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A bengala e a panela

A bengala e a panela

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A Câmara dos Deputados aprovou em segunda votação a Proposta de Emenda à Constituição nº 457-C, de 2005, numa noite repleta de simbologia.

Há muito tramitava a Proposta de Emenda à Constituição, ao lado de inúmeras outras propostas, cada qual com uma solução. A grande questão que se põe é exatamente: o que se pretende solucionar?

O atual frenesi legislativo apresentado pelo Congresso Nacional tem sido acusado de casuísmo, o que é deveras duvidoso de se sustentar a partir da premissa de que a função do Poder Legislativo é a produção das normas por políticos eleitos pelo povo.

Reclamar da produção das normas, ou do seu conteúdo, somente escancara um problema maior decorrente da crise de legitimidade dos eleitos manifestada pela sociedade.

E na mesma noite, pouco antes do caloroso debate entre os parlamentares para a aprovação da denominada “PEC da Longevidade” ou “PEC da Bengala”, voltava à cena a panela, como instrumento de protesto contra a corrupção, exatamente no horário do programa eleitoral gratuito na televisão.

O ingrediente político é inerente ao exercício de todas as funções do Estado, sendo certo que ninguém deve ficar agastado com os encaminhamentos legitimamente promovidos pelos Poderes constituídos.

Ledo engano daqueles que avaliam como uma derrota do governo a aprovação da PEC da Bengala, pois a presidente da República não está, nem nunca esteve, preocupada com a BENGALA. A preocupação é com a PANELA.

O que dizer da inexplicável demora na escolha do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, que revela um ataque frontal à tripartição dos Poderes, independentes e harmônicos entre si, decorrente de uma omissão reiterada do Poder Executivo?

A dúvida demonstrada pela presidente da República também coloca a sociedade em dúvida se esta prerrogativa de escolha estabelecida pela Constituição Federal atende ao anseio e à necessidade de um Poder Judiciário independente e eficiente. Basta imaginar, se dependesse do presidente do Supremo Tribunal Federal a indicação do ministro da Fazenda, se seria razoável aguardar mais de oito meses para tal providência?

Agora cabe ao Poder Legislativo avançar, pois o texto aprovado estabelece em seu Art. 40, § 1º, II, que a aposentadoria acontece “compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar”; e no Art. 99: “Até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal”.

Logo, aplica-se de imediato a ampliação do prazo da aposentadoria compulsória para 75 anos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União.

E os demais servidores? A eles está destinada a edição de uma lei complementar.

O caput e o § 1º do art. 40 da Constituição Federal, não modificados pela PEC aprovada, preconizam:

“Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (...) ”

Portanto, poderá haver a ampliação do prazo da aposentadoria compulsória para 75 anos para todo o funcionalismo público, se for aprovada a lei complementar.

Segundo é anunciado, essa ampliação verdadeiramente causaria um impacto na previdência e nos gastos públicos, o que representa a preocupação substancial com a redução das despesas, não somente na sua quantidade, mas na correta aplicação dos recursos, especialmente com a publicação da Lei de sugestivo número 13.115, do último dia 22 de abril, que aumenta a verba destinadas aos partidos políticos de R$ 289,5 milhões para R$ 867,5 milhões. E mais, a inacreditável redução do orçamento da educação sob o slogan da “Pátria Educadora”.

A panela assombra muito mais do que a bengala. É mais barulhenta e não serve de apoio, sendo capaz de produzir um cozido para saciar a verdadeira fome que assola o país.


Autor

  • José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro

    José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro

    Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, e Presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil. Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994). Monitoria da Disciplina de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Leda Pereira Mota, exercida nos anos de 1993 e 1994. Estagiou sob orientação do Professor Miguel Reale de 1990 a 1994, tendo trabalhado com o Professor Miguel Reale até 2006. É advogado militante, desde 1995. Pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) em 1996. Pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1998. Mestre e Doutorando (com créditos concluídos) em Direito das Relações Sociais, área de concentração de Direito Civil Comparado, pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Titular Maria Helena Diniz. Professor-Autor do Curso de Direito Bancário da FGV Online. Professor do Programa GVLAW de Direito Bancário para as Escolas de Magistratura de todo o país. Membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa – CJLP. Membro do Instituto de Direito Privado - IDP fundado pelo Professor Renan Lotufo. Conselheiro do Instituto de Estudos Culturalistas fundado pelo Professor Miguel Reale Júnior. Conselheiro Honorário da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo. Conselheiro Honorário do Movimento de Defesa da Advocacia. Conselheiro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da FIESP. Conselheiro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO SP. Diretor Tesoureiro da Fundação Nuce e Miguel Reale. Autor de artigos e coordenador de obras publicadas pela Editora Atlas, Revista dos Tribunais e Saraiva. Coordenador (sucedendo o Professor Arnoldo Wald) da Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais editada pela Revista dos Tribunais. Foi Diretor Cultural do Instituto dos Advogados de São Paulo (eleito para o triênio 2007-2009). Foi Diretor de Comunicação do IASP (eleito para o triênio 2010-2012).

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