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O princípio da eficiência como pressuposto da administração gerencial

O princípio da eficiência como pressuposto da administração gerencial

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O presente estudo busca realizar uma análise do princípio da eficiência como pressuposto do modelo gerencial de administração pública, implantado a partir da Emenda Constitucional n. 19/98.

Palavras-chave: Administração. burocrática. Gerencial. Eficiência. Gestão

Sumário: Introdução. 1.  Administração Burocrática. 2. Administração Gerencial. 3. Princípio da Eficiência e Emenda Constitucional 19/98. 4. Conclusão

Introdução

O Presente trabalho tem como tema o princípio da eficiência como pressuposto do modelo gerencial de administração pública, fortemente inspirada em uma concepção neoliberal de política econômica, reflexo das transformações marcantes na ordem econômica.

Nesta perspectiva, faz-se necessário a analisa dos seguintes pontos:

  • Administração Burocrática versus Administração Gerencial;
  • O princípio da eficiência após a Emenda Constitucional  n. 19/98.

Diante de uma nova ordem econômica, no fim do século XX, verificou-se a necessidade de implantação de medidas com o objetivo de modernizar a administração pública brasileira, tendo em vista a nova concepção liberal de política econômica e os entraves excessivos provocados por uma administração burocrática, marcada pela ênfase em processos e ritos. É nesse contexto que surge a reforma administrativa promovida pela Emenda constitucional n. 19/98 – EC nº19/98, com intuito de implementar um modelo gerencial de  administração pública. Daí a importância de se analisar o papel do principio da eficiência na implantação de um modelo gerencial de administração pública.

O princípio em estudo procura inserir o modelo de administração publica gerencial voltada para um controle de resultados na gestão pública, e tem como uns de seus objetivos, o de assegurar uma adequada prestação de serviço feita pela Administração Pública, de acordo com as necessidades da sociedade.

Segundo Alexandre de Moraes:

“O princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício e suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa eficaz, sem burocracia sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. (MORAES, 2002, pg. 317)”.

 

Neste contexto, o objetivo maior deste estudo é analisar a importância do princípio da eficiência, com status de princípio fundamental, na implantação do modelo gerencial de administração pública, para uma melhor gestão da coisa pública. Para atingir os objetivos apresentados, utilizou-se como recursos metodológico, a pesquisa bibliográfica, de doutrinadores conceituados, bem como de artigos científicos divulgados no meio eletrônico.

  1. Administração Burocrática

 

Para entendermos o surgimento da Administração Gerencial, com base no princípio da eficiência, se faz necessário entender à administração burocrática, baseada no principio da legalidade. A administração pública burocrática foi responsável por substituir a administração patrimonialista. Esta presente nas monarquias absolutistas, nas quais o monarca constantemente confundia o público e o privado. Neste momento histórico já é perceptível uma administração desafinada com o interesse público, uma vez que, em tal contexto absolutista, se prioriza os interesses privados das autoridades. Da necessidade de um modelo da administração pública que superasse a confusão entre o público do privado, bem como a confusão entre o político do administrador público, nasceu a administração burocrática, de cunho legalista e racionalista (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 4).

A administração burocrática surge com o intuito de combater a corrupção, bem como o nepotismo patrimonialista. É baseada na hierarquia funcional, impessoalidade e formalismo. O modelo de administração burocrática é concentrado no processo, se preocupando em manter o controle dos procedimentos. O modelo burocrático possui total submissão ao texto legal, adotando procedimentos rígidos, muitas vezes priorizando os meios em detrimento de resultados mais eficientes.

No entanto, no fim do século XX, diante de uma nova ordem econômica, inspirada em uma concepção neoliberal de política econômica. Surge a necessidade de um Estado Social e Democrático, capaz de oferecer à população a prestação de serviços públicos essenciais, ou seja, um gerenciamento que possa satisfazer o interesse do cidadão, além da qualidade desses serviços públicos. 

É nesse contexto, que se observa que o Estado burocrático não atende mais as exigências do mundo atual. Diante desse pensamento, surge à concepção do modelo de administração pública gerencial, baseada na descentralização política e administrativa, formatos organizacionais com poucos níveis hierárquicos, flexibilidade organizacional, controle de resultados, ou seja, uma administração voltada para o atendimento do cidadão.

  1. Administração Gerencial

 

A administração gerencial se baseia no controle de resultados, visa à ampliação da autonomia dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública, à produtividade dos agentes públicos, reduzindo o controle de procedimentos. Esse modelo tem como principais características a eficiência nos serviços, na avaliação de desempenho e no controle dos resultados. Caracteriza-se, ainda, pela existência de formas modernas de gestão pública.

Dentro desse cenário, a EC nº19/98, à Constituição Federal de 1988, modificou o regime, bem como dispôs sobre princípios e normas da Administração Publica, deixando de forma clara a mudança da administração burocrática para a gerencial. No entanto, apesar do modelo gerencial ser priorizado na administração pública, cabe lembrar que a administração não rompeu por completo com o modelo burocrático, sendo impossível negar todos os métodos e princípios desse modelo. A administração gerencial tem como apoio a administração burocrática, conservando, inclusive, alguns princípios, embora flexibilizados.

  1. Princípio da Eficiência e Emenda Constitucional 19/98

 

Com efeito, foi com a Reforma Administrativa operada pela Emenda nº 19/98 que o princípio da eficiência foi alçado no nível de princípio fundamental da Administração Pública, a nortear, juntamente com os demais princípios indicados no caput do art. 37 da CF/88, a conduta do administrador e a gestão da coisa pública.

 Contudo, Alexandre Mazza (2011, p. 105), nos ensina que “o principio da eficiência não pode ser analisado senão em conjunto com os demais princípios do Direito Administrativo”. A análise de forma isolada e absoluta do referido principio pode levar a distorções indesejáveis e perigosas.

A observância à eficiência já continha previsão implícita anterior a EC 19/98. O Decreto-Lei 200/67 já trazia referências ao controle de resultados da atividade administrativa. E a Constituição Federal de 1988 contém, em seu art. 74, II, a previsão da eficiência como quesito de avaliação pelos órgãos de controle interno. No entanto, apenas com a Emenda Constitucional nº. 19/98, conhecida como emenda da reforma administrativa, tornou-se principio fundamental explicito previstos no artigo 37, caput da CF/88: “Artigo 37º- A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.

O Principio da eficiência, encontra-se também previsto na Lei 9784/99, a qual dispõe sobre os deveres do Estado e direitos dos cidadãos no processo administrativos, conforme expresso no artigo 2º da referida Lei: “Art.2º - A Administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.

A inserção do princípio da eficiência, através da EC nº 19/98, veio acompanhada de uma necessária reforma administrativa, buscando o modelo gerencial de administração, ademais, necessitava-se atender à urgência de atualização do modelo de Estado Social e Democrático que, lento e burocrático, não mais se adequava às demandas sociais, políticas e econômicas do momento.

Contudo, para expressar o real significado do postulado do principio da eficiência após a Reforma Administrativa do Estado operada pela Emenda Constitucional nº 19, a conceituação do princípio da eficiência se faz necessário para análise de sua aplicabilidade.

Para Hely Lopes Meirelles,

“Dever de eficiência é o que impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. MEIRELLES (1996, p.20)”.

 

Segundo Alexandre de Moraes:

“O princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício e suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa eficaz, sem burocracia sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. (MORAES, 2002, pg. 317)”.
 

Para o ex-Ministro da Administração e da Reforma Administrativa e principal idealizador do modelo de Administração Gerencial brasileiro, Bresser Pereira,  trata-se de “uma nova forma de gestão da coisa pública, mais compatível com os avanços tecnológicos, mais ágil, descentralizada, mais voltada para o controle de resultados do que o controle de procedimentos, e mais compatível com o avanço da democracia em todo o mundo, que exige uma participação cada vez mais direta da sociedade na gestão pública”.

Da análise de seu conceito, acima exposto, depreende-se que o princípio da eficiência é pluridimensional, não devendo, jamais, ser reduzido a uma mera busca pela eficácia, nem a uma simples economicidade no uso dos recursos públicos. Deve, ainda, ser entendido e aplicado de maneira associada aos demais princípios insertos no caput do art. 37 da CF/88, quais sejam, os da legalidade, impessoalidade, moralidade e proporcionalidade. Di Pietro lembra que: “a eficiência é principio que se soma aos demais princípios impostos à Administração pública, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito” (DI PIETRO, 2014).

Para a jurista Maria Sylvia Di Pietro (2014, p. 84) o principio da eficiência apresenta dois aspectos:

“Pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Publica, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação de serviço público.”

 

Atualmente, o conceito de eficiência está relacionado à noção de Administração Gerencial, consubstanciando-se em princípio fundamental a orientar a Administração Pública no sentido de atender o cidadão na exata medida de suas necessidades, de forma ágil, mediante utilização racionalizada dos recursos públicos, oportunizada por uma organização interna adequada a tal desiderato.

A administração gerencial se identifica com um modelo de administração publica, em que se privilegia a aferição de resultados, com ampliação dos entes administrativos e redução dos controles de atividades-meio, tendo como postulado, o principio da eficiência. Nesse contexto, é que estão sendo implementados instrumentos e institutos, tais como: contratos de gestão, agências autônomas, organizações sociais e tantas outras.

Diante de tantas inovações com que se depara o administrador publico, é essencial que o administrador deva sempre procurar a solução que melhor atenda o interesse público, levando em conta o ótimo aproveitamento dos recursos públicos conforme analise de custos e benefícios.

Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que a Reforma Administrativa operada pela EC nº 19/98, serviu para adequar o ordenamento jurídico brasileiro à nova ordem econômica, impondo à Administração Pública uma atuação compatível com o Estado Social e Democrático, atrelada à concepção de Administração Gerencial, tendo como pressuposto o principio da eficiência, que alçado ao nível de princípio fundamental da Administração Publica serve como orientador desse processo de re-estruturação da Administração Pública.

Destarte, a nova percepção do principio da eficiência, impôs significativas mudanças na forma de gestão da coisa publica. A idéia de eficiência visa atingir objetivos traduzidos por boa prestação de serviços, do modo mais simples, mais rápido e mais econômico, melhorando a relação custo/beneficio da atividade da administração pública, ou seja, uma atuação estatal eficiente, correta, econômica em relação aos recursos públicos, eficaz, e sobre tudo, que respeite o cidadão detentor de direitos.

Portanto, a nova percepção do principio da eficiência de acordo com a nova concepção da atividade administrativa do Estado, o torna princípio protagonista da Reforma Administrativa, impondo significativas mudanças na forma de gestão da coisa pública, inaugurando uma nova ordem social e democrática, com efetivos mecanismos de controle da atuação estatal, atendendo o cidadão na exata medida de sua necessidade, mediante uso racional dos recursos públicos.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo  e PAULO, Vicente. Resumo de direito administrativo descomplicado. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forens. 2010.

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino. O princípio da eficiência na administração pública brasileira. Jusnavigandi, 2013. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/25399/o-principio-da-eficiencia-na-administracao-publica-brasileira. Acessado em 19 de out de 2014.

DI PIETRO, Maria S. Zanella. Direito Administrativo. 27. Ed. São Paulo: Atlas 2014.

Mazza, Alexandre. Manual de direito administrativo.. 2. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2011

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 21. Ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais,  1996.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

PAIVA, Ana Helena Ferreira.  O modelo gerencial de administração pública e sua aplicação no Brasil. Viajus, 2010. Disponível em: http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3170. Acessado em 19 de out de 2014.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, 47. Ed.: janeiro, 1996


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