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A justiça brasileira em crise

A justiça brasileira em crise

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Comentários acerca da crise judiciária no Brasil e a insegurança jurídica criada pelas decisões do STJ a respeito da Súmula nº 401

Tentarei superar as limitações impostas pelo uso do cachimbo e ferir um tema jurídico de alta importância para o povo brasileiro e todos aqueles que necesssitam de justiça no Brasil, incluindo-se, portanto, pessoas físicas e jurídicas que têm interessse em investir em nosso País, celebrando contratos que, se entram em crise e as partes não se ajustam, dependem do pronunciamento do Poder Judiciário, cada vez mais demorado. Sofre a parte armada de razão, seu advogado e o País, que afasta de nosso cenário aqueles interessados.

Não seria necessário dizer que os operadores da Justiça Brasileira se encontram profundamente preocupados; medidas são tomadas, porém os advogados militantes sabem que eventuais melhoras na agilização dos processos não têm apresentado grande significado. A Emenda Constitucional nº 45, de 2004,que, no ponto, acrescentou um preceito aos fundamentais descritos no art. 5º da Constituição Federal, proclamou que o litigante tem direito a "razoável duração do processo". Os adjetivos genéricos nunca foram arma de grosso calibre para matar predadores. O novo Código de Processo Civil está aí, para vigorar em um ano. Melhoras da gripe, meus caros. Basta confrontar o código anterior e o novo sob aspectos substanciais. O Conselho Nacional de Justiça, que é instituição e não declaração retórica, desdobra-se em solucionar o problema. Obteve resultados, mas, tal como a luta, a crise judiciária continua. Basta ver o número de processo - milhões - em tramitação. Provavelmente, a litigância mais exacerbada do mundo.

Recentemente, tivemos um exemplo das inconveniências, nada insignificante, posto que oriundo de uma Turma do Supremo Tribunal Federal. A decisão poderá complicar ainda mais a concretização dos resultados processuais. Ocorre que essas decisões são tomadas sem considerar-se a "razoável duração do processo". Prevalece a suprema convicção dos ministros julgadores. Ainda que, como diziam os romanos, o mundo pereça. Não seria demais pedir aos juízes que sacrificassem suas vaidades intelectuais em benefício do povo e do País.

Trata-se do seguinte. Os processos carecerem do trânsito em julgado das decisões nele proferidas para produzir efeitos efetivos. Antes disso, em que pesem os mecanismos provisórios, tudo acontece no reino do provisório. Um reino tumultuado, em que, depois de nele termos habitado por algum tempo, temos de deixá-lo com o xerife às nossas costas. É que nossa vitória fora ilusória.

Além disso, depois do trânsito em julgado, o mar ainda não ingressou em calmaria. Existe a possibilidade de a parte vencida propor ação rescisória.  As hipóteses de cabimento são raras, em todas as partes do mundo. Mas, se procedente uma ação rescisória, adeus trânsito em julgado. O que denominamos de "coisa julgada" é desfeita. Voltam as coisas ao estado anterior. O vencedor passa a ser vencido e o vencido a vencedor. Em alguns casos, admite-se a rescisória da rescisória, seguida de nova rescisória da segunda rescísória e até mesmo de terceira rescisória da segunda: não se trata de justiça, mas de alunos de matemática treinando dizimas periódicas.

Mais ainda. Num mesmo processo, podem ser levantados vários conflitos. O juiz os julga por fatias. O trânsito em julgado se dá por fatias. Daí uma ilustre corrente doutrinária que criou uma literatura denominada "capítulos da sentença". Significa que, conforme o juiz pronuncia suas decisões, desconcentradamente, pontos do processo implicam em "diversas coisas julgadas". Delas, segundo esse exercício literário, de cada uma delas, cabe uma ação rescisória específica. Assim, um único processo principal pode corresponder a vários processos de ações rescisórias.

Acertadamente, o Superior Tribunal de Justiça disse não a esse caos e emitiu uma Súmula, de nº 401, segundo a qual só cabe a propositura de uma única ação rescisória de um processo. Depois de sua solução global, esgotados todos os recursos eventualmente interpostos dos demais aspectos. Concentra-se o direito à rescindibilidade. É dizer, como as rescisórias não podem ser propostas decorridos dois anos do trânsito em julgado, antes da última decisão proferida no processo não podem ser propostas. O dia inicial começa do trânsito da última decisão proferida no processo. Em suma, uma linha reta, não um lamentável círculo entrecortado de caminhos dispersos, uma mandala que pode explicar nossa inconstante psique, contudo em nada auxilia a administração judiciária. A orientação do STJ não estremece a Carta Federal. Ao contrário, é ajustada àquele preceito introduzido pela Emenda 45/04.

No entanto, como afirmado, composição mínima do Supremo Tribunal Federal, em um recurso extraordinário, que somente atinge os contendores envolvidos e não a coletividade dependente da Justiça, mínima porquanto as duas Turmas da Suprema Corte são compostas de cinco ministros cada uma, e, no caso, a decisão emanou da posição de somente três de seus ilustres membros, lançou uma semente, embora débil, em sentido contrário à mencionada Súmula do STJ. Insuficiente para revogá-la, mas capaz de fazer voltar o assunto, já pacificado, à ribalta. Doutrinadores respeitávels já volveram ao tema, sem sensibilidade para perceber que nossos processos levarão mais tempo para ser concluídos.

Mais tempo por uma razão lógica, geométrica. O caminho mais curto entre dois pontos, com perdão da náusea, é o da linha reta. Assim, julgadas todas as questões, começa o prazo para uma eventual ação rescisória. Se tivermos várias, uma a cada tema e tempo, não será novidade que a primeira venha a se encerrar depois da segunda. E, no fundo, na substância, o conflito de interesses não estará solucionado, até que termine essa equação completa; criada por juristas, da mais alta envergadura, que preferiram, porém, a literatura  ao pragmatismo, em detrimento de todos os valores materiais mencionados. O STJ não se abalou, mantém a Súmula, e deverá mantê-la no futuro, para a higidez do direito brasileiro, a boa ordenação júrídica de nossa sociedade e da nação.


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