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O princípio da presunção da não-culpabilidade:cognição no ordenamento jurídico penal e constitucional

O princípio da presunção da não-culpabilidade:cognição no ordenamento jurídico penal e constitucional

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Este trabalho indaga se a Constituição Federal no art. 5º, LVII, ao declarar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, tratou de uma presunção de estado de inocência ou de não-culpabilidade.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo mostrar o Princípio da Presunção da Não Culpabilidade e Cognição no Ordenamento Jurídico Penal, isto como referência constitucional em seu art. 5º, LVII, em que se declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Veremos também a cognição no ordenamento jurídico penal constitucional brasileiro e seus aspectos doutrinários e jurisprudenciais. Falar em presunção de não-culpabilidade é o mesmo que falar em não ser considerado culpado ou presumir-se ser inocente? É presunção de inocência ou estado de inocência.

Um dos pilares do Estado Democrático do Direito é o princípio segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, inc. LVII, da CF/88). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, também contemplou esse valor como uma idéia universal ao dizer no artigo 11 que “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. Por sua vez, o Pacto Internacional de San Jose da Costa Rica, de 1966, estabelece que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

O princípio da presunção de não-culpabilidade é, sem dúvida, um argumento forte contra o indeferimento da candidatura de políticos suspeitos, mas que, ao nosso entendimento, pode ser facilmente vencido. A doutrina é bem clara quando se fala em culpabilidade e estado de inocência, Tivemos o prazer de ouvir e muito bem arguido pelo Professor Paulo Leão, da Universidade Potiguar - UnP, não seria presunção de inocência, mas Presunção de estado de inocência.

Esse princípio, por mais importante que seja (e é mesmo!), não tem essa força de “fingir que nada está acontecendo” durante o período em que uma pessoa está sendo investigada ou processada criminalmente. A existência de razoável suspeita da prática de crime pode ser sim invocada para limitar determinados direitos fundamentais, embora sempre excepcionalmente.

2- DISTINÇÃO ENTRE A PRESUNÇÃO DE ESTADO DE INOCÊNCIA E A NÃO-CULPABILIDADE

A abordagem do tema alavanca uma discussão: distinguir o princípio da presunção de estado de inocência do princípio da não-culpabilidade do réu. Este é o primeiro ponto a ser desenvolvido no presente trabalho.

Grande êxito obteve o professor Rogério Lauria Tucci, ao afirmar que "o imputado é sempre, e só, imputado, para o fim de desenvolvimento do processo e durante o processo". Então não é considerado nem inocente, nem culpado. A expressão “ser imputado” leva a concluir que as "as normas processuais não são destinadas a tutelar uma apriorística presunção de inocência, mas a contemplar a complexidade de escopos a que tende a instauração e o desenvolvimento do processo".

Levando em consideração as definições anteriores, chega-se à seguinte conclusão: o princípio da presunção de estado de inocência coloca o réu em situação positiva, enquanto o princípio da não-culpabilidade o deixa em posição neutra dentro do processo e isto fica bem óbvio à luz do Direito. Convém, no entanto, salientar que, tecnicamente, ambos os princípios são iguais e, na prática, alcançam os mesmo efeitos. Como encerra Jaime Vegas Torres, "a doutrina mais recente, sem embargo, proclama que não é possível distinguir presunção de não culpabilidade e presunção de estado de inocência.

3 - HISTÓRICOS E LEGISLAÇÃO COMPARADA

Inicialmente, cumpre-nos examinar, ainda que perfunctoriamente, alguns dos dispositivos legais do mundo civilizado que contempla o princípio da presunção de inocência, procedendo-se, nesse passo, a uma breve citação deles, o que nos parece indispensável para compreender, em sua amplitude, o seu significado.

O pensamento jurídico-liberal, que se espalhou pelo mundo após a Revolução Francesa, trouxe no seu bojo, este postulado, que se enraizou no contexto do Princípio do Devido Processo Legal, sendo-lhe decorrente de forma direta e inconteste.

Sua origem, remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791, a qual proclamava em seu art. 9º que:

          " Tout homme étant présumé innocent jusqu’a ce qu’il ait été déclaré coupable; s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur Qui ne serait nécessaire pour s’assurer de as personne, doit être sévèrement reprimée par la loi".

Mencionado princípio repercutiu universalmente, tendo se reproduzido, mais recentemente, na Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948, que consagrou em seu art. 11:

          "Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa".

Na Itália, neste mesmo ano de 1948 , obteve status constitucional, sendo aprovado pela Assembléia Constituinte, o art. 27, § 2º, de sua Carta Política:

          "L’imputato non è considerato colpevole sino alla condanda definitiva".

Todavia, no que pese o Brasil ter concorrido com sua presença e voto na Assembléia-Geral das Nações Unidas de 1948, que deu origem à Declaração dos Direitos Humanos retro mencionada, o mesmo só veio a ser positivado em nosso Ordenamento Jurídico, com o advento da Constituição Federal de 1988, portanto, permanecendo um hiato de quarenta anos.

Contudo no início deste século, RUI BARBOSA, o paladino de nossos juristas, sintonizado com os acontecimentos mundiais, divulgava da seguinte forma:

          "Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito."

O Código Penal tipo para a América Latina, em seu item XI estabeleceu que:

          "A pessoa submetida a processo penal presume-se inocente enquanto não seja condenada."

Princípio idêntico está inserido na legislação de Portugal, em cuja Constituição, mais precisamente no art. 32, § 2º, lê-se que:

          "Todo argüido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa."

Observe-se que historicamente o princípio é contemplado ora em termos de presunção, enquanto outras se prefere a referencia à posição do acusado durante o processo (estado de inocência ou de não culpabilidade). Neste particular, MARIO CHIVARIO 02 assevera que "embora não se trate, de perspectivas contrastantes, mas convergentes, é forçoso reconhecer que no primeiro caso se dá maior ênfase aos aspectos concernentes à disciplina probatória, enquanto que no segundo se privilegia a temática do tratamento do acusado, impedindo-se a adoção de quaisquer medidas que impliquem sua equiparação com culpado."

4. A PROVA DA INOCENCIA

4.1 A prova como direito do cidadão

Devido a esse princípio constitucional, impõe-se uma regra na qual o réu não tem o dever de provar que é inocente, pois quem o acusa cabe o ônus de provar dentro da legalidade e judicialmente a culpabilidade do acusado. Com isso, há uma regra de julgamento que impõe ao juiz o dever de absolver o acusado quando não houver certeza necessária para a condenação. Citemos DELMANTO JÚNIOR, que estes regramentos mostram-se no "princípio favor libertatis, aí, na garantia da presunção de inocência, a qual já aparecia no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, fruto do movimento iluminista, com vistas a banir, naquela época, o sistema da prova legal e da tortura, buscando-se a implementação do sistema da livre apreciação da prova e eliminando, igualmente, o pensamento de que o suspeito é que deveria provar a sua inocência perante a sociedade, como nos ensina Antonio Magalhães Gomes Filho."

Falamos então que de algumas criticas que impõe a este principio, pois a presunção se aproxima do status de inocência e não se presume a esta. Contudo deve-se falar em sua cognição como sendo estado de inocência e não presunção de inocência. Nessa esteira devemos nos perguntar como devemos admitir, nessa perspectiva, todas as medidas coercitivas contra o réu antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória? São motivos estes que se questiona se há uma verdadeira presunção de inocência, conforme comenta DELMANTO JÚNIOR: "Realmente, foram muitas as vozes no passado que se insurgiram contra a presunção de inocência, entendendo-a inaceitável. Segundo Manzini, Gabrieli e Consentiño, em Bento de Faria, a presunção de inocência seria uma inaceitável extravagância, reflexo de exagerados e inconsequentes excessos dos iluministas. No mesmo sentido se manifestam, também, Giuseppe Sabatini e Carlo Umberto Del Pozzo, salientando que o fato do acusado não poder ser considerado culpado antes de decisão penal condenatória passada em julgado não autoriza que ele seja, todavia, presumido inocente.

Buscamos Mirabete e vimos que:

"... Assim, melhor é dizer-se que se trata do “princípio de não-culpabilidade”. Por isso, a nossa constituição não "presume" a inocência, mas declara que “ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado.

A Constituição Federal em seu art. 5º, LVII, não especifica presunção de inocência, mas fala que ninguém será culpado até que a sentença penal condenatória seja transitada em julgado, isto é, não havendo recurso. Então devemos falar em estado de inocência e não em presunção, pois vermos bem claro que não se presume a inocência e sim se chega ao estado de inocência. A princípio, numa análise bem simples, não implicaria maiores conseqüências. Contudo, há importantes reflexos processuais ao se considerar um ou outro sentido. Caso o estado de inocência vier a dar ao cidadão um status ativo, ou seja, inocência total, estariam afastados todos os efeitos do jus puniendi do Estado. Assim, antes e durante o processo penal, o direito de liberdade do cidadão não correria nenhuma ameaça. Por sua vez, caso a presunção constitucional lançasse sobre o cidadão um status de neutralidade, ou seja de não-culpabilidade, estariam permitidos alguns dos efeitos do jus puniendi do estado no decorrer do processo penal. Assim, durante o processo penal, o direito de liberdade do cidadão poderia sofrer subtração, sem que isso o tornasse juridicamente culpado, vez que ainda não transitou em julgado sentença condenatória. Em ambos os sentidos, o cidadão somente seria considerado culpado com a sentença penal condenatória definitiva, fazendo, assim, o que se diz na Nossa Carta Maior em seu art. 5º, LVII.

Não devemos olvidar que nenhum princípio constitucional é absoluto, por mais benéfico que seja e que não possa impossibilitar a própria atuação estatal, por meio do Poder Judiciário, de apreciar toda lesão ou ameaça de lesão a direito como está implícito na Nossa Carta Magna em seu art. 5°, inc.XXXV. Assim, no caso em que se cometa uma infração penal, deve o Estado valer-se do processo penal para apurar a culpabilidade do acusado, podendo prendê-lo cautelarmente se necessário for. Uma vez compreendido o sentido da presunção constitucional, fica evidente que, ao pregar o "estado de inocência", o texto constitucional estaria caindo em contradição. Por esse motivo, a posição de neutralidade, neutralidade, diga-se de passagem, pois fala-se em estado de inocência e não ainda de culpabilidade, em que se encontra o acusado no andamento do processo, não sendo definitivamente culpado nem definitivamente inocente, propicia a interpretação de que o texto constitucional do art. 5º, LVII, refere-se a uma declaração de estado de inocência e não-culpabilidade do acusado. Após o transito em julgado da sentença penal condenatória, se absorvido, aí sim, fala-se em não- culpabilidade. Neste caso o que se viu foi a segurança jurídica para confrontar-se ao jus puniendi do estado e não de culpabilidade do acusado.

5 – O PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO E O PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA

Consoante expomos acima, o princípio em estudo só foi introduzido de forma expressa em nosso Ordenamento Jurídico, com o advento da Constituição Federal de 1988. Todavia, inobstante a taciturnidade das nossas anteriores Cartas Políticas, o mesmo já vinha sendo aplicado, ainda que de maneira acanhada, em decorrência dos princípios do contraditório (onde as partes tem igualdade processual, inexistindo qualquer vantagem para a acusação) e da ampla defesa (onde confere-se a faculdade de se acompanhar os elementos de convicção apresentados pela acusação e de produzir o que lhe pareça conveniente e útil para demonstrar a improcedência da imputação), contemplados no Direito Processual Penal.

Contudo, cumpre registrar, que no início da vigência de nossa atual Constituição Federal, em função de uma redação não muito afortunada, houve quem sustentasse, arrimado na interpretação literal e sem perquirir o espírito da norma, que o legislador constituinte ao anunciar uma "não-culpabilidade", cuja dimensão seria mais limitada, não adotou o princípio da presunção de inocência, ao menos em sua concepção original. Saliente-se que, conforme observou GIULIO ILLUMINARE, esta mesma interpretação canhestra, foi anotada na doutrina italiana, nos primeiros debates sobre a fórmula do art. 27 da Constituição de 1948.

Portanto, segundo esta corrente, que estancou sua linha de raciocínio na interpretação literal, o legislador constituinte de 1988 não teria adotado o princípio da presunção de inocência, originalmente concebido no art. 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas sim, o distinto princípio da não-culpabilidade, que teria menor abrangência.

Este raciocínio, no entanto, a par de seu excessivo apego ao texto, consoante ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, perdeu o sentido " desde que o Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo n.º 27, de 26 de maio de 1992, aprovou o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e o Governo Brasileiro em 25 de setembro de 1992, depositou a Carta de Adesão a esta Convenção, determinando-se seu integral cumprimento pelo Decreto n.º 678, de 06 de novembro de 1992, publicado no D.O.U. de 09.11.92, pág. 15.562 e ss."

Com efeito, o Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 8º, I, estabelece o princípio da presunção de inocência ou do estado de inocência, em sua dimensão real, ao asseverar que:

          " Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa".

Ressalte-se que aludido preceito legal, tem valor de norma constitucional em nosso Ordenamento Jurídico, pois o § 2º do art. 5º, da Constituição Federal é taxativo ao declarar que: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Deste modo, o princípio da presunção de inocência passou a ser assegurado em nosso Ordenamento Jurídico, por duas normas: o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" e o art. 8, I, do Pacto de São José da Costa Rica, retro citado, que tem valor de preceito constitucional.

Saliente-se que, conforme assevera ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO,

"as duas redações se completam, expressando os dois aspectos fundamentais da garantia." Argumentando, ainda, mencionado jurista, que no Brasil, " diante da duplicidade de textos que proclamam a garantia, pode-se concluir que estão agora reconhecidos, ampla e completamente, todos os seus aspectos, não sendo possível negar-lhe aplicação mediante argumentos relacionados à interpretação meramente literal."

Portanto, como exaustivamente demonstrado nas linhas acima, o princípio da presunção de inocência, esta contemplado em toda a sua amplitude, no nosso Ordenamento Jurídico, ressalte-se, a nível constitucional.

  1. AS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS DA PRESUNÇÃO DE ESTADO DE INOCÊNCIA

  1. Da presunção de estado de inocência emergem outros princípios fundamentais ao processo. Dentre eles, estão o direito à ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, direito do réu recorrer em liberdade, direito à prova, entre outros. Evitando desviar demais o trabalho do seu propósito, cabe apenas uma pequena explanação de alguns desses princípios.
  2. O princípio do duplo grau de jurisdição dá a possibilidade das partes de um processo recorrerem da sentença de primeiro grau em instância superior. É a nova análise de uma decisão proferida por um juiz singular, no entanto, realizada por um órgão colegiado.
  3. Como principais derivados do duplo grau de jurisdição devem ser destacados o controle judicial das decisões e atividades do juiz e uma possível uniformização das decisões em primeiro grau.
  4. Outro fruto da presunção de inocência é o direito à prova. Nada mais óbvio que a acusação ter que provar o fato que imputa ao réu, pois seu status quo é a ausência de culpabilidade. O direito brasileiro, como reflexo, não admite as provas ilícitas, a não ser em benefício do réu, apesar dessa não ser uma posição pacífica da jurisprudência. Cabem ao legislador e aos estudiosos cuidados para, na busca de mecanismos hábeis no combate à criminalidade, não se autorizar uma verdadeira devassa na vida íntima da pessoa.
  5. O direito ao silêncio é outro derivado da presunção de inocência.. Anteriormente ao texto constitucional vigente, o mesmo era considerado em desfavor do acusado. Não obstante a essa evolução, o jurista Fauzi Hassan Choukr enuncia alguns traços inquisitivos do Código de Processo Penal brasileiro. O primeiro é o ato de interrogatório ser privativo do juiz, sem contar com a presença tanto da defesa, como do Ministério Público. Além disso, o interrogatório não é considerado como exercício do direito de defesa, mas como prova.
  6. Nas palavras de Antonio Magalhães Gomes Filho, "presunção de inocência e “devido processo legal” são conceitos que se complementam, traduzindo a concepção básica de que o reconhecimento da culpabilidade não exige apenas a existência de um processo, mas sobretudo de um processo justo, no qual o confronto entre o poder punitivo estatal e o direito à liberdade do imputado seja feito em termos de equilíbrio.
  7.  O direito de recorrer em liberdade
  8. Mais um ponto favorável ao réu, originado do princípio em questão, é o direito de recorrer em liberdade. Este é um ponto que demanda de uma discussão mais elaborada. Ficaremos, portanto, com uma pequena explanação do tema.
  9. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que o instituto da prisão preventiva, que desempenha nítida função de natureza cautelar em nosso sistema jurídico, não se revela incompatível com a presunção constitucional de não culpabilidade das pessoas.
  10. "A regra da não culpabilidade – não obstante o seu relevo – não afetou nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assume a prisão cautelar em nosso direito positivo. O instituto da tutela cautelar penal, que não veicula qualquer idéia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não culpabilidade".
  11. Na realidade, o réu só pode cumprir sua pena a partir do momento em que a decisão se tornar coisa julgada. Até então, leva-se em consideração a presunção de inocência do imputado.
  12. Não obstante, em alguns casos, o acusado pode ser conduzido à prisão antes da decisão final. Para que a prisão provisória seja lícita, alguns requisitos têm que ser levados em consideração: a) alguns pressupostos exigidos pela lei – prova da existência do crime e suficiente indício de autoria e b) que seja necessária como garantia da ordem pública em geral ou para facilitar instrução criminal.
  13. Como confirmação de constitucionalidade da prisão provisória, expediu a Súmula n.° 9 o Superior Tribunal de Justiça: "A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência".
  14. Portanto, a prisão cautelar não tem sua função punitiva, mas sim um meio de antecipar os efeitos de um futuro provimento, para que os mesmos venham a acontecer de forma definitiva e eficaz. No entanto, esse sistema necessita de "um sistema de freios e contrapesos dos riscos, capaz de minimizá-los a nível mais do que aceitável de oferecer compensações pelos males eventualmente impostos em razão da efetivação das medidas cautelares".

  1. A LEI 9099/95 E A TRANSAÇÃO PENAL

Visando enxugar a máquina do Poder Judiciário, ou seja, desafogando os juízes, foram criados os Juizados Especiais pela Lei 9099/95, dando a oportunidade da transação penal, solucionando a lide sem a necessidade de iniciar um processo.

O legislador, ao criar a lei em questão, teve em mente solucionar o problema instrumental, porém, nos termos em que está posta, apresenta-se completamente deficiente.  Seu verdadeiro objetivo parece não ter sido alcançado, pois já ver-se uma sobrecarga no juizado especial.

A competência dos Juizados Especiais Criminais resume-se em contravenções penais e crimes com pena máxima cominada não superior a um ano. Desde que não exista a precisão de procedimento especial.

A decisão jurisdicional na transação penal tem caráter homologatório, jamais condenatório. Pois as partes entram em acordo e encerram a relação processual.

O Ministério Público tem relevante papel nesse tipo de procedimento, pois é dele que parte a proposta, segundo sua valoração sobre o caso. Se este não realizar a proposta, mesmo na existência de todos os requisitos, o juiz não pode fazê-lo ex officio, nem a parte prejudicada poderá requerer. A única saída legal seria o habeas corpus.

 8- A PRESUNÇÃO DE ESTADO DE INOCÊNCIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS CULTURAIS

Um dos pontos mais próximos ao cidadão comum e que envolve a presunção de estado de inocência é a maneira como a imprensa, mais especificamente a sensacionalista, utiliza-se de seu poderio para noticiar crimes.

Seguindo o raciocínio das garantias constitucionais, o imputado deveria ser preservado de qualquer tipo de constrangimento, evitando que sua imagem seja divulgada durante o processo que incorre contra ele.

Nem mesmo seu nome pode ser exibido, para evitar um dano à sua moral. O procedimento mais coeso seria evitar qualquer exposição, relatando os fatos, sem envolver acusados. Também, é incorreto utilizar-se de termos como "bandido", "assassino" ou outros que possam ofender a integridade do imputado.

O poder da imprensa é imensurável, podendo deixar sequelas por toda a vida do acusado. Se o mesmo for comprovadamente inocente, nada fará que sua imagem volte a ser como antes. Nem mesmo uma grande indenização seria suficiente para cobrir o buraco causado pelo tratamento impróprio.

  1. A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO-CULPABILIDADE E A INTERPRETAÇÃO DE LEIS

       

Nos processos interpretativos, a presunção de inocência ou a não-culpabilidade marca forte presença, principalmente no que tange o Direito Penal e o Direito Processual Penal. Afinal, estes são ramos que entram em ação somente quando as demais soluções possíveis foram esgotadas.

A primeira observação está no que diz respeito à interpretação extensiva. Este é o meio pelo qual procura-se chegar a um resultado correspondente ao pretendido pelo legislador, ampliando a sua abrangência.  

No plano do direito criminal, essa espécie de interpretação é vedada, a não ser em benefício do réu. Quer dizer, o Direito Penal tem participação mínima nas relações jurídicas.

Outro ponto a ser analisado é a analogia na interpretação das leis. Como na espécie extensiva, só é possível a utilização da analogia na órbita criminal nos casos em que esta for benéfica ao réu.

Fica mais do que evidente que a lei penal se restringe àquilo que seu texto declara, exceto quando sua alteração interpretativa gerar benefício ao imputado. Isso ressalta a idéia de que o direito criminal deve atuar com a menor ênfase possível.

  1. A PRESUNÇÃO DA NÃO-CULPABILIDADE E O DIREITO À DEFESA (DIREITO COMPARADO)

Sem qualquer intenção de aprofundar em um estudo de direito comparado, foram separados alguns preceitos legais extraídos dos textos constitucionais de outros países. A vontade é manifesta de tão somente demonstrar que não apenas a nossa Carta Maior preza pelas garantias fundamentais do ser humano.

Na Constituição dos Estados Unidos da América, em seu artigo VI, fica estabelecido que o réu terá o direito "de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação, de ser acareado com as testemunhas de acusação; de fazer comparecer por meios legais testemunhas de defesa, e de ser defendido por um advogado".

As Constituições européias carregam as influências do Iluminismo e, de maneira geral, todas apresentam os princípios fundamentais do processo penal. Como exemplo, a Constituição da República da Bulgária garante, em seu artigo 30, que "todos tem direito a um advogado defensor a partir do momento de sua detenção ou sua qualificação como acusado". Iguais preceitos são encontrados nas demais Constituições do continente, principalmente nas da Itália, Portugal e Espanha, textos que influenciaram a atual Carta Magna brasileira.

Entre os países do MERCOSUL, a Argentina traz esses princípios em sua Constituição, nos artigos 18 e 19. O Paraguai também os consagram nos artigos constitucionais 60 e 61. Também o faz o Uruguai, através de seus artigos 26 e 27 da Constituição.

Destacaremos, aqui, alguns países onde o sistema democrático não emplacou de maneira devida. Como primeiro exemplo, destacamos as Filipinas. A sua Constituição carrega vários artigos que garantem a presunção de inocência e o direito à defesa, como outras garantias fundamentais. Em sua Constituição, na seção 14, fica claro que "em todos os procedimentos penais, o acusado gozará da presunção de inocência até que se prove o contrário (...)".

Também, merece relevo as Constituições da China e do Irã. Os chineses, teoricamente, têm o direito de se defenderem em juízo quando acusados de prática de delito. No Irã, o artigo 37 da Constituição permite que somente tribunal competente julgue os réus.

Note-se, não obstante, que, apesar dos sistemas normativos dos últimos países citados privilegiarem o indivíduo dentro de um devido processo legal, a prática contrapõe-se a isso. De nada adianta uma lei utópica se a cultura imposta não permite aos cidadãos exercerem seus direitos. Os regimes ditatoriais colocam o ser humano no centro de decisões próprias para cada momento e ocasião, não cumprindo a igualdade perante a lei nem a integridade do mesmo.

  1. O DIREITO À AMPLA DEFESA

A defesa é um direito do acusado, decorrente da presunção de inocência, e está expresso no artigo 5.°, inciso LV, da Constituição Federal. Ada Pellegrini Grinover acentua que "numa perspectiva de direito público, constitui uma garantia – garantia do acusado, de um lado, e garantia do justo processo, do outro".

Nas palavras de Vicente Greco Filho, "consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contra-prova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça; e e) poder recorrer da decisão desfavorável".

No que tange o assunto, é possível ao réu o exercício da autodefesa. Esta pode acontecer no interrogatório do acusado ou na ocasião do recurso, quando o réu é pessoalmente intimado a manifestar se deseja ou não a interposição deste.

"A defesa técnica a cargo do advogado procurador do réu, é complementada pela autodefesa do acusado, que se pode desenvolver ao seu lado no processo, apresentando alegações em seu interrogatório, manifestando o desejo de apelar da sentença condenatória etc.".

Como dito anteriormente, o direito à defesa está contido na Constituição Federal. Em seu artigo 5.°, inciso LV, traz o seguinte texto: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos e ela inerentes".

Uma primeira mudança na órbita legal é a abrangência deste inciso. Anteriormente à Constituição vigente, o direito à defesa estava veiculado à nota de culpa e instrução criminal, sustentando a idéia de que somente se aplicava ao processo penal. O novo texto declara essa garantia em qualquer processo.

A ampla defesa tem outro princípio que a antecede: é o princípio do contraditório, já anteriormente citado. O princípio do contraditório carrega consigo o livre debate e a livre produção de provas.

"O direito de defesa é imprescindível para a segurança individual. É um dos meios essenciais para que cada um possa fazer valer sua inocência quando injustamente acusado. (...) A ampla defesa contida na Constituição de 1988 assegura ao réu as condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário".

A defesa é, pois, necessária. "Como bem diz Tormaghi, o Estado procura fazer justiça, e ele não poderá estar certo de tê-la feito e, portanto, não tranqüilizará o homem de bem, se não der ao acusado a mais ampla defesa".

Há duas classificações para a defesa no Processo Penal. Julio Fabbrini Mirabete assim as define: "Fala-se em defesa diretaquando o acusado ataca o mérito da acusação, negando a autoria ou participação, afirmando a inexistência de dolo ou culpa, alegando a ocorrência de causas de excludentes da ilicitude, da culpabilidade, da punibilidade etc. Por defesa indireta (ou processual) se entende a argüição de vícios ou nulidades do processo, por meio das exceções".

Deve-se lembrar que, no Processo Penal, acusação e defesa ocupam o mesmo plano jurídico. "Ambas integram aquele triângulo formal da Justiça a que se refere Beling: nas bases, a acusação e a defesa; no vértice, como órgão superpartes, o juiz".

O réu que alegar não possuir advogado constituído tem seu direito à defesa da mesma maneira. O juiz, diante da situação, deve nomear defensor dativo para atuar no processo. Se o réu não comprovar situação de pobreza, terá a obrigação de pagar os honorários advocatícios.

O Brasil, reconhecidamente um país onde as desigualdades sobrevoam seu território, demonstra um quadro em que os advogados não chegam às classes menos favorecidas. Para tentar ultrapassar esse obstáculo e fazer cumprir o direito à defesa, o Estado coloca à disposição de quem necessita a defensoria pública. Aquele que for comprovadamente pobre, não precisa pagar por seu defensor dativo, conforme artigo 134 da Constituição Federal.

12-CONCLUSÃO

Concluindo o presente trabalho vimos que o problema da presunção da não-culpabilidade não é terminológico, mas diz respeito à situação ou status alcançado pelo acusado ao longo do processo. O status de neutralidade se encaixa plenamente no sistema acusatório, uma vez que permite a imposição de medidas penais acautelatórias sem a necessidade do trânsito em julgado da condenação. Apenas haverá mudança na situação jurídica de inocente para culpado com a sentença penal condenatória tendo sido esta transitada em julgado.

Todavia, até que a sentença chegue ao seu término o cidadão acusado é visto pela ordem jurídica constitucional, inocente, sem, contudo, estar não atreito às medidas processuais cautelares, imprescindíveis e devidamente fundamentado pela acusação. Ainda assim, ao final do processo criminal, quando a não culpabilidade é tomada como regra de julgamento, o réu será colocado em liberdade se não houver certeza para a imposição de uma sentença condenatória. Vimos ainda a resistência oposta à efetiva aplicação do princípio da presunção de estado de inocência, notadamente quando se impõe uma releitura do Ordenamento Jurídico Infraconstitucional. Assim sendo o debate e a discussão sobre a incorporação deste princípio em nosso Ordenamento Jurídico, saliente-se assegurado em duas normas de força constitucional, ainda se faz urgente, ultimando a concretização do Estado de Direito em sua inteireza conceitual, aplicando um marco decisivo para a construção de uma sociedade em que prevaleçam os valores inerentes à pessoa humana.

No entanto, para a construção de um estado democrático de direito e, principalmente, de fato há de se observar, em primeiro momento, os princípios fundamentais constitucionais, seguindo fielmente suas trilhas. O Direito visa a preservação do ser humano dentro de sua condição fundamental, para que este goze de todos os elementos primordiais à sua existência.

De nada adianta um país com leis absolutamente humanistas, onde o Estado garante todos os meios de subsistência, as pessoas são igualmente tratadas, todos têm seu emprego garantido, se, na realidade fática, esses mesmos preceitos legais não ultrapassam as barreiras da utopia.

Vários são os princípios constitucionais que regem o sistema normativo brasileiro, no entanto, o presente trabalho trouxe uma pequena análise de apenas dois deles: a presunção de inocência e o direito à ampla defesa. O primeiro, sendo o mais amplo e filosófico; o segundo, de mais próximo relacionamento processual.

REFERÊNCIAS

DELMANTO JÚNIOR, Roberto. Desconsideração Prévia de Culpabilidade e Presunção de Inocência, Boletim IBCCRIM, São Paulo, n°70/ed. esp., setembro de 1998.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, 14ª edição, São Paulo: Atlas, 2003.


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