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Da presença de critérios atuariais para a aplicação do §5º do art. 29 da Lei 8.213/91 em casos de aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença

Da presença de critérios atuariais para a aplicação do §5º do art. 29 da Lei 8.213/91 em casos de aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença

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Objetiva demonstrar a possibilidade de aplicação do art. 29, §5º, da Lei nº 8.213/91 para cálculo do salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença, sob a ótica do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário

1 Introdução

O presente artigo científico apresenta uma visão do art. 29, §5º, da Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social- LBPS), sob a ótica do equilíbrio financeiro e atuarial, o que possibilita o computo dos valores recebidos a título de auxílio-doença para fins de cálculo do salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez, nos casos em que esta é precedida daquele.

Em casos de aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ao invés de utilizar a forma de cálculo estabelecida no § 5º, do art. 29 da Lei de Benefícios, utiliza a fórmula criada no art. 36, § 7º do Decreto nº 3.048/99, trazendo prejuízos na renda mensal inicial do segurado.

Neste sentido, este estudo demonstra a existência de critérios e técnicas atuariais no sistema previdenciário brasileiro, que mesmo após a edição da Lei nº 9.876/99, que alterou a redação do art. 29 da Lei nº 8.213/91 e instituiu a fórmula do Fator Previdenciário, teve a redação do § 5º deste artigo da lei mantida.

2 Da aplicação do art. 29, § 5º da Lei nº 8.213/91

A aposentadoria por invalidez é o benefício pago ao segurado que for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, conforme redação do art. 42 da Lei nº 8.213/91:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição. (BRASIL, 1991).

No entanto, conforme podemos observar da redação do supracitado artigo, a aposentadoria por invalidez pode ser concedida ao segurado estando ou não em gozo de auxílio-doença. É neste momento que conforme entendimento adotado pelo INSS surgem duas formas para o cálculo do salário-de-benefício, sendo uma para benefícios concedidos aos segurados que não estavam em gozo de auxílio-doença e outra para os que estavam, ou seja, casos em que a aposentadoria por invalidez é precedida de auxílio-doença.

Em relação à aposentadoria por invalidez ao segurado que não estava em gozo de auxílio-doença, vertendo contribuições ao Regime Geral da Previdência Social, não há controvérsia. O cálculo do salário-de-benefício é efetuado de acordo com a atual redação do art. 29, inciso II e § 5º da Lei de 8.213/91:

Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;       

II - para os benefícios de que tratam as alíneas ade e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. 

[...]

§ 5º Se, no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de 1 (um) salário mínimo. (BRASIL, 1991).

A controvérsia surge nas situações em que a aposentadoria por invalidez é precedida do recebimento de auxílio-doença pelo segurado. Isto porque o INSS não utiliza a redação do art. 29 da Lei nº 8.213/91, mas sim a redação do art. 36, § 7º do Decreto nº 3.048/99, in verbis:

Art. 36. No cálculo do valor da renda mensal do benefício serão computados:

[...]

§ 7º A renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez concedida por transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral. (BRASIL, 1999a).

Nestes casos a Autarquia utiliza a regra do Decreto, calculando a aposentadoria por invalidez a partir do salário-de-benefício do auxílio-doença (art. 36, § 7º, do Decreto 3.048/99) ao invés da média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo (art. 29, inciso II e § 5º, da Lei 8.213/91), o que na prática traz prejuízos ao segurado em sua renda mensal inicial.

A fundamentação do INSS tem como base a impossibilidade de contagem de tempo ficto de contribuição, podendo este somente ser utilizado caso haja tempo intercalado entre períodos de recebimento de auxílio-doença com períodos de retorno ao trabalho, com espeque no art. 55, inciso II, da Lei de Benefícios, que regula a contagem do TEMPO DE SERVIÇO (atualmente tempo de contribuição). O Referido inciso define que será computado como tempo de serviço o período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, contudo, de forma intercalada, ou seja, o segurado esteve afastado e retornou à atividade em período anterior à concessão de sua aposentadoria, seja ela por idade, tempo de contribuição ou invalidez, conforme segue:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

 [...]

II - o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; [...]. (BRASIL, 1991).

Devemos destacar neste momento que o art. 55 da Lei 8.213/91 está inserido topograficamente na subseção que trata exclusivamente da Aposentadoria por Tempo de Serviço (atual aposentadoria por tempo de contribuição), ou seja, este artigo define a forma e os critérios que deverão ser considerados para o computo do tempo trabalhado pelo segurado, a fim de que a aposentação por tempo de contribuição lhe seja deferida, caso atinge o tempo necessário de 30 (trinta) anos, se do sexo feminino, ou 35 (trinta e cinco) anos, se do sexo masculino. Já o art. 29 da Lei de Benefícios regulamenta a composição do salário-de-benefício, que é o valor básico utilizado para cálculo da renda mensal da maioria dos benefícios de prestação continuada, dentre eles o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez.

Portanto, uma situação é efetuarmos a contagem do tempo de contribuição (serviço) para fins de aposentadoria (art. 55 da LBPS). Outra completamente distinta é calcularmos o valor da renda mensal inicial (RMI) de um benefício por incapacidade (art. 29 da LBPS). Enquanto um artigo faz menção direta ao período básico de cálculo, outro está diretamente relacionado ao tempo de contribuição, inexistindo correspondência entre os assuntos regulamentados por tais artigos da citada lei.

O fato é que o legislador, de forma expressa, quis proteger o segurado que recebeu benefício por incapacidade dentro de seu período básico de cálculo, tanto que criou um parágrafo específico dentro do art. 29 da Lei nº 8.213/91, razão pela qual a sua fórmula de cálculo deve prevalecer.

Ocorre que atualmente a maioria dos processos que buscam a revisão da RMI, da aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença, são julgados improcedentes com base na decisão do Recurso Extraordinário (RE) 583.834/SC, que deu provimento ao recurso manejado pela Autarquia Previdenciária contra acórdão da 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Santa Catarina.

Importante esclarecermos que a questão constitucional cuja repercussão geral foi reconhecida neste Recurso Extraordinário refere-se a impossibilidade de retroação da Lei nº 9.876/99, que alterou a redação do art. 29 de Lei nº 8.213, às aposentadorias concedidas em momento anterior à promulgação daquela lei. É que a discussão decorreu em torno de uma aposentadoria concedida em março do ano de 1995, portanto, em momento anterior ao da vigência da Lei nº 9.876 de 26/11/1999.

Embora a repercussão geral tenha ocorrido em relação à irretroatividade da Lei nº 9.876/99, os Eminentes Ministros, em seus votos, teceram comentários sobre a impossibilidade da aplicação do art. 29, § 5º da Lei nº 8.213/91 em casos de aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença, entendendo, principalmente, pela ofensa ao princípio contributivo insculpido no art. 201 da Magna Carta.

Vejamos trechos dos votos dos Ilmo. Ministros:

Nessa situação em que trabalho e afastamento se intercalam antes da aposentadoria por invalidez é razoável que sejam considerados os valores recebidos a título de auxílio-doença. Isso porque existe recolhimento de contribuições previdenciárias durante o período que serve de referencial para o cálculo dos proventos. Diferente do que acontece quando a aposentadoria por invalidez é precedida de período contínuo de afastamento da atividade. Donde se concluir que a decisão recorrida ofendeu o princípio contributivo contido no caput do art. 201 da nossa Lei Maior.  [Min. Ayres Britto]

[...]

Isso significa dizer, a contrario sensu, que, se não houver salário de contribuição, ele não pode gerar nenhum - digamos assim – parâmetro para cálculo de benefício. [Min. Luiz Fux]

[...]

Presidente, a premissa básica surge única: o sistema é contributivo.

Em que pese à redação um tanto quanto confusa, sob o ângulo vernacular, do § 5º do artigo 29 em jogo, divido-o em duas partes: a primeira relativamente à consideração do tempo, no que se mencionou no preceito: "sua duração será contada"; a segunda alusiva ao salário de contribuição. Apesar da redação, o que se tem? Um preceito que somente pode ser interpretado à luz da Constituição, não cabendo a inversão de valores. E constatamos que há referência à consideração, como salário de contribuição, no período – do benefício, do auxílio, portanto, doença –, ao de benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal. Por que se remete àquele salário de contribuição? Porque, durante o auxílio, não há contribuição. Qual seria o milagre para encontrar-se valor diverso a nortear aquele que é próprio à aposentadoria? Dificilmente conseguiria defini-lo. Não há ficção jurídica criando – e teria sérias dúvidas quanto à constitucionalidade dessa ficção jurídica, se existisse – um hipotético salário de contribuição. [Min. Marco Aurélio] (BRASIL, 2011, p. 2-3,11,17).

Assim, de acordo com os votos dos Ilmo. Ministros, podemos dizer que o Supremo Tribunal Federal entende que não é possível a aplicação do art. 29, § 5º da Lei de Benefícios para o cálculo do salário-de-benefício das aposentadorias por invalidez precedidas de auxílio-doença, sob pena de ofensa ao sistema contributivo, pois se não houve recolhimento de contribuições no período em que o segurado recebeu auxílio-doença, não existe motivo para considerar o valor deste em qualquer cálculo de outro benefício, salvo se houver período intercalado entre períodos de recebimento de auxílio-doença com períodos de retorno ao trabalho.

Ocorre que o sistema previdenciário, além de contributivo, deve observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, conforme caput do art. 201 da Magna Carta:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...]. (BRASIL, 1988). 

O cálculo atuarial é a ciência que utiliza técnicas matemáticas e estatísticas de maneira a determinar o risco e retorno nos segmentos de seguros e financeiros. Fundamentalmente o cálculo atuarial busca, por meio do conhecimento histórico, de distribuições estatísticas e hipóteses, formar o valor presente (valor atual) de um conjunto de fluxos de caixa (obrigações a pagar ou a receber em uma ou várias datas) no futuro (MANOEL JUNIOR, 2012).

Em direito previdenciário, para se manter o equilíbrio, necessário que no cálculo atuarial sejam considerados fatores demográficos e econômicos que possam afetar o sistema, tais como taxa de juros, aumento de salários, índice de inflação, indexação das aposentadorias, expectativa de vida, probabilidade de decrementos (mortalidade, invalidez temporária e permanente), dentre outros fatores. Assim para se projetar a despesa com os benefícios previdenciários (aposentadorias, pensões, auxílios e outros) ao longo de vários anos necessária a estatística de comportamento de grupos, tanto estimando o custo das aposentadorias programáveis (aquelas que dão para prever, como a aposentadoria por idade ou tempo de contribuição), quanto aos chamados benefícios de risco (como a pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-reclusão e a aposentadoria por invalidez). (IYER, 2002)

Insta salientarmos que foi a Emenda Constitucional nº 20/1998 que determinou a necessidade de critérios que preservassem o equilíbrio financeiro e atuarial no Sistema Previdenciário Brasileiro. Após a edição da Emenda Constitucional, passou a fazer parte de nosso ordenamento jurídico a Lei nº 9.876/99, que alterou a redação do art. 29 da Lei nº 8.213/91 acrescentando ao salário-de-benefício à fórmula do Fator Previdenciário, índice a ser calculado levando em consideração o tempo de contribuição, a expectativa de sobrevida do segurado e a alíquota de contribuição. A partir deste momento, ficou clara a utilização de técnicas de natureza atuarial no cálculo da renda dos benefícios previdenciários.

No entanto, já valendo-se do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, o legislador decidiu manter o § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/91, determinando que, caso o segurado tenha recebido benefício por incapacidade no período básico de cálculo, se considere como salário-de-contribuição o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal deste benefício.

Desta forma, temos que a aplicação do § 5º do art. 29 da LBPS não ofende ao princípio do sistema contributivo, uma vez que sua redação restou intacta após adequação do Regime Geral da Previdência Social através de técnicas que buscam a preservação do equilíbrio financeiro atuarial do sistema previdenciário, ou seja, após a edição da Lei nº 9.876/99.

Além disso, entendemos que o equilíbrio financeiro e atuarial está preservado nos benefícios por incapacidade temporária (Auxílio-doença), em razão da redução de seu valor comparando-o aos benefícios por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) senão vejamos:

Art. 61. O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei. (BRASIL, 1991).

Art. 44. A aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei. (BRASIL, 1991).

Podemos notar que o valor do benefício por incapacidade temporária não é pago de forma integral ao segurado, sendo-lhe retido 9% de seu salário-de-benefício, exatamente para compensar o período em que não haverá incidência de contribuição.  A redução efetuada no salário-de-benefício do segurado no período de percepção do benefício temporário é correspondente à alíquota intermediária de contribuição do empregado, conforme Portaria Interministerial MPS/MF nº 13, de 09 de Janeiro de 2015:

TABELA 1- Contribuição dos segurados empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, para pagamento de remuneração a partir de 1º de janeiro de 2015.

SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO (R$)  ALÍQUOTA INSS 
até 1.399,12 8,00 %
de 1.399,13 até 2.331,88   9,00%
de 2.331,89 até 4.663,75  11,00 %

Fonte: Dados da Portaria Interministerial MPS/MF (BRASIL, 2015).

Esta redução tem o escopo de manter o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, que é um sistema contributivo, substituindo a contribuição devida pelo segurado, lembrando que o benefício previdenciário por incapacidade temporária substitui o salário-de-contribuição do segurado, passando a constituir sua fonte de subsistência durante o período de afastamento (BOEIRA, 2007).

Como já citado, a aposentadoria por invalidez será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Ora se foi concedido um auxílio-doença a um segurado e posteriormente este auxílio veio a ser convertido em aposentadoria por invalidez, mostra-se lógico que sua incapacidade não era temporária, mas sim permanente, tanto que foi insuscetível de reabilitação. Deste modo, o segurado deveria ter recebido 100% (cem por cento) desde o início de seu afastamento pelo INSS e não apenas 91% (noventa e um por cento). A única razão da existência desta redução no percentual de 9% (nove por cento) é em substituição ao período em que o segurado deixa de efetivar a contribuição, com o intuito de manter o equilíbrio do sistema contributivo, permitindo que o salário-de-benefício seja utilizado na forma do § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/91. Caso contrário, seria de rigor, em casos de posterior conversão do benefício temporário em aposentadoria por invalidez, retroagir esta à data de início daquele, gerando ao segurado o direito em receber as diferenças apuradas, sob a pena de restar caracterizada uma contribuição sem a correspondente contraprestação, ou melhor, ofensa ao princípio contributivo-retributivo, por ausência de relação entre custo e benefício, ou ainda, um enriquecimento sem causa da autarquia.

Não seria demais comparamos a situação com o disposto no art. 195, inciso II da Constituição Federal, que após ter sua redação alterada pela Emenda Constitucional (EC)  nº 20/98, assim estabelece:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

[...]

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; [...]. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Vejam que a Magna Carta estabelece que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, inclusive pelo trabalhador e demais segurados da previdência social, razão pela qual podemos entender que a redução de 9% (nove por cento) no salário-de-benefício do auxílio-doença refere-se ao custeio do sistema. De outro lado, o mesmo artigo veda a incidência de contribuição sobre aposentadoria, motivo pelo qual o salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez é de 100% (cem por cento). 

3 Conclusão

A Emenda Constitucional nº 20/98 determinou a necessidade de critérios que preservassem o equilíbrio financeiro e atuarial no Sistema Previdenciário Brasileiro, razão pela qual, em 26 de novembro de 1999, passou a fazer parte de nosso ordenamento jurídico a Lei nº 9.876, momento em que ficou clara a utilização de técnicas de natureza atuarial, especialmente pela alteração da redação do art. 29 da Lei nº 8.213/91, acrescentando ao salário-de-benefício à fórmula do Fator Previdenciário.

E já valendo-se de técnicas atuariais, o legislador decidiu manter o § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/91, determinando que, caso o segurado tenha recebido benefício por incapacidade no período básico de cálculo, se considere como salário-de-contribuição o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal deste benefício.

Tais argumentações, por si só, já teriam o condão de esclarecer que a aplicação do § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/91 não fere o princípio contributivo do sistema previdenciário. Contudo, temos ainda que, atuarialmente, a diferença de 9% (nove por cento) entre o salário-de-benefício do auxílio-doença e o salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez equipara-se à contribuição devida pelo segurado no período de afastamento, sendo este mais um motivo para a aplicação do citado parágrafo.

Caso contrário, em situações de posterior conversão do benefício temporário em aposentadoria por invalidez, poderíamos pleitear a retroação da data de início deste benefício, gerando ao segurado o direito de receber as diferenças apuradas, sob a pena de restar caracterizado um enriquecimento sem causa da Autarquia.

Podemos dizer que do ponto de vista atuarial, não há qualquer óbice para que o salário-de-benefício do auxílio-doença seja utilizado como salário-de-contribuição para casos de concessão aposentadoria por invalidez, ou melhor, de conversão, pois houve contribuição para o sistema no período de recebimento do benefício por incapacidade temporária, na forma de redução no valor do benefício.

Assim, a não aplicação do § 5º do art. 29 da Lei nº 8213/91 converge para o enriquecimento ilícito por parte da Autarquia Previdenciária, posto que comprovada a preservação do equilíbrio financeiro atuarial do sistema contributivo previdenciário. A não aplicação enseja ainda um duplo prejuízo ao segurado, que por certo período recebeu um valor reduzido de seu benefício temporário (auxílio-doença), bem como estará sendo prejudicado com um valor inferior na renda mensal inicial de sua aposentadoria por invalidez.

Referências

BOEIRA, Alex Perozzo. Análise da consideração de benefícios por incapacidade como período de carência. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1350, 13 mar. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9591>. Acesso em: 14 jul. 2015.

BRASIL. Ministério de Estado da Previdência Social e da Fazenda. Portaria Interministerial MPS/MF nº 13, de 09 de janeiro de 2015. Dispõe sobre o reajuste dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e dos demais valores constantes do regulamento da previdência social - RPS. Disponível em: < http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MF-MPS/2015/13.htm >. Acesso em: 10 jul. 2015.

______. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

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______. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

______. Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999b. Dispõe sobre a contribuição previdenciária do contribuinte individual, o cálculo do benefício, altera dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9876.htm >. Acesso em: 10 jul. 2015.

______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 583.834. Santa Catarina. Relator: Min. Ayres Britto. Recte.(s): Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral Federal Recdo.(A/S): Carlos Farias Neto. Adv.(a/s): Carlos Berkenbrock e outro(a/s) Intdo.(a/s): Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas. Adv.(a/s) :Wagner Balera e outro(a/s). 21 de set. 2012. p. 1-20. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1733101>. Acesso em: 10 jul. 2015.

IVER, Subramaniam. Matemática atuarial de sistemas de previdência social. Tradução do Ministério da Previdência e Assistência Social. Brasília: MPAS, 2002.

MANOEL JÚNIOR. A importância do cálculo atuarial. 24 jan. 2012. Disponível em: < https://www.creditoemercado.com.br/blogconsultoriaeminvestimentos/?p=1035 >. Acesso em: 11 jun. 2015.



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