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Propriedade fiduciária no Direito brasileiro

Propriedade fiduciária no Direito brasileiro

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O presente trabalho visa esclarecer o conceito de alienação fiduciária, exemplificar sua utilização em contratos, explicar suas modalidades e estabelecer o paralelo entre a sua conceituação doutrinária e sua real aplicabilidade.

Introdução

Os contratos com cláusula de alienação fiduciária se tornam mais comuns, devido a sua facilidade na aquisição daqueles tão sonhados objetos da necessidade diária, como por exemplo, o automóvel, ou até mesmo um bem imóvel

Esses contratos trazem além de benefícios, porque facilitam a aquisição dos bens, obrigações, que muitas vezes ocasionam desacordos em função do seu não cumprimento conforme estipulado, levando as partes contratantes buscarem a intervenção do Estado na resolução de suas lides.

Esse trabalho conceitua a propriedade fiduciária, suas características, requisitos e modalidades, além de exemplos segundo o comportamento jurisprudencial.

I) Conceito de Propriedade e Propriedade Resolúvel

         Antes de tratar sobre o tema escolhido, cabe explanar, resumidamente, os conceitos de propriedade e propriedade resolúvel.

         O direito de propriedade é um dos princípios fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988, sendo que, conforme define Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

“propriedade é um direito constitucional que não está acima nem abaixo dos outros, porém, está sujeito a adaptações corriqueiras em prol do interesse público, não sendo, portanto caracterizada como um bem intocável.”

De uma forma simplificada, propriedade é o direito real que dá a uma pessoa, que então passa a ser denominada “proprietária”, a posse de uma coisa, em todas as suas relações.

         Na propriedade resolúvel, segundo Maria Helena Diniz:

“a condição e o termo resolutivo operam retroativamente, de maneira que todos os direitos que se constituíram em sua pendência serão desfeitos, como se nunca tivessem existido, e os seus adquirentes, que vierem a perdê-los, não poderão alegar quaisquer prejuízos, que advierem dessa resolução, isto porque esses danos, que porventura, sobrevierem são oriundos de sua própria negligência ou do fato de terem assumido os riscos dessa resolução. Tem, ainda, o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, ação reivindicatória para recuperar o bem do poder de quem o detenha ou possua, por tê-lo adquirido de proprietário resolúvel.”

        

         Divide-se em dois subtipos:

  1. Propriedade transferida sob condição ou termo e
  2. Propriedade revogável por uma causa superveniente.

i)Neste caso, as cláusulas que tornam a propriedade resolúvel estão presentes no próprio título da transmissão. Uma vez operada a condição ou termo, a propriedade é transferida ao beneficiário ou, em caso de silêncio do título, retornará ao antigo proprietário, ambos com efeitos "ex tunc", retroagindo à data da aquisição pelo proprietário resolúvel.

  1. A propriedade pode resolver-se por um fato superveniente ao título de aquisição. Por exemplo, doação revogada, por ingratidão do donatário. Diversamente do caso anterior, a causa de revogação é posterior à transmissão. Os direitos reais constituídos pelo adquirente, em prol de terceiros, permanecem.

II) Propriedade Fiduciária

i)Carlos Roberto Gonçalves

         Propriedade fiduciária é a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível, constituída para fins de garantia de obrigação, a partir do registro do título no Cartório de Títulos e Documentos. Assim, é a propriedade que só existe como garantia do pagamento de outra obrigação.  As características básicas do instituto da alienação fiduciária, estabelecidas pelo art. 66 da Lei 4728/65, são idênticas às da propriedade fiduciária. Trata-se, em ambos os casos, da transferência da propriedade resolúvel de bens móveis pelo devedor ao credor, como garantia de obrigações assumidas por aquele junto a este. Com a constituição da propriedade fiduciária ocorre ainda o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa, enquanto o credor permanece com a posse indireta da coisa.

         É tratada pelo Código Civil de 2002, artigo 1361 e seguintes. Desdobra-se a posse em direta (devedor-fiduciante) e indireta (credor-fiduciário).

         Carlos Roberto Gonçalves, em sua doutrina de Direitos Reais "Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas", começa o assunto citado prescrevendo o artigo 1361 caput do Código Civil, dizendo constituir-se a propriedade fiduciária mediante negócio jurídico de disposição condicional. Subordinado a uma condição resolutiva, porque essa propriedade cessa em favor do alienante, uma vez verificado o implemento da condição resolutiva, não exige nova declaração de vontade do adquirente ou do alienante, nem requer a realização de qualquer outro ato. O alienante, que transferiu fiduciariamente a propriedade, readquire-a pelo só pelo pagamento da dívida.

         O ilustre autor ainda dispõe a respeito da regulamentação da propriedade fiduciária:

O contrato deve ter a forma escrita, podendo o instrumento ser público ou particular, e conter: o total da dívida, ou sua estimativa; o prazo, ou a época do pagamento; a taxa de juros, se houver; a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementosindispensáveis à sua identificação (CC, art. 1.362). A aquisição do domínio exige a tradição, que é ficta, na hipótese. O registro no Cartório de Títulos e Documentos confere existência legal à propriedade fiduciária, gerando oponibilidade a terceiros. Deve ser efetivado no “domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro. O credor pode exigir outras garantias, como a fiança e o aval. Se o débito é saldado por terceiro, em geral o avalista ou fiador, dá-se a sub-rogação no crédito e na propriedade fiduciária.”

          Por fim, em caso de inadimplência, e ainda utilizando como base a obra de Carlos Roberto Gonçalves, fica o credor obrigado a vender o bem, aplicando o preço no pagamento de seu crédito, acréscimos legais, contratuais e despesas. e a entregar o saldo. se houver, ao devedor. Para esse fim, pode ajuizar ação de busca e apreensão contra o este, a qual poderá ser convertida em ação de depósito, caso o bem não seja encontrado. O art. 1.365 do Código Civil proibe a inserção, no contrato, de cláusula que permita ao credor ficar com a coisa alienada em garantia, em caso de inadimplemento contratual. Mas o parágrafo único do aludido dispositivo preceitua que “o devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamentoda dívida, após o vencimento desta”. A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento, mas deverá ser comprovada mediante o protesto do título ou por carta registrada. Uma vez comprovada, pode o credor considerar vencidas todas as obrigações contratuais e ajuizar ação de busca e apreensão. O fiduciante será citado para, em três dias, apresentar contestação, ou purgar a mora. O juiz terá o prazo de cinco dias para proferir a setença, da qual cabe apelação apenas se for procedente.

ii) Maria Helena Diniz

         A autora, em sua obra, bem sintetizou o instituto como sendo “negócio jurídico subordinado a condição resolutiva, já que o alienante readquire a propriedade da coisa alienada com o pagamento da dívida.” Destaca que a propriedade fiduciária é modalidade de propriedade resolúvel, pois o fiduciante, ao celebrar o negócio, tem a intenção de recuperar o domínio do bem, razão pela qual é regida pelos artigos 1.359 e 1360 do Código Civil.

         Cabe expor a classificação criada por Maria Helena Diniz, na qual é possível verificar existência de requisitos subjetivos, objetivos e formais necessários a propriedade fiduciária. São eles:

a)Requisitos subjetivos – Apesar da resistência de alguns julgados quanto à possibilidade de a pessoa física constituir-se credora na relação fiduciária, é dominante o entendimento de que isto é permitido, face ao que dispõe o parágrafo único do artigo 22 da Lei 9.514/97. Além disso, o Código Civil em nada disciplinou sobre a legitimidade para pessoa física ou jurídica contratar, não existindo qualquer impedimento expresso, o que se conclui que o instituto poderá ser utilizado por ambas as pessoas. Este em nada proíbe a legitimação nessas circunstâncias. Se assim o quisesse, teria expressamente restringido, já que o instituto é regulado por legislações extravagantes. Apesar de a alienação fiduciária ser utilizada, quase que na totalidade dos casos, pelas instituições financeiras para viabilizar a aquisição pela pessoa física ou jurídica de veículos, nada impede que o negócio seja realizado entre pessoas jurídicas, pessoas físicas ou entre estas e aquelas, respeitadas as exigências de utilização de taxas exclusivas das instituições financeiras. É lógico que as pessoas envolvidas devem possuir a capacidade para os atos da vida civil.

A mesma capacidade se aplica às pessoas jurídicas de direito público.

b) Requisitos Objetivos – A propriedade fiduciária poderá recair tanto sobre bens móveis como bens imóveis. Quanto aos bens móveis, o entendimento dominante é que somente poderá ser objeto de fidúcia os bens infungíveis, pois a própria natureza do instituto impossibilita a abrangência para a coisa fungível, considerando que negócio jurídico requer a caracterização completa do bem, com elementos indispensáveis a sua identificação. Entretanto, uma parte da jurisprudência tem admitido a alienação fiduciária de coisas fungíveis e até mesmo consumíveis, mas se os bens são próprios à comercialização, o objeto pode tornar-se impossível, a partir do momento em que são comercializados.

III) Direito e Obrigações do Fiduciante e do Fiduciário

Ao fiduciante cabem os seguintes direitos:

1) Continua na posse direta da coisa alienada em garantia fiduciária;

2) Deverá existir a restituição simbólica do bem dado em garantia, com o pagamentoda condição, devendo haver a baixa no registro de títulos e documentos, onde seencontra arquivada. Com a realização do pagamento da dívida, o fiducianterecuperará a propriedade sem que haja alguma atividade do adquirente.

3) Reivindicar o bem uma vez que o adquirente não queira devolvê-lo e ele já tenharealizado o pagamento.

4) O fiduciante terá o direito a receber o saldo da venda se no caso de inadimplênciao fiduciario venda o bem acima do valor da dívida.

5) Poderá purgar a mora se já tiver realizado parte do pagamento do financiamento.

A principal obrigação do credor fiduciário consiste em proporcionar ao alienante o financiamento com o qual comprometeu-se, bem como em respeitar o direito ao uso regular da coisa por parte deste. As demais encontram-se elencadas a seguir:

1) Deverá respeitar a alienação fiduciária, pagando pontualmente a sua dívida e com ela os seus acessórios;

2) Manter e conservar o bem alienado, logo deverá defender sua posse de terceiros;

3) Permitir que o credor ou fiduciário fiscalize a qualquer tempo a coisa gravada.

4) Não dispor da coisa alienada fiduciariamente;

5) Em caso de não adimplemento da sua dívida, deverá ele entregar o bem;

6) Se o produto alcançado pela venda do bem, realizada pelo credor,não for o suficiente para saldar o a dívida, o fiduciante continuará obrigado.

Ao fiduciário são inerentes os direitos:

1) Ser proprietário pro tempore da coisa onerada;

2) Reivindicar o bem alienado fiduciariamente;

3) Vender a terceiro a coisa que adquiriu fiduciariamente;

4) Continuar sendo credor do fiduciante se o preço da venda não der para satisfazer o seu crédito;

5) Mover ação de depósito contra;

6) Pedir a devolução da coisa alienada fiduciariamente;

7) Oferecer embargos de terceiro, se o bem foi penhorado por qualquer credor;

8) Requerer a busca e apreensão ;

9) Propor ação possessória;

10) Considerar vencida a dívida se o devedor não pagar uma das prestações ;

E as seguintes obrigações:

1) Proporcionar ao fiduciante o financiamento,empréstimo ou entrega de mercadoriaa que se obrigou;

2) Respeitar o uso da coisa alienada pelo fiduciante;

3) Restituir o domínio do bem gravado assim que o fiduciante pagar seu crédito;

4) Empregar o produto da venda da coisa alienada no pagamento do crédito, caso ocredor seja inadimplente;

5) Entregar ao devedor o saldo do valor obtido com tal venda;

6) Provar contra terceiros a identidade dos bens de sua propriedade, que estão sendo possuidos pelos devedor;

7) Ressarcir as perdas e danos, quando se recusar a receber o pagamento da dívida oua dar a quitação

IV) Alienação Fiduciária de Bem Imóvel

A alienação fiduciária de bem imóvel é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel (Lei nº 9.541/97).


             Nesse contrato, se o imóvel for de propriedade do construtor e por este mesmo financiado em favor do adquirente ou devedor, a propriedade passa a assumir a forma de propriedade fiduciária, de caráter resolúvel, ou seja, a propriedade efetiva do imóvel somente será transmitida ao adquirente após a quitação do preço total da aquisição.


             Na alienação fiduciária, quem aliena a propriedade é o próprio devedor ou fiduciante, por que se esta não pagar o financiamento contratado, a propriedade do imóvel que serve de garantia ficará consolidada em nome do credor (Art. 26).


             Com efeito, no registro imobiliário constará como proprietário fiduciário o credor, e como fiduciante o devedor. A partir da constituição da propriedade fiduciária, com registro do contrato no cartório de imóveis, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.


              Assim, o regime da alienação fiduciária difere daquele da hipoteca porque neste o imóvel fica registrado em nome do proprietário e possuidor direto, apenas gravado com a garanti hipotecária em favor de credor, por dívida decorrente da aquisição do imóvel ou não. Com a quitação da dívida, dar-se-á o cancelamento da hipoteca.


              Por outro lado, na alienação fiduciária em garantia, com o pagamento integral do financiamento, a propriedade fiduciária fica resolvida, ou seja, é extinta, cabendo ao devedor, mediante a apresentação do termo de quitação, transferir o imóvel para o seu nome.


             Na hipótese do devedor se tornar inadimplente, deixando de pagar a dívida, no todo ou em parte, ficará consolidada a propriedade plena do imóvel em nome do credor fiduciário, após o devedor ser regularmente notificado para purgar a mora (Art. 26).


             No entanto, mesmo voltando a propriedade plena para o credor fiduciário, este será obrigado a levar o imóvel para leilão público, no prazo de trinta dias após a consolidação do da propriedade em seu nome . No primeiro leilão, o menor lance deverá corresponder, no mínimo, ao valor de avaliação do imóvel. Caso seja inferior, deverá ser realizado um segundo leilão, quando poderá ser aceito o maior lance, desde que igual ou superior ao valor da dívida e mais as despesas com a realização do leilão, prêmios de seguros, encargos legais e contribuições condominiais. Se o valor apurado no leilão for superior a divida e despesas, o saldo positivo será restituído ao devedor.

V) Comentários sobre as jurisprudências acerca dos bens imóveis

A jurisprudência de número 1 - do Estado de Minas Gerais, - e a de número 2 - do Estado do Rio Grande do Sul - apresentadas em anexo neste trabalho, negaram provimento aos recursos interpostos perante o Tribunal de Justiça de seu respectivo estado, contra liminar deferida de reintegração de posse na primeira instância para os credores fiduciários.

Os réus de ambos os recursos alegaram que não foram devidamente informados que deveriam purgar a mora no prazo de 15 dias como determina a lei 9.514/97, em seu 26º artigo, parágrafo primeiro.

 "§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.”

Caso o devedor fiduciante não satisfaça, no prazo previsto em lei, a dívida, o oficial do Registro de Imóveis averbará na matrícula do imóvel a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, já que decorreram os 15 dias e a mora não foi satisfeita.

O parágrafo 7º do Artigo 26 da lei anteriormente citada dispõe sobre o não pagamento, segue:

“§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio."

Os dois réus, o agravante e o apelante,  postularam, em sua defesa, nulidade da execução extrajudificial, em face da ausência de intimação.

Ambos afirmam irregularidade no leilão de seu imóvel, posto que foram cobrados indevidamente e não foram notificados pelo oficial do Registro de Imóveis.

Todavia, há um consenso entre os Tribunais citados, pois estes acordam que se há irregularidade no procedimento para leiloar, não há impedimento para que liminar de reintegração de posse seja deferida, visto que o único requisito para deferimento é a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, assim como prevê o 7º parágrafo do Artigo 26. E a averbação já havia sido feita corretamente.

Logo os Tribunais negaram procedência ao agravo de instrumento e apelação cível.

A 3ª jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná  trata de um agravo interposto para obtenção de liminar de reintegração de posse nos termos do artigo 30, da Lei nº 9.514/97.

“Art. 30. É assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1° e 2° do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome.”

O agravante pleiteia obtenção de liminar com fundamento no artigo supratranscrito.

Segundo a norma civil, a desocupação, após liminar deferida, deverá efetivar-se no prazo de 60 dia.

Posteriormente ocorrerá o leilão, sob a forma da lei 9514/97, no 26º artigo, ou seja, quando a propriedade tiver sido averbada e consolidada em nome do credor fiduciário.

“Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.”

Vale ressaltar alguns aspectos a respeito do leilão, pois se os lances dados no primeiro leilão forem inferiores ao valor oferecido, este será refeito após 15 dias. No segundo leilão, após o prazo previsto, serão aceitos valores iguais ou superiores a dívida. Após a finalização do leilão, o credor deverá entregar ao devedor a importância que sobejar.

Também existe a hipótese do valor estipulado não ser atingido, caso isto aconteça a dívida será considerada extinta entre devedor e credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.

Um dos pressupostos para a obtenção da liminar é a demonstração do exercício da posse direta anterior. Nesta 3ª jurisprudência, o titular nunca exerceu posse sobre o imóvel, porem é exigido somente a demonstração de domínio e a consolidação da propriedade para concessão de liminar. Portanto, os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná deram provimento ao recurso, concedendo liminar de reintegração de posse com a fundamentação acima transcrita.

Relata o autor da jurisprudência número 4 - do Estado de São Paulo, que por ser o Banco Itaú fiduciário da ré na presente ação, deve figurar juntamente no polo passivo, tendo em vista que, esta se encontra em mora com as taxas condominais.

A sentença de primeiro grau reconheceu a ilegitimidade passiva do banco réu e, assim, declarou extinto o feito contra ele, sem resolução de mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil; em razão disso, condenou o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 500,00; e em razão da revelia da correquerida, julgou procedente o pedido de cobrança, condenando-a ao pagamento das despesas condominiais descritas. 

Segundo Silvio Rodrigues “a alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico mediante o qual o adquirente de um bem transfere o domínio do mesmo ao credor que emprestou o dinheiro para pagar-lhe o preço, continuando entretanto, o alienante a possui-lo pelo constituto possessório, resolvendo-se o domínio do credor quando for pago de seu crédito”, ou seja,  trata-se de um negócio que tem como escopo garantir um empréstimo, feito pelo financiador ao adquirente para que este pague pela aquisição do bem. E para garantir o reembolso da quantia  ele se extingue emprestada o adquirente transfere ao financiador o domínio da coisa comprada, que  a conserva até seu pagamento total. É um domínio resolúvel, pois, ele se extingue com o reembolso do preço pago.

Todavia enquanto o débito estiver aberto, o proprietário da coisa financiada é o financiador e em caso de inadimplemento pode vendê-la para pagar-se o crédito.

A Lei nº 9.514/97 regula especificamente a alienação fiduciária de bens imóveis e traz em seu artigo 27, §8º, que cabe ao devedor fiduciante a responsabilidade pelos encargos condominiais e tributários que recaiam sobre o imóvel:

“Art. 27. (...)

§ 8o Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse.”

 Desta forma o Banco Itaú não deve figurar no polo passivo da ação, pois cabe ao fiduciante cumprir suas obrigações de mora em relação às taxas  condominais e tributos dessa natureza.

Nesse mesmo contexto temos a jurisprudência número 5 – do Estado do Rio de Janeiro, onde o agravo de instrumento foi interposto contra decisão que julgou procedente a ação que pleiteava a suspensão da averbação da consolidação da propriedade de imóvel objeto de alienação fiduciária no Cartório de Registro de Imóveis.

A Autora alega que foi surpreendida com a súbita irregularidade de seu cadastro junto à Receita Federal, sendo, ainda, intimada a purgar a mora referente a débitos em aberto da Cédula de Crédito nº 8649/10.

O artigo 27 da lei 9514/97 traz que, em trinta dias após a consolidação da propriedade, ‘o fiduciário deverá promover público leilão para a alienação do imóvel’.

Desta forma, consolidada a propriedade com o credor, face a inadimplência do devedor, o mesmo fica vinculado a, no prazo de 30 dias, realizar a venda do imóvel, através de leilão público (a legislação brasileira segue a tradição de vedar a cláusula comissiva). Com o fruto da venda, o credor quita o débito e restitui, ao devedor, o restante

Não havendo lance que alcance o valor do bem, sendo este livremente fixado pelas partes no contrato de alienação fiduciária, sem prejuízo de possível revisão por grave distorção, o credor deverá proceder uma segunda oferta pública, nos quinze dias seguintes. Neste segundo leilão, será aceito o maior lance ofertado, desde que igual ou superior ao valor da dívida. Não há mais referência ao preço do imóvel, bastando que o interesse do credor seja satisfeito.

Caso não se alcance sequer, o valor da dívida, no segundo leilão. Enquanto que, pelo sistema tradicional, o devedor continuava obrigado pelo saldo remanescente, a lei 9.514/97, no artigo 27, §§ 5º e 6º, prevê, diferentemente, que o débito estará automaticamente quitado e o imóvel continuará no patrimônio do credor. Em suma, caso se enfrente situação de considerável recessão, com deflação nos preços dos imóveis, o débito se resolverá pela adjudicação da garantia, sendo o credor obrigado a realizar os prejuízos daí advindos.

No caso concreto, situação não foi inteiramente comprovada, foi negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão a favor da Autora que concedeu a tutela de urgência para que a averbação seja suspensa.

VI) Alienação Fiduciária do Bem Móvel

Em 1965, surgiram as primeiras Leis que tratam da Alienação Fiduciária, entre elas, apenas como exemplo, a Lei de Mercado de Capitais.

À época, a política interna do país passava pela ditadura militar, onde uma das prioridades foi o desenvolvimento expansivo industrial.

Neste contexto, surgiu a Alienação Fiduciária em Garantia, visando impulsionar a indústria brasileira, principalmente a de eletrodomésticos e de veículos automotores, através de financiamento destes bens, gerando assim, uma alta circulação no Mercado de Capitais.

                       

Para efeito de exemplificação, vejamos um caso concreto, analisado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, ora tratado por Jurisprudência de número 6.

O caso trata-se de recurso de agravo, interposto pelo Banco Bradesco S/A, na modalidade de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra a decisão interlocutória proferida nos autos da ação de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente, que fora proposta pelo agravante contra K. F. Santos Serviços.

Narra o agravante, que o agravado deixou de pagar as prestações do contrato, a partir da décima quinta, o que o levou a ajuizar a ação de busca e apreensão antes referida, com as provas que entendeu pertinentes, requerendo liminarmente a medida.

O magistrado de primeiro grau concedeu a medida liminar, determinando a busca e apreensão do veículo, porém, uma vez apreendido o bem e entregue ao agravante, estabeleceu que este não poderia desfazer-se da motocicleta, até ulterior deliberação do juízo, e concedeu ao agravado o prazo de 5 (cinco) dias para que purgasse a mora.

Contra essa decisão, interpõe o agravante recurso, visando sua reforma, alegando, para tanto, que a ação foi proposta quando já estavam em vigor as alterações do Decreto-lei no 911/69, implementadas pela Lei no 10.931/04.

Nos autos do processo em tela, foi exarado Acórdão dando provimento ao recurso, que teve sua tese embasada na Nova Legislação acerca de Alienação Fiduciária. Segue a referida decisão abaixo colacionada, para melhor entendimento.

Visando uma melhor compreensão do caso em tela, vejamos a seguir, uma breve explicação sobre as alterações, no que tange à Alienação Fiduciária, em relação à implementação da nova Lei.

Lei nº 10.931/04

Com o advento da Lei no 10.931/04, houve sensíveis alterações no Decreto-lei no 911/69, restando modificada a disciplina dos contratos garantidos por alienação fiduciária, quando celebrados com instituições financeiras.

Dentre as modificações, deixou de ser admitida a possibilidade de purgação da mora, pelo devedor fiduciante, que poderia fazê-lo desde que já tivesse pago 40% (quarenta por cento) do valor da dívida garantida por alienação fiduciária.

Na atual sistemática, cinco dias após o cumprimento da liminar, fica consolidada a propriedade e posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

O devedor fiduciante, se quiser evitar essa consequência legal, terá de pagar, no mesmo prazo de cinco dias da efetivação da liminar, a integralidade da dívida pendente, assim consideradas as parcelas vencidas e vincendas, segundo os valores indicados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.

Vejamos os §§ 1o e 2o do artigo 3o do Decreto-lei no 911/69, na atual redação:

“§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.”

Na hipótese do caso em análise, contudo, restaram contrariados esses dispositivos legais, na medida em que se impediu o agravante de dispor do bem, como lhe assegura a atual disciplina jurídica da alienação fiduciária.

A disciplina vigente não se coaduna com a saída apontada pelo magistrado de primeiro grau. O direito do agravante restou conspurcado.

Antes da edição dessa lei, dispunha o § 3o que:

§ 3o Requerida a purgação de mora, tempestivamente, o juiz marcará data para o pagamento, que deverá ser feito em prazo não superior a dez dias, remetendo, outrossim, os autos ao contador para cálculo do débito existente, na forma do art. 2o e seu parágrafo primeiro.”

Na disciplina atual, como já disse, em vez da purgação da mora, assiste ao devedor fiduciante a possibilidade de afastar a consolidação da propriedade e posse do bem em mãos do credor fiduciário, desde que pague a totalidade da dívida.

Ainda que não exerça essa faculdade, poderá o devedor fiduciante, posteriormente, responder à demanda, pelos meios que julgar convenientes, podendo, nessa esteira, apresentar contestação, reconvenção e exceções.

Na atual conjuntura da ação de busca e apreensão, é ampla a defesa do réu, o que não poderia deixar de ser diferente, tendo em vista o postulado da ampla defesa, firmado no artigo 5o, inciso LV, da Constituição Federal.

Em suma, as alterações do Dec. Lei 911/69, impostas pela Lei 10.931/04, a bem da verdade, trazem maior agilidade na venda do bem retomado e efetividade na recuperação do crédito em processo de busca e apreensão.

Por fim, a nova Legislação possibilita ampla discussão sobre o contrato de empréstimo com alienação fiduciária na própria ação de busca e apreensão, exigindo maior atenção da Instituição Financeira no que se refere ao valor devido pelo mutuário e apresentado na propositura da ação, evitando-se contestação do requerido e a aplicação da pesada multa prevista no §6º do artigo 3º, alterado pela Lei 10.931/04.

VII) Conclusão

Em síntese, diante das considerações apresentadas, podemos compreender os institutos presentes na propriedade fiduciária, observando suas principais características e a sua importância no Código Civil de 2002

Outras modalidades contratuais, tem sido ofuscadas pela de alienação fiduciária, diante das enormes vantagens jurídicas que o contrato de alienação proporciona. essa modalidade contratual dinamiza as relações sociais e econômicas.

Desta forma, as cláusulas contratuais são extremamente rígidas, pois com esses contratos há maior disponibilização de crédito no mercado, e essa rigidez ocorre, porque o bem não é do devedor, logo, se providenciou um aparato jurídico que pudesse evitar maiores prejuízos para o credor e maior disponibilidade de capital para o devedor, visando propiciar segurança para o credor e oferta de capital para o devedor.

A lei número 9.514/97 estendeu a aplicação da alienação fiduciária aos bens imóveis para suprir as deficiências das garantias existentes no ordenamento, ampliando ainda mais o tema presente e o enfoco de nosso estudo.

VIII) Referências bibliográficas

DINIZ, Maria Helena. "Curso de Direito Civil Brasileiro", 20a. ed., vol. 4, São Paulo, Editora Saraiva, 2008.

GONÇALVES,Carlos Roberto. “Sinopse Jurídica –Direito das Coisas”, 6a ed., vol 3, São Paulo,  Editora Saraiva, 2003

RODRIGUES, Silvio - Direito Civil: Direito das Coisas volume 5 / Silvio Rodrigues - 28º ed. rev. e atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei. 10.406/2002) São Paulo: Saraiva 2006

MARTINEZ, Sérgio Eduardo - Alienação Fiduciária de imóveis / Sergio Eduardo Martinez - Porto Alegre: Norton Editor, 2006

http://www.artigonal.com/direito-artigos/propriedade-fiduciaria-3642507.html - acessado em 16/outubro/12

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI137483,101048-


Autor

  • Gabriela Boni

    Advogada graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com ampla experiência nas áreas de Compliance, tendo trabalhado tanto com a implementação de sistemas de governança e boas práticas quanto em investigações empresariais de médio e grande porte, e Contratos, atuando em negociações B2B e B2C e na elaboração de peças contratuais de média e alta complexidade. Está se especializando em Direito Digital, sobretudo Lei Geral de Proteção de Dados, atuando de forma consultiva em projetos de adequação.

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