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PARALISAÇÃO DO TRABALHO DE INTERESSE COLETIVO

PARALISAÇÃO DO TRABALHO DE INTERESSE COLETIVO

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O ARTIGO ABORDA CRIME DE PARALISAÇÃO DO TRABALHO DE INTERESSE COLETIVO.

PARALISAÇÃO DE TRABALHO DE INTERESSE COLETIVO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado 

                  Ninguém duvida dos transtornos que vem sendo trazidos às cidades com o ações que visam trazer paralisação a serviços coletivos essenciais, trazendo angústias e até pânico às populações envolvidas.  

                  Dir-se-á que se aplica, no âmbito penal, o artigo 201 do Código Penal, um crime contra a organização do trabalho, sempre que houver paralisação de trabalho de interesse coletivo.

                  O núcleo verbal é participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo.

                  Protege o tipo penal o interesse coletivo e não a liberdade de trabalho.

                  Serviço de interesse coletivo é todo aquele que afeta as necessidades da população em geral. É o caso: serviços de iluminação,  água, de gás, de limpeza urbana, comunicações, de transportes terrestres, aéreo, marítimo, fluvial, por exemplo.

                  Para Nelson Hungria(Comentários ao Código Penal, volume VIII, pág. 38)  basta a vontade de participar do abandono ou da suspensão do trabalho, tendo consciência de que se trata de obra pública ou de serviço de interesse público.

                   Considero que tal artigo sofreu séria limitação após a edição da Constituição Federal de 1988 e da Lei 7.783/89(sobre o direito de greve). Isso porque enquanto o artigo 9º da Constituição preceitua ser direito do trabalhador promover e participar de greves, sem limitações,  a lei já mencionada disciplina os serviços e atividades de natureza essencial, onde deve haver cautela na paralisação no interesse de atender as necessidades inadiáveis da sociedade.

                  Em verdade, o artigo 201 do Código Penal, como já diziam Guilherme de Souza Nucci, Roberto Delmanto, tornou-se inaplicável. A greve pacífica, mesmo em serviços ou atividades essenciais, como é o caso dos transportes públicos, é, hoje, penalmente atípica.         Veja -se ainda a douta opinião de um dos maiores penalistas brasileiros, Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, Parte Especial, 1995, atualizada por Fernando Fragoso, volume I, pág. 396). Punir-se-ia apenas a greve violenta.

                  Realmente não tem sentido a lei de greve admitir a paralisação dos serviços ou atividades essenciais, somente exigindo comunicação prévia aos empregadores e usuários e o artigo 201 do Código Penal continuasse a punir tal conduta.

                  A greve em atividades essenciais necessita de regulamentação por lei complementar(artigo 37, VII, da CF). A isso se soma que somente lei formal e material, oriunda do Congresso Nacional(reserva de Parlamento) pode ser veículo para traduzir tipo penal em face do princípio da tipicidade.

                  Contra essa opinião trago as considerações de Alberto Silva Franco e outros(Código penal e sua interpretação jurisprudencial, 1995, pág. 2.363), considerando que não basta que se trate de obra púbica, mas que essa caracterize serviço ou atividade essencial.

Nessa linha de pensar, Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, 2007, pág. 378) é do entendimento de que no conceito amplo da organização do trabalho, a lei, no artigo 201, protege não mais a liberdade de trabalho, mas o interesse coletivo.

Disse ainda Júlio Fabbrini Mirabete(obra citada) que diante dos artigos 1º, 2º e 11 da Lei 7.783/90, deve-se entender que o artigo 201 continua em vigor, mas que não basta que se trate de obra pública, mas é necessário que ela caracterize serviço ou atividade essencial, ou seja, aquelas que, não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Para Mirabete, a incriminação abrangeria greve ou lockout que provoque interrupção de obra ou serviço de interesse coletivo. Ora, lockout é paralisação realizada pelo patrão com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, visando frustrar uma negociação coletiva ou dificultar o atendimento de reivindicações. O artigo 17 da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, proíbe o lockout.

                  O Superior Tribunal de Justiça entendeu que em face da Constituição Federal de 1988, que consagrou o direito de greve, de forma ampla, o dispositivo do artigo 201 do Código Penal não está a merecer aplicação. Apenas os abusos no exercício do direito sujeita-se às sanções, da leitura do artigo 9º, parágrafo segundo da Constituição(TRF 5/352). 

                  O artigo 9º, §2º, da Constituição determina que os abusos cometidos sujeita os responsáveis às penas da lei.

                  O artigo 11 da Lei 7.783/89 determina que nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da sociedade.

                  São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

                  Por certo, o artigo 15 da Lei de Greve estabelece que a responsabilidade pelos atos praticados, delitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal, sendo a ação penal pública incondicionada a ser oferecida pelo Ministério Público.

                  Mas, entendo que se for o caso de ação penal envolvendo crime contra a organização do trabalho, envolvendo greve, com reflexos na ordem pública,   a competência para instruir e julgar o crime é da Justiça Federal, mesmo com o advento da Constituição de 1988(STF, Pleno, RTJ 128/75).

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