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DA ILICITUDE DA PROVA NO PROCESSO PENAL

DA ILICITUDE DA PROVA NO PROCESSO PENAL

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O ARTIGO EXPÕE A QUESTÃO DA ILICITUDE DA PROVA NO PROCESSO PENAL E TEORIAS SOBRE ELA.

DA ILICITUDE DA PROVA NO PROCESSO PENAL

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

I – GENERALIDADES

Sabe-se que o processo penal tem por finalidade a apuração do fato criminoso e de sua autoria, algo que se consegue através da prova, que é produzida pelas partes e pelo juiz, de ofício.

Cabe a parte o ônus de propor a prova.

Distingue-se o ônus da prova da obrigação.

Na obrigação, exige-se uma conduta cujo adimplemento ao cumprimento traga benefícios a parte que ocupa o outro polo da relação jurídica.

Não é o caso do ônus processual.

Costuma-se seguir para caracterizar a distinção da obrigação, que se chama de dever,  e do ônus um critério elaborado por CARNELUTTI[1]. Para ele, tanto o dever como o ônus se constituem em limitação da esfera de ação daquele a quem se incumbe, ou, em outras palavras, no sacrifício do interesse do seu titular. No entanto, o sentido desse sacrifício é bem diverso: enquanto no dever o sujeito passivo subordina um interesse próprio a um interesse alheio, no ônus ele apenas subordina um interesse próprio a outro interesse próprio. O cumprimento de um ônus é para seu titular uma simples condição do exercício de um direito ou da satisfação de um interesse, uma situação de necessidade.

Ao ônus não corresponde, segundo o mestre peninsular, jamais um direito e uma pretensão por parte de outrem, ao contrário do que ocorre no dever onde esta pretensão poderia  ser exercida no extremo da execução forçada.

É certo que ALVIM[2] fala numa figura chamada dever stricto sensu, que não é conversível em pecúnia que teria como característica básica a perpetuidade. É o caso do dever de boa-fé no curso do processo pelas partes. 

 Entende-se ainda que o ônus da prova é, em outro enfoque, uma posição jurídica na qual o ordenamento jurídico estabelece determinada conduta para que o sujeito possa obter um resultado favorável.

No processo penal, o ônus da prova é da acusação, que apresenta a imputação em juízo, seja através da denúncia, na ação penal pública  ou da queixa-crime, na ação penal privada.

É certo que o réu pode chamar a si o interesse de produzir prova, o que ocorre quando alega em seu benefício algum fato que proporcionará a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

Em nome do principio da presunção da inocência, com sede constitucional, esse ônus da prova pela defesa não deve e não pode ser levado a extremos.

Daí a expressão usada pelo artigo 156 do Código de Processo Penal: a prova da alegação incumbirá a quem o fizer, sendo, porém, facultado ao juiz, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada das provas consideradas urgentes e relevantes, observadas a proporcionalidade, a necessidade, a adequação da medida e ainda determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença a realização de diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante.

O ônus da prova diz respeito ao juiz na formação de seu convencimento para decidir o feito, com o objetivo de atingir a certeza(juízo cognitivo exauriente) e não mera aparência, com relação a materialidade e autoria criminosa consoante as provas produzidas no processo, que é um verdadeiro instrumento.

No processo penal, como alerta BADARÓ[3] ¨o ônus da prova funciona como um estímulo para as partes, visando a produção de provas que possam levar ao conhecimento do juiz a verdade sobre os fatos.¨

Na dúvida, o caminho é a absolvição do réu.

De toda sorte, protege-se o réu contra a autoincriminação. Isso porque não está o  réu obrigado a produzir prova contra si mesmo. Aliás, no artigo 8º, da Convenção Americana de Direitos Humanos, está prevista como garantia judicial, o direito da pessoa não ser obrigada a depor contra si mesma, nem de declarar-se culpada. Aliás, vigora, na matéria, a primazia da norma mais favorável que quer dizer que deve ser aplicada pelo intérprete a norma que favoreça mais o indivíduo, seja a interna seja a externa, na proteção dos direitos humanos, superando-se, como bem disse CANÇADO TRINDADE[4] a polêmica monistas e dualistas, em matéria de direitos humanos no âmbito internacional. 

Qualquer prova que for demandada ao réu, que implique em trazer prejuízo para a defesa, pode ser por ela  negada.

É certo que pode a defesa apresentar um álibi para seus argumentos. Cabe assim a ela o ônus da prova de demonstrar sua existência, à luz do artigo 156 do Código de Processo Penal.

II – DOS SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DA PROVA.

Modernamente temos o sistema da verdade legal(formal), quando há uma valoração, hierarquia das provas a que fica sujeito o juiz. Nesse sistema, a confissão poderia ter valor absoluto.

Por outro lado, temos o sistema da verdade real(livre convencimento ou convencimento) em que o juiz não fica preso a critérios valorativos, pois é amplo o seu campo de investigação. Toda a prova tem valor relativo. De há muito tem esse sistema limites: é vedado o emprego de hipnose, para obter-se a confissão; não se admite o detector de mentiras, aparelho destinado a medir as reações, não se admite o uso da psicanálise, mesmo com o consentimento do réu.

São questionáveis, do ponto de vista científico e jurídico, os argumentos trazidos com relação ao uso da psicografia no processo, temática que se cuida em sede religiosa.

Não se admite o emprego de meios contra o acusado, que o façam confessar, pois ele tem o direito até mesmo de silenciar.

Percebe-se que o emprego do sistema da verdade real não pode ser aplicado para ultrapassar as fronteiras do arbítrio.

A lição de Nelson Hungria é lembrada por ACOSTA[5] quando diz que não podemos esquecer 3(três) princípios fundamentais do processo: a) a pessoa do réu é algo sagrado; b) ninguém é obrigado a depor contra si mesmo; c) é preferível deixar impune um culpado a condenar um inocente.

Sendo assim o direito à prova, assegurado nas garantias da ação, da defesa e do contraditório, não é absoluto, encontrando limites.

Há assim limites a atividade instrutória, próprios de um sistema jurídico onde avulta a liberdade do indivíduo.

Há, portanto, um equívoco da verdade material como liberdade absoluta do juiz penal.

Daí a sábia conclusão da doutrina exposta por GRINOVER, FERNANDES e GOMES FILHO[6] quando se diz que o termo verdade material há de ser tomado em seu sentido correto:

¨de um lado, no sentido de verdade subtraída à influência que as partes, por seu comportamento processual, queiram exercer sobre ela; de outro lado, no sentido de uma verdade que, não sendo ¨absoluta¨ou ¨ontológica¨, há de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática,e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço; uma verdade processualmente  válida.¨

III – AS PROVAS ILÍCITAS

A prova ilícita é prova vedada.

Constituem-se provas ilícitas as obtidas com violação do domicílio(artigo 5º, XI, da Constituição Federal) ou das comunicações(artigo 5º, XII, da Constituição Federal); as conseguidas mediante tortura ou maus tratos(artigo 5º, III, da Constituição Federal); as colhidas com infringência à intimidade(artigo 5º, X, da Constituição Federal). Em suma, afasta-se, no processo penal brasileiro, a admissibilidade de provas ilícitas, do que se lê do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal.

A prova é ilegal sempre que sua obtenção caracterize violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento seja de natureza processual ou material. Por sua vez, quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima ou ilegitimamente produzida. Quando a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida.

O certo é que nosso sistema jurídico não admite as provas obtidas no processo por meios ilícitos.

A prova obtida por meios ilícitos deve e pode ser banida do processo por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados. Aqui tudo que vem pela prova ilícita cai na vala comum da inconstitucionalidade, razão pela qual deve ser objeto de nulidade absoluta, algo cujo prejuízo não se presume.

É sabido que, no direito comparado, como é o caso da Alemanha, tem-se admitido atenuações, em casos de excepcional gravidade, sempre obedecido um critério de proporcionalidade, respeitando-se um equilíbrio entre os valores fundamentais contrastantes.

De outra parte, reconhece-se a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado ainda que colhida em afronta a direitos fundamentais seus ou de terceiros. É uma aplicação do principio da proporcionalidade.

Nessa esteira a conclusão é de que a prova colhida pelo próprio acusado elimina a ilicitude, como se vê, em face de causas legais, na legitima defesa ou no estado de necessidade, excluindo-se a ilicitude.

A posição do Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da Constituição de 1988, é refratária a prova ilícita. É o que se tem de julgamento de 18 de dezembro de 1986, onde se determinou o trancamento de inquérito policial baseado em interceptações telefônicas feitas por particulares, com confissão de sua realização por meios sabidamente ilícitos(RTJ 122/47).

Questiona-se o aproveitamento da prova ilícita em favor da acusação, onde o critério da proporcionalidade poderá ser utilizado, nas hipóteses em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística da norma da inadmissibilidade. Fala-se nessa aplicabilidade potencial e finalística quando se fala na função do controle da atividade estatal responsável pela produção da prova. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 251.445/GO, DJU de 3 de agosto de 2000, relator Ministro Celso de Mello, afirmou a ilicitude e a inadmissibilidade da prova em razão de ter sido obtida com violência do domicílio do suposto autot, em situação que envolvia crimes de natureza sexual contra menores, pela prática de registro e manutenção de fotografias pornográficas.

Discute-se ainda com relação a condução de investigação baseada em denúncia anônima. Lembro a esse respeito a decisão que consigno a seguir, do Superior Tribunal de Justiça, no HC 137.349/SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 30 de maio de 2011, onde se discutiu com relação a denúncia anônima não submetida a investigação preliminar com quebra de sigilo de dados. Entendeu-se que a denúncia anônima pode originar procedimentos de apuração de crime, desde que empreendidas investigações preliminares e respeitados os limites impostos pelos direitos fundamentais, que devem ser respeitados quando da investigação formal, impedindo a adoção de providências genéricas que venham a invadir a intimidade dos investigados.

IV – O PROBLEMA DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO. A TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA

Provas ilícitas por derivação são aquelas provas, em si mesmo lícitas, mas que se chegou por intermédio de informação obtida pela prova ilicitamente colhida.

Trago 2(dois) exemplos emblemáticos da doutrina:

{C}a)      {C}A confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado diz onde está o produto do crime, que veio a ser de forma regular apreendido[7];

{C}b)      {C}O caso da interceptação telefônica clandestina, por intermédio do qual o órgão policial descobre uma testemunha do fato, que, em depoimento prestado de forma regular, incriminara o acusado.

É o que temos da chamada e conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada, ou efeito a distância,  oriunda do direito americano, como foi cunhada pela Corte Suprema, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos. É o que se vê a partir do leading case ¨Silverthon Lamber CO v. United States(251US 385; 40 S, Cf 182; 64, I, pág. 319), de 1920, que passou a excluir a prova lícita obtida a partir de práticas ilegais.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões como no HC 74.116/SE, DJU de 14 de março de 1997 e ainda no HC 76.641/SP, DJU de 5 de fevereiro de 1999, reconheceu a pertinência da teoria em foco.

Chegamos a redação atual do artigo 157 do Código de Processo Penal, onde se tem:

¨Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690 , de 2008)

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690 , de 2008)

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690 , de 2008)¨

Com isso se diz que, a partir da reforma processual trazida pela Lei 11.690/2008, passou-se a prever, de forma explícita, no Código de Processo Penal, serem ilícitas as provas obtidas por violação a normas constitucionais ou legais, alem de que não merecem aceitação as provas licitas derivadas das ilícitas, em regra.

Correta a ilação de NUCCI[8] de que o processo penal deve formar-se em torno da produção de provas legais e legítimas, inadmitindo-se qualquer prova obtida por meio ilícito.

Revelam-se inadmissíveis, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios, os elementos a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão de prova originalmente ilícita, obtida como resultado de transgressão dos agentes públicos de direitos e garantias constitucionais. Mas, se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, de forma legítima, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova(teoria da fonte independente), que não tenha nenhuma relação de dependência nem decorra de prova originalmente ilícita, não havendo que falar em relação de causalidade, então tais dados probatórios revelam-se admissíveis. É o que se lê de importante decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 93.050 – RJ, 2ª Turma, Relator Ministro Celso de Mello.

A prova separada, ou fonte independente, significa que a prova obtida aparenta ser derivada de outra, reputada ilícita, porém se for deduzido que ela poderia ser obtida de outra forma, num critério de prova separada, deve ser objeto de validação.

Mas, no entanto, trago a colação decisão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 16.965-RJ, 6ª Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 4 de fevereiro de 2002, pág. 565, quando concluiu que não se aplica a teoria dos frutos da árvore envenenada, se a escuta telefônica, malgrado tenha sido realizada sem a observância do devido processo legal, não foi a prova decisiva ou única para o indiciamento de um paciente.

Ora, a prova obtida ilegalmente, é um nada jurídico, passível de nulidade absoluta, desentranhamento dos autos, não podendo ser prova para deflagração de investigação policial.

V – INTERCEPTÇÃO, ESCUTA E GRAVAÇÃO DE CONVERSA

A interceptação telefônica é o ato de imiscuir-se em conversa alheia, seja por meio telefônico (interceptação telefônica) seja por interceptação ambiental, que é outra forma de captação.

Só por exceção, e por ordem judicial, como preconiza a Constituição-Cidadã de 1988 poderemos ter a hipótese de interceptação telefônica, sempre para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, com a consequente gravação com o intuito de que sirva como meio de prova. É o que se vê do artigo 5º, XII, da Constituição Federal, onde se encontra proteção a direito a intimidade(artigo 5º, X, da Constituição Federal).

Tal providência , levando em conta o princípio da proporcionalidade, deve ser indispensável e necessária para, no interesse da sociedade, permitir ao Judiciário, de forma devidamente fundamentada, efetivar a interceptação.

Exige-se a adequação de meios aos fins a serem perseguidos com a medida. Por outro lado,   a necessidade, menor ingerência possível, deve ser respeitada, na medida em que os meios utilizados para o atingimento dos fins sejam os menos onerosos para o cidadão. Proíbe-se o excesso. Uma medida judicial estará confrontando a Constituição quando outras medidas menos lesivas puderem ser aplicadas.

A Lei 9.296/1996 disciplina a forma legal dessa interceptação.

Duas situações são cogitadas: a primeira é a gravação de conversa entre duas pessoas ocorridas em local público; a segunda, a gravação de uma conversa entre 2(dois) interlocutores feita por um deles. Ambas as situações estão cobertas por licitude. A primeira, quando há gravação realizada, captando-se conversa entre 2(duas) pessoas, em local público, a segunda, uma gravação de conversa feita por um dos interlocutores, não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo, como se lê do RE 402.035 – SP, relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 9 de fevereiro de 2004.

Já se disse que a gravação de conversa entre 2(dois) interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, quando se constitui em exercício de defesa(Ag. Reg no Ag de Instrumento 503.617 – PR, Relator Ministro Carlos Velloso).

Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal, no RE 402.717-8/PA, Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em 2 de dezembro de 2008, entendeu  que é licita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento de outro, se não há causa legal específica de sigilo, nem de reserva da conversação, sobretudo quando seja predestinada a servir de prova, a favor de quem a gravou, em juízo  ou no inquérito.

O Superior Tribunal de Justiça tem aceito, de forma sistemática, a gravação de conversa de um dos interlocutores sem o consentimento do outro, á luz do principio da proporcionalidade, como se lê do julgado no HC 4.654/RS.

O artigo 5º da Lei 9.296/1996 estabelece o prazo máximo de 15(quinze) dias(prorrogável por outros quinze, se for indispensável) para a interceptação telefônica, com autorização judicial. Por certo, em casos complexos, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no HC 83.515-RS, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ de 4 de março de 2005, é possível a concessão de interceptação telefônica por sucessivas vezes.

É viável a utilização de interceptação telefônica como prova emprestada para fins de utilização em processo civil.

Ora, tal prova pode ser aceita uma vez que a intimidade já teria sido violada de forma lícita, não havendo razão para impedir tal produção de prova.

Por sua vez, é ainda viável a utilização da interceptação telefônica contra terceiro. Perfeitamente possível que, numa interceptação telefônica,  captando-se a conversa entre A e B com autorização judicial, surja prova do cometimento do crime por parte de C, terceira pessoa.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 33. 553- CE, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 11 de abril de 2005, entendeu que é lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial, desde que relacionado com o fato criminoso objeto da investigação.

Por sua vez, para abrandar o absurdo da proibição de interceptação telefônica nos casos de crimes punidos com pena de detenção, onde há verdadeira falta de razoabilidade, tem-se entendido que é possível a medida se tais crimes são conexos aos delitos cuja pena é de reclusão. É o que se lê do HC 83.515 – RS, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ de 4 de março de 2005.

Por sua vez, o artigo 7º da Lei 9.296/96 possibilita à Polícia requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público, não impedindo, desta forma, a colaboração de terceiros, desde que tal atividade tenha a supervisão da autoridade policial competente e a devida ciência do Ministério Público, titular da ação penal pública. 

VI – O SIGILO BANCÁRIO

A quebra do sigilo bancário pode ser determinada por lei, sempre dentro de critérios de proporcionalidade que levem a excetuar a proteção que deve ser feita a intimidade.

A Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, dispondo sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, autoriza as autoridades fazendárias a examinar documentos, livros e registros, inclusive os referentes à conta de depósitos e aplicações financeiras, desde que haja procedimento administrativo, que venha regularmente instaurado e desde que tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente, artigo 6º, parágrafo único.

Citada norma jurídica autoriza, outrossim, a troca de informações sigilosas entre as instituições financeiras e o Banco Central do Brasil, inclusive sobre contas de depósitos e investimentos, como se lê do artigo 2º, § 1º, e ainda a quebra do sigilo bancário quando as informações forem requeridas pelo Poder Legislativo Federal e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, desde que aprovada a medida pelo Plenário da Câmara e do Senado, ou pelo Plenário das respectivas Comissões Parlamentares, artigo 4º.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Medida Cautelar nº 33, no Recurso Extraordinário 389. 808, de 24 de novembro de 2010, decidiu, por maioria, de 6(seis) votos contra 4(quatro), pela falta de necessidade de ordem judicial para a quebra do sigilo bancário, quando se tratasse de procedimento regular instaurado no âmbito da Receita Federal.

A posição da Administração nessa conduta, no Brasil, não parece ser única.

Sabe-se que, na França, as leis permitem aos agentes fiscais terem acesso a documentos confidenciais das empresas, aí incluídos os bancos. Assim também na Alemanha, Holanda, Itália e Espanha, onde se encontra um poder análogo ao Fisco e ao Juiz.

Quanto a quebra de sigilo bancário pelo Ministério Púbico trago à colação decisão do Supremo Tribunal Federal na matéria, no Inquérito 2.206 AgR/DF – Distrito Federal, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento de 10 de novembro de 2006, DJ de 10 de novembro de 2006:



¨INQUÉRITO - DILIGÊNCIA - EXTENSÃO. O deferimento de diligência requerida pelo Ministério Públicode fazer-se em sintonia com as balizas subjetivas e objetivas da investigação em curso, descabendo providências que extravasam o campo da razoabilidade, como, por exemplo, a quebra de sigilo bancário generalizada.¨

Não se deve se afastar do que foi julgado no RE 215. 301, Relator Ministro Carlos Mário Velloso, DJ de 28 de maio de 1999, onde se disse:

- CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. C.F., art. 129, VIII.

I. - A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C.F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a C.F. consagra, art. , X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa.

II. - R.E. não conhecido.

Na doutrina, temos a  interpretação de OLIVEIRA{C}[9], ao comentar dispositivo da Lei Complementar 75/1993, artigo 6º, XVIII, a, que prevê como competência do Parquet a representação à autoridade judiciária, para fins de quebra de sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas , de dados e das comunicações telefônicas, no curso da investigação ou da instrução criminal, considerando que o sigilo bancário não estaria incluído na aludida [i]previsão  sob pena de confronto com o explicitado na Lei Complementar nº 75/93.

VII – A TEORIA DO ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS

Fala-se no encontro fortuito de provas quando a prova de determinada infração penal é obtida a partir de busca regularmente autorizada para a investigação de outro crime.

Reconhece-se sua aplicação, no direito processual penal alemão, como se lê no  § 100, b, V, do Código de Processo Penal.

É o que se vê quando no curso da investigação  criminal é autorizada judicialmente a interceptação telefônica em certo local, com a consequente violação da intimidade das pessoas que ali se encontram, não se pode recusar a prova ou a informação relativa a outro crime ali obtida.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 83.515/RS, Relator Ministro Nelson Jobim, Informativo 361, como no HC 102. 394, Relatora Ministra Cármen Lúcia, entendeu por reconhecer a licitude da prova de outro crime, diverso daquele investigado, obtida por meio de interceptação telefônica e autorizada, de início, para apuração de crime punido com reclusão. A conexão entre os crimes justificaria a licitude e o aproveitamento da prova.

VIII– O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS.

A matéria, que é polêmica, está hoje sujeita a repercussão geral como se lê do RE 593.727/RG/MG, Relator Ministro Cezar Peluso.

De um lado, fala-se no exercício de poderes implícitos pelo Ministério Público, na linha da jurisprudência americana, já que ao Parquet cabe a atividade de supervisão da atividade policial, por força do artigo 129 da Constituição Federal. É o que se lê do texto da norma fundamental:

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

De outro lado, há os que entendem que tal tarefa é apenas das polícias civis e da polícia federal. Em razão disso, para esses, se o Ministério Público exerce sozinho o papel de condução da investigação,  a consequência seria a nulidade com a extração das provas dos autos colhidas que deram azo a denúncia.

Exige-se, de toda sorte, que tal atividade se faça com respeito aos direitos individuais.

Acentuo  que a legitimidade do Ministério Público para a colheita de elementos probatórios essenciais à formação de sua opinio delicti decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/1993 (art. 129, incisos VI e VIII, da Constituição da República, e art. 8.º, incisos V e VII, da LC n.º 75/1993).

Nessa linha de pensar se tem que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que por expressa previsão constitucional possui o Parquet a prerrogativa de instaurar procedimento administrativo e conduzir diligências investigatórias.

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que são válidos os atos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público, cabendo-lhe ainda requisitar informações e documentos, a fim de instruir os procedimentos administrativos, com vistas ao oferecimento da denúncia, como se lê do julgamento do HC 83.020/RS, Relator Ministro Og Fernandes, DJe de 2 de março de 2009.

A propósito, tem-se importante precedente no julgamento do HC 84.965/MG, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento de 13 de dezembro de 2011, publicado no DJe de 10 de abril de 2012, onde se diz:


¨HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E DE NÃO-CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. 1. POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. Não há controvérsia na doutrina ou jurisprudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF. A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14 desta Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do amplo conhecimento de provas e investigações, como também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de investigação conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penal”. No caso concreto, constata-se situação, excepcionalíssima, que justifica a atuação do Ministério Público na coleta das provas que fundamentam a ação penal, tendo em vista a investigação encetada sobre suposta prática de crimes contra a ordem tributária e formação de quadrilha, cometido por 16 (dezesseis) pessoas, sendo 11 (onze) delas fiscais da Receita Estadual, outros 2 (dois) policiais militares, 2 (dois) advogados e 1 (um) empresário. 2. ILEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ANTE A FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. De fato, a partir do precedente firmado no HC 81.611/DF, formou-se, nesta Corte, jurisprudência remansosa no sentido de que o crime de sonegação fiscal (art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990) somente se consuma com o lançamento definitivo. No entanto, o presente caso não versa, propriamente, sobre sonegação de tributos, mas, sim, de crimes supostamente praticados por servidores públicos em detrimento da administração tributária. Anoto que o procedimento investigatório foi instaurado pelo Parquet com o escopo de apurar o envolvimento de servidores públicos da Receita estadual na prática de atos criminosos, ora solicitando ou recebendo vantagem indevida para deixar de lançar tributo, ora alterando ou falsificando nota fiscal, de modo a simular crédito tributário. Daí, plenamente razoável concluir pela razoabilidade da instauração da persecução penal. Insta lembrar que um dos argumentos que motivaram a mudança de orientação na jurisprudência desta Corte foi a possibilidade de o contribuinte extinguir a punibilidade pelo pagamento, situação esta que sequer se aproxima da hipótese dos autos. 3. ORDEM DENEGADA.¨

                                 

Tem-se então:

¨Caso Celso Daniel" (HC 84548): numa primeira votação, aos 11 de junho de 2007, o Ministro Marco Aurelio votou contra o poder de investigar do Ministério Público e o Ministro aposentado Sepúlveda Pertence, favoravelmente. O Ministro Cezar Peluso pediu vista dos autos e a votação somente foi retomada após. Na sessão plenária, apesar de ter efetuado considerações acerca da necessidade de estabelecimento de parâmetros e de limitações ao poder de investigar, votou ele  pela denegação da ordem, ocorrendo nova suspensão do julgamento. Em 27 de junho de 2012, foi retomada a votação, tendo sido atingida a maioria de votantes no sentido da constitucionalidade do poder investigatório do "Parquet". No entanto, houve nova suspensão, por pedido de vista. Saliente-se que o Ministro Dias Toffoli, por ser sucessor de Sepúlveda Pertence, não votará.

Caso de repercussão geral (RE 593727): votaram pelo provimento do recurso, ou seja, desfavoravelmente ao poder de investigar (ressalvadas algumas circunstâncias não observadas no caso concreto), os Ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski. Após, foi suspenso o julgamento, o qual foi retomado no dia 27 de junho de 2012, com votos favoráveis ao Ministério Público, do que se lê  da antecipação de votos dos Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Brito (presidente). O Ministro Luiz Fux pediu vista, suspendendo o julgamento.

A matéria ainda está longe de definição, sendo previsível que será usado o voto médio, uma vez que os Ministros utilizaram argumentos diversos sobre


[1] CARNELUTTI, Francesco. Lezione di diritto processuale civile, 111, pág. 315.

[2] ALVIM, ARRUDA. Manual de Direito Processual Civil, volume II, 7ª edição, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 476. 

[3] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal,  São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, pág. 178 a 182.

[4] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 1997, volume I, pág. 434.

[5] ACOSTA, Walter. O processo penal, Rio de Janeiro, Forense, 1959, pág. 214.

[6] GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarence e GOMES FILHO, Antônio Magalhães, As nulidades do processo, São Paulo, Malheiros, 1992, pág. 107.

[7] O preceito bíblico diz que ¨a arvore envenenada não pode ter bons frutos.¨

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, São Paulo, Saraiva, pág. 367. 

[9] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, 16 ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 350.



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