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Os princípios administrativos como instrumentos da correta aplicação da lei na administração pública

Os princípios administrativos como instrumentos da correta aplicação da lei na administração pública

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A avaliação de uma determinada questão no direito torna-se possível a partir da determinação não só de como atua o conjunto de normas e leis que regem a matéria, mas principalmente de que forma os princípios normativos que as fundamentam se correlacionam com a vontade social no presente momento.

Cabe ao operador do direito, como intérprete do sistema jurídico que envolve o conjunto de condutas, princípios, normas e leis evocadas pela sociedade, para regular as mais diversas matérias que afligem o cotidiano da humanidade, delinear o horizonte de aplicação do direito frente às condições estabelecidas por determinada época e contexto histórico.  

Os princípios são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam toda a estrutura jurídico-normativa que baliza o Direito. Além disso, são vetores interpretativos; servem para orientar a correta interpretação das normas avulsas.

A doutrina é uníssona no sentido de que as normas jurídicas podem comportar uma pluralidade de interpretações; os princípios servem exatamente para indicar, dentre as interpretações possíveis diante do caso concreto, qual deve ser obrigatoriamente adotada pelo aplicador da norma, em face dos valores consagrados pelo sistema jurídico.

Os princípios que regem a Administração Pública foram determinados pela Constituição Federal de 1988, que em seu art. 37 prevê que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”.

Acrescenta-se, ainda, aqueles previstos na legislação infraconstitucional, dispostos no art. 2º da Lei nº 9.784/99: "A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência".

Com a promulgação da Constituição Federal, no ano de 1988, a forma de atuação do Estado brasileiro passou a se caracterizar pela notável preocupação do legislador em adequar a legislação aos princípios administrativos, podendo ser citada como exemplo a edição da Emenda Constitucional nº 19/98.

A partir desse momento a Administração tende a atuar pelo prisma da juridicidade e não somente da legalidade estrita. A relativização do princípio da legalidade frente à necessidade de se ponderar e balancear a aplicação dos demais princípios que garantem uma atuação estatal mais justa e eficiente se erige na medida em que se observa a constante modificação do cenário legitimado pelos interesses sociais.

Nesse contexto, com a Emenda Constitucional nº 19 de 1998, que acrescentou o princípio da eficiência ao ordenamento jurídico administrativista, o constituinte trouxe às circunstancias vivenciadas pelos agentes públicos a necessidade de proceder sempre baseado na racionalidade administrativa, como forma de atingir os melhores resultados esperados pelo interesse público.

A análise dos princípios deve partir do princípio da legalidade, o qual impõe à Administração a realização de suas atividades por meio do ditame legal. O administrador público deve pautar sua atuação, invariavelmente, nos limites da lei, visando atingir os fins apontados pela lei, esta delimitada não só ao referido ato normativo, mas a todo o sistema jurídico.

Batista (2012), citando Bandeira de Mello, indica que o princípio da legalidade “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumento de fiel e dócil realização das finalidades normativas”.

Passando ao princípio da finalidade, este é o que determina que a norma administrativa deve ser interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público a que se dirige.

Ferraz e Dallari (2012, p. 91-92)ensinam que "Toda lei é instrumental, toda lei visa ao atendimento de terminado fim de interesse público, que pode ser a saúde pública, a defesa do consumidor, a segurança pública etc. O fim é sempre o interesse público".

O relacionamento entre a legalidade e a finalidade é tão íntimo, que Celso Antônio Bandeira de Mello assim aborda o tema:

"Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal que é, ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício – denominado „desvio de poder? ou „desvio de finalidade? – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei."

Como se observa, a finalidade pública se modifica em razão do contexto social histórico. E, portanto, o princípio da finalidade, conjuntamente com os demais princípios aqui abordados, devem ser equiponderados com ao princípio da legalidade de forma a buscar a legitimidade do interesse público.

Desse modo, cabe ao agente público sempre dispor seus atos por meio do atendimento do princípio da motivação. O referido princípio determina que a autoridade administrativa deve apresentar as razões que a levaram a adotar uma determinada decisão.

O princípio da motivação vai ser aquele que traz ao lume o pensamento jurídico determinante para a adoção de tal conduta administrativa.Sem a explicitação dos elementos e fundamentações que ensejaram o convencimento da autoridade administrativa a adotar determinado caminho administrativo fica muito difícil precisar a correção daquilo que foi decidido.

O princípio da razoabilidade, por sua vez, é aquele que traz ao mundo jurídico o bom-senso na atuação dos agentes públicos. Ferraz e Dallari (2012, p. 98), citando Maria de Paula Dallari Bucci, explicam-no da seguinte forma:

"O princípio da razoabilidade, na origem, mais que um princípio jurídico, é uma diretriz de senso comum ou, mais exatamente, de bom-senso, aplicada ao Direito. Esse „bom-senso jurídico? se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito. A razoabilidade formulada como princípio jurídico, ou como diretriz de interpretação das leis e atos da Administração, é uma orientação que se contrapõe ao formalismo vazio, à mera observância dos aspectos exteriores da lei, formalismo, esse, que descaracteriza o sentido finalístico do Direito."

O princípio da proporcionalidade, por vezes confundido com o próprio princípio da razoabilidade, é o que inflige ao agente público a adequada compatibilidade entre os meios e os fins da atuação da atividade estatal.

Sobre o tema, Lucia do Valle Figueiredo (2008, p. 51), também contribui com lúcidas palavras:

[...] o princípio da proporcionalidade se resume em que as medidas tomadas pela Administração devem estar em perfeita adequação com as necessidades administrativas, pois só se sacrificam interesses individuais na medida da estrita necessidade, não se desbordando do que seja realmente indispensável para a implementação da necessidade pública.

No tocante ao princípio da moralidade deve-se entender que existe a possibilidade de a lei ser cumprida moral ou imoralmente. Quando do caso concreto, pode ocorrer de a aplicação da lei vir a prejudicar ou beneficiar alguém ou algo deliberadamente. Nesse caso, pode ser que se esteja diante de um ato formalmente legal, embora materialmente comprometido com a moralidade administrativa.

Ao seu turno, o principio da eficiência exsurge no meio dos outros princípios administrativos como o veio operacional e econômico ditado pelo modelo gerencial de Administração Pública, assinalado no ordenamento jurídico pátrio a partir da Emenda Constitucional de nº 19 de 1998. Sobre o tema, o mestre José Afonso da Silva (2013, p. 675) sintetiza:

"Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico; não qualifica normas; qualifica atividades. Numa ideia muito geral, eficiência significa dizer fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidade alcançado."

O princípio da eficiência, introduzido no art. 37 da Constituição pela EC-19/98, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra da consecução do maior benefício com o menor custo possível. Portanto, o princípio da eficiência administrativa tem como conteúdo a relação meios e resultados.

Assim, o princípio da eficiência, ao trazer os critérios econômicos e operacionais de economicidade à Administração Pública, veio dotar o princípio da finalidade pública de instrumentos materialmente factíveis para nortear a atividade do Administrador em função do interesse público.

Por sua vez, o princípio da economicidade, apesar de não previsto constitucionalmente, harmoniza-se com princípio da eficiência, sendo deste, com efeito, corolário, e vice-versa. Além disso, ambos impõem-se como vetores essenciais da boa e regular gestão de recursos públicos.

O princípio da economicidade está intimamente ligado ao princípio da eficiência, embora aquele seja de escopo menor e mais relacionado aos aspectos financeiros e econômicos da atividade administrativa. O referido princípio impõe ao gestor o comportamento de obstar a utilização de muitos recursos públicos em prol de parcos benefícios ao Estado e, consequentemente, à sociedade.

Nesse diapasão, os princípios da eficiência e da economicidade orientam a atividade administrativa para a direção que aponte a melhor forma de uso do dinheiro público na consecução dos interesses sociais.  

Cabe aqui, abordar o princípio do interesse público que nada mais é do que o norte do direito administrativo. Ele congrega e valida todos os demais princípios administrativos, posto que a própria finalidade da lei é sempre a satisfação do interesse público.

Observa-se, pois, que a atividade administrativa é permeada de conceitos principiológicos que devem ser apreciados diuturnamente pelo agente administrativo. Cabe ao interprete do direito lançar mão da capacidade de ponderar e adequar a norma frente ao casos concretos. O que se deve ter claro é que não há uma preponderância entre princípios.

Por outro lado, não está também a se dizer que o Administrador Público deve ignorar o princípio da legalidade, conforme bem ensina a doutrinadora Maria Sylvia Di Pietro (2011, p. 301-302),citando Jesús Leguina Villa:

"[...] o princípio da legalidade deve ficar resguardado, porque a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiência."

O princípio da legalidade abarca diversos direitos, valores e garantias constitucionais que a eficácia administrativa não pode desconhecer. A igualdade perante a lei, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica e o controle efetivo dos gastos públicos – que são, entre outros, pilares básicos do ordenamento jurídico da administração – condicionam ou limitam, em concreto, o alcance do princípio da eficácia.

Conclui-se, portanto, que os princípios servem de base para que o Administrador Público atue para garantir a melhor gestão dos recursos públicos, sempre com estrita observância e conjugação da norma e dos princípios, visando o que a finalidade e interesse público recomendariam ao caso concreto.


Referências Bibliográficas:

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BATISTA, Danniel Gualberto Peres. O Princípio da Legalidade na Administração Pública à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Conteúdo Jurídico. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.38013&seo=1>. Acesso em: 9 mar. 2014, 18:30.

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DALLARI, Adilson Abreu. Privatização, Eficiência e Responsabilidade. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 688 p.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria púbico-privada e outras formas. São Paulo: Atlas, 2011. 488 p.


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