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Minimalismo penal: evolução e aplicabilidade

Minimalismo penal: evolução e aplicabilidade

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O presente trabalho tenho o cunho de fazer uma síntese da evolução penal até chegarmos ao minimalismo penal e sua aplicabilidade no nosso sistema punitivo como forma de evitar a reincidência e promover a reinserção do apenado na sociedade.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema o Direito Penal Mínimo, que tem como grande percussor Beccaria, mas que teve de passar por diversos momentos na história do Direito Penal para que se pudesse finalmente chegar-se a um pensamento moderno, que via a pena com um caráter ressocializador.

Ao nos remontar ao passado passamos pela época das vinganças penais, onde reinava a arbitrariedade, penas instituídas em nome próprio, de divindades ou pelo Estado, mas sempre de forma a violar a dignidade da pessoa humana.

Ainda falando em termos de evolução das penas, não podemos deixar de falar da Idade Antiga, Idade Média e Idade Moderna, onde neste último, finalmente, imbuído pelo espírito das ideias iluministas que surgiram no fervor da Revolução Francesa, pensadores modernos começaram a falar os primeiros esboços do que seria o Direito Penal Mínimo.

Tal pesquisa objetiva discutir e aclarar as ideias percussoras do direito Penal Mínimo e sua evolução dentro do direito penal.

A pesquisa tem por metodologia a consulta em doutrinas brasileiras, artigos científicos, bem como sites que tratam do assunto em comento na internet e decisões de tribunais nacionais referentes ao assunto.

2 HISTÓRICO DAS PENAS

Ao tratarmos do Direito Penal Mínimo temos de fazer uma breve remissão a evolução das penas, passando pela época dos suplícios, onde imperava a arbitrariedade, e as penas tinham caráter retributivo e satisfativo da vítima, sendo muito bem descrito por Foucault (2004, p.9) em seu livro Vigiar e Punir, onde traz trechos com descrições de como se davam as penas, vejamos:

[...] sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e as partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros consumidos por fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.

Seguindo a linha de penas cruéis surge o período denominado de vinganças penais, com fases determinadas, mas que não tem marco temporal definido linearmente, fala-se das três vinganças penais, quais sejam: vingança divina, vingança privada e vingança pública. Nessa fase observou-se pequenos avanços, pois a primeira imperava uma punição cruel em nome de divindades, já na segunda o poder de exercer tal punição era da vítima, que exercia uma espécie de propriedade sobre seu malfeitor, já na vingança pública começa-se a vislumbrar os primeiros sinais do que vinha a ser o princípio da legalidade, existindo portanto um poder judiciário, mesmo que arbitrários.

Posterior à fase suscitada anteriormente temos a Idade Antiga, onde surgiram pensadores que começaram a estudar a finalidade da pena, começando a surtir os primeiros efeitos quando a humanização do Direito Penal, logo em seguida teve-se a Idade Média que ficou marcada pelo direito costumeiro, que era entendido como uma ordem de paz e era dividido pelo seu caráter público ou privado.

Por último tem-se a Idade Moderna, que ficou marcada pelo Iluminismo, e o reflexo trazido pela Revolução Francesa, que trouxe pensadores modernos, que vislumbraram a pena com o caráter ressocializador, tendo como precursor desse movimento humanista e que buscava a pena mais humana e equinânime tão buscado na nossa sociedade, Cesare de Beccaria.

Tal evolução foi o pontapé inicial para que surgisse de forma mais delineada o que conhecemos como minimalismo penal, que propõe penas mais humanas, respeitando assim o princípio da dignidade da pessoa humana, tão defendido e aclamado pelos defensores dos Direitos Humanos.

3 DO MINIMALISMO PENAL

A teoria minimalista prega uma ressocialização real, onde o apenado seja visto como ser humano e tenha seus direitos respeitados, sendo muito bem sintetizado por Zaffaroni:

Da perspectiva de um discurso jurídico-penal pautado no realismo marginal, entende-se por garantias penais o compromisso das agências judiciais penais para exercer seu poder de modo a decidir cada caso conforme a regra de 'mínima violação/máxima realização' dos princípios que servem para limitar a irracionalidade (violência) do exercício de poder do sistema penal, configurando, deste modo um 'padrão' - provisório, por ser progressivo e 'aberto', ou 'inacabado' - de máxima irracionalidade (violência) tolerada (porque a agência judicial carece de poder para impor um menor). (ZAFFARONI apud SANCHES, p. 7, 2010).

Com o surgimento do Direito Penal Mínimo, que na visão de estudiosos do Direito como Zaffaroni, é essencial e imprescindível, vez que asseguram os Direitos Humanos, de forma que o minimalismo penal se tornaria uma realidade, "um programa de longo alcance de transformação da humanidade." (ZAFFARONI apud SANCHES, P. 6, 2010).

A Lei das Execuções Penais dispõe em seu artigo 1º que a “[...] execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. (BRASIL, 1984)

Pela Lei de Execuções penais pode-se observar uma evolução no que tange a função da pena, que hoje tem caráter ressocializador, sendo, portanto, mais voltada para o humanismo, tendo sido concebida com o fim de ressocializar, o que infelizmente não acontece, pois as penas privativas de liberdade não conseguem desestimular a reincidência, nem tampouco ressocializador o indivíduo, vejamos:

Ninguém ignora que hoje no Brasil a prisão não regenera nem ressocializa as pessoas que são privadas da liberdade por ter cometido algum tipo de crime. Ao contrário, é de conhecimento geral que a cadeia perverte, corrompe, deforma, avilta e embrutece. É uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas, onde se diploma o profissional do crime. (É preciso parar de prender, revista Veja – 22/05/91).

A pena privativa de liberdade tem se mostrado ineficiente no que tange ao desestímulo da reincidência, pois o que vemos são presídios que não param de receber novos detentos, só fazendo com que tenhamos a certeza que o sistema escolhido e o caminho que estamos seguindo não restaura o indivíduo, mas acaba por causar danos aquele que entra no sistema prisional, vejamos:

Não é apenas difícil a recuperação no cárcere ou pelo cárcere. O propósito ressocializador mostra-se, simplesmente incompatível com a prisão. Se o encarceramento dessocializa, despersonifica e produz sequelas irremediáveis na mente do homem, o discurso ressocializador muito se aproxima do nonsense, do absurdo mesmo, beirando o ridículo. (SILVA apud PERBONE, p. 55, 2010).

Observando o fracasso das penas privativas de liberdade em ressocializar o preso e reinseri-lo na sociedade é que surgiu no Brasil em 1984, com a Lei 7.209, penas alternativas a prisaão, sendo pouco utilizadas até o surgimento da Lei 9.099 que trouxe em seu artigo 41 as seguintes penas substitutivas a pena privativa de liberdade:

I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II - o réu não for reincidente em crime doloso;

III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (BRASIL, 1995)

As penas alternativas tem se mostrado mais eficazes em desestimular a reincidência, surgindo inclusive as penas pecuniárias, que temn caráter misto por ter: “[...] um aspecto de retribuição ("punitur quia peccatum") e outro de prevenção. A prevenção geral visa ao desestímulo de todos da prática do crime. Já, a prevenção especial, consiste na recuperação do condenado, objetivando fazer com que ele não volte mais a delinquir”. (MASI, 2011)

Pelo explanado acima, pode-se ver que a máxima realização com mínima violação se mostra muito mais eficiente em resgatar o apenado que a invasão máxima caracterizada por uma pena privativa de liberdade, assegurando a dignidade da pessoa humana e dando a essas pessoas a chance de reinserir-se na sociedade, bem como diminuir a violência, que são objetivos do Minimalismo Penal, que defende que

[...] a agência judicial possui um papel fundamental na estratégia de contenção da violência do sistema penal, pois deverá decidir em cada caso submetido a sua apreciação conforme uma regra denominada pelo autor de "mínima violação/máxima realização" das garantias penais (SANCHES, p 6-7, 2010).

Diante do cenário exposto é que o Minimalismo Penal aos poucos se firma, demonstrando os benefícios trazidos pela mínima violação e máxima realização em termos de reincidência, reinserção do indivíduo na sociedade, bem como de economia para os cofres públicos, que diminuiriam os gatos com prisões abarrotadas e ainda melhorariam o problema da segurança pública.

4 CONCLUSÃO

Pelo exposto é visível a importância da evolução histórica das penas no tema tratado, sendo imprescindível o breve relato para que se pudesse chegar ao Minimalismo Penal, que vem sendo trabalhado por pensadores modernos e gradativamente implantado, mostrando respostas positivas frente ao modelo punitivo adotado atualmente, que em muitos casos não tem mostrado o resultado esperado, tendo, portanto, o Minimalismo Penal todas as chances de continuar sendo implantado e de ser um modelo de sucesso a ser seguido, seguindo a vertente das penas humanizadas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.099/95 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm > Acesso em 29 de out. de 2015.

BRASIL, Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210compilado.htm > Acesso em 29 de out. de 2015.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 20. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

MASI, Carlo Velho. Das penas pecuniárias,  mar. 2011. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/18757/das-penas-pecuniarias > Acesso em 26 de maio de 2015.

PERBONE, Camila Silvia Martinez. As vantagens da aplicação de penas alternativas. 2010. Disponível em: < http://baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/pdf/vantagens_penas_alternativas.pdf > Acesso em: 26 de maio de 2015.

SANCHES, Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini. Direito penal mínimo e direitos humanos na política criminal de Eugenio Raúl Zaffaroni, jun. 2010. Disponível em: < http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3579.pdf > Acesso em 17 de maio de 2015.


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