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O FIM DO SEGREDO

O FIM DO SEGREDO

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O ARTIGO DISCUTE CASO CONCRETO JULGADO PELO STF.

O FIM DO SEGREDO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informe ao Tribunal de Contas da União (TCU) detalhes de operações financeiras de R$ 7,5 bilhões realizadas com o grupo JBS/Friboi. A instituição se recusava a repassar os dados, que seriam usados para subsidiar uma auditoria, alegando que a medida desrespeitaria o sigilo bancário do grupo. Os ministros concordaram que, como se trata de dinheiro público, o financiamento precisa ser submetido ao controle externo.

A decisão vale apenas para o caso específico, mas abre caminho para que outros processos semelhantes recebam o mesmo julgamento. Na última sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff vetou artigo de uma lei que proibia o sigilo dos empréstimos e financiamentos concedidos pelo BNDES. Pelo entendimento do STF, as operações do banco devem ser transparentes.

Disse o Ministro Luiz Fux que “por mais que se diga que o segredo é a alma do negocio, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a divulgação for necessária para o controle dos gastos dos recursos públicos”.

Na mesma linha do voto do Ministro Relator, o Ministro Marco Aurélio disse que “não podemos imaginar que, para fiscalizar recursos púbicos, dependa o TCU da burocratização na obtenção de informações”.

Seguiu o voto do Relator, a Ministra Rosa Weber, entendendo que a transparência deve permear a gestão da coisa pública.

Porém, o Ministro Luís Roberto Barroso ressaltou que as informações repassadas ao Tribunal de Contas da União não poderiam ser repassadas ao público.

Segundo o BNDS, as operações financeiras devem ser mantidas em sigilo porque a divulgação delas violaria o sigilo bancário e empresarial do grupo JBS/Friboi. O banco também argumenta que o TCU não tem poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de uma empresa.

Data vênia, como bem ressaltou a Ordem dos Advogados do Brasil, as operações bancárias financiadas com dinheiro público não são protegidas por sigilo bancário.

Registrou Eduardo de Carvalho Chaves Filho, em parecer, que “no Brasil, o sigilo bancário era norma consuetudinária, recebida do velho direito reinícola”.

A primeira noticia sobre sigilo bancário no direito positivo brasileiro aparece no Título IV da Parte Primeira do Código Comercial – Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, quando equipara os banqueiros aos comerciantes e determina que se lhes apliquem as regras gerais dos contratos comerciais.

O Código Penal, no capítulo dos “crimes contra a liberdade individual”(artigos 146 a 154), ao cuidar dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos” criou tipo penal de violação de segredo profissional, no artigo 154. Some-se a isso que o artigo 18 da Lei 7.492, ao definir os crimes contra o sistema financeiro nacional, tipifica a violação do sigilo bancário.

No magistério de Alberto Luís, o sigilo bancário consiste na “discrição que os bancos, ou seus órgãos e empregados devem observar sobre os dados econômicos e pessoais dos clientes que tenham chegado ao seu conhecimento através do exercício das funções bancárias”.

Com arrimo no artigo 38 da Lei de Reforma Bancária entende-se que o sigilo bancário fica bem definido como a obrigação que têm os bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que venham a obter em virtude de sua atividade profissional.

Mas o sigilo bancário vai até onde começa o dever de revelar o segredo.

Lembre-se que o Brasil pertence a categoria dos países onde o sigilo bancário encontrou várias limitações de ordem pública.

No julgamento do MS 21.729/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator para o acordão o Ministro Néri da Silveira, julgamento em 5 de outubro de 1995, bem se disse que o poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem pública e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas.

O sigilo bancário não é um dever absoluto, pois o que a lei proíbe é a revelação ilegal.

Em verdade, a reserva do sigilo bancário só existe até o instante em que surge o interesse social.

Nessa linha a legislação atenuou a rigidez do principio do sigilo mercantil e, por consequência, do bancário, no interesse da fiscalização tributária e da fiscalização administrativa da atividade dos bancos. É o que se lê do Decreto-lei 8.495, de 28 de dezembro de 1945, que transferiu para a SUMOC as atribuições até então cometidas à Caixa de Fiscalização e Mobilização Bancária pelo Decreto-lei 6.419, de 13 de abril de 1944. Da mesma forma, o Código Tributário Nacional(Lei 5.172), editado como lei ordinária e recepcionado como lei complementar dispôs sobre o sigilo bancário em relação ao fisco, no artigo 197.

É, pois, o sigilo bancário um direito individual não absoluto, que pode ser rompido somente em casos especiais onde há prevalência do interesse público, como se lê do RHC 31.611, Relator designado Ministro Afrânio Costa, j. 25 de julho de 1951; MS 2.172, Relator Ministro Nelson Hungria, j. 10 de julho de 1953; RMS 2.574 – MG, Relator Ministro Villas Boas, j. de 8 de julho de 1957; RMS 9.057 – MG, Relator Ministro Gonçalves de Oliveira, j. 20 de maio de 1966; AG 40.883 – GB, Relator Ministro Hermes Lima, j. 10 de novembro de 1967; RE 71.640 – BA, Relator Ministro Djaci Falcão, j. 17 de setembro de 1971; RE 82.700 – SP, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, j. 27 de setembro de 1978; RE 94.608-SP, Relator Ministro Cordeiro Guerra, j. 6 de abril de 1984; AG 115.469 – 1 – SP, Relator Ministro Rafael Mayer, j. 28 de novembro de 1986; HC 66.284 – MG, Relator Ministro Carlos Madeira, j. 24 de maio de 1988; HC 67.913 – SP, Relator para o acórdão o Ministro Carlos Mário Velloso, no mesmo sentido da PET 577, Relator Ministro Carlos Velloso, j. 25 de março de 1992 e, por fim, AGRINQ 897, Relator Ministro Francisco Rezek, j. 23 de novembro de 1994.

Afasta-se, pois, a cláusula do sigilo bancário sempre que houver razões de interesse público.

Dados de interesse público, que estavam sob a posse de entidades públicas ou entidades privadas que mantém bancos de dados ou registros de informações  ,   são transferidos ao Ministério Público, ao TCU, ao Fisco  e à polícia em suas investigações não havendo que falar em vedação da vida privada ao domínio público, pois isso não ocorre. É o acesso a dados cadastrais de pessoa atinentes a sua qualificação: nome, endereço, filiação, que interessam a sociedade e são do acesso dela. 

Se há sigilo, ele passa das entidades nomeadas para a polícia, o Tribunal de Contas da União e  o Ministério Público, no interesse da sociedade. É uma transferência de sigilo.

A informação pública não é mais do Estado: é do cidadão. Daí porque salutar a medida trazida pela Lei, objetivando o acesso  da autoridade  que investiga  ao cadastro  dos bancos de dados existentes.

A  Constituição Federal, no artigo 37, consagrava o princípio da publicidade, pois a Administração deve manter plena transparência em seu comportamento. Não pode haver num Estado Democrático de Direito ocultamento aos administrados de assuntos a quem a todos interessa.

Daí o dever de fiscalização do Tribunal de Contas da União, que não pode ser tolhido, sob pena de trazer obstáculos meramente burocráticos ao exercício de tarefa exercida em nome do interesse público.

No caso em discussão, como bem disse o Ministro Luís Fux, o sigilo das informações do banco deve ser "relativizado quando se está diante de interesses da sociedade". "Por mais que se diga que o segredo seja alma do negócio, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a divulgação for necessária para controle do gasto dos recursos públicos"

O relator do MS, ministro Luiz Fux, salientou que, embora o sigilo bancário e empresarial sejam fundamentais para o livre exercício da atividade econômica e que a divulgação irresponsável de dados sigilosos pode expor um grupo econômico e até inviabilizar sua atuação, a preservação dos dados não pode ser vista como uma garantia absoluta. Segundo ele, o repasse de informações para que o TCU atue como órgão de controle externo não representa quebra de sigilo e sua negativa inviabilizaria o pleno desempenho de sua missão constitucional.

“Aquele que contrata com o BNDES deve aceitar que a exigência de transparência tão estimada em nossa República contemporânea para o controle da legitimidade dos que exercem o poder justifica o conhecimento por toda a sociedade de informações que possam influenciar seu desempenho empresarial”, argumentou o ministro.

No entendimento do relator, as empresas que contratam com o BNDES devem saber que estão se relacionando com uma instituição pública, sujeita ao controle dos órgãos estatais. Destacou que o BNDES é um banco público de fomento econômico e social e não uma instituição financeira privada comum. Observou que, no caso da operação de crédito com o Grupo JBS/Friboi, os documentos exigidos pelo TCU são apropriados para viabilizar o controle financeiro do BNDES.


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