo custo, independentemente de qualquer instrução e até mesmo sem a prévia citação do suposto responsável, o que certamente podem acarretar muitas injustiças, no ímpeto de praticarem a justiça.

7. CONCLUSÃO

Na ordem jurídica há o reconhecimento de que a pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica distinta dos membros que a compõem é um instrumento de suma importância para o crescimento econômico e tecnológico do país.

Entretanto, a pessoa jurídica dotada de autonomia patrimonial passou a ser instrumento para a prática de abusos e fraudes em benefício dos sócios que a compõem. A fim de coibir os abusos praticados sob véu da pessoa jurídica, a doutrina desenvolveu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

A teoria da desconsideração consiste no afastamento da autonomia patrimonial na hipótese de fraude, caracterizada por abuso de poder ou desvio de finalidade, para responsabilizar os sócios ou administradores, em favor dos credores prejudicados.

Essa teoria tem caráter excepcional, ou seja, a personalidade jurídica da pessoa jurídica se mantém regular para os fins legítimos, pois a teoria da desconsideração incide somente no caso concreto em que se provar o abuso da personalidade jurídica.

Assim, a teoria da desconsideração não pode ser confundida com as hipóteses legais de responsabilidade direta e pessoal dos sócios ou administradores. Pois, nesses casos o que a lei visa refrear é a atuação do sócio e não o desvio de finalidade da pessoa jurídica.

Além da desconsideração propriamente dita, mesmo sem definição legal, vem se desenvolvendo a desconsideração inversa, a qual desconsidera a personalidade jurídica para responsabilizar a pessoa jurídica por obrigação pessoal do sócio ou, uma terceira pessoa jurídica para responsabilizá-la por dívidas de outra pessoa jurídica, porém, com o mesmo quadro societário ou semelhante. Há divergências em nossa doutrina, mas predomina o entendimento de que, havendo abuso de direito ou confusão patrimonial, prescrita no artigo 50 do Código Civil, aplica-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Tem-se, portanto, que a desconsideração inversa da personalidade jurídica ocorre somente em caso de abuso de personalidade jurídica que é revelado sob duas formas, que são o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, e só.

Ou seja, a quebra da autonomia patrimonial é deferida pelo Magistrado quando for comprovada a prática de atos maliciosos, de fraude, de abuso ou de simulação por parte dos sócios, e que sirvam para prejudicar terceiros.

Recentes decisões do judiciário vêm reconhecendo a possibilidade de desconsiderar-se inversamente a personalidade jurídica abrindo assim, a possibilidade de afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica como meio de responsabilizar a sociedade por obrigações contraídas pelo sócio ou administrador, quando concretizada a fraude do desvio de bens.

A característica de excepcionalidade na aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica, afirmada pelas decisões, permitem a conclusão de que a autonomia patrimonial é ainda o princípio norteador na responsabilização societária, sendo seu afastamento, exceção, somente permitida quando presente os pressupostos legais autorizadores.

Com efeito, sendo um mecanismo excepcional, deverá ser aplicado com cautela, de forma fundamentada e efetiva comprovação, sob pena de destruição do instituto da pessoa jurídica e, conseqüentemente, aos direitos da pessoa física. 

REFERÊNCIAS:

1. KOURY, SUZY ELIZABETH CAVALCANTE. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. FORENSE 1995. p. 139.

2.REQUIÃO, Rubens, “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, RT, São Paulo, 410:12-24, dez. 1969

3.REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1977b. pg.69 e 156

4. KOURY, SUZY ELIZABETH CAVALCANTE. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. FORENSE 1995. p. 89

5.  CCB, Tit. II, DAS PESSOAS JURÍDICAS, Art. 50.

6. Diniz, Maria Helena no Código Civil Anotado - 13ª edição, 2008

7. TJPR, 15ª Câm. Cív., Agr. Instr. 746.776-9, rel. Jurandyr Souza Junior, j. 13/04/2011.

8. STJ, 4ª T., REsp 63.652, j. 13.6.00, rel. BARROS MONTEIRO, v.u., DJU 28.8.00, p. 134.V. ainda STJ, 2ª Secção, AEREsp n. 86.502, j. 30.6.97, rel. MENEZES DIREITO, v.u., DJU 30.6.97, p. 30.508

9. STJ, 4ª t., REsp 86.502, j. 21.5.96, rel. RUY ROSADO DE AGUIAR, v.u., DJU 26.8.96, p. 29.693 (RISTJ 90/280)

10. Corrêa, J. Lamartine. A Dupla crise da pessoa jurídica cir., 1979, cap. VI, n. 3, PP. 608-609

11. STJ. REsp 1346464/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 28/10/2013

12. KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 70.

13. ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 194.

14. KOURY,Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica e a efetividade da execução trabalhista. Revista LTr: Legislação do Trabalho, São Paulo, v. 68, n.1,p 22-28 2004. p. 23.

15. Ementa: Desconsideração da Personalidade Jurídica da Executada. Responsabilidade Pessoal do Sócio. O descumprimento dos direitos trabalhistas configura o “desvio de finalidade”, conceito legal indeterminado presente no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que permite a desconsideração da pessoa jurídica. Logo, exauridas as tentativas de execução contra a pessoa jurídica, cabe deferir o redirecionamento da execução aos sócios da executada. Apelo a que se nega provimento. (Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região/ Agravo de Petição Nº 0156100-55.1997.5.04.0291/ Relatora Desembargadora Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo/ Julgado em 09.06.2011)

16. Nahas, Thereza Christina, artigo DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE DIRETA NO ÂMBITO DO DIREITO DO TRABALHO, site

http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/thereza_christina_nahas/thereza_nahas_desconsideracao_da_personalidade.pdf

17. TRT-PR-02264-2006-658-09-00-9-ACO-27520-2014 - SEÇÃO ESPECIALIZADA Relator: LUIZ CELSO NAPP - Publicado no DEJT em 26-08-2014

18. TRT-PR-37011-2012-013-09-00-4-ACO-27155-2014 - 7A. TURMA - Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES - Publicado no DEJT em 22-08-2014

19. SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 116-117.

20. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Ltr, 2010. p. 53.

21. STJ. REsp 948.117-MS.Ministra Nancy Andrighi. J. 22.06.2010

22. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2: direito de empresa 10ª ed. São Paulo: Saraiva: 2007, p. 45-46

23. STJ. AgRg na MC 19142 / PR. Rel. Min. Castro Meira. J. 05.06.2012

24. STJ, 2º T., REsp n. 278.744, j. 19.3.02, rel. Eliana Calmon, v.u., DJU 29.04.02, p. 220.

25. Dinamarco, Cândido Rangel, “DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, FRAUDE, ÔNUS DA PROVA E CONTRADITÓRIO” cit. n. 266, esp. p. 542.

26. STJ, 3ª T., RMS n. 16105, j. 19.08.03, rel. Nancy Andrighi, v.u., DJU 22.9.03, p. 314.

27. STJ, AgRg no RESP n. 422583, rel. José Delgado, 1ª T., v.u., j. 20.6.02, in RSTJ 161/54.

28. Coelho, Fábio Ulhoa, A teoria de desconsideração da personalidade jurídica e o devido processo legal, Repertório de Jurisprudência – RJ 3, n. 2, 2000, PP. 48 ss.


³   "Desconsideração da Personalidade Jurídica. Para que seja possível o decreto de desconsideração da personalidade jurídica não basta que a empresa não tenha bens suficientes para adimplir a execução, é necessário que haja comprovação, além da insolvência, do abuso pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, nos termos do art. 50 CC/2002. Não restando comprovados os requisitos legalmente exigidos, descabe a desconsideração. Recurso desprovido." (15ª Câm. Cív. do TJPR, Agr. Instr. nº 746776-9, Rel. Jurandyr Souza Junior, j. 13/04/2011).


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