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Grameen Bank e o capital social

Grameen Bank e o capital social

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Este artigo objetiva demonstrar de que maneira o funcionamento do Grameen Bank, em Bangladesh, pode favorecer a geração de capital social entre os seus clientes. Com uma dinâmica de funcionamento própria o banco conta com apenas 3% de taxa inadimplência.

INTRODUÇÃO

A inciativa de um professor de economia bengalês tem gerado resultados positivos para a população rural de Bangladesh. Muhammad Yunus, professor de economia, incomodado com a situação de extrema pobreza e difícil acesso ao crédito que encontrou em sua vila quando retornou de seus estudos nos Estados Unidos foram os aspectos que impulsionaram a criação do Banco Grameen. Pioneiro em micro-crédito, o banco tem obtido resultados surpreendentes, dentre eles um índice de inadimplência de 3%. No entanto, a que deve-se este sucesso?

A primeira sessão do artigo tratará de elucidar a história da instituição. Protagonizada pelo Professor Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, o banco desenvolveu uma metodologia de funcionamento própria e bastante interessante. Atendendo em sua grande maioria mulheres, aquelas que desejam tomar empréstimos no Grameen devem formar grupos de cinco e participar de reuniões semanais além de uma série de normas de boas condutas e benefícios concedidos pelo banco. (yunus, 2001).

Na sessão seguinte será discutido a ideia de cultura política e o conceito de capital social ma visão de Robert Putnam e Pièrre Bourdieu. Para Putnam, capital social tem como elementos básicos a confiança, a cooperação e a reciprocidade (PUTNAM, ?). Apesar das fortes críticas pelo seu determinismo cultural os apontamentos do autor serão relevantes para o entendimento do caso do Banco Grameen.

A última sessão do artigo tratará de expor como o funcionamento e as regras do Banco Grameen têm levado a construção ou expansão do capital social de suas clientes. Por fim, concluir-se-á que o Banco Grameen trouxe inovações e possibilitou um importante crescimento do capital social em Bangladesh. No entanto, ainda há o que ser expandido, por exemplo, engajamento e atuação política efetiva das mulheres clientes do banco em um parlamento masculino. Porém, como observa Putnam, a construção de uma comunidade cívica é um processo histórico e demorado, assim, Bangladesh ainda tem um caminho a ser percorrido e barreiras a serem vencidas.

O GRAMEEN BANK

Muhammad Yunus, professor universitário na área de economia em Bangladesh, é o ator principal do objeto de análise deste artigo: Banco Grameen ( ou Grameen Bank no original). Yunus, prêmio Nobel da paz em 2006, morando em Bagladesh1 e lecionando Teoria da Economia na Universidade de Daca vivenciava uma situação que lhe inquietava: “as pessoas sofriam porque não tinham a quantia mínima de dinheiro de que necessitavam. Elas se transformavam em escravos dos agiotas de quem tomavam o empréstimo” (YUNUS, 2001, p.9).

Bangladesh passava por uma séria crise econômica e política nas décadas de 1960 e 1970. O país conquistou a independência do Paquistão em 1971 após uma guerra de nove meses. O país é marcado pela pobreza e subdesenvolvimento: aproximadamente 52% da população com idade superior a 15 anos é analfabeta e ocupa a 142° posição no IDH (CIA, 2014).

A independência trouxe grandes esperanças de que o país se desenvolveria. No entanto, a guerra civil de independência deixou marcas profundas no país e em sua cadeia produtiva que foram agravadas por uma crise alimentar em 1974. Foi neste cenário que o Professor Yunus encontrou seu país quando retornou do seu PhD nos Estados Unidos.

O Professor então, decidiu averiguar quais as pessoas que tomavam empréstimos junto a agiotas e qual o montante total que eles necessitavam. O resultado foram 42 pessoas que juntas necessitavam de 27 dólares. Yunus emprestou esse dinheiro do seu próprio bolso. Estudando porque os bancos não concediam empréstimos a essas pessoas, o Professor entendeu que a população pobre não oferecia nenhum tipo de garantia de que retornaria os empréstimos às instituições financeiras. Muhammad Yunus decidiu ser o fiador destes empréstimos avalizando, assim, o pagamento da dívida. Contrariando a opinião do gerente do banco em que os empréstimos foram tomados, não houve inadimplência. (YUNUS, 2001).

Muhammad Yunus decidiu fundar um banco que concederia pequenos empréstimos aos mais pobres. A autorização para criação do banco foi concedida em 1983. Hoje o banco trabalha em 40mil povoados de Bangladesh, concederam empréstimos a 2,4 milhões de pessoas das quais 95% são mulheres (YUNUS, 2001). A instituição surgiu como um desafio ao sistema bancário estabelecido que exclui aqueles mais pobres de terem acesso a crédito.

Contudo, a instituição desenvolveu seu próprio método para a concessão de empréstimos que é chamado de Credit Delivery System. Segundo descrito no site da instituição o foco dos empréstimos está naqueles mais pobres dentre os pobres, garantindo exclusividade para essa camada estabelecendo critérios claros de seleção para aqueles que são incapazes de se sustentar, focando, principalmente, nas mulheres e nas necessidades dos mais pobres (GRAMEEN BANK, 2014).

Aqueles que pretendem tomar empréstimo no banco são organizados em pequenos grupos. Assim, a solidariedade e a participação do grupo é facilitada.

Organizando os grupos primários em cinco membros e federando eles em centros tem sido a base do sistema do Grameen Bank. A ênfase é desde o início é fortalecer organizacionalmente a clientela do Grameen, para que eles possam adquirir a capacidade de planejamento e implementação de decisões em nível micro (GRAMEEN BANK, 2014).

Os grupos são formados por cinco clientes, os quais devem se monitorar mutuamente, pois a inadimplência é considerada por grupo e não por indivíduo. Ou seja, se um dos membros do grupo deixar de pagar o empréstimo todo o grupo terá seu direito a crédito suspenso pelo banco. Esse mecanismo permite a criação de pressão entre os membros do grupo e força o cumprimento dos contratos, bem como permite identificar os maus clientes (KAHNDKER, KHALILY E KAHN, 1995).

Os grupos são separados por gênero – homens e mulheres formam grupos separados devido a tradição sócio-cultural de Bangladesh. Os membros do grupos devem, obrigatoriamente, cumprir alguns requisitos, dentre os quais não possuir mais de meio acre (aproximadamente 4.000 m²) de terra, não serem membros da mesma família, terem recursos financeiros similares, igual força de barganha, além de confiança e segurança um nos outros. (KAHNDKER, KHALILY E KAHN, 1995).

Os grupos são organizados por centros compostos, geralmente, por 8 grupos os quais devem eleger, cada um, o seu presidente. Semanalmente, os 40 membros se reúnem para reuniões onde, que além de uma ata de presença conta com a presença de um funcionário do banco que recebe os pagamentos. Os encontros permitem que as mulheres se encontrem com outas de diferentes religiões, status e classe social, troquem experiências, lidem com dinheiro e, inclusive, receber aconselhamento do funcionário do Grameen presente (LARENCE, 1998).

A rotina foi estabelecida como norma institucional do Banco Grameen. “Em participando dos rituais de membros, a mulher desenvolve uma grande identificação com a Banco Grameen. Este vínculo torna mais fácil para elas resistirem as restrições tradicionais da família e aderir ao regulamento do programa2” (Schuler and Hashemi (1994) , apud, LARENCE, 1998).

Outro ponto relevante para a dinâmica de concessão de crédito do Grameen é que, em nenhum momento, a instituição exige qualquer documento formal ou garantia entre credor e mutuário. “O problema do risco moral era resolvido através da pressão dos pares” (ANDRÉ e ABREU, 2006,p.135).

Por fim, o banco exige que seus clientes poupem pequenas quantias semanalmente. O objetivo é geral disciplina, garantia financeira para o grupo e gerar comprometimento sobre a conduta social dos membros (HULME, 2008)

Durante as décadas de 1980 e 1990 o Grameen Bank cresceu consideravelmente. Em 1991 o banco já possuía mais de um milhão de clientes e havia expandido sua gama de produtos oferecendo, por exemplo, empréstimos para compra de imóveis (HULME, 2008).

Contudo, nos anos 2000 o Grameen Bank enfrentou uma crise: de acordo com uma pesquisa por Stuart Rutherford, especialista em microcrédito, os clientes do banco estavam fazendo os depósitos semanais obtendo dinheiro não de seus pequenos negócios mas de empregos casuais e até mesmo de outras fontes de empréstimos. A consequência foi a impossibilidade desses clientes cumprirem seus acordos graças ao alto nível de endividamento que estavam. Algumas medidas foram tomadas para que a instituição pudesse seguir operando e superar a crise. Os funcionários do Banco foram envolvidos e orientados a seguir com cautela a cartilha local. Além disso, empréstimos forma rastreados e reprogramados, centros foram eliminados e o banco teve de encarar perdas significativas. Os produtos do banco também foram redesenhados para que se tornassem mais lucrativos (HULME, 2008).

Toda essa reforma levou ao que o Professor Yunus chamou de Grameen II. A principal característica desse novo modelo foi a flexibilidade dos produtos oferecidos. Segundo Rutherford as mudanças podem ser elencadas em três tópicos: a) serviço de depósito aberto ao público em geral e não apenas aos seus membros; b)novas opções de conta poupança para os membros e c)reformulação dos contratos de empréstimos com prazos mais flexíveis. Dentre os novos produtos está disponível, também, financiamento escolar (RUTHERFORD, s.d.). “O Banco não foi só capaz de se estabilizar, mas de fato, se relançou e relançou sua trajetória. Enquanto Grameen levou 25 anos para alcançar uma base de 2.5 milhões de clientes, levou apenas três anos, a partir de 2001, para recrutar os próximos 2.5 milhões de clientes' (HULME, 2008, p.8)3

Outra parte importante do processo são os funcionários. Todos são altamente capacitados, um gerente deve ter mestrado para poder exercer suas funções, além de uma boa reputação em Bangladesh. Todos devem concordar com as ideais do banco e são treinados para serem professores e mostrarem aos clientes, aos pobres, seu potencial e suas opções de ação (ZEPHYR, 2004).

A fórmula do Professor Yunus foi replicada em diversas localidades: Malásia, Indonésia, Filipinas, Nepal e Vietnã (ZEPHYR, 2004). O microcrédito, principal produto do Grameen Bank, é definido pelo Banco Central do Brasil como “concessão de empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e microempresas sem acesso ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem como oferecer garantias reais” (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2002, p.11).

CULTURA POLÍTICA E O CAPITAL SOCIAL

O conceito e a noção de cultura política, apesar de ter suas origens em autores como Platão, Aristóteles, Rouseeau e Tocqueville – segundo Almond -, seu uso e aplicação para entender fenômenos sociais e políticos é recente.

Segundo Almond, a cultura política passou por três fases: a primeira delas foi na década de 1950 e 1960 onde as pesquisas que se utilizavam do conceito de cultura política se proliferaram (RENNÓ, 1998) como resposta ao reducionismo psicológico e antropológico dominante anos antes. A segunda fase, presente nas duas décadas posteriores, foi marcada por críticas e desinteresse e a cultura política onde as correntes de esquerda afirmavam haver nesta teoria a preponderância de aspectos materiais sobre atitudes e valores e os de direita pautavam a crítica na escolha racional afirmando ser desnecessária. A última fase é a do renascimento da cultura política e da reconquista do seu lugar de importância na ciência política e sociais (RENNÓ, 1998).

A publicação da obra The Civic Culture: politica attitudes and democracy in five nations, em 1963, escrita por Gabriel Almond e Sidney Verba é um momento importante para a teoria da cultura política por suas inovações. O livro pretende estudar a democracia e os processos e estruturas sociais que a sustentam. Impulsionados pela Segunda Guerra Mundial, os autores irão questionar quais os hábitos e atitudes necessários para a manutenção de uma democracia (ALMOND E VERBA, 1963).

De acordo com os autores o termo cultura política “refere-se a orientações especificamente políticas – atitudes frente o sistema político e suas diversas partes, e o papel dos cidadãos na vida pública” (ALMOND E VERBA, 1963, p.12)4 O objetivo é encontrar a caracterização da cultura política de uma nação, ou seja, a padrão comportamental de orientação política com respeito a objetos políticos.

Contudo, Almond e Verba também sofreram críticas. A primeira delas diz respeito ao determinismo de sua obra: a cultura política é, para os autores, uma variável independente de qualquer outro fator, seria pensar a existência de valores políticos sem a necessidade de pensar em suas causa como afirma Moisés (1995). A segunda crítica, está na relação entre cultura política e instituições políticas. A esse respeito Lúcio Rennó afirma que,

Outra fonte de críticas centra-se na incapacidade de The Civic Culture em definir as variáveis associadas à formação da cultura política, o que também se refere à relação entre cultura e estrutura política. A simples referência à socialização política não é suficiente para descrever a complexidade do fenômeno (RENNÓ, 1998, p.76).

De acordo com José Álvaro Móises, Almond e verba não teriam explicado a natureza da relação entre cultura e estrutura, bem como sua dinâmica e seu sentido de casualidade.

Em vez de determinação, Almond e Verba teriam adotado o suposto segundo o qual estrutura e cultura se influenciam mutuamente, ou seja, valores afetam a escolha de instituições (seu desenho e sua missão) e o funcionamento positivo ou negativo destas moldam a cultura política, contribuindo para sua continuidade ou mudança (MOISÉS, 2008,p.17).

Assim, a relação entre as duas dimensões é de uma casualidade cruzada: estrutura institucional é causa efeito da cultura política sendo o contrário também verdadeiro.

Robert Putnam também contribuiu de forma muito relevante para o debate da cultura política. O cientista político, entre 1970 e 1989, desenvolveu uma pesquisa exploratória na Itália. O objetivo era entender a implantação dos governos regionais no país na década de 1970 e seus diferentes desempenhos: apesar de serem constituídos sob a mesma base legal os governos do Norte da Itália tiveram um desempenho muito superior aos do Sul.

A investigação de Putnam concluiu que a diferença existem entre as duas regiões deve-se as características de cada comunidade. A “comunidade cívica”, encontrada no norte da Península Itálica, foi caracterizada pelo autor como sendo mais participativa, com maior presença de organizações da sociedade civil, de jornais comunitários e clubes, por exemplo.

Ele chamou de “comunidade cívica” a encontrada no Norte da Itália, com características singulares, que a diferenciava da encontrada no Sul: um número muito mais expressivo de organizações da sociedade civil (como clubes, associações de bairro etc.), de jornais comunitários, maior participação nos plebiscitos populares. A “comunidade cívica” de Putnam se baseia em um conceito traçado por Tocqueville em 1835: o estado de cooperação da “comunidade cívica” é explicado por altruísmo no curto prazo e interesse próprio no longo prazo.

Certas regiões da Itália, como pudemos constatar, são favorecidas por padrões e sistemas dinâmicos de engajamento cívico, ao passo que outras padecem de uma política verticalmente estruturada, uma vida social caracterizada pela fragmentação e o isola mento, e uma cultura dominada pela desconfiança. Tais diferenças na vida cívica são fundamentais para explicar o êxito das instituições (PUTNAM, 2006[1996], p.31).

Para Abu-El-Haj, a hipótese de pesquisa de Putnam vincula o nível de engajamento cívico, proporcionalmente, ao tipo de de associativismo.

O associativismo horizontal, fruto de confiança, normas e redes de solidariedade, produziria relações cívicas virtuosas, ao passo que a verticalidade — associativismo dominado por desconfiança, ausência de normas transparentes, faccionismo, isolamento etc. — causa a obstrução da ação coletiva. Ações coletivas horizontais promovem engajamento cívico intenso, produzindo prosperidade econômica e estabilidade política, resultados ausentes das regiões dominadas por associativismo vertical.(ABU-EL-HAJ, 1991 p.69).

Putnam descreve o associativismo horizontal como sendo aquele que aglutina membros de igual status e poder, ao passo que o vertical reúne sujeitos desiguais com relações assimétricas de dependência e hierarquia. O autor assume, então, uma vertente cultural para abordar a fonte de confiança e do associativismo horizontal, para o ele, é nos aspectos culturais que que estão as diferenças entre os dois tipos de associativismo. (PUTNAM, 2006).

Desta forma, o contexto sócio-histórico de uma nação é o principal elemento na construção e definição do associativismo. Uma trajetória histórica que promova acumulo de confiança comunitária leva ao engajamento cívico. Contudo, este acumulo de confiança é um processo lento e gradual que depende de elementos culturais presentes em algumas sociedades e ausente em outras. “Assim, a especificidade cultural é a chave para a existência ou ausência de um associativismo horizontal determinante da prosperidade econômica e estabilidade política” (ABU-AL-HAJ, 1991, p. 70), favorecendo também a mobilização social.

Robert Putnam caracteriza o capital social como sendo o envolvimento individual em atividades coletivas, construção de redes de confiança recíprocas, de virtudes cívicas que possibilitem o fortalecimento da democracia e como um dos resultados de outras atividades sociais. Assim, reciprocidade, cooperação e confiança são três elementos fundamentais para o capital social desenhado por Robert Putnam. (PUTNAM, 2006). A reciprocidade generalizada alimentaria um sentimento de confiança, influenciando nos resultados alcançados econômica e politicamente. Por sua vez, esse comportamento tende a ser repetido no futuro aumentando o engajamento cívico o qual proporciona aumento na reciprocidade e na confiança, criando, portanto, um círculo.

Para Putnam, laços sociais formados a partir de encontros regulares mobilizam o capital social, uma vez que eles facilitam conversas e oportunidades de se construir uma reputação. Além disso, são essenciais para aumentar a confiança entre o grupo e criar a percepção de membro de uma comunidade (PUTNAM, 1993).

No entanto, Putnam sofreu fortes críticas pelo seu determinismo cultural.

As generalizações do autor relegam fatalmente sociedades e civilizações a categorias antidemocráticas e anticívicas. A construção teórica, principalmente, derivada da linhagem cultural do associativismo, implica, para a grande maioria dos países em desenvolvimento, impossibilidade de terem condições mínimas de engajamento cívico.(ABU-AL-HAJ, 1991, p.76).

Bourdieu, teórico francês, também discutiu o tema do capital social. O autor define o capital social como “um conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão vinculados a um grupo, por sua vez constituído por um conjunto de agentes que não só são dotados de propriedades comuns, mas também são unidos por relações permanentes e úteis” (BOURDIEU, 1998, p.67). Assim, para Pièrre Bourdieu, o capital social é um ativo individual, acumulado individualmente através de relações estabelecidas que forneçam algum tipo de legitimidade a esse indivíduo. De acordo com o autor, esse capital pode ser transformado em capital simbólico e usado em outro campo5.

Peter Evans, teórico neo-institucionalista, defende a ideia de que o Estado e as instituições públicas tem papel importante no impulsionamento do capital social. Abu-Aj-Haj, explica que Evans,

Ressaltou a idéia de que o ativismo institucional incentiva as redes cívicas adormecidas — ou historicamente reprimidas— a ganharem uma vida autônoma. A nova construção se baseou na hipótese de que o poder de auto-organização coletiva é essencialmente desigual. O Estado seria a única instância com potencial de mobilização ou desmobilização das iniciativas coletivas e seu sucesso nessa empreitada dependeria de uma síntese contraditória de autonomia do Estado e de sua exposição cotidiana aos interesses organizados da sociedade. Em outras palavras, a mudança social aconteceria na medida em que o Estado passasse da regulamentação para a ação (ABU-AL-HAJ, 1999,p. 72)

Assim, pensar em capital social, é pensar em ação coletiva. Portanto, para esta discussão partiremos do conceito de Putnam, que apesar de seu determinismo cultural, apresenta o relevante conceito de horizontalidade. Em um cenário de relativa horizontalidade confiança, cooperação e solidariedade se manifestam mais facilmente e impulsionam a ação coletiva gerando valorização do capital social e aumento das redes cívicas.

O GRAMEEN E O CAPITAL SOCIAL

O Banco Grameen, apesar de sua remodelagem de produtos em 2001, tem obtido sucesso. O trabalho feito pelo Professor Yunus lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz em 2006. A grande inovação da instituição está não apenas no microcrédito mas, principalmente, em suas regras e condições para conceder empréstimos que vão além do tradicional capital econômico.

O capital social foi reconhecido pelo Banco Mundial como sendo um elemento fundamental para a erradicação da pobreza. “As comunidades pobres, mas estreitamente unidas penhoram seu capital social ao ínves de dos bens materiais que os bancos comerciais exigem como garantia (WORLD BANK, 2001)6.

A chave para o crescimento do capital social está nas exigências que o banco faz as suas clientes. O banco proporciona um associativismo horizontal ao delimitar que os clientes encontrem-se semanalmente para efetuar o pagamento de seus empréstimos e trocar experiências.

A abordagem Grameen com o modelo de grupos de empréstimo promove uma poderosa rede social, envolvendo os mutuários em reuniões semanais. Estas redes de apoio capacitam as mulheres para expandirem seus negócios, pagarem os empréstimos e prosperar de formas que não foram possíveis exclusivamente fornecendo capital financeiro (GRAMEEN RESEARCH, 2012).7

Os encontros são usados para construir capital social promovendo normas de bom comportamento, redes para compartilhar experiências sobre negócios e gerar e fortalecer a confiança que antes só era possível entre os membros de uma família. Lisa Larance realizou uma pesquisa em 2001 com os clientes do banco. Ela pode constatar que os encontros servem para expandir as redes para além dos fracos laços entre familiares. Muito dos entrevistados confirmaram esta afirmação: as reuniões facilitam as transações econômicas mas, principalmente, as não econômicas. 74% dos entrevistados pela pesquisadora afirmaram usar as redes de contato que construíram através do banco foram usadas para compensar pequenas quedas nos empréstimos. Além disso, a troca social também foi expandida: empréstimos de roupas e joias para ocasiões especiais, receber convidados inesperados, mobilidade para além de sua própria vizinhança e ajuda mútua principalmente para mulheres que mudaram-se para a vila do marido longe de suas famílias (DOWLA e BARUA, 2011).

Os encontros beneficiam os membros de outras maneiras. Através de presença regular, eles são informados sobre viabilidade de bolsas de estudos, empréstimos para educação superior, e outras opções de crescimento, como inovações para o uso do fundo do empréstimo, melhores práticas adotadas pro outros membros e até soluções para problemas pessoais (DOWLA e BARUA, 2001, p. 80)8.

Fica claro, portanto, que o modus operandi adotado pelo Grameen Bank é capaz de gerar capital social a partir do estabelecimento de normas, confiança e redes. Lisa Larance, também pode encontrar em sua pesquisa que, na maioria dos casos, as integrantes de um grupo não se conheciam antes de formarem um centro e que o principal critério para escolha de outros membros é a capacidade que ele tem de pagar sua dívida. Os membros do centro onde Lisa Larance realizou sua investigação afirmaram que o capital social que foi construído através dos encontros permitiu que elas solucionassem problemas de diferentes natureza. “Os componentes auto-identificados do capital social expandiram as opções de vida de cada mulher e introduziram novas oportunidades sociais para o grupo” (LARENCE, 1998, p.26)9. A interação social foi fortemente promovida e impulsionada por essa dinâmica de encontros.

Lisa (1998) concluiu que a abordagem do Grameen possibilitou que as mulheres, tanto como indivíduos como membros de uma comunidade, continuassem a prosperar através da confiança e das redes comunitárias de cooperação depois do primeiro empréstimo.

Ao analisarmos o funcionamento do Grameen a luz da teoria de Robert Putnam brevemente apresentada aqui, percebemos que as normas da instituição foram capazes de proporcionar uma interação social que culminou em uma rede de associativismo horizontal – todos os membros do banco partilham do mesmo status e nível hierárquico. Soma-se a isso, a cooperação entre os membros, não apenas para assuntos financeiros e pagamento dos empréstimos como também para outros assuntos sociais. Por fim, os laços de confiança que estas mulheres cultivam completa os três elementos tidos por Putnam como fundamentais para o capital social. Esses mecanismos permitem que as mulheres prosperem em outros campos que não apenas o econômico.

No entanto, a pesquisadora Lisa Larance (1998) afirma que os efeitos do engajamento das mulheres do Grameen ainda não chegou na esfera política local. Segundo ela, os membros do Grameen não usaram o capital social que construíram para concorrer a um dos cargos da assembleia local e romper com a predominância masculina. Ou seja, o capital social adquirido não foi transformado em capital político.

Como articulado por Rokeya Begum [uma das entrevistadas por Lisa Larance], tais ações democráticas seriam mal interpretadas pelo homens da vila e resultaria em um retrocesso. Ainda que funcionários do Grameen Bank pudessem ter facilitado a participação democrática dos membros alimentando um ambiente no centro que possibilitasse discussões políticas, teria sido considerado instigante ao invés de divisionista (LISA LARANCE, 1998, pp. 26-27).10

Ao analisarmos o Índice de Desenvolvimento Humano bengalês percebemos um aumento considerável. Ainda abaixo de níveis satisfatórios o IDH de Bangladesh atingiu 0,558 ( em uma escala onde o máximo é 1,0), contudo se comparado com os 0,336 de 1980 percebemos uma melhora de quase 100%.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo pretendeu abordar de que maneira as regras estratégias adotadas pelo Banco Grameen, em Bangladesh, influênciam na geração de capital social de seus clientes. Assim, apresentou-se um breve histórico do banco sus regras de funcionamento.

O Grameen Bank nasceu da iniciativa do professor universitário Muhammad Yunus, que foi impulsionado pelo cenário sócio-econômico que encontrou na vila próxima a Universidade em que lecionava. O professor então, criou o banco apesar das dificuldades e instituiu algumas regras para aqueles que desejavam tomar empréstimos. Atendendo majoritariamente mulheres, os clientes do banco devem formar grupos de cinco pessoas para tomarem empréstimos e participarem de encontros semanais junto com outros grupos.

Objetivou-se mostrar que, essa dinâmica de interação proporcionada pelas regras criadas por Yunus são benéficas para os membros do banco. Foi ela quem possibilitou uma mudança na atitude das mulheres rompendo algumas barreiras culturais que imperavam. Foi através dos grupos que a possibilidade de criar redes de cooperação e confiança aumentaram exponencialmente. A luz da teoria de Robert Putnan, cooperação e confiança são, juntamente com reciprocidade, os elementos basilares do capital social.

Portanto, se as interações proporcionadas pelo Grameen aumentaram confiança, reciprocidade e cooperação, pode-se afirmar que houve um aumento do capital social. Lisa Larance empreendeu uma pesquisa empírica com uma amostra dos membros do Grameen Bank. A pesquisadora concluiu que as exigências feitas pela instituição trouxeram benefícios aos clientes para além do capital econômico. Contudo, esses benefícios ainda não atingiram o campo político e o parlamento é predominantemente masculino e discussões políticas não acontecem entre as mulheres.

Por fim, percebe-se a importância que o capital social tem na vida cotidiana e nas interações sociais. Com simples ações está sendo possível promover uma mudança no cenário rural de Bangladesh.

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

ABU-AL-HAJ, Jawdat. O Debate em Torno do Caital Social: Uma revisão Crítica. BIB, Rio de Janeiro, n.° 47, 1,° semestre de 1999, pp. 65-79

ALMOND, Gabriel A., VERBA, Sidney. The Civic Cullture: Political Attitude and Democracy in Five Nations, Sage Publications. 1963, 563pag.

ANDRÉ, Isabel e ABREU, Alexandre. Dimensões e Espaços da Inovaçao Social. Finisterra, XLI, 81, 2006, pp. 121-141

BANCO CENTRAL DO BRASIL, Microcrédito. 2002 Disponível em <<http://www.bcb.gov.br/htms/public/microcredito/microcredito.pdf>> acesso em 12/02/2015

BOURDIEU, Pièrre. O Poder Simbólico. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1989.

CIA, 2014. The world Factbook. Disponível em <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/bg.html>>. Acesso em 10/02/2015

DOWLA, Asif; BARUA, Dipal. The Poor Always Payback: The Grameen II Story. Kumarian Press, 2006.

GRAMEEN BANK, Credit Delivery System, 2014. Disponível em <<http://www.grameen.com/index.php?option=com_content&task=view&id=24&Itemid=12>>7, acesso em 14/02/2015

GRAMEEN RESEARCH. Grameen Methodology. 2012. Disponível em <<. http://grameenresearch.org/grameen-methodology-2>> acesso em 12/02/2015

HULME, David. The Story of the Grameen Bank: From Subsidised Microcredit to Market-based Microfinance. University of Manchester. 2008,

KHANDKER, Shahidur. KHALILY, Baqui. KHAN, Zahed. Grameen Bank Performance and Sustainability. The World Bakn. Washigton. 1995

LARENCE, Lisa. Building Social Capital from the Center: A Village-Level Investigation of Bangladesh’s Grameen Bank . George Warren Brown School of Social Work Washington University, St. Louis, Missouri, USA Grameen Trust Working Paper 1998

MOISÉS, José Álvaro. Cultura Política, Instituições e Democracia: Lições da Experiência Brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 23 nº. 66 fevereiro/2008

RENNÓ, Lúcio. Teoria da Cultura Política: Vícios e Virtudes. BIB, Rio de Janeiro, n.45, 1.° semestre de 1998, pp. 71-92

RUTHERFORD, Stuart . MicroSave Briefing Notes on Grameen II. Sem data. Micro Save. Disponível em <<http://www.microsave.net/files/pdf/MicroSave_GB_Briefing_Note_1_Overview.pdf>>. Acesso em 13/02/2015

PUTNAM, Robert. Comunidade e Democracia: A Experiência da Itália Moderna. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1993.

YUNUS, Muhammad. O Banqueiro dos Pobres. Ática, São Paulo. 2001.

ZEPHYR, Angelyn M. Money is Not Enough: Social Capital and Microcredit. Issues in Political Economy, Vol. 13, 2004

1Um país localizado no sul da Ásia conquistou sua independência do Paquistão em 1971. A região é caracterizada por uma grande pobreza e a maior parte da população é de agricultores e artesãos. (BANCO MUNDIAL, 2006).

2Tradução da autora . Do original:In performing the rituals of membership, a woman develops a strong identification with Grameen Bank. This bond makes it easier for her to resist the tight strictures of the traditional family and to adhere to the regulations of the program” (p. 73).

3Tradução da autora. Do original: “The Bank has not only been able to stabilise itself but has, in effect, relaunched itself and its trajectory. While it took Grameen 25 years to reach a client base of 2.5 million, it took only three years, from 2001, to recruit the next 2.5 million clients” p.8

4Tradução da autora. Do original: “ refers to the specifically political orientations – attitudes toward the political system and its various parts, and attitudes toward the role of the self in the system.” (ALMOND E VERBA, 1963, p.12)

5Como campo entende-se o espaço onde uma determinada relação de forças se estabelece; espaço de disputa de poder que tem uma linguagem e um modo próprios.

6 Tradução da autora do original “poor but closely-knit communities pledge their social capital in lieu of the material assets that commercial banks require as collateral” (World Bank 2001)

7Tradução da autora do original: The Grameen approach to the group-lending model fosters a powerful social network that produces social capital by engaging borrowers in weekly group meetings. These support networks empower women to expand their businesses, repay loans and prosper in ways that were not made possible by solely providing financial capital.(GRAMEEN RESEARCH, 2012).

8 Tradução da autora. Do original: Center meetings benefit the borrowers in other ways. Through regular attendence, borrowers are informed about tha availability of scholarship fund, higher education loans for their offspring, and other developements, such as innovations in the use of the loan fund, best practives adopted by other members, and even solutions to personal problems.

9Tradução da autora do original: The self-identified components of social capital have expanded each woman’s life options and introduced new social opportunities for the group.

10Tradução da autora do original: As articulated by Rokeya Begum, such democratic actions would be misinterpreted by male villagers and would result in a backlash. Perhaps the GB employee could have facilitated members’participation in democracy by nurturing a center environment where political discussion would have been considered thought provoking rather than divisive.



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