Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/38011
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Os desafios a serem enfrentados para implementar a pesquisa empírica no Direito.

Os desafios a serem enfrentados para implementar a pesquisa empírica no Direito.

Publicado em . Elaborado em .

O presente trabalho visa proporcionar uma visão ampla e geral sobre a importância do desenvolvimento da pesquisa empírica no ramo do Direito enquanto ciência

Resumo

O presente trabalho visa proporcionar uma visão ampla e geral sobre a importância do desenvolvimento da pesquisa empírica no ramo do Direito enquanto ciência. Ademais, também abordamos a dificuldade de se empregar uma pesquisa empírica propriamente dita no campo jurídico, para isso, faremos uma ponte entre os obstáculos enfrentados por países que já passaram por tais problemas. Com isso, propomos uma mudança de visão do que se entende por pesquisa empírica no direito.

Palavras-chave: pesquisa empírica, direito, obstáculos, desafio.

Abstract

This paper aims to provide a broad and general overview of the importance of the development of empirical research in the field of law as a science. Moreover, also discussed the difficulty to apply an empirical research in the legal field, for that, we will bridge the hindrances faced by countries that have gone through such problems. Therefore, we propose a change of view of what is meant by empirical research in law.

Keywords: empirical research, law, hindrance, challenge.

Sumário

  1. Introdução. 2. Panorama geral da pesquisa no direito. 3. O problema da pesquisa empírica nos Estados Unidos. 4. O confronto entre pesquisa e direito. 5. Conclusão. 6. Referências.

 

  1. Introdução

A pesquisa empírica é extremamente importante na formação dos profissionais do direito, pois se busca uma integração com outros ramos científicos, como as ciências sociais e econômicas, por exemplo. Contudo, o que vemos é uma pouca formação que vise proporcionar aos futuros profissionais o diálogo com diferentes áreas. Isso passa a ser um problema quando passamos a ter no mercado operadores do direito tomando por base apenas a norma “crua” e não levando em conta fatores sociais, antropológicos, sociológicos e econômicos na hora de aplicar e defender suas teses jurídicas.

A pergunta que fica é como podemos reverter uma situação que já está arraigada na nossa cultura de ensino jurídico. A resposta pode parecer clichê, mas teremos a possibilidade de mudar esse panorama quando for possível difundir as metodologias e técnicas. Além disso, é necessário observar que se estamos falando de pesquisa “empírica” então é notável que requeira uma prática constante a qual nos faça aprimorar a nossa teoria.

Outro ponto que dificulta a realização da pesquisa empírica é o baixo investimento, dado que ela demanda um alto investimento na sua realização.

Adiante iremos abordar o paradoxo da pesquisa empírica só ter avançado no plano teórico.

 

2.   Panorama geral da pesquisa no direito

Para Alexandre Veronese[1], existem dois panoramas possíveis sobre a pesquisa científica no direito. Primeiro temos aquele fornecido pelo senso comum e o segundo panorama seria uma produção científica necessária.

Pelo senso comum, a formação dos atuantes nas áreas do direito é deficiente e a pesquisa seria o meio pelo qual apoiaria a melhora da formação profissional. Desta forma, busca-se “mudar as pessoas para que as instituições mudes”[2]

Já a segunda visão nos mostra que a pesquisa possui diferente acepção se relacionada aos cientistas do direito ou aos práticos. Assim, a pesquisa, de um modo geral, se difere na acepção do senso comum pois aqui não se busca subsidiar uma ação mas sim compreender diferentes influxos que interferem no direito. Com isso, seria necessário uma mudanças das instituições para que viabilizasse a pesquisa científica por parte dos pesquisadores.

Com isso podemos detectar que o problema da pesquisa empírica é tanto institucional quanto epistemológico.

Assim, o que domina hoje no campo do Direito é que os discursos são baseados apenas em opiniões em vez de dados, não se busca qualquer correspondência empírica. Como alerta Roberto Kant de Lima e Bárbara Gomes Lupetti Baptista[3], os estudos jurídicos são relegados à “manualização” do conhecimento jurídico, assim:

“Ao contrário da construção dogmática do Direito, o estudo das práticas judiciárias, realizado a partir de pesquisas etnográficas de caráter antropológico, permite uma interlocução com o campo empírico que incorpora à produção do saber jurídico os significados que os operadores do campo atribuem à Lei e às normas, possibilitando uma percepção, não apenas mais completa, como também mais democrática, dos fenômenos e institutos jurídicos.”[4]

 

A pesquisa empírica, realizada através do trabalho de campo se torna o meio eficaz para presenciar a materialização do Direito. Temos que entender que o Direito não se trata de um bloco sem qualquer relação com outras ciências. Assim, quando articulamos o Direito com outras relações sociais ganhamos uma amplitude muito grande do que vem a ser o mundo jurídico.

 

O que não podemos deixar que tome proporções ainda maiores é que o sistema normativo de leis e códigos ignore os fatos reais na busca de uma utopia.

 

Uma possível solução para esse problema seria o incremento de disciplinas ligadas à formação humanista do estudante como a filosófica do direito e antropologia do direito.

 

Com a articulação do Direito com essas diferentes disciplinas poderemos deixar de oferecer respostas prontas e padronizadas aos problemas enfrentados em nossos Tribunais para que passemos a oferecer respostas dinâmicas para cada caso.

 

No entanto, o que vemos hoje ao se falar em “pesquisa empírica do (ou no) Direito” é algo totalmente sem rigor, passou a ser um mero levantamento de dados estatísticos feitos à partir da internet como por exemplo, “qual é o autor mais citado nas jurisprudências de uma dada corte?” ou, “como decidiu o STF em suas ADIns” .

 

O professor Otavio Luiz Rodrigues Junior nos mostra que tal atitude nos causa uma série de problemas[5]: 1) não temos hoje na internet uma base de dados exaustiva das decisões dos Tribunais, salvo o Superior Tribunal de Justiça que possui a única base de dados universal, contendo todas as suas decisões e todos os despachos publicados desde sua instalação; fora disso só é possível afirmar tendências a respeito dos julgamentos de outras Cortes como o STF; 2) A estrutura do processo constitucional pátrio, cheio de regras complexas acaba por mitigar uma precisão cirúrgica de uma empiria;  3) Com isso, temos uma perda da “superioridade” que alguns vêem na pesquisa empírica, fazendo com que a pesquisa não se torne tão empírica como o leitor acredita que é; 4) como o discurso dessa pesquisa terá, muitas vezes, números como resultado, não basta argumentos para refutá-los, mas sim outros números, ou seja, números para refutar números.

 

Imersos nessa ciranda intelectual da pesquisa empírica vemos que devemos valorizar os autores brasileiros que fazem valer a pesquisa empírica trazendo à luz a relação do direito com a antropologia, sociologia, economia, estatística, entre outros ramos que lincados entre si nos permite uma compreensão aprofundada do fenômeno social que está por traz do Direito.

 

3.  O problema da pesquisa empírica nos Estados Unidos

 

Os Estados Unidos buscou fundar uma “Jurisprudência Sociológica”[6] com nomes importantes relacionados ao Direito e Ciências naturais e sociais. As pesquisas eram produzidas a partir de uma vasta quantidade de dados, coletados por meio de observação e depois sistematizados.

 

O legado da Jurisprudência Sociológica foi recepcionado pelo Realismo Jurídico cujo objetivo é o justamente estabelecer um fluxo de pesquisas empíricas sobre o direito relacionadas com outras áreas.

 

O problema principal mencionado por Lee Epstein e Gary King apud. Veronese, A. Op. Cit., não é a quantidade de pesquisadores empíricos – que são poucos – mas sim a falta de qualidade na pesquisa.

 

O que hoje vem ocorrendo no Brasil é o que os Estados Unidos vivenciou há alguns anos [7] com a “febre pela pesquisa empírica no Direito” que produziu resultados grotescos os quais eram vendidos como obra da empiria, com isso, outros estudiosos observando os absurdos que estavam sendo publicados tiveram que realizar novas pesquisas para contrapor essas primeiras.

 

Assim, nas palavras do professor Alexandre Veronese[8]:

 

“Como pode ser depreendido, existe um conjunto de problemas que são efetivamente transnacionais. Obviamente, há o partilhado problema dos incentivos, ou seja, se não há motivação material e subjetiva para o desenvolvimento de pesquisas empíricas, certamente poucos acadêmicos se encaminharão para o caminho que é mais árduo para ser bem sucedido. O equilíbrio que pode existir é a possibilidade de que os pesquisadores empíricos sejam beneficiados com mais subsídios e fomento para a produção. Mas tal quadro depende muito da organização da comunidade científica de cada país. Em ambientes onde os recursos são exíguos, a tendência é que as verbas sejam disputadas com mais voracidade, fazendo que tal política seja inviável na prática.” (grifos nossos)

 

4.   O confronto entre pesquisa e direito

 

Segundo Orides Mezzaroba e Claudia Servilha Monteiro, a “pesquisa é o que fazemos quando nos ocupamos de estudar de forma sistemática um objeto, mas fazemos isso sempre tendo uma meta a ser alcançada”[9]

 

Já a palavra direito possui três acepções conforme elucida Miguel Reale[10]: como Ciência Jurídica – “um ramo do conhecimento humano, que ocupa um lugar distinto nos domínios das ciências sociais, ao lado da História, da Sociologia, da Economia, da Antropologia etc.”; como “ordenamento jurídico que traça aos homens determinadas formas de comportamento”; como “ideal de justiça, significa ‘Justo’”

Miguel Reale ainda esclarece que[11]:

 

“Não pensem, entretanto, que se deva fazer uma identificação entre Direito como experiência social e o Direito como ciência. A prova de que essa identificação não se justifica está nesse fato, de conseqüências relevantes: não é apenas a Ciência do Direito que estuda a experiência social que chamamos Direito.”

 

Não podemos nos esquecer que apesar do dia-a-dia do profissional do Direito estar sempre relacionado à aspectos objetivos do Direito como a aplicação da lei, a elaboração de petições, o despacho nos Tribunais, em suma, aquela rotina cotidiana, o Direito deve ser encarado como um fato social, ou seja, a exteriorização do comportamento social que pode ser estudado e analisado por diferentes óticas.

 

Assim, nós podemos utilizar a ótica da história para descobrir como houve o surgimento do Direito, por que ele se deu, qual foi a sua aplicação na época dos Romanos ou a sua mudança com as Revoluções Européias do século XVIII e XIX até os dias atuais.

 

Com a ótica da Sociologia podemos nos aprofundar no estudo do Direito como fonte das experiências sociais e a razão de ser das normas jurídicas.

 

Já o olhar antropológico é, segundo Roberto Kant de Lima e Bárbara Gomes Lupetti Baptista[12]:

 

“O olhar antropológico é, essencialmente, um olhar marcado pelo estranhamento, mas não no sentido de suspeição. Trata-se, na verdade, de uma forma peculiar de ver o mundo e as suas representações, partindo sempre, necessariamente, de um surpreender-se com tudo aquilo que, aos olhos dos outros, parece natural. Relativizar categorias e conceitos e desconstruir verdades consagradas é, pois, um importante exercício antropológico e pode ser, igualmente, um importante exercício jurídico, de grande valia para promover as consequentes transformações pelas quais o Judiciário vem lutando e necessita concretizar, caracterizando-se também como um esforço importante para se tentar romper com as formas tradicionais de produção, legitimação e consagração do saber jurídico.”

 

Assim, podemos perceber que a pesquisa empírica nos leva à analise de um contexto fático. Desta feita, o Direito como objeto de pesquisa nos proporciona a análise das práticas judiciárias para se ter um dossiê do Poder Judiciário, podendo conhecê-lo melhor para aprimorá-lo.[13]

 

Além do que já foi exposto percebemos que a pesquisa e o direito são “vias de mão dupla”, ou seja, assim como a pesquisa pode utilizar o direito como objeto de estudo sob diferentes visões[14], o direito também pode utilizar a pesquisa nas suas aplicações, assim, uma pesquisa que trata do aumento desenfreado do número de empresas ilegais e faz uma projeção para os próximos anos pode levar o Poder Legislativo a editar uma norma que puna os empresários que atuam ilegalmente, ou melhor, a pesquisa pode informar o motivo desse aumento e o Governo pode editar uma norma que auxilie esses empresários a se tornarem legais o que proporciona a arrecadação do Governo e a legalização dos empresários.

 

5.   Conclusão

 

Dessarte, temos uma missão, qual seja: reverter esse caminho esquizofrênico que se tomou acerca da pesquisa empírica crendo que se trata apenas de meras compilações de dados arrecadados da internet. Não. A pesquisa empírica é muito maior e melhor que isso, como vimos, ela nos proporciona uma releitura do sistema do Direito nos trazendo à tona perspectivas e análises que se encontram obscuras frente a nossa rotina de “operadores” do direito.

 

A verdadeira pesquisa empírica nos leva além daquilo que estudamos em códigos, ela nos proporciona uma imersão na história, na sociologia, na antropologia, na economia para que entendamos cada vez mais o Direito como fato social.

 

É de suma importância não deixarmos que a febre da pesquisa empírica nos leve pelo rumo que levou os Estados Unidos nos primeiros anos, mas sim que possamos olhar para aquela experiência e aprender com o erro deles, pois ainda estamos no começo, ainda temos muito a acrescentar, muito a descobrir nesse universo jurídico que se faz novo a cada dia.

 

Os desafios devem ser enfrentados, mais oportunidade de oferecer as disciplinas teóricas nas faculdades e pós-graduações (lato e stricto sensu), principalmente a filosofia como uma espinha dorsal que emana os impulsos necessários à compreensão das demais matérias.

 

Além disso, devemos avançar na busca de mais recursos para que as instituições mudem e que possamos ter condições de realizar as pesquisas de forma correta e completa.

 

Também se busca a operacionalização da pesquisa de campo com a mudança de cultura de pessoas notáveis que impõe inúmeras dificuldades para ter acesso à coisas simples. Mudança de cultura, mudança de mentalidade.

 

A pesquisa no seu sentido lato e o direito formam um par que devia ser inseparável dado que a ambas caminham lado a lado de forma que as duas podem se tornar objeto da outra.

 

Não obstante, é visível que a pesquisa empírica tem as mais diversas dificuldades, mas ainda assim, é um meio eficiente e capaz de transformar os nossos paradigmas sobre o direito.

6.   Referências

 

KANT DE LIMA, Roberto; LUPETTI, B. O desafio de realizar pesquisa empírica no Direito: uma contribuição antropológica. Paper apresentado, n. 7º, 2013.

 

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Riscos de uma pesquisa empírica em Direito no Brasil. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-ago-07/direito-comparado-riscos-certa-pesquisa-empirica-direito-brasil>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.

 

VERONESE, Alexandre. . O problema da pesquisa empírica e sua baixa integração na área de direito: uma perspectiva brasileira na avaliação dos cursos de pós-graduação do Rio de Janeiro. In: XVI Congresso Nacional do CONPEDI, 2007, Belo Horizonte. Anais do XVI Congresso Nacional do CONPEDI [Recurso eletrônico]. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. p. 6011-6030.

 


[1] VERONESE, Alexandre. . O problema da pesquisa empírica e sua baixa integração na área de direito: uma perspectiva brasileira na avaliação dos cursos de pós-graduação do Rio de Janeiro. In: XVI Congresso Nacional do CONPEDI, 2007, Belo Horizonte. Anais do XVI Congresso Nacional do CONPEDI [Recurso eletrônico]. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. p. 6011-6030.

[2] VERONESE, A. Op. Cit. p. 615.

[3] KANT DE LIMA, Roberto; LUPETTI, B. O desafio de realizar pesquisa empírica no Direito: uma contribuição antropológica. Paper apresentado, n. 7º, 2013.

[4] KANT DE LIMA, Roberto; LUPETTI, B., op. cit. p. 23

[5] RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Riscos de uma pesquisa empírica em Direito no Brasil. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-ago-07/direito-comparado-riscos-certa-pesquisa-empirica-direito-brasil>. Acesso em: 04 de novembro de 2014.

[6] VERONESE, A. Op. Cit. p. 6026

[7] VERONESE, A. Op. Cit. p. 6026

[8] VERONESE, A. Op. Cit. p. 6028

[9] MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

[10] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

[11] REALE, Migue. Op. Cit. p. 62-63

[12] KANT DE LIMA, Roberto; LUPETTI, B. op. cit. p. 3

[13] KANT DE LIMA, Roberto; LUPETTI, B. op. cit. p. 3-4

[14] Não só empiricamente, pois a pesquisa no Direito se manifesta de diferentes formas como qualitativa, quantitativa, teórica, prática, estudo de caso, descritiva, prescritiva, entre outras.


Autor

  • Márcio Matos

    Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.<br>Possui Curso de extensão realizado pela Universidade de Maryland (EUA).<br>Bolsista Proic/UFRRJ/CNPq na área de Direito Previdenciário desenvolvendo o tema: "A sustentabilidade econômica da previdência social brasileira e as possíveis reformas previdenciárias pós 2015"<br>Participando do Grupo de Pesquisa Diálogos certificado pela UFRRJ nas linhas de pesquisa: "Transnacionalidade das Questões Jurídicas Contemporâneas" e "O futuro da previdência social no Brasil numa perspectiva social, econômica e demográfica".<br>Atualmente é servidor público no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.