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Separação judicial e aspectos importantes

Separação judicial e aspectos importantes

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Modulação da vida atual. A responsabilidade pela dissolução da sociedade conjugal. Consequências. Espécies.

Estima-se que o número de casamentos e constituição de uniões estáveis ainda é superior ao número de separações judiciais, apesar desta ser cada vez mais comum.

As razões deste crescimento são muito questionadas. Existem várias justificativas. Uma das mais novas se resume na denominada globalização.

A correria do dia-a-dia em função das exigências do trabalho; a busca incessante pelo ganho financeiro; a virtualização da comunicação e do lazer, através da internet, da televisão, da telefonia; a sensação do encurtamento do tempo do dia. Enfim, o atual ritmo e forma de viver gera radicais efeitos em vários aspectos da vida, não podendo ser diferente no que diz respeito ao relacionamento conjugal, do mesmo modo como reflete sensivelmente na saúde dos indivíduos.

Embora tenha se tornado muito corriqueira a separação, e é por isso que a legislação tem simplificado o respectivo processo, para desafogar o Judiciário, e, ao mesmo tempo, agilizar a tutela jurisdicional, as pessoas têm muitas dúvidas, isto é, não sabem de inúmeros aspectos que envolvem uma separação, e muitas vezes o que sabem, ou é de um passado remoto, ou porque apenas ouviram falar.

Muita coisa mudou a partir do novo Código Civil, o qual entrou em vigor no início de 2.003. Antes, os preceitos que regulavam a matéria estavam na sua maioria contidos na Lei nº 6.515, de 1977.

Como é sabido, existe a dissolução conjugal judicial litigiosa e a consensual. Mas os itens mais interessantes estão na litigiosa.

A culpa pela separação, por exemplo, que as pessoas muito levam em conta, apesar de estar expressamente prevista na lei, tem sido tratada de modo relativo.

Segundo a lei, a conduta culposa de um dos cônjuges é a quebra dos deveres conjugais e, portanto, a causa da ruptura da vida em comum. A referida lei de 77 previa que o cônjuge culpado sofria conseqüências, como a obrigação de prestar alimentos; desvantagem quanto à guarda dos filhos; a obrigação de retirar do seu nome o sobrenome do cônjuge inocente; dentre outros resultados.

Por outro lado, existem pessoas que acreditam, ainda, que o separando culpado não tem direito nem à divisão dos bens, o que é um grande equívoco.

Todavia, tendo em vista a valorização da dignidade da pessoa humana, que apesar dos pesares, está muito saliente na nossa Constituição Federal, os tribunais têm afastado a discussão sobre a culpabilidade em ações dessa natureza.

Ora, além de na maioria dos casos ser muito difícil provar quem, realmente, foi o culpado pelo fim do casamento ou pela quebra da afetividade, manter uma discussão através de um processo judicial até se concluir quem é o responsável só continuaria a abarrotar o Judiciário com processos lentos, bem como acarretaria uma contrariedade em relação à vontade da lei, que visa promover a dignidade da pessoa, pois o cônjuge se veria forçado a manter-se vinculado  durante indeterminado tempo a uma pessoa que por um ou outro motivo não quer mais do seu lado.

Note-se o que diz Rodrigo da Cunha Pereira (Código Civil Anotado, Ed. Síntese, 1ª edição, pág., 1.110): “Estabelecer quem é o culpado realmente não é tarefa fácil. É que o verdadeiro motivo para o fim da conjugalidade, muitas vezes, nem os próprios cônjuges ou companheiros são capazes de saber. Freqüentemente, a intolerância que se apresenta é apenas um sintoma da dificuldade de conviver com as diferenças”

Assim, desnecessário imputar ao outro cônjuge uma conduta culposa para promover a ação judicial de separação, e, mesmo que haja a imputação, não será fator preponderante para o Juízo definir a questão. É possível não entrar na discussão do mérito de culpa, mas sim apenas alegar a mera quebra de afeto ou “perda do amor”.

Acontece que muitas pessoas, ainda sobre os ensinos da antiga lei, que pensam que se atribuírem a culpa ao outro cônjuge e a provarem, terão inúmeros direitos, além do tom de vingança que querem infligir.

Mas não é bem assim. Quanto à pensão alimentícia, mesmo o cônjuge responsável pelo fim da união, dependendo da circunstância, tem direito ao pensionamento.

No que concerne à guarda de filho, a culpa é irrelevante. O art. 1.583 e 1.584 do Código Civil consagra o princípio do melhor interesse da criança, ou seja, o filho pode ficar com aquele que foi o culpado pela separação, desde uma vez que comprovado ser assim o melhor para a criança ou até mesmo para o adolescente, se for o caso.

Já quanto ao nome, o cônjuge culpado pode permanecer com o sobrenome do cônjuge inocente, desde que a supressão do patronímico lhe cause grave dano, ou lhe dificulte a identificação em relação aos filhos e até mesmo ao meio social.

E sobre os bens, a questão da culpa fica totalmente de lado, pois deverá sempre haver a partilha de modo justo, igualitário, observando o regime de bens escolhido pelo casal.

Além das separações antes referidas, existe a separação denominada por alguns doutrinadores de “separação-falência”, ou simplesmente separação por ruptura, isto é, ruptura da vida em comum.

Esta separação ocorre, e não é raro, quando os cônjuges estão separados de fato há mais de um ano, sem estar fundamentada no fator culpa. Por exemplo, quando o casal, durante um período superior há um ano, não convive mais sobre o mesmo teto, ou mesmo convivendo, em ambos os casos não se comportam mais como se casados fossem, vivendo suas vidas individualmente.

Muitas vezes é difícil provar a ruptura da vida em comum quando os cônjuges continuam a viver sobre o mesmo teto, pois o âmbito é muito restrito. Esse tipo de comportamento acontece comumente por questões econômicas, porquanto o casal não tem condições financeiras para promover a ação judicial, e, por conveniência, preferem viver no mesmo lar, porém sem qualquer tipo de relacionamento conjugal.

É muito frequente encontrar pessoas ainda casadas, mas separadas de seus respectivos cônjuges durante vários anos, inclusive já com outra família constituída. Em situações assim, o melhor remédio é o divórcio, de modo direto, isto é, prescindindo da ação de separação preliminar, quando passados dois anos do rompimento da vida em comum.

E falando em remédio, ainda há uma curiosa separação, chamada por alguns de separação-remédio, procedimento que normalmente desperta polêmica.

Dispõe o art. 1.572, § 2º, do Código Civil, que quando um dos cônjuges está acometido por uma grave doença mental, comprovada a impossibilidade da vida em comum, decorridos mais de dois anos da enfermidade, e reconhecidamente incurável, poderá o outro cônjuge propor a separação.

Este direito está alicerçado no comentado princípio da dignidade da pessoa humana, pois esta estaria ofendida se tivesse o cônjuge são que viver por anos e anos com uma pessoa que não tem mais as mínimas condições nem mesmo de reger sua vida.

E é aí que reside a polêmica. Como fica aquela promessa quando da cerimônia do casamento: “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”.

Porque este tipo de separação está embasado no princípio da dignidade? Como fica a dignidade do cônjuge doente? Seria justo?

Ocorre que ambos os lados devem ser levados em consideração. Não seria justo apenas enxergar o lado do doente. O cônjuge sadio precisa continuar a sua vida.

Esta é a vontade da lei. Não objetiva “empatar” a vida de uma pessoa que por vezes tem tenra idade, e, consequentemente, tem uma vida inteira pela frente.

Claro que não pode ser tão simples assim, ou seja, promover a separação e abandonar por completo o cônjuge doente. Não seria correto esquecer o dever assistencial, o qual, inclusive, tem previsão legal. Mesmo com a quebra da relação de casados, o cônjuge sadio, a princípio, deve prestar assistência ao doente, moral e financeiramente. E neste ponto, apesar de não parecer para muitas pessoas, é que se equilibra a dignidade para ambos.

Convém citar o que sustenta a doutrinadora Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil, Editora Saraiva, 19ª edição, pág. 276), e isto serve para todos os casos, inclusive quando pertinente à culpa : “se o casamento está falido, não havendo como reconstruir a comunhão de vida, maiores danos advirão aos consortes e à prole em face de sua manutenção forçada e não desejada, ao menos por um deles, colocando a família numa situação constrangedora, ferindo os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à criança e ao adolescente.

Quanto a esta separação existem dispositivos a respeito do patrimônio do casal, que protegem especialmente a condição do enfermo.

Estes são apenas alguns aspectos dos processos de separação, de ruptura da vida conjugal.

Na realidade existem várias situações, várias facetas, visto que cada caso é um caso. Resolver os problemas, ou melhor, extinguir uma vida a dois é muito complexo, ainda mais quando envolve filhos.

É muito importante que se analise muito bem o início da relação. Se as diferenças entre pessoas que compõem um casal já são intrincadas por si só, as quais na maioria das vezes são as que fragilizam o casamento, pior é a aventura, mergulhar num relacionamento sem medir as conseqüências, sem uma estrutura como pessoa e profissional já definida, e sem conhecer a fundo o parceiro. E de fato, conforme essa razão motivadora das separações, qual seja, o nosso ritmo de vida atual, a sensatez é literalmente preponderante.
 

Quem já não disse ou ouviu: “Casar é fácil, o problema é se separar”.



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