Breves comentários sobre as cifras negras, cinzas, amarelas e douradas da Criminologia
Breves comentários sobre as cifras negras, cinzas, amarelas e douradas da Criminologia
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Resumo: Este texto aborda de forma sucinta, portanto, não exauriente os conceitos criminológicos de cifras negras ou ocultas, cifras cinzas, cifras amarelas e cifras douradas.
Breves comentários sobre as cifras negras, cinzas, amarelas e douradas da Criminologia
"Precisamos resolver nossos monstros secretos, nossas feridas clandestinas, nossa insanidade oculta. Não podemos nunca esquecer que os sonhos, a motivação, o desejo de ser livre nos ajudam a superar esses monstros, vencê-los e utilizá-los como servos da nossa inteligência. Não tenha medo da dor, tenha medo de não enfrentá-la, criticá-la, usá-la". Michel Foucault
Prof. Jeferson Botelho.
Resumo: Este texto aborda de forma sucinta, portanto, não exauriente os conceitos criminológicos de cifras negras ou ocultas, cifras cinzas, cifras amarelas e cifras douradas.
Palavras-Chave: Criminologia, vitimologia, cifras negras, cinzas, amarelas e douradas.
Ao estudo introdutório da moderna criminologia, costuma ensinar que o seu objeto é formado por quatro pilares, a saber: crime, autor, vítima e controle social. Especificamente, em relação à vítima, é inquestionável o valor do seu estudo para a Ciência total do Direito Penal, passando a vítima por três fases distintas na história da civilização.
No início, a vítima ocupava função de destaque quando da fase de composição dos conflitos. A vítima era muito respeitada, tendo sido essa época chamada de fase de ouro.
Quando da assunção pelo Estado no monopólio da prestação punitiva, houve uma diminuição da importância da vítima na composição dos conflitos.
E finalmente, depois de 1950, houve uma retomada da valorização da vítima por parte do Estado.
Na segunda metade do século XX, criou-se uma nova ciência chamada de vitimologia.
A Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delitos e Abuso de Poder da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1985, nos fornece um conceito de vítima, assim definida:
"1 – Entende-se por ''vítimas'' as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, como conseqüência de ações ou omissões que violem a legislação penal vigente nos Estados-membros, incluída a que prescreve o abuso criminal de poder".
A ação do sistema repressiva traz para a vítima danos físicos, psíquicos, sociais e econômicos.
Há quem afirme que a reação formal ao fato traz mais danos à vítima que propriamente ao episódio registrado anteriormente, o que a doutrina chama de vitimização primária.
A vitimização secundária é o sofrimento adicional que a dinâmica da justiça criminal provoca à vítima, em face de suas mazelas de praxe.
A vítima não recebe o tratamento respeitoso que deveria receber das agências de controle estatal e da própria sociedade que às vezes fomenta até o anonimato, ocorrendo aquilo que chamamos de cifra negra( zonas escuras, "dark number" ou "ciffre noir", aquele número expressivo de ocorrências que geralmente não são registradas na Polícia.
Fala-se ainda em vitimização terciária, que vem da falta de amparo dos órgãos públicos e da ausência de receptividade social em relação à vítima.
"A vitimização terciária vem da falta de amparo dos órgãos públicos ( além das instâncias de controle) e da ausência de receptividade social em relação á vítima. Especialmente diante de certos delitos considerados estigmatizadores, que deixam sequelas graves, a vítima experimenta o abandono não só por parte do Estado, mas, muitas vezes, também por parte do seu próprio grupo social. Esta terceira etapa da vitimização, que se distingue da vitimização secundária, merece um estudo específico, pois só a partir de seu dimensionamento e compreensão poderão surgir alternativas". OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o Direito Penal. São Paulo: RT 1999. Pág. 114..
Nas ocorrências, cujo impulso depende da manifestação de vontade da vítima, por exemplo, lesão corporal de natureza leve, art. 129, caput, do CP, que depende da representação, se a vitima não comparece num prazo de 06 meses, art. 38 do CPP, a contar do dia que vier a saber quem é o autor do crime, ocorre a chamada decadência pela desídia ou ausência de interesse da vítima, o que em criminologia é chamado de cifra cinza.
Quando o crime é praticado pelo Estado contra a sociedade, por exemplo, no crime de abuso de autoridade, Lei nº 4898/65, se a vítima não toma as providências por receio de futuras represálias, em criminologia, esse fato é chamado de cifra amarela.
Há quem afirme que o estudo das cifras negras ou cifras ocultas se deu por intermédio do sociólogo Edwin Sutherland, no final dos anos 30, para explicar os crimes de colarinho branco, White collar crimes, e nesse estudo teria sido ele o precursor das chamadas cifras douradas, para explicar que nessa categoria entram tão somente os delitos da estatística oficial do estado.
Existem também os fatos que são computados nas cifras douradas, mas por razões de falta de estrutura do Estado, acabam por operar as prescrições legais, sejam nas Unidades de Polícia ou no Poder Judiciário.
Percebe-se, assim, que os números reais de registros - NRR, seriam as cifras douradas + cifras negras ou ocultas + cifras cinzas + cifras amarelas.
Chegaríamos a seguinte equação:
Cd+cn+cc+ca= Nrr
É imperioso afirmar que as estatísticas que são divulgadas oficialmente pelo Estado, nem de longe retrata a realidade concreta daquilo que efetivamente ocorre no meio social, certamente, não porque a vítima não acredita na prestação e resposta do Estado nas suas vitais necessidades.
O que mais se assusta é saber que nessas cifras ocultas estão crimes violentos, v.g., roubo e até hediondos como estupros, não são levados ao conhecimento oficial justamente por não acreditarem no sistema de repressão criminal.
Nem mesmo o tão anunciado direito penal de 3ª via, que visa voltar os olhos para as vítimas de crimes, art. 72 da Lei nº 9.099/95, art. 63 e 201 c/c art. 387, inciso IV, do CPP, consegue angariar a confiança da vítima no Estado.
Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.
Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
§ 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
§ 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.
§ 4o Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.
§ 5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.
§ 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Por fim, lançadas as linhas gerais sobre a matéria em apreço, evidentemente, sem grandes pretensões de esgotamento, fica clara a sensação de que por mais que coloque leis em nosso ordenamento jurídico, se não houver efetivo comprometimento para cumprir as já existentes, certamente, haverá uma indubitável inflação legislativa, próprio de um direito penal simbólico e, seguramente, novas cifras, policromas, vermelhas, azuis, fúnebres, rosas, surgirão com um colorido diferente no Brasil, em especial, tudo em razão de comprovada incompetência de nossas autoridades de governo transitório que ainda se encontram "deitadas eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo".
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