Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/36940
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Estupro: crime de guerra x imunidade parlamentar

Estupro: crime de guerra x imunidade parlamentar

Publicado em . Elaborado em .

O Artigo 53 da Constituição da República diz que: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.” Infelizmente, a imunidade que foi criada para que o parlamentar, que, em tese...

“Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece”. Violência envolta à trágicas palavras proferidas pelo deputado Jair Bolsonaro. Por conta deste absurdo travestido em imunidade parlamentar, pálidos quatro partidos se manifestaram com pedido de cassação do mandato do deputado. Mas afinal, para que serve a imunidade parlamentar? Quais são os seus limites? Por certo, imagino, não foi criada para tornar inatingível, blindado, verdadeiro escudo intransponível, que permita perpetrar ofensas e desrespeitos a quem bem escolher por vítima, pessoa do povo investida de mandato parlamentar. Se utiliza, ao avesso do avesso, do poder que o povo lhe conferiu, para violar a Lei maior do nosso país e atentar contra a Dignidade da Pessoa Humana. Grito: Desnecessário! A mim, não me representa!

O Artigo 53 da Constituição da República diz que: Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.” Todavia, esta proteção seria para que nada viesse impedir a função de “ instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.” Infelizmente, a imunidade que foi criada para que o parlamentar, que, em tese, representa o povo (“todo poder emana do povo...”), pudesse se expressar e expor suas idéias sem ser tolhido, transformou-se em um monstrengo de carapaça a ponto de permitir que um dito representante do povo, sob o manto do mandato entregue a ele também pelo povo para tornar presentes seus anseios, diga a uma mulher que não a estupra porque ela não merece! É essa vontade das pessoas que o elegeram ou o deputado fala somente por si e suas convicções? E há mulher que mereça ser estuprada? Recentemente, A presidente da república também manifestou apoio à campanha que mobilizou milhões de pessoas na internet quando, em desastrada pesquisa, o IPEA (instituto de pesquisa econômica aplicada), publicou que um percentual expressivo dos entrevistados disse que concordava com a frase “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros...” “Nenhuma mulher merece ser vítima de violência, seja física ou sob a forma de ameaça. O governo e a lei estão do lado de Nana Queiroz (jornalista que iniciou o movimento na internet) e das mulheres ameaçadas ou vítimas de violência”.

Fundamental deixar claro que esta vergonha que atende pelo nome de Estupro, é tido como um fenômeno generalizado no decorrer de conflitos armados nos lugares mais atrasados do mundo. De tão hediondo, na Guerra, Estupros são usados para humilhar, levar ao desespero, espalhar terror e medo e engravidar as mulheres do inimigo.

Alto lá! Há as prerrogativas parlamentares que devemos todos respeitar e defender em nome dos ideais republicanos e democráticos, outra coisa é o abuso destas mesmas prerrogativas. Por conta desse tipo de pensamento, que por óbvio redundam em ações, as estatísticas são assustadoras e perversas: pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada, coagida ao sexo ou sofreu alguma forma de abuso- Normalmente um membro da própria família é o agressor. No Brasil a cada 15 segundos uma mulher é vítima de violência, seja psicológica, física ou moral.

Reiteramos que tais atitudes são demonstrações de extrema covardia. Repudiamos qualquer manifestação de violência, mas sobretudo qualquer tipo de violência à mulher. Importante que a luta seja de todos, porque todos lucramos em uma sociedade mais justa.

Se todos, a começar pelas casas parlamentares, tomarmos uma atitude, agora, em nome de um mundo melhor, poderemos sonhar com o dia em que mães, filhas, amigas, em qualquer lugar do planeta, possam sair às ruas sem medo de ter seu corpo, sua alma e seus sonhos violados... ou será que a inviolabilidade de opiniões, palavras e votos previstas no artigo 53 da nossa Constituição são mais importantes e devem se sobrepor aos objetivos da República insculpidos no capítulo “Dos Princípios Fundamentais”? Lá está escrito no artigo 3o: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 


Autor

  • Antonio Marcos de Oliveira Lima

    Doutorando em Direitos Humanos pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Professor de direito Administrativo em graduacao e cursos preparatórios , Diretor-Geral do IBPC (instituto brasileiro de proteção ao consumidor), Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudo dos Direitos da Mulher, Advogado militante com atuação profissional Brasil X Portugal em Direito Civil, Direito do Consumidor , Direito Empresarial, Terceiro Setor, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Intrrnacional, Sócio de Fernandes e Oliveira Lima advocacia e consultoria jurídica. Autor de "União estável e União Homoafetiva, os paralelos e as suas similitudes"; Ed. Pasquin Jus, 2006; "Retalhos Jurídicos do Cotidiano"; 2015, Ed. Lumen Juris.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.