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Teoria da tripartição dos poderes: funções tipicas e atípicas

Teoria da tripartição dos poderes: funções tipicas e atípicas

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Um breve artigo sobre a teoria da tripartição dos poderes

O artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil é claro quanto a tripartição dos poderes ao afirmar que:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. “

A teoria da separação dos poderes é objeto de estudo de grandes jurisconsultos e pensadores ao longo da história, dentre os quais é possível citar Aristóteles, Locke ,Platão ,Montesquieu, entre outros que culminaram na ideia do modelo tripartite conhecido atualmente e demonstrado no artigo supracitado, sendo expresso também no artigo 16 da Declaração Francesa Dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
É preciso deixar claro que, embora muitos tenham abordado tal tema, a consagração da tripartição com as devidas atribuições que lhe são cabíveis, mais próxima e aceita nos dias atuais, vem no nobre Montesquieu, em especial da sua obra “O Espirito das Leis”

“Art. 16.  A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. “

Em tal obra, Montesquieu afirma existirem três formas de governo: o despotismo, a república e a monarquia, sendo cada uma delas baseada em uma natureza (aquilo que é) e em um princípio (aquilo que faz agir; como o governo deveria ser) predominantemente. O objetivo de todas as formas de governo seria a conservação, sendo o melhor aquele que se adapta ao povo e a sua natureza.

Apenas o despotismo, que é corrompido por natureza, não tem a corrupção iniciada pelo seu princípio, podendo ser evitada através de boas leis.

O despotismo tem como característica uma natureza marcada por um governo que busca a satisfação das próprias vontades, sendo o seu princípio o medo e seu objetivo a glória do príncipe. Devido ao fato de não exigir uma regulamentação dos poderes, nem sua moderação, torna-se de fácil implantação, porém alta instabilidade, necessitando dessa forma de uma extrema obediência dos súditos para sua existência. O poder do príncipe pode apenas ser limitado em função do determinismo geográfico e da religião, sendo essa a única maneira de governar um império, uma vez que as leis são elaboradas como se o povo desejasse a mesma coisa que o príncipe.

Tratando da separação de poderes em si e o sistema de freios e contrapesos, podemos citar o autor contemporâneo, José Afonso da Silva, em sua definição sobre poder, como sendo:

“Um fenômeno sociocultural. Quer isso dizer que é fato da vida social. Pertencer a um grupo social é reconhecer que ele pode exigir certos atos, uma conduta conforme com os fins perseguidos; é admitir que pode nos impor certos esforços custosos, certos sacrifícios; que pode fixar, aos nossos desejos, certos limites e prescrever, às nossas atividades, certas formas. Tal é o poder inerente ao grupo, que se pode definir como uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando à realização de determinados fins”.

O poder encontra-se presente desde a origem da sociedade, sendo inclusive cedido ao grande Leviatã de Thomas Hobbes em busca de uma segurança e paz. Neste tempo, ainda acreditava-se que o poder deveria estrar concentrado, contudo a história irá nos mostrar que o poder concentrado busca o privilégio de poucos e deturpa a tudo.
 Segundo John H. Garvey e T.Alexander Aleintkoff o sistema de freio e contrapesos irá surgir na Inglaterra, com a ação da Câmara dos Lordes, composta pela nobreza e clero, equilibrando os projetos de leis oriundos da Câmara dos Comuns, aqueles originados do povo, com o intuito de evitar que as leis sejam demagogas. Na realidade, o objetivo era conter o povo, diante das ameaças aos privilégios da nobreza.

Com o intuito de justificar o bicameralíssimo (Câmara Alta e Baixa), Montesquieu afirma:

“Existem sempre num Estado pessoas eminentes pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honras. Se elas ficassem confundidas entre o Povo, e não tivessem senão um voto como os outros, a liberdade comum seria a sua escravidão, e elas não teriam interesse em defender a liberdade, porquanto a maioria seria contra elas. A participação dessas pessoas na Legislação deve pois estar proporcionada às demais vantagens que têm no Estado. Ora, isto se dará se elas formarem um corpo com direito de frear as iniciativas do Povo, assim como o Povo terá o direito de frear as delas.”

Dessa forma, podemos extrair da tese desse pensador que seu principal objetivo sempre foi resguardar a esfera de individualização das arbitrariedades do poder público. Preocupado com a delimitação de competências, afirmava não ser correto atribuir inúmeros poderes a órgãos individuais pois um poder se sobressairia sobre outro de modo que o caos se instauraria. Daí poder-se atribuir a Montesquieu a Teoria dos Freios e Contrapesos, sendo ele:

“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer leis, o de executar as soluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”.

Buscando evitar tal fim, distribui-se o poder, conforme o artigo 2º supracitado, em três poderes, com três órgãos especializados, com funções equiparadas e independentes, de modo que nenhuma se sobressaia no que diz respeito a suas responsabilidades ou direitos. É preciso deixar claro que cada um, dentro de sua esfera específica exercesse o seu poder, sendo a independência atribuída no tocante a organização mútua com o intuito de compor os atos de manifestação da soberania estatal, realizando o ideia de contenção do poder pelo poder. Cada esfera possui autonomia para exercer a função que lhe foi atribuída, ao passo que o exercício desta função deveria ser controlado pelos demais poderes.

No Brasil, cada um dos três poderes apresenta atividades principais e secundárias. Ao Legislativo cabe, em especial a função de fiscalizar e produzir as leis, administrando-as e julgando-as em segundo plano. Ao Judiciário é conferido a atribuição de dizer o direito ao caso concreto, sendo o juiz o famoso “boca da lei”, tendo como atribuições secundárias administrar e julgar. Por fim, ao Executivo confere a função de administrar o Estado, governar o povo e administrar os interesses públicos segundo a Constituição Federal, sendo sua função atípica legislar e julgar.

É possível compreender esse sistema quando, por exemplo, observa-se que, a função do Poder Legislativo é a edição de normas gerais e impessoais, sendo estabelecido um processo para sua elaboração, no qual o Executivo tem um papel importante: participa pela iniciativa das leis, pela sanção ou pelo veto. Mas tal iniciativa legislativa do Presidente da República é contrabalanceada pela prerrogativa do Congresso que pode alterar o projeto por meio de emendas. Contudo, o Executivo detêm o poder de veto, podendo aplicá-lo a projeto de inciativa dos deputados e senadores, como em relação as emendas aprovadas em projetos de sua inciativa. Por sua vez, o Congresso Nacional, tem o direito de rejeitar o veto, tendo a maioria absoluta dos votos de seus membros, restando dessa forma para o Presidente do Senado promulgar a lei, nos casos em que o Presidente da República não o fizer no prazo previsto.

Ainda neste exemplo, caso o Presidente da República não possa intervir no legislativo de modo a provar rapidamente seus projetos, a Constituição determina um prazo para sua apreciação, conforme seu art.64. Os Tribunais não podem interferir no Poder Legislativo mas podem declarar a inconstitucionalidade das leis, assim como o Presidente não pode interferir na atividade jurisdicional, mas pode nomear os ministros do tribunais superiores, dependentes do controle do Senado Federal para aprovar sua indicação.

Essas são algumas da inúmeras manifestações desse mecanismo de equilíbrio e balanceamento entre os poderes no Estrado Brasileiro. O princípio da harmonia, segundo o pensamento de José Afonso da Silva: “não significa nem o domínio de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos”. Quando a Constituição prevê que os poderes da União são harmônicos, ela busca exatamente o equilíbrio, para que não haja disputas e um poder se torne mais forte que o outro.

Bibliografia:

CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
DA SILVA, José Afonso.  Curso de direito constitucional positivo, 22°Ediçãoi鈬o, editora Malheiros, 2002.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 2000.

SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e Contrapesos (Checks and Balances). Belo Horizonte: Del Rey, 1999.


 



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