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Divulgação de conversas telefônicas e sua (i)legalidade

Divulgação de conversas telefônicas e sua (i)legalidade

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O texto pretende abordar o problema da divulgação de interceptações telefônicas a partir da delimitação de dois problemas distintos: a licitude da prova para fins processuais; a ilicitude da divulgação, independentemente da validade da prova.

Há pouco tempo tivemos grande discussão acerca da legalidade em divulgação das gravações feitas em interceptação telefônica, no caso Lula.  Agora, há mais uma grande repercussão com divulgação de grampos: o caso Jucá. Sobre o caso Lula, recentemente o PGR ofereceu parecer pela legalidade da obtenção das provas e sua validade processual. Concordando com o PGR no que diz respeito à validade das provas, continuamos entendendo pela ilegalidade de sua divulgação. Para fundamentar tal posicionamento, deve-se separar dois problemas: 1) vício de obtenção da prova, com a consequente inadmissibilidade no processo; 2) ilegalidade de divulgação, com possível responsabilidade dos agentes, sem prejuízo da prova.

Então, por partes, temos que: 1) a constituição proíbe a valoração de provas obtidas por meios ilícitos. Não foi o caso (Lula e Jucá). A prova serve ao processo, pois foi obtida(1) dentro do que determina a legislação, mediante autorização judicial. Logo, o fato de um parecer dizer que há legalidade na obtenção da prova (e sua validade para o processo) nada diz sobre a segunda parte, a seguir analisada. 2) as gravações não podem ser divulgadas(2). A CF é bem clara ao estabelecer a inviolabilidade do sigilo, prima facie, das comunicações. Ela própria, a CF, no mesmo dispositivo, pondera esta garantia para que criminosos não sejam beneficiados. Abre para os casos de investigação criminal, mediante autorização judicial, nos termos da legislação que a regule. Ou seja: em princípio é sigilosa a comunicação; a única possibilidade de haver quebra é a instrução processual penal, com prévia autorização judicial. O dispositivo é, portanto, uma regra, e não apenas um princípio.

Afinadíssima com o comando constitucional, a lei que a regula dispõe exatamente o seguinte: " Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas." Em nenhum momento se dá ao menos uma brecha para se interpretar que tais gravações possam ser divulgadas. O texto é muito claro: no processo penal, ficam em sigilo.

Somente os atores do processo é que podem ter acesso às gravações. Ela se destina ao juiz, que tem o dever de julgar com imparcialidade; fundamentar suas decisões; julgar de acordo com o conjunto das provas, e não somente com o conteúdo das gravações. Isto não ocorre com a opinião pública, que condena por trechos cortados e não tem nenhum dever de cuidado (ao contrário, vigora a livre manifestação do pensamento), daí a importância de se manter o sigilo, sem prejuízo do processo penal.

Inclusive, tudo aquilo que não interessar ao destinatório - o juiz- e não servir ao processo, deverá ser inutilizado: "Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada." (ambos dispositivos da lei de regência - LEI Nº 9.296/96.)

Os argumentos de ponderação de princípios, com base na publicidade, incorrem em dois erros. Um político, outro teórico. O político é a burla à separação de poderes via interpretação. Deu-se um drible no que estabeleceu a CF acerca das comunicações, com base num verdadeiro Frankenstein interpretativo. O teórico é usarem a técnica de ponderação de princípios de maneira equivocada e ignorando a tese de caráter duplo nas normas constitucionais. Conforme Alexy, "Quando, por meio de uma disposição de direito fundamental, é fixada alguma determinação em relação às exigências de princípios colidentes, então, por meio dela não é estabelecido somente um princípio, mas também uma regra." (2008. p 140). É de uma regra a natureza do dispositivo constitucional que estabelece, já em seu texto, a hipótese em que o sigilo das comunicações cede ao interesse público: investigações criminais. E, como se sabe, não se faz ponderação em eventual conflito entre regras.

Na norma constitucional que determina a inviolabilidade das comunicações, há uma regra jurídica já devidamente ponderada. Beira ao absurdo a utilização de um princípio geral de publicidade que se refere aos atos processuais, e não às provas, para querer burlar a garantia constitucional que já estabelece uma regra: em princípio, as comunicações são sigilosas, salvo para fins de investigação criminal(3). Fica ainda assegurado o controle da decisão judicial porque a sentença - esta sim como ato processual - é que é pública, assegurando-se, ainda, a vigência do princípio da publicidade.

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1) É clara a redação constitucional: "LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos."

2) Trata-se de regra já devidamente ponderada pelo constituinte, resultante de colisão entre a norma-princípio que determina a inviolabilidade do sigilo das comunicações e o interesse público na solução e apuração de crimes. "XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;"

4) "Mas a vinculação à constituição significa uma submissão a todas as decisões do legislador constituinte. É por isso que as determinações estabelecidas no nível das regras têm primazia em relação a determinações alternativas baseadas em princípios." (ALEXY, Robert, Teoria dos direitos fundamentais. 2008., p 140)


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