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A insegurança jurídica reflexa da crise econômica

A insegurança jurídica reflexa da crise econômica

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Como as perspectivas da economia brasileira podem afetar as relações jurídicas e prejudicar a empresa.

Parte 1

Tem-se revelado claramente e sem pudor que uma crise econômica está em processo de gestação, prestes a eclodir. Afirmam os analistas econômicos, alguns em tons mais alarmantes, que o sistema econômico entrará em colapso, decorrente da falência das contas públicas.

Esta crise, originária desde 2008, aponta alguns diagnósticos, como por exemplo, a relação investimento sobre o PIB, que atingiu seu ápice em 2010 com acanhados 19,5%, porém apresentando um recuo atual para 18,1%.

Realça o prognóstico governamental de crescimento médio do PIB deste ano de 1,8% ao ano, que apesar de pífio, haja vista que é o pior resultado desde o governo Collor, segundo projeção divulgada pelo Banco Santander é ainda mais baixo, ou seja, 0,9%.

Por outro turno, a inflação que tem rondado 4,5% ao ano, estima-se que atingirá o teto previsto de 6,5%. Isto sem considerar o enfraquecimento do mercado de trabalho; a deficiência da matriz energética com riscos de apagão; os prejuízos astronômicos da Petrobrás, decorrentes de um preço de combustível defasado e; a gestão política das estatais, que as mantém em prejuízos em detrimento de uma administração mais adequada.

Deve-se também ter em mente que o conhecido tripé econômico caracterizado pelo câmbio flutuante, metas do superávit primário e sistemas de metas de inflação recuaram, em decorrência da queda das commodities desde o ano de 2008, bem como da diminuição do consumo, pelo alto nível de endividamento do cidadão, aliado ao aumento das taxas de juros.

Também deve-se considerar a intercorrência da fuga de dólares do Brasil, oriundo da resposta à crise pelo Banco Central do EUA, o qual para retornar a normalidade histórica, pretende retirar U$ 3,5 trilhões do sistema, atraindo de volta para si grande parte dos U$ 4,3 trilhões injetados no mercado internacional, através do aumento dos juros aplicáveis aos seus títulos públicos. Quer dizer, vai faltar dólar no Brasil, com consequente aumento da moeda.

Por fim existe uma insegurança jurídica que afasta os investidores, devido a falta de credibilidade no cumprimento de seus contratos, traduzindo uma perda de mercado.

Como exemplo pode-se citar a multinacional Delphi, a qual recentemente divulgou seu relatório aos investidores apontando que enquanto o resto do mundo cresce, a produção no Brasil é uma das piores da América Latina, com decréscimos na casa dos 29%.

O conglomerado de situações transpassadas resumidamente denotam uma perspectiva de mercado. Ainda que já estejam sendo tomadas medidas para conter a crise (e talvez não seja tão catastrófica quando se preveja), existe um consenso de que ela parasita o sistema.

Quais os reflexos jurídicos destes alertas econômicos?

A conjuntura dos fatores econômicos sugere ponderações, haja vista que a crise também afeta a prestação de serviços jurídicos, no que tange aos riscos e oportunidades, pois em algumas áreas haverá redução de demanda, conquanto outras reverberam uma nova onda de crescimento.

Os alertas servem para acender iniciativas de adequação das estratégias de negócios às urgentes e indispensáveis contingências do mercado.

Desafiando o profissional jurídico à lidar com as dificuldades financeiras de clientes, ao gerenciamento de inadimplências em segmentos mais afetados pela crise, bem como identificar novos nichos de oriundos da necessidade gerada, visto que as empresas nem sempre estão preparadas para enfrentar a atual turbulência e promover as mudanças necessárias à nova ordem econômica.

Nesse sentido, vislumbra-se entre as mudanças, uma redução dos postos de trabalho que refletirão num volume considerável da massa desempregada;

Como consequência há sem dúvida para a empresa, demandas trabalhistas, ocorrência natural da simples existência de contratos de trabalho; para o mercado, recuo no consumo, nas vendas à varejo, com redução significativa nos lucros e resultados;

Ato contínuo existirá uma incapacidade involuntária para se cumprir acordos comerciais e contratos, oriundos da carência de recursos;

Decorrente desta dificuldade em cumprir com os compromissos mais prementes, deve-se atentar ao mais agressivo sócio de uma empresa: o Estado. Não aparece nos contratos sociais, mas cobra a contabilidade acertada e os resultados, visando a arrecadação tributária.

O cenário revelado por este artigo, ainda que desestimulante, tem o condão de provocar a iniciativa premeditada de preparação, pois uma crise não revela somente prejuízos, mas oportunidades.

Cabe ao empresário rever contratos de trabalho, acordos negociais e procedimentos internos, de modo a organizar seu empreendimento para suplantar de forma racional e planejada, os riscos inerentes a qualquer atividade comercial.


Parte 2

Há algum tempo atrás, mais precisamente antes das eleições presidenciais do Brasil, escrevi um artigo manifestando um crescimento da crise econômica e revelando sem pudor que uma crise econômica estava em processo de gestação, prestes a eclodir. Pois bem, ela eclodiu!!

Um dos prognósticos seria a estimativa que a inflação atingiria o teto previsto de 6,5%, todavia os recentes indicadores do Banco Central estimam que deve superar 7% no corrente ano de 2015.

Conforme noticiado no artigo anterior a crise interna era evidente, pois estavam latentes: o enfraquecimento do mercado de trabalho; a deficiência da matriz energética com os atualmente programados apagões; os prejuízos da Petrobrás e; algo que não muda, a carência econômica do poder público alimentada pela gestão política das estatais.

Há de se chamar atenção para uma potencial crise monetária europeia, que alavancada pela crise grega que impulsiona sua saída do eixo do euro, atingiu sua cotação mais baixa desde janeiro de 20111. A exemplo, analistas avaliam neste momento que o dólar e o euro alcancem paridade, causando uma perda de confiança para novos investimentos.

Voltando ao Brasil, o aumento da inflação associada também ao receio dos investimentos como consequência lógica enfraquecerá o mercado interno, com o natural aumento das taxas de juros.

Em termos globais é perceptível, mas como isso afeta a empresa na prática?

Em crise, nem todas as empresas são indiretamente e diretamente afetadas, pois há diferenças entre as que são voltadas para o mercado interno daquelas que possuem como foco a exportação, mas estas últimas experimentam gradualmente a queda da conjuntura econômica.

Primeiramente quero desconsiderar os alertas sobre aumentos de impostos, visto que ainda não são realidade, muito embora seja importante manter em mente como algo palpável. Enfatizando, tarifa não é imposto e muito menos tributo.

O segundo ponto é o custo do dinheiro para o capital de giro, pois as atenções de grandes investidores e instituições financeiras serão voltadas para títulos públicos, logo com menos dinheiro voltado mercado haverá o aumento de juros.

Dito isso, vamos começar com o aumento do preço para os insumos que refletem no preço final das mercadorias, afinal a cadeia de produção ficará mais onerosa, aliado ao enfraquecimento do consumo ocasionado pela inflação. Some-se a sazonalidade de seus produtos e a crise está à porta.

Ultrapassado este primeiro nível, com a eventual perda de credibilidade e como consequência do crédito, por parte do empresário algumas empresas não conseguirão manter seus compromissos tributários, trabalhistas e com terceiros em um coeficiente saudável, ou seja, o demonstrativo do resultado do exercício será negativo.

E este resultado contábil não é o principal alarme, mas sim aquilo que na prática é acarretado pela da falta de cumprimento dos compromissos estabelecidos, que se materializa nas ações judiciais do fisco, dos trabalhadores e de seus credores.

O fisco, uma espécie de sócio voraz do negócio, quer acompanhar seus resultados e cobrar por eles, não participará das despesas do negócio em termos individualizados, mas cobrará seus tributos com pesadas multas e juros, quando houver o atraso. Em alguns tributos específicos, os sócios até podem incorrer em ações criminais.

A incapacidade do empresário não afetará a necessidade de empregados, porém de forma inversamente proporcional afetará a mantença das relações de emprego, que além dos tributos relacionados, associado as demandas trabalhistas, importa em um alto impacto negativo para empresa.

Terceiro, mas não menos importantes são as relações com terceiros fornecedores e consumidores que, respectivamente, não recebem seus créditos ou não pagam na data acordada, gerando um ciclo vicioso de prejuízos reflexos, como por exemplo, a incapacidade de cumprir com suas primeiras obrigações tributárias.

Estes três pontos interligados manterão o empresário em uma crescente, demorada e muitas vezes insanável crise que poderá levar a seu negócio a bancarrota.

Todavia é um destino perfeitamente evitável e algumas atitudes poderão evitar o aumento dos cabelos brancos ou o aceleramento do prazo de validade, seja da empresa, seja do sócio.

A bem da verdade existem ações preventivas que se devidamente planejadas, organizadas e executadas permitirão a empresa suplantar a deficiência com maior preeminência, minimizando os danos e maximizando a resposta positiva ao mercado quando o retorno do ambiente econômico em condições mais atrativas e favoráveis ao crescimento empresarial.


Nota

1 https://www.dw.de/euro-fraco-pode-impulsionar-economia-europeia-mas-oferece-riscos/a-18171984


Autor

  • Antônio de Arruda Lima

    Advogado e consultor jurídico, coordenador  Cível e Tributário do escritório Gouvêa dos Reis Advogados, com ênfase em direito empresarial, direito societário e relações negociais.  Formado em 2003, iniciou sua atividade no contencioso administrativo tributário, tratando assim com o empresariado. Ao ingressar na efetiva militância da advocacia, manteve sua prestação profissional voltada às necessidades das empresas, com enfoque nas áreas cível e tributária. No entanto, a partir de 2010, ao ingressar na recém-criada comissão de mobilidade urbana da OAB, seccional de Santa Catarina, partiu para estudos de especialização sobre o assunto, em virtude do interesse na matéria.

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