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Antropologia e direitos humanos: a evolução conceitual sobre velhice e ampliação dos direitos dos idosos

Antropologia e direitos humanos: a evolução conceitual sobre velhice e ampliação dos direitos dos idosos

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SUMÁRIO: Introdução, 1 Concepção de velhice para o idoso, 2 Concepção de velhice para sociedade, 3 O estatuto do idoso, 3.1 A conquista dos direitos e suas benfeitorias, 3.2 Alguns dilemas que devem ser superados, 4 O idoso e sua relação com a sociedade, Conclusão, Referências.

RESUMO: O presente paper visa esclarecer a evolução do conceito de envelhecimento, bem como a influência desse progresso conceitual na conquista de direitos para os idosos. A forma como se relaciona com a sociedade e consigo mesmo, além de discutir sua importância cultural para a comunidade em que vivem.

PALAVRAS-CHAVE: Idoso, Estatuto do Idoso, direitos, envelhecimento. 


Introdução 

O conceito acerca do envelhecimento está sofrendo alterações desde uma considerável diminuição na taxa de mortalidade dos idosos, que devido ao crescimento tecnológico estão obtendo uma vida mais saudável, e conseqüentemente, mais duradoura. Esse acontecimento gerou uma alteração no antigo conceito acerca do envelhecer que provocou reflexos sociais e jurídicos favoráveis ao idoso.

É necessário compreender, inicialmente, a concepção de velhice a partir do ponto de vista do idoso para em seguida nos atermos à concepção que a sociedade lhes atribui. Analisaremos as conseqüências de tais mudanças tanto no campo jurídico, no âmbito das novas leis formuladas com intuito de ampliar os direitos dos idosos quanto no campo social. Não deixando de advertir sobre os entraves que terão que ser embatidos pelo Estado para que os cidadãos da terceira idade ocupem seu lugar no espaço público e contribuam de forma eficaz para o desenvolvimento da sociedade, já que este grupo possui um conjunto de conhecimentos que fazem parte de um saber interior, incapaz de ser trocado, vendido ou roubado.

A Antropologia está intimamente ligada a essa evolução dos direitos dos idosos e da conceituação de envelhecimento, uma vez que ela é o estudo do homem e da humanidade de maneira totalizante, ou seja, abrangendo todas as suas dimensões. Dedicando sua atenção à jornada percorrida por este desde as sociedades primitivas até a contemporaneidade.


1 Concepção de velhice para o idoso:

É necessário entender a concepção de velhice a partir do ponto de vista dos idosos, bem como da sociedade a qual estão inseridos.

A finitude é um fato conhecido pelos homens, mas nem sempre compreendido. Todos os seres humanos estão cientes que a morte é inevitável, mas na maioria das vezes, ela é encarada de forma inconcebível. Os homens tendem a agir de forma inconformada perante tal.

Morrer em qualquer idade é uma possibilidade, morrer na velhice é um fato. Na medida em que o indivíduo se aproxima da velhice, conseqüentemente da morte, ele inicia, na maioria dos casos, um período de pessimismo em sua vida.

O ser humano reconhece-se finito, mas, no fundo, está convencido ou iludido da sua própria imortalidade. Apesar de sabermos que a morte existe, embora traumatizados pela morte, vivemos igual cegos à morte, como se os parentes, como se nossos amigos e nós próprios não tivéssemos nunca de morrer. (LOUREIRO,Altair Macedo, 19998, p,77)

O conceito tanto de velhice quanto de morte vem a partir da própria visão de vida que cada um traz consigo. Aquele que desde cedo souber encarar a vida de forma consciente e produtiva conseguirá com maior facilidade obter a compreensão do estar idoso. Para um envelhecimento feliz, é necessária a conscientização por parte dos cidadãos da terceira idade acerca do processo de envelhecimento, o qual não deve ser visto como etapa que os aproxima do falecimento, mas fase em que este grupo etário inicializará sua função social como memória viva da sociedade, transmitindo para gerações mais recentes suas experiências, valores e sabedoria


2 Concepção de velhice para sociedade:

Não basta apenas que o idoso tenha uma concepção produtiva sobre o envelhecimento, é necessário que a sociedade capitalista supere o preconceito do idoso como ser que em nada mais pode colaborar, estando submetido à espera da perda de sua força física e da solidão.

No Brasil, 15 milhões de pessoas, 8,6 % da população, já ultrapassaram os sessenta anos. Estimativas indicam que em 2025 o país terá mais que o dobro do número de idosos existente hoje: 32 milhões[3]. Esse aumento demográfico no envelhecimento populacional é conseqüência dos avanços científicos, especialmente na medicina, resultando em enorme melhoria na expectativa de vida desses cidadãos. Tal fato conduziu a sociedade à necessidade de uma nova interpretação sobre o envelhecimento, já que a população convive com um número cada vez maior de idosos, tanto no espaço público, como na vida privada.

O novo conceito de velhice considera essa parte da população sujeitos efetivamente existentes, sendo participantes em suas comunidades de forma autônoma, ativa e independente. Superando o antigo protótipo da velhice como conceito apenas biológico e fisiológico e contribuindo para melhor realização dos direitos humanos dos idosos.

O aumento do grau de estudo bem como a ampliação das comunicações de massa colaborou para essa mudança de paradigma.

É possível que o envelhecimento seja o período vital com maior número de alternâncias conceituais. Desde as sociedades antigas, o tema apresenta freqüentes mudanças e ambigüidades nos argumentos sobre as possibilidades das pessoas idosas nas estruturas sociais e econômicas.

É verdade que a atual conjuntura mundial e nacional vem evoluindo no sentido de incluir os idosos na democracia e cidadania, ajudando-o a resgatar sua auto-estima e sociabilidade. No entanto, é válido ressaltar que em sociedades com altos índices de desemprego, como no Brasil, esse novo modelo de envelhecimento ativo e produtivo não ultrapassa o campo teórico, uma vez que com o preconceito existente os idosos não possuem disposição para “caçar” empregos, permanecendo presos às suas aposentadorias.

O homem fragiliza-se ao envelhecer nessa sociedade. E para os fracos, não há mais lugar na sociedade da eficácia, fazendo com que nada mais seja possível para eles. Não lhes é permitido errar nem ter defeitos. Tudo lhes parece passar para o plano da impossibilidade.(SARTRE,1960,p.80)

O Estado deve contribuir com programas que incentivem a sociedade na construção de campanhas de conscientização, atuação nos órgãos de defesa dos direitos dos idosos e desempenho nos setores de pesquisa e educação para a terceira idade.


3 O Estatuto do Idoso:

3.1  A conquista dos direitos e suas benfeitorias: 

O conceito atual de idoso vem histórico e culturalmente sendo alterado para adequar-se às necessidades da sociedade contemporânea e de seus interesses econômicos e políticos. Assim, verifica-se o surgimento de necessidades de políticas públicas, adequação do mercado produtivo e de reorganização social para os idosos.

Junto a essas políticas que visam oportunizar situações educativas e de cidadania para os idosos, fez-se necessária uma nova legislação, um estatuto que contemplasse esse novo conceito de velhice e seus direitos.

O Estatuto do Idoso, ou melhor, da Pessoa Idosa, é uma lei que particulariza para essa faixa etária, os direitos fundamentais previstos na Constituição, considerando o envelhecimento um direito personalíssimo e sua proteção um direito social (art. 8° do Estatuto do Idoso). Em conseqüência, define a garantia de prioridade para a pessoa idosa, os direitos á vida, á dignidade, á seguridade social, entre outros. Define ainda, as obrigações das instituições para idosos e prevê sanções com casos de violação de seus direitos.

O crescimento exorbitante do envelhecimento populacional nacional é um desafio que o Estatuto do Idoso vem tentando enfrentar com maior realismo.

O fato é que todos os direitos previstos no estatuto atual são fundamentais, porém, é o direito de aprender e de usar esse aprendizado para se inserir em uma cultura que melhor faz com se perceba que a velhice é apenas continuar da vida, somar de experiências e  comunicar-se e estar em comunhão com o restante do mundo.

O exercício dos direitos á educação e à cultura proporcionam uma maior consciência de demais direitos e da condição de cidadão. Tendo-se a percepção de cidadão, o individuo tem desejo, vontade de viver, de continuar sua formação, de apostar na essência de seu ser. E acreditando em si, acredita ter o poder de colaborar através de sua vida, de seu trabalho na comunidade em que vive.

Esses deveres levam ao idoso a se sentir fundamental na construção do momento histórico, cultural, social e político na sociedade em que vive.

3.2 Alguns dilemas que ainda devem ser superados : 

Apesar de todas as benfeitorias que o Estatuto do Idoso trouxe nem todos os direitos que nele estão reservados são compridos devidamente, e seu principal objetivo que é trazer conforto e bem-estar os idosos não é alcançado por todos eles.

Uma pesquisa feita pelo SESC em abril de 2006, revelou alguns problemas que apesar da existência do Estatuto do Idoso ainda existem no Brasil. Foram entrevistados 2.136 pessoas com 60 anos ou mais. A investigação foi realizada em 204 municípios pequenos, médios e grandes de todas as regiões do país.[4]

De acordo com a pesquisa, entre a população idosa, o analfabetismo funcional totaliza 49%. Destes, 23% declaram não saber ler e escrever o próprio nome. Esse fato faz com que se perceba que há necessidade de uma melhoria na política educacional para esse segmento etário.

Outro fator preocupante é a violência, 35% dos idosos declararam já terem sofrido algum tipo de maus tratos (ofensas, tratamento com ironia, humilhação devido à idade, recusa de emprego, falta de acesso a remédios, apropriação indevida de bens, lesão corporal etc.). Essa questão ressalta a importância do desenvolvimento de mecanismos sociais de vigilância, mas também da conscientização por parte do idoso de outras formas de violência em seu cotidiano (p.ex. precariedade de serviços), sobretudo quando envolve idosos em condições vulneráveis de saúde e financeiras.

Na área de saúde, 26% das mulheres da Terceira Idade nunca fizeram exames ginecológicos e 42% dos homens idosos nunca fizeram o exame de próstata. Considerando a gravidade desse tipo de câncer, pode-se concluir o quanto deve ainda ser feito em campanhas nessa área.

O próprio Estatuto do idoso que é a mais importante ferramenta de defesa dos direitos sociais dos idosos é mais conhecido entre os mais jovens. 27% dos idosos revelaram desconhecimento total a respeito. Esse fato coloca à sociedade brasileira um importante desafio, pois a inclusão social depende não somente do acesso à informação, como também da capacidade de processá-la. Cabe aqui lembrar o alto índice de analfabetismo funcional dos idosos, e a urgência no estabelecimento de uma política educacional.

Portanto, apesar de estarem assegurados os direitos dos idosos, ainda há muito que fazer por eles. Uma lei, por si só, nada pode transformar. Somente a atuação coletiva e individual pode modificar o modo como cada sujeito se coloca diante da sociedade, e apenas assim os direitos serão devidamente compridos.


4  O Idoso e a sua relação com a sociedade: 

A maior tarefa da humanidade é, no momento, fazer da democracia um espaço de convivência entre os diferentes, fundada no respeito, na legitimidade do outro, apostando em um projeto comum que busca a justiça e a ética entre os indivíduos.

Ser idoso no mundo de hoje, assim como ser criança, jovem e adulto remete configurações de valores distintas de outros momentos históricos de nossa sociedade e de outras culturas. As diferenças de gêneros de classes, de crenças religiosas, de etnia, estão, necessariamente, presentes na construção das representações e das experiências do envelhecer.

A consideração da diversidade cultural e a reflexão sobre essas diferenças são aspectos fundamentais para a compreensão do envelhecimento como um processo comum a todos através das formas distintas e específicas que cada pessoa individualmente assume.

Atualmente, pensar na construção de uma sociedade para todos, significa lidar com a diversidade humana e acreditar nos princípios fundamentais de igualdade e solidariedade, para possibilitar o surgimento de atitudes que ajudem a formar um meio social mais igualitário.

O livro A Velhice, de Simone Beavouir, discute as dificuldades da velhice, as angústias e limitações contemporâneos, chamando a atenção para o fato de que nossa sociedade tem cerrado os olhos para os idosos.

De acordo com Beavouir, a sociedade formula em relação a velhice uma série de clichês e mesmo quando se considera um homem idoso objeto da ciência, da história ou dos estudos da sociedade, faz-se uma descrição meramente exterior, ou seja, o idoso é descrito pelo outro e não por ele próprio.

Não se consegue penetrar na interioridade dos sentimentos dos idosos em relação á vida, ao seu próprio corpo, á sociedade e as transformações culturais a que estão vivendo.  Sendo assim, a observação exterior é que se transforma em imagens do envelhecimento.

O momento atual é de redefinição das imagens dominantes sobre a pessoa idosa e dos principais pontos e princípios que orientaram os estudos sobre o envelhecimento. Tradicionalmente procurou-se entender o envelhecimento como forma de encontrar sua superação. Nas duas últimas décadas, o principal objetivo passou a ser o entendimento da realidade dessas pessoas e a abertura de espaços para a participação delas nas diversas estruturas sociais. Em outras palavras, observa-se a transformação de uma abordagem historicamente centrada nos aspectos individuais e biológicos da velhice, para uma perspectiva que identifica as pessoas idosas como um setor social de extrema importância.

Nesse sentindo, afirma-se que a velhice muito mais que um processo biológico é uma construção social. (Bazo, 1996).

Dessa forma, verifica-se que as funções sociais do idoso, que é de memória viva da sociedade, representa não apenas o vinculo principal de transmissão de experiências e de valores de uma cultura, mas principalmente um vínculo extremo de produção da mesma.


Conclusão

 Através do presente trabalho, conclui-se que a sociedade deve estar sensibilizada com seu processo de envelhecimento, que é um fenômeno universal. Ao criar planos e viabilizar políticas que cuidem da infância e da mulher, por exemplo, a sociedade deve também destacar seus cuidados com a terceira idade, pois somente assim ela poderá ser uma sociedade que respeita e valoriza todas as fases da vida.

A doença, a fragilidade, a inatividade, a dependência e a solidão são imagens que devem ser afastadas da terceira idade. A velhice deve ser considerada uma fase feliz, um momento de transmissão de experiência e sabedoria, apenas um continuar a vida e o envelhecimento deve ocorrer com dignidade. Para que tal ocorra, toda sociedade deve participar desse processo e uma das formas de alcançar essa compreensão por parte da sociedade é através do estudo da Antropologia.

A Antropologia é o estudo do homem e da humanidade em sua totalidade, abrangendo suas dimensões biológicas, sociais e culturais; incluindo sua origem, seus agrupamentos e relações sociais, comportamento, desenvolvimento social, cultural e físico, suas relações com o meio natural, variações biológicas e sua produção cultural. Ou seja, a antropologia procura estudar a humanidade em todos os seus aspectos, não exclui raça, etnia, religião ou até mesmo idade. Através dessa forma de ver o mundo, o homem poderá conviver e compreender as diferenças entre os próprios homens.


REFERÊNCIAS: 

LOUREIRO, Altair Macedo Laud. A velhice, o tempo e a morte: subsídio para possíveis avanções do estudo. Brasília: Unab,1998.<http://www.bancoreal.com.br/campanha/talentos/7concurso/MO_MIRIAM.pdf> Acesso em: 24.out.2010.

SARTRE, J.P. Critique de La raison dialectique. Paris: Gallimard, 1960.<http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/pesquisaidosos2007/prefacio.asp> Acesso em:  24.out.2010.

MAGALHÃES, DN. A invenção social da velhice. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1989.<http://www.bancoreal.com.br/campanha/talentos/7concurso/MO_NALDEMIR.pdf> Acesso em: 24.out.2010.

BEAVOIR, Simone. A velhice: realidade incômoda. 2 Ed. São Paulo: DIFEL, 1976.

BAZO, Maria Teresa. “Aportaciones de las personas mayores a la sociedad: análisis sociológico”.Revista de Investigación Sociológica. 73, 1996.

[3] <http://www.bancoreal.com.br/campanha/talentos/7concurso/MO_MIRIAM.pdf> Acesso em: 24 out.2010.

[4] <http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/pesquisaidosos2007/prefacio.asp> Acesso em: 24.out.2010.

Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/antropologia-e-direitos-humanos-a-evolucao-conceitual-sobre-velhice-e-ampliacao-dos-direitos-dos-idosos/126736/#ixzz3KTmJ2RIk



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