Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/48272
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A indisponibilidade do interesse público

A indisponibilidade do interesse público

Publicado em . Elaborado em .

O que é o princípio da indisponibilidade do interesse público e princípios decorrentes dele.

INTRODUÇÃO

O Direito Administrativo possui os dois pilares: a supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade do interesse público.

A administração pública tem como finalidade de cuidar dos interesses da coletividade, da população. Administrar possui o sentido de gerenciar, já que o agente público não é senhor do bem, direito, serviço ou interesse que lhe é confiado.

Quanto à omissão, a autoridade pública que não apura a irregularidade de que tem conhecimento afronta o princípio da indisponibilidade.

A terceirização da Administração Federal possui limites definidos. O art. 1º, § 1º do Decreto nº 2.271/1997

CONCEITO

A indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis.  Ao órgão administrativo, cabe apenas curá-lo, já que não lhe é propriedade. As pessoas administrativas não têm disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e realização. A Administração e suas pessoas auxiliares têm caráter meramente instrumental.

É importante ressaltar que o princípio da indisponibilidade do interesse público é chamado também de supraprincípio ou superprincípio. Dele procedem outros princípios, como se verá mais adiante. Não há princípio mais importante que outro.

Cretella Jr. (1983) conceitua o princípio da indisponibilidade do serviço público: “A Administração não pode dispor dos serviços públicos afetos à sua atividade jurídica nem daqueles que, no campo da atividade social, impliquem o uso da força, para concretizar-se”.
Segundo Celso Bandeira de Mello, na administração os bens e interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal a que dispõe sobre ela.
A Administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado que, em certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa, mediante o conjunto de órgãos, veículos da vontade estatal consagrada em lei.

Segundo explicita Hely Lopes Meireles, na Administração Pública, não há liberdade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE

O princípio da indisponibilidade teve suas noções primárias na Constituição brasileira de 1946, a exemplo: “Pelo seu elemento material, pelo conteúdo de interesse geral e pela própria organização do serviço; pela predominância do interesse geral, em contraposição ao interesse privado, que justifica a empresa privada”.

A Constituição brasileira de 1967 já tem bases mais sólidas, como esclarece Cretella Jr: “O interesse público não fica à mercê do agente público. Tem regras que o restringem. É intangível e indisponível. O administrador não é dono. É guarda ou fiscal da coisa pública. Sua vontade não conta”.

Já a Constituição brasileira de 1988 já é mais clara e taxativa. As alienações de bens e de terras públicas, as licitações e as concessões públicas ficam na dependência de leis e procedimentos administrativos específicos. O Decreto nº 2.271/1997 dá início ao processo de terceirização no serviço público.

PRINCÍPIOS DECORRENTES DO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE


A seguir,têm-se como conseqüências do princípio da indisponibilidade da Administração Pública e os princípios e subprincípios decorrentes:
a) da legalidade, com suas obrigações e decorrências, como explicita Fritz Fleiner: "A Administração legal significa então: Administração posta em movimento pela lei e exercida nos limites de suas disposições".

O administrador público não pode se desviar ou afastar, sob pena de ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar.
Decorre do princípio da legalidade, o da finalidade, já que não se entende uma norma sem entender qual seu objetivo. "Se a Administração não atende ao fim legal, a que está obrigada, entende-se que abusou de seu poder...", esclarece Victor Nunes Leal. Cabe salientar o surgimento da hipótese se desvio de poder, que já foi estudado em sala de aula como uma forma de abuso de poder por parte do agente público. O abuso de poder da autoridade administrativa é o reverso do princípio da legalidade.
Procede do princípio da legalidade, o da proporcionalidade. A providência administrativa mais extensa ou mais intensa do que o requerido para atingir o interesse público insculpido na regra aplicanda é inválida por consistir em um trasbordamento da finalidade legal.

Procede do princípio da legalidade, o da motivação. Este impõe à Administração Pública o dever de expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou a providência adotada.
Procede do princípio da legalidade, o da ampla responsabilidade do Estado, através do qual, se transgredi-la, incorre nas sanções previstas.
b) obrigatoriedade do desempenho da atividade pública, que traduz a situação de "dever" em que se encontra a Administração perante a lei. O princípio de continuidade do serviço público é um subprincípio ou princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa.
Procede do princípio da obrigatoriedade, a impossibilidade de dissolução "sponte propria" das pessoas administrativas. Ao agente público cabe o dever de cumprir o que a lei determina.
c) do controle administrativo ou tutela diz que a gestão dos interesses indisponíveis, em princípio, realizar-se-ia, toda ela, através do próprio Estado. O controle administrativo ou tutela é o poder de que dispõe o Estado, exercitável através dos órgãos da Administração, de conformar o comportamento das pessoas auxiliares suas aos fins que lhes foram legalmente atribuídos.
d) da isonomia, ou igualdade dos administrados em face da administração; defende  a tese de que esta não pode desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia em proveito ou detrimento de alguém, ou seja, o tratamento deve ser impessoal, igualitário ou isonômico a todos os administrados, por parte do Poder Público.
Todos são iguais perante a Administração e seus atos, uma vez que esta nada mais faz senão agir na conformidade das leis.
e) da publicidade. O princípio da publicidade impõe a transparência na atividade administrativa exatamente para que os administrados possam conferir se está sendo bem ou malconduzida.
f) da inalienabilidade dos direitos concernentes a interesses públicos, os interesses públicos não podem ser alienados, não podem ser transferidos aos particulares. Tem-se como exemplo a inalienabilidade e impenhorabilidade dos bens públicos. 
g) do controle jurisdicional dos atos administrativos. No Brasil, diferente da maioria dos países europeus, há unidade de jurisdição, ou seja, cabe exclusivamente ao Poder Judiciário o exercício pleno da atividade jurisdicional (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).

JURISPRUDÊNCIA

O instituto da licitação, cujas linhas mestras foram traçadas na própria Constituição, decorre do princípio da indisponibilidade do interesse público, caracterizando-se pela imposição de restrições à liberdade do administrador na escolha do particular ou do licitante proponente, porquanto a Administração apenas poderá adotar a proposta mais adequada ao interesse público[Acórdão TCU 719/1997 – Segunda Câmara (06/11/1997 – Prefeitura Municipal de Dourados/MS). No mesmo sentido: Decisão TCU 705/2000 – Plenário (30/08/2000 – Superintendência Regional do INCRA/CE); Acórdão TCU 283/2001 – Primeira Câmara (08/05/2001 – Prefeitura Municipal de Candeias/BA)].

[…] Os sucessores não podem usar o expediente de não abrirem inventário para eximirem-se de ressarcir o prejuízo causado ao Erário. Portanto, a União deve compelir os sucessores a recolherem o débito. Essa obrigatoriedade encontra fundamento no princípio da indisponibilidade dos bens públicos [Decisão TCU 170/1998 – Segunda Câmara (30/07/1998 – DAMF/PA)].

[…] O TCU não tem competência para dispensar a correção monetária e os acréscimos legais que incidem sobre cada parcela do débito, como solicitado pelo recorrente, uma vez que se trata de dívida da União e, como tal, a Administração Pública se norteia por princípios como o da indisponibilidade do interesse público e o da legalidade [Acórdão TCU 826/2002 – Primeira Câmara (03/12/2002 – Prefeitura Municipal de Várzea Grande/PI). No mesmo sentido: Acórdão TCU 230/2003 – Plenário (19/03/2003 – Prefeitura Municipal de Ribas do Rio Pardo/MS)].

CONCLUSÃO

É inegável a importância do entendimento do princípio da indisponibilidade do interesse público. Não é apenas um dos dois pilares do Direito Administrativo, mas a fonte de onde procedem outros princípios.  A gestão do bem público cabe ao agente público, que não é possuidor, apenas gerencia-o, já que o bem é coletivo. Resta ao agente administrar com eficiência e moralidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

Carlos Augusto Rotta. Princípios da administração pública brasileira nos últimos cinqüenta anos.

Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29 Ed. Malheiros, 2004.

Mello, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 8 Ed. Malheiros, 2005.



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.