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Especificidades do inquérito policial militar

Especificidades do inquérito policial militar

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O escopo do artigo é apresentar os pontos julgados, efetivamente, importantes do Inquérito Policial Militar - IPM.

1.      Introdução

O Direito Militar é algo dotado de extrema especificidade, haja vista a carreira militar estar calcada, estar apoiada, sobre dois grandes pilares: o pilar da hierarquia e o pilar da disciplina. E, em virtude dessa importantíssima base de sustentação, o Direito Militar merece ser estudado tendo, como ponto de partida, o conhecimento e o entendimento de tal postura.

O escopo desta exposição é apresentar um instituto específico, importante, sem querer esgotar o tema ou aprofundar-se, pois esse não é o objetivo.

A ideia é esclarecer e apresentar, aos interessados e companheiros operadores do direito, o procedimento administrativo que tem, por escopo básico, a apuração de crimes militares.

Tal procedimento recebe o nome, na esfera das Forças Armadas e Forças Auxiliares, de Inquérito Policial Militar – IPM.

2.      Desenvolvimento

a.      Definição de crime militar

Tendo em vista que o Inquérito Policial Militar surge quando ocorre um crime militar, nada melhor do que procurar, em linhas gerais, entender o que vem a ser o crime militar. Para tanto, partir-se-á da definição desse instituto, do crime militar. Um conceito clássico é o que o define como sendo

toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar por que esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe entre crime e contravenção.” (Assis, 2007. 6. ed.)

 Pode ser dito, sem maiores problemas técnicos, que a doutrina estabeleceu, para a conceituação de crime militar, os critérios que se seguem: ratione materiae, ratione personae, ratione temporis e ratione legis.

Quando se verifica a dupla qualidade militar no ato e no agente, surge o critério ratione materiae, haja vista que ambos são exigíveis para a respectiva configuração.

No que diz respeito a uma necessidade da ciência prévia, da qualidade de militar do agente e da vítima, como sendo requisito essencial para a devida tipificação do crime militar, cabe lembrar que a Lei 12.432/2011 alterou a redação do parágrafo único do art. 9º do Código Penal Militar – CPM, como se segue:

De:

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.”

Para:

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto da ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica.”

Continuando, serão crimes militares abarcados pela ratione personae aqueles em que o sujeito ativo é militar, atendendo, de forma exclusiva, a qualidade militar do agente. E podemos melhor analisar mediante a leitura da jurisprudência:

Ementa – Competência. Crime Militar. Não recebimento da denúncia pelo juízo “a quo”. Reforma da decisão. Tratando-se de lesões corporais causadas por militar da ativa, contra militar na mesma situação, pouco importa se em lugar sujeito à administração militar, ou não, competente para processar e julgar o feito é a Justiça Castrense (CPM, art. 9º, II, “a”). Provido o recurso do MPM para, cassando o Despacho recorrido, receber a denúncia, determinando a baixa dos autos à Auditoria de origem, para prosseguimento do feito. Decisão unânime. (STM – Rec. Crim. 6.340-4-SP – Rel Min. Tem. Brig. Do Ar Sérgio Xavier Ferrola – J. em 20.02.1997, apud Jurisprudência do Superior Tribunal Militar, v. 6, jan./dez. 1997)

Ementa – Aluno. Qualificação como militar. Qualifica-se como militar, para efeitos jurídico-penais, o aluno matriculado em órgãos de formação de militares da ativa e da reserva (Lei 6.880/80, art. 3º, § 1º, ‘Os militares encontram-se em uma das seguintes situações: c) na ativa: (...) IV – os alunos de órgãos de formação de militares da ativa e da reserva’). Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a recurso em Habeas Corpus em que se pretendia a atipicidade da conduta imputada a alunos da Escola de Especialistas da Aeronáutica – crime de furto de uso, sem previsão legal na legislação penal comum, mas previsto no art. 241 do Código Penal Militar -, sob a alegação de que, com alunos, e não militares incorporados, ostentariam a condição de civis. A Turma, salientando que nos termos do § 4º do art. 16 da Lei 6.880/80 os alunos de órgãos específicos de formação militares são denominados praças especiais, considerou que com a matrícula na Escola de Especialistas formalizou-se o ingresso dos recorrentes às Forças Armadas. (STF – RHC 80.122-SP – Rel. Min. Celso de Mello – J. em 06.06.2000 – Informativo, n. 192)

Dando continuidade, o critério ratione loci, que leva em conta o lugar do crime, resta configurado quando o delito ocorre em local sob a administração militar.

Por fim, configuram-se como crimes militares, ratione temporis, aqueles praticados em determinadas períodos, ou em épocas de instrução militar, diga-se exercícios militares, ou em situações de pronto emprego, guerra ou campanha.

Obviamente, como pôde ser constatado, a real classificação do que vem a ser crime militar há que ser feita pelo critério ratione legis. Portanto, será crime militar o evento que o Código Penal Militar disser que é, ou seja, quando a tipificação restar configurada, após respectiva análise com o constante do art. 9º do CPM.

Dispõe o art. 9º do Código Penal Militar:

Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a)      por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhados;

b)      por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c)      por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

(Alínea c com redação determinada pela Lei 9.299/96)

d)      por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e)      por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

f)        (Revogado pela Lei 9.299/96)

III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a)      contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b)      em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c)      contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d)      ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto da ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica.”

(Parágrafo único com redação determinada pela Lei 12.432/2011.)

Em sede de classificação, em conformidade com o constante do art. 9º do CPM, os crimes militares se apresentam como próprios e impróprios.

São considerados crimes militares próprios, também conhecidos como crimes autenticamente militares, os que possuem uma única previsão, ou seja, constam, somente, do Código Penal Militar, não guardando correspondência ou relação com quaisquer outros diplomas legais, principalmente em se tratando do Código Penal civil. Os crimes militares próprios só podem ser cometidos por militares, nunca por civis.

Os crimes militares impróprios são aqueles que guardam dupla previsão, ou seja, constam tanto do Código Penal Militar quanto do Código Penal civil, ou de legislação similar, podendo haver, ou não, alguma divergência de definição. Ou, também, esteja o crime previsto somente na legislação militar, mas onde o civil figure como o sujeito ativo. Podem ser citados, como exemplos:

- crime de deserção, que somente encontra-se previsto no art. 187 do CPM, pois somente pode ser cometido por militar e, para tanto, é considerado como crime militar próprio;

- o crime de homicídio, que encontra previsão tanto no art. 205 do CPM quanto no art. 121 do CP, haja vista que militares e civis podem cometê-lo e, portanto, configura-se como crime militar impróprio;

- o crime de uso indevido de uniforme militar, constante do art. 172 do CPM, o qual possui definição diversa da constante da legislação comum, mais especificamente o previsto no art. 46 da Lei de Contravenções Penais, podendo ser cometido por militar e por civil, sendo considerado, portanto, crime militar impróprio; e

- o crime de criação de incapacidade física, devidamente previsto no art. 184 do CPM, quando praticado por civil, configura-se como crime militar impróprio.

Cabe enfatizar que não foram elencados os crimes militares em tempo de guerra, pois não é o objetivo da explanação em pauta, embora o “iter” do Inquérito Policial Militar seja, efetivamente, o mesmo, guardadas as especificidades de cada situação.

b.      Inquérito Policial Militar

Agora, identificadas as situações onde, efetivamente, possa ser constatada a ocorrência do crime militar, passar-se-á à definição do instituto no qual aquele será apurado, investigado: eis o objeto do presente estudo, o Inquérito Policial Militar - IPM.

Antes de adentrar ao IPM em si, cabe lembrar que a persecução penal desenvolver-se-á, de forma ordinária, em duas fases, a saber: investigação preliminar e o devido processo judicial. De maneira geral, a primeira fase, a da investigação preliminar, dar-se-á através de um inquérito policial, mas não como regra absoluta. Existem casos em que o inquérito policial não será necessário, não havendo, portanto, uma necessidade de investigação da ocorrência do crime e de sua autoria. Já em outros casos, os necessários elementos de informação podem ter sido efetivamente colhidos por outros meios, quais sejam: processos administrativos disciplinares, inquéritos civis públicos, comissões parlamentares de inquérito, etc. Logo, o inquérito policial restará por dispensável.

O inquérito policial, portanto, é um procedimento de cunho administrativo realizado pela Polícia Judiciária, e que consiste em atos de investigação com o objetivo de apurar a ocorrência de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa exercê-la, bem como possa, efetivamente, requerer medidas cautelares atinentes ao caso. (Badaró, 2016. 4.ed.)

Adentrando no nosso objeto, o Inquérito Policial Militar – IPM, conforme consta do art. 9º do Código de Processo Penal Militar – CPPM,

“é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.” (Nucci, Código de Processo Penal Militar Comentado, 2013)

Como o inquérito policial comum, o Inquérito Policial Militar é um procedimento administrativo com o objetivo de preparação para uma eventual ação penal, devidamente conduzido pelo órgão militar com a efetiva incumbência, quer seja, a polícia judiciária militar.

O escopo do IPM reside na colheita, preliminar, de provas com a finalidade de apurar a real prática de uma infração penal militar, no caso o crime militar, e sua respectiva autoria. Tal colheita dar-se-á através da atividade da polícia judiciária militar. Seu objetivo primordial é colaborar com a formação da convicção do representante do Ministério Público Militar, não esquecendo, também, da colheita de provas, em caráter urgente, em virtude de seu risco de perecimento, após o cometimento do crime militar em tese. Como se percebe, o Inquérito Policial Militar não difere, em linhas gerais, do inquérito policial comum.

Cabe enfatizar que, quando não ocorre crime militar, os procedimentos administrativos castrenses mais comuns, para a efetiva apuração do evento, são a sindicância e o processo administrativo, podendo, ambos, guardarem relação com as transgressões disciplinares, constantes do Regulamento Disciplinar do Exército – RDE (Decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002), ou não. Em se constatando indícios de crime militar, tais procedimentos deverão compor, para uma melhor atuação do  parquet, o inquérito vindouro.

O art. 144 da nossa Constituição Federal de 1988, mais especificamente em seu § 4º, já prepara o campo para a atuação da polícia judiciária militar:

Art. 144...................................................................................................................

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”

O dispositivo supramencionado se refere, obviamente, à polícia judiciária militar, por exclusão. Fica claro que foi retirada a competência, da autoridade policial civil, para apurar as infrações castrenses. Logo, não há que se falar em autoridade policial civil realizando um Inquérito Policial Militar. (Assis, Direito Militar, Aspectos Penais, Processuais Penais e Administrativos, 2008. 2. ed.)

O art. 7º do Código de Processo Penal Militar – CPPM, é claro no que concerne ao exercício da polícia judiciária militar:

Art. 7º. A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições:

a)      pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, nesse caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro;

b)       pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;

c)      pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados;

d)      pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidas no âmbito da respectiva ação de comando;

e)      pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios;

f)        pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados;

g)      pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;

h)      pelos comandantes de forças, unidades ou navios.

§ 1º. Obedecidas as normas regulamentares de jurisdição, hierarquia e comando, as atribuições enumeradas neste artigo poderão ser delegadas a oficiais da ativa, para fins especificados e por tempo limitado.

§ 2º. Em se tratando de delegação para instauração de inquérito policial militar, deverá aquela recair em oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva, remunerada ou não, ou reformado.

§ 3º. Não sendo possível a designação de oficial de posto superior ao do indiciado, poderá ser feita a de oficial do mesmo posto, desde que mais antigo.

§ 4º. Se o indiciado é oficial da reserva ou reformado, não prevalece, para a delegação, a antiguidade de posto.

§ 5º. Se o posto e a antiguidade de oficial da ativa excluírem, de modo absoluto, a existência de outro oficial da ativa nas condições do § 3º, caberá ao ministro competente a designação de oficial da reserva de posto mais elevado para a instauração do inquérito policial militar; e, se este estiver indiciado, avocá-lo, para tomar essa providência.”

            No que se refere à competência da polícia judiciária militar, o art. 8º do CPPM não deixa dúvidas:

            “Art. 8º Compete à polícia judiciária militar:

a)      apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;

b)      prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por eles lhe forem requisitadas;

c)      cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar;

d)      representar a autoridades judiciárias militares acerca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado;

e)      cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsabilidade, bem como as demais prescrições deste Código, nesse sentido;

f)        solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à elucidação das infrações penais, que esteja a seu cargo;

g)      requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de inquérito policial militar;

h)      atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o pedido.

 

A finalidade do Inquérito Policial Militar, conforme se depreende da leitura do art. 9º do Código de Processo Penal Militar - CPPM, é a apuração sumária de determinado fato que, em conformidade com a lei, venha a configurar crime militar, bem como de sua autoria. Logo, o Inquérito Policial Militar possui o caráter de instrução provisória, cuja principal finalidade é a de colher os elementos necessários à propositura da ação penal.

O parágrafo único do art. 9º do CPPM lembra que

Parágrafo único. São, porém, efetivamente instrutórios da ação penal os exames, perícias e avaliações realizados regularmente no curso do inquérito, por peritos idôneos e com obediência às formalidades previstas neste Código.”

Logo, percebe-se que, seguindo a regra, a produção de exames e avaliações realizados por peritos oficiais é feita uma só vez, não havendo necessidade de refazimento durante a instrução judicial. Mas tal colocação não se dá por absoluta. Em posição soberana, encontram-se as garantias constitucionais, dentre as quais a ampla defesa e o contraditório, bem como a necessidade de observância ao princípio do devido processo legal. E, para tanto, será possível à defesa do acusado, se devidamente fundamentada, reavaliar ou refazer determinada prova pericial em juízo. Assim, nada impede a exumação de um corpo, com o objetivo de sanar as dúvidas que porventura surgirem e fazer valer uma melhor atuação da defesa.

O Inquérito Policial Militar iniciar-se á mediante portaria:

a)      de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, devendo ser observada a hierarquia do infrator;

b)      por determinação, ou delegação, da autoridade militar superior que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, mediante ofício. É importante colocar que, de forma diversa da legislação processual comum, outra forma de dar início ao inquérito dar-se-á por meio de determinação de autoridade militar superior. E tal autoridade, também, poderá delegar a função de presidente do inquérito;

c)      em virtude de requisição do Ministério Público;

d)     por decisão do Superior Tribunal Militar, nos termos do art. 25 do CPPM;

e)      a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar;

f)       quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício de existência de infração penal militar.

Os itens supramencionados constam do art. 10 do CPPM. Ainda, no referido artigo, existe um especial ponto no parágrafo primeiro: a superioridade ou a igualdade do posto do infrator que, no meio militar, conhece-se por hierarquia, um princípio muito presente na administração, principalmente nas Forças Armadas. Segue o dispositivo:

“................................................................................................................................

§ 1º. Tendo o infrator posto superior ou igual ao do comandante, diretor ou chefe de órgão ou serviço, em cujo âmbito de jurisdição militar haja ocorrido a infração penal, será feita a comunicação do fato à autoridade superior competente, para que esta torne efetiva a delegação, nos termos do § 2º, do art. 7º.”

            Se, porventura, o sujeito ativo for um Oficial General, há que ser comunicado o fato ao ministro e ao chefe de Estado-Maior competentes, sendo observados os trâmites regulamentares, conforme o constante do § 4º, do art. 10, do CPPM.

            No caso de surgirem indícios contra oficial de posto superior ou mais antigo que o Encarregado, no curso do inquérito, aquele deverá tomar todas as providências pertinentes para que as suas funções sejam delegadas a outro oficial, conforme o constante do § 2º, do art. 7º, do CPPM.

            Ponto importante a ser analisado é o prazo de duração do referido inquérito.

            O art. 20, do CPPM é explícito ao dispor que o inquérito deverá ter seu término dentro de 20 (vinte) dias, caso o indiciado se encontre preso, devendo tal prazo ser contado a partir do dia em que se contar a ordem de prisão. No caso de indiciado solto, o prazo será de 40 (quarenta) dias, prazo esse contado a partir da data em que o procedimento for instaurado.

            No caso de indiciado preso, o prazo de 20 (vinte) dias será fatal. Decorridos os 20 (vinte) dias, caso não ocorra o devido encaminhamento dos autos ao Ministério Público, restará configurado o constrangimento ilegal, cuja solução deverá ser dada pelo nosso remédio heroico, o Habeas Corpus.

            Se o indiciado se encontrar em liberdade, o prazo de 40 (quarenta) dias poderá sofrer uma prorrogação de 20 (vinte) dias, conforme o § 1º, do art. 20, do CPPM. É importante mencionar que, nessa situação, o prazo será impróprio. Logo, não haverá qualquer sanção, caso o prazo seja ultrapassado, pois é comum a possibilidade de haver prorrogação de um inquérito, acima do prazo legal destinado à sua solução, desde que o réu esteja solto. E a razão, a despeito de alguns encarregados e operadores do direito insistirem em se ater à letra fria da lei, cuja edição é de 1969 (Decreto-Lei 1.002, de 21 de outubro de 1969), é óbvia: os tempos são outros.

            Se nos ativermos a época em que o Diploma foi posto em vigência, constataremos que vigorava o período repressivo e, em virtude disso, ocorria a “luta” entre correntes ideológicas, com tristes resultados que colhemos hodiernamente. Logo, as respostas tinham que ser, por parte dos órgãos sancionadores, rápidas. Assim, medidas de defesa, que sob a ótica de alguns restavam “protelatórias”, não podiam ser bem vistas.

            Hoje, não há razão de ser na observação do § 1º do art. 20 do CPPM. O prazo, para a conclusão do inquérito, no caso de réu solto, há que ser entendido por impróprio. E o motivo é simples: evitar sofrimentos desnecessários da parte do indiciado, e perda de tempo quando da atuação do Ministério Público.

            Guilherme de Souza Nucci bem coloca o tema:

            “...pretende-se estabelecer um critério rígido para a finalização do inquérito; tratando-se de indiciado solto, findo os 40 dias, pode haver a prorrogação por outros vinte; após, somente a juízo do Ministro de Estado competente. Quer-se crer tenha havido excessiva cautela para que a investigação criminal tenha rápida conclusão; afinal, cuidando-se de indiciado solto, maior prejuízo não haveria em caso de prorrogação mais extensa. Entretanto, levando-se em conta o máximo previsto neste dispositivo, o inquérito deve findar-se em 60 dias. A partir disso, a prova pericial ainda pendente e os documentos colhidos após o término, devem seguir direto para o processo criminal. Quanto a testemunhas, o condutor do inquérito indica onde as não ouvidas podem ser encontradas. Todas essas providências complementares podem ser muito úteis, caso o processo-crime tenha início; afinal, se o membro do Ministério Público não se convencer da existência de prova suficiente de materialidade e autoria, não apresentará denúncia. Portanto, de nada adianta estabelecer um rígido prazo de até 60 dias para findar a investigação, quando se sabe ser a titularidade da ação penal do Ministério Público e até que este órgão esteja convencido as diligências devem prosseguir. Por isso, não há prazo fatal para o encerramento do inquérito policial militar. (grifo nosso)”

c.       Características do Inquérito Policial Militar

O IPM, como visto, é um procedimento administrativo, com natureza inquisitória, escrito e sigiloso, dotado de provisoriedade. Mas, recentemente, com a aprovação da Lei 13.245/2016, que alterou o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, podem surgir algumas dúvidas.

Existe o entendimento doutrinário majoritário de que o inquérito policial possui natureza inquisitória. E tal natureza abarcará o IPM. Logo, também o IPM não contemplará a garantia do contraditório, mas a ampla defesa continuará a poder ser utilizada. E tal situação ocorre tendo em vista que existem determinados atos, estes de defesa, que são exercidos do próprio inquérito, como as declarações defensivas no interrogatório, o exercício do direito ao silêncio, e, também, a possibilidade da defesa requerer atos de investigação junto ao Encarregado do inquérito, no caso, a autoridade policial militar. Além disso, a defesa poderá ser exercida de outras formas, como, por exemplo, através da impetração de Habeas Corpus, caso surja alguma prisão ilegal, ou um Mandado de Segurança, que tenha o objetivo assecuratório de que o defensor possa fazer vista dos autos, agindo na proteção dos direitos do indiciado.

Gustavo Henrique Badaró, com clareza peculiar, lembra que a mudança ocorrida da lei supramencionada, não instituiu a figura do contraditório, em sede de inquérito ou de investigações de qualquer natureza. O doutrinador menciona que o inciso XIV do art. 7º do EOAB já contemplava, ao advogado, o direito de “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e inquérito, findos ou em andamento”. O que ocorreu, com a edição da nova lei, com o intuito de adequar o dispositivo à Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal – STF, foi substituir as expressões “repartição policial” por “qualquer instituição responsável por conduzir investigação” e alterar os termos “inquérito” para “investigações de qualquer natureza”. Em linhas gerais, assegurou de forma mais ampla o devido acesso aos autos de investigação, não estabelecendo a necessidade do advogado ser devidamente intimado de todos os atos da investigação e de, porventura, poder esboçar reação perante cada um deles. Assim, como é sabido que o contraditório é formado pelo binômio “informação” e “reação”, e a nova lei não ter assegurado tais elementos nas investigações de toda ordem, o inquérito policial continua a ser inquisitório, devendo, portanto, tal característica sem mantida em sede de Inquérito Policial Militar. (Badaró, 2016. 4.ed.)

Segue a Súmula Vinculante nº 14 do STF:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Segue decisão do STF:

“[...] é direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus (grifo nosso), o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte” (HC 88.190-4/RJ).

Pode ser dito que a novidade do diploma foi a constante do inciso XXI do art. 7º, que garante ao advogado a assistência de seus clientes que figurem como investigados, durante a devida apuração de infrações, sob pena de incorrer em nulidade absoluta do interrogatório, ou depoimento, que esteja em curso e, ato contínuo, de todos os elementos investigatórios e probatórios que tenham decorrido ou derivado daqueles, de forma direta ou indireta, podendo, inclusive, no andamento da investigação respectiva, apresentar razões e quesitos pertinentes.

Cabe enfatizar que, como Gustavo Henrique Badaró bem coloca, o direito de ser assistido pelo advogado é assegurado ao “cliente investigado”, sob pena de incorrer-se em nulidade absoluta do interrogatório ou depoimento que esteja em curso. O dispositivo não assegura a presença de advogado em todo e qualquer depoimento, de todas as testemunhas do inquérito policial ou outra forma de investigação preliminar, onde, obviamente inclui-se o IPM. O direito de assistência do advogado que é enfatizado, sob pena de nulidade, é do investigado, seja ele interrogado, que redundará em seu indiciamento, seja ele mero depoente. (Badaró, 2016. 4.ed.)

Logo, pode ser dito que, em linhas gerais, garantidos os direitos que já se tinha por garantidos, dentro da observância ao princípio do devido processo legal, as alterações clarearam o campo de atuação do defensor em sede, também, de IPM, mas fato é que as características do instituto permanecem as mesmas.

Continuando, o IPM também é procedimento escrito e sigiloso. A característica do IPM ser escrito surge em decorrência de seu caráter inquisitivo. Quanto ao sigilo, pode ser dito que este é um de seus principais pontos, uma de suas principais características. O art. 16 do CPPM é explícito ao mencionar tal característica. O inquérito policial, por ser uma peça de cunho administrativo, inquisitivo e preliminar, deve ser sigiloso, não havendo sentido em ser público, haja vista que o princípio da publicidade é um princípio a ser observado em sede processual. Guardadas as garantias supramencionadas, bem como observados os direitos dos advogados em atuarem em prol de seus clientes e os direitos dos investigados, não caberá a incursão em repartição administrativa, de qualquer do povo, desejando ter acesso aos autos do inquérito em curso, no caso o IPM, sob o pretexto de exercer fiscalização e de acompanhar o trabalho do Estado-investigação, como é perfeitamente normal, quando da ocorrência de um processo-crime em juízo. Cabe enfatizar que as investigações já são acompanhadas e fiscalizadas pelos órgãos encarregados, fato este que dispensa a publicidade, e que nem o indiciado, pessoalmente, aos autos tem acesso.

Por fim, no que diz respeito à provisoriedade, não raras vezes, principalmente se observar-se um inquérito policial comum, vozes são levantadas, com o escopo de diminuir o valor de uma investigação preliminar ao processo penal.

Com conhecimento de causa, de que a ação penal poderá ter seu início calcada em outros documentos, que não sejam inquéritos policiais, é certo que, em sede de denúncias, quase a sua totalidade é oferecida pelo Ministério Público com amparo no cunho probatório, devidamente colhido e apurado, quando da investigação policial.

De maneira oposta ao inquérito policial comum, onde a própria autoridade instaura e dita seu andamento, concluindo-o, a investigação penal militar, de competência das autoridades militares supramencionadas, elencadas no art. 7º do CPPM, as quais exercem a atividade de polícia judiciária militar, pode, e eis a regra, ser feita em virtude da delegação de atribuições, em conformidade com os parágrafos 1º e 2º do referido artigo. A solução do IPM ficará a cargo da autoridade nomeante podendo, inclusive, avocá-lo em caso de discordância da solução exarada, conforme prescrevem os parágrafos 1º e 2º do art. 22 do CPPM. Tal atitude configura fiscalização disciplinadora sobre o IPM e sobre o seu Encarregado.

3.      Conclusão

Diante do exposto, observou-se tentar dirimir dúvidas que, eventualmente, possam surgir aos companheiros menos acostumados com um ramo do Direito que, efetivamente, existe, ramo esse dotado de certas especificidades, haja vista, também, ser subordinado a nossa Lei Maior.

É importante ter em mente que alguns termos, tendo em vista a época em que o Código de Processo Penal Militar passou a integrar o mundo jurídico - era o ano de 1969 (Decreto-Lei 1.002, de 21 de outubro de 1969) – perderam sua razão de ser. Diante disso, naturalmente, algumas autoridades elencadas, hoje, já são outras, como, por exemplo, a figura do Ministro do Exército, que não mais existe. Temos hoje a figura dos Comandantes das Forças Armadas, quais sejam: Comandante da Marinha, Comandante do Exército e Comandante da Aeronáutica. E todos são subordinados ao Ministro da Defesa, lembrando que o Comandante Supremo das Forças Armadas é o Excelentíssimo Sr. Presidente da República Federativa do Brasil.

O objetivo, da presente exposição, é familiarizar o operador, que desconhece o Direito Militar, com um instituto de extrema importância e muito comum no âmbito das forças militares, sejam Forças Armadas, sejam Forças Auxiliares. Logo, as linhas escritas restam, a meu ver, por introdutórias, pois muito há que ser falado, estudado, discutido.

Enfim, o assunto não se esgota. Cabe ao operador do direito, pesquisador nato, manter-se atento a adaptado, apto a absorver, e a praticar, o que pode e o que tem de melhor: aplicar o direito ao caso concreto.

 

Referências

1. Assis, J. C. (2007. 6. ed.). Comentários ao Código Penal Militar. Curitiba: Juruá Editora.

2. Assis, J. C. (2008. 2. ed.). Direito Militar, Aspectos Penais, Processuais Penais e Administrativos. Curitiba: Juruá Editora.

3. Badaró, G. H. (2016. 4.ed.). Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda.

4. Filho, F. d. (2007. 9. ed.). Manual de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva.

5. Manzano, L. F. (2012. 2. ed.). Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas S.A.

6. Mirabete, J. F. (2004. 16. ed.). Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas S.A.

7. Muccio, H. (2011. 2.ed.). Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Método.

8. Nucci, G. d. (2012.). Tratado Jurisprudencial e Doutrinário Direito Processual Penal. Volume I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

9. Nucci, G. d. (2013). Código de Processo Penal Militar Comentado. Sâo Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda.

10. Távora, N., & Alencar, R. R. (2015. 10. ed.). Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Editora Juspodium.

 


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