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Influência da Emenda Constitucional nº 87 – 2015 na Guerra Fiscal

Influência da Emenda Constitucional nº 87 – 2015 na Guerra Fiscal

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Artigo trata da Emenda Constitucional nº 87/2015 e sua não influência na Guerra Fiscal, bem como da impossibilidade de o Estado de destino cobrar o diferencial de alíquota sem Lei e de pessoas físicas e jurídicas não contribuintes do Estado.

A Emenda Constitucional nº 87, de 16 de abril de 2015 não trata de benefícios fiscais concedidos no âmbito da conhecida “Guerra Fiscal” até porque faltará a cada Estado da federação competência para fiscalizar ou conhecer os atos praticados por contribuintes estabelecidos em outros Estados, porque a legislação tributária vigora exclusivamente no território da entidade política que a emana, não havendo como exigir a apresentação de documentos de contribuintes estabelecidos em outros Estados Federados, sendo esta a inteligência do artigo 102 do Código Tributário Nacional – CTN:

Art. 102           A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – CTN.).

                    A lei, necessariamente exige um emissor, no caso o Estado, uma mensagem, no caso a legislação e um receptor, no caso o Administrado, porque a missão maior da lei consiste em planificar, ordenar, no caso, a atividade econômica. Todavia, não basta dizer isto, mas, as leis possuem âmbitos de validade que são quatro: o material, o pessoal, o espacial e o tempo.

                    O âmbito de validade espacial encerra o espaço político onde a lei tem vigência e eficácia, onde produz efeitos, daí as noções de territorialidade e extraterritorialidade das leis, sendo então que as ações de fiscalização interestadual estão diretamente condicionadas aos limites que lhe reconheça a extraterritorialidade.

                    Havendo ainda que se considerar a autonomia dos estabelecimentos de que trata o inciso I, § 3º, art. 11, da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 que confirma a referida condição de independência de cada estabelecimento, ainda que filial em seu respectivo domicílio, em relação aos demais Estados, mesmo que lá estejam outros estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.

Art. 11                         O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

§ 3º                  Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:

I                       na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação;

                    A Constituição Federal de 1988 já tinha previsto no inciso VII, § 2º do artigo 155 que, no caso de ser o destinatário da mercadoria contribuinte do imposto no seu Estado de destino, deveria ser destacada a alíquota interestadual[1] e, sendo o destinatário não contribuinte caberá o destaque da alíquota interna:

VII                   em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a)                     a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b)                     a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

                    Na hipótese da letra “a” do inciso VII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, caberá ao Estado de destino a diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna, nos termos do inciso VIII:

VIII                 na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

                    Acontece que a regulação para a cobrança desse diferencial de alíquota é matéria para lei complementar, conforme letra “a” do inciso III do artigo 146 da Constituição Federal, em cada Estado da Federação, em sua competência concorrente de que trata o inciso I do artigo 24 da Constituição Federal de 1988:

Art. 146          Cabe à lei complementar:

III                    estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a)                     definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

                    A Emenda Constitucional – EC nº 87, de 16 de abril de 2015 somente alterou os incisos VII e VIII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, para tratar da sistemática de cobrança do ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços que destinem bens, mercadorias e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado não fazendo relevante alteração, mas, apenas prevendo as hipóteses de incidência nas saídas interestaduais, mesmo para contribuintes do imposto, desde que o bem ou mercadoria objeto da operação seja para consumo e não para industrialização ou revenda:

VII                   nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual (grifei);

VIII                 a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a)                     ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b)                     ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto.

                    Trata apenas de saída interestadual para consumo, hipótese onde a alíquota será sempre a interestadual de que trata a Resolução nº 22, de 19 de maio de 1989, não cabendo mais o destaque da alíquota interna quando o destinatário não for contribuinte do imposto, onde o objetivo é que o Estado de destino recolha o diferencial de alíquota, mas, haverá enorme dificuldade caso o destinatário não tenha inscrição no Estado, ou, seja pessoa física.

                    Com relação ao destinatário “contribuinte do imposto”, sendo o imposto “não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”, poderá se creditar do imposto destacado na nota fiscal além do diferencial de alíquota recolhido conforme incisos I e III do artigo 33 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, mas, no caso do inciso I do artigo 33, a partir de 1º de janeiro de 2020 conforme prevê a Lei Complementar nº 138, de 29 de dezembro de 2010, o que o torna neste momento cumulativo devendo haver várias ações contestando a não cumulatividade do diferencial de alíquota no caso de produtos destinados a uso e consumo.

                    A grande novidade da Emenda Constitucional nº 87, de 16 de abril de 2015 encontra-se no inusitado acréscimo do artigo 99 ao ADCT – Ato das Disposições Constitucionais transitórias, porque, trata-se de matéria de competência de Lei Complementar conforme artigo 146, III da Constituição Federal e, no caso da matéria de que trata a Emenda Constitucional citada, há previsão no próprio § 8º do artigo 34 do ADCT, que remete à Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996:

Art. 2º             O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 99: Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:

I                       para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;

II                     para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;

III                    para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

IV                    para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;

V                     a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.

                    Em plena vigência da Lei nº 87, de 13 de setembro de 1996, já prevista no inciso § 8º do artigo 34 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e em que o inciso IV e V do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal de 1988 determina como de competência do Senado Federal a fixação de alíquotas do imposto através de resolução aprovada por maioria de membros, o Congresso Nacional realiza alteração neste apêndice, ou, constituição paralela, denominado ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias que, como o próprio nome diz, serviria para medidas transitórias em face de uma mudança radical de governo que passa do regime militar para um governo democrático com presidente civil, portanto, não tem existência indefinida, mas, de curto prazo, como no dicionário Aurélio: “de pouca duração, que passa; passageiro e efêmero, transitivo”.

                    É evidente que o constituinte originário ao utilizar da expressão “transitória”, quis indicar que as referidas normas eram de pouca duração, efêmeras na medida em que buscavam a transição de um ordenamento jurídico para outro, decorrente de uma nova concepção, onde os atos que norteariam a transição do sistema antigo para a nova ordem social necessitariam estabelecer os meios e as formas que as transições seriam feitas e os prazos para cumprimento.

                    Então, essas disposições que deveriam ser transitórias, regulando temporariamente determinada matéria até que a norma constitucional possa atingir sua plenitude, nada tem de temporário, ou, transitório, revelando-se verdade norma paralela à própria Constituição, como demonstra José Afonso da Silva:

            As normas das disposições transitórias fazem parte integrante da Constituição. Tendo sido elaboradas e promulgadas pelo constituinte, revestem-se do mesmo valor jurídico da parte permanente da Constituição. Mas seu caráter transitório indica que regulam situações individuais e específicas, de sorte que, uma vez aplicadas e esgotados os interesses regulados, exaurem-se, perdendo a razão de ser, pelo desaparecimento do objeto cogitado, não tendo, pois, mais aplicação no futuro.

            Exemplo típico é a regra constante do art. 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal: “O Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e os membros do Congresso Nacional prestarão o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, no ato e na data de sua promulgação”. Foi aplicada. Sua eficácia transitória operou-se completamente. Esgotou-se. Não é mais norma jurídica, mas simples proposição sintática com valor meramente histórico. Assim são, em geral, todas as que figuram no Ato das Disposições Transitórias. Muitas já se esgotaram. Outras vão se esgotando aos poucos.

            São normas que regulam situações ou resolvem problemas de exceção. Por isso, os autores entendem que de seus dispositivos não se pode tirar argumento para interpretação da parte permanente da Constituição. De uma solução excepcional para situações excepcionais seria absurdo extrair argumentos para resolver situações e problemas de caráter geral e futuros. A mesma doutrina, porém, entende que o inverso é racional e logicamente recomendável: na dúvida quanto à interpretação e aplicação de dispositivos das disposições transitórias, deve o intérprete recorrer ao disposto na parte permanente da Constituição, pois aqui se encontram os critérios e soluções que normalmente – e para um futuro indefinido e um número também indefinido de casos e situações – a Constituição oferece como regra geral (Silva, José Afonso – Aplicabilidade das Normas Constitucionais – Malheiros Editores – 5ª edição – São Paulo – 1998).


[1]    A Resolução nº 22, de 19 de maio de 1989 estabeleceu a alíquota interestadual de 12% nas operações nos Estados das regiões Sul e Sudeste e, nas operações que enviem produtos ou serviços às regiões norte, nordeste e centro-oeste e ao Estado do Espírito Santo, a alíquota, a partir de 1990, de 7%. O Senado não fixou a alíquota interna dos Estados, que podem ser diferenciadas por produto e não inferiores à alíquota interestadual de 12%. Em regra tem-se usado a alíquota de 18% (Freitas, Rinaldo Maciel – ICMS – Do Imposto sobre o Consumo à Guerra Fiscal – São Paulo – Editora Fiscosoft – 2011).


Autor

  • Rinaldo Maciel de Freitas

    Graduado em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia. Membro da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica. Advogado pela Faculdades Integradas do Oeste de Minas (FADOM). Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET). Pós-Graduando em Direito Público. Formação Extra Curricular: Ética/UEMG – Arbitragem/UFMG – Psicologia Jurídica/UEMG – Classificação Fiscal de Produtos/Aduaneiras.

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