Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/49611
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Direito penal do inimigo e os refugiados na Europa

Direito penal do inimigo e os refugiados na Europa

Publicado em . Elaborado em .

Nos últimos anos, um grande fluxo de imigrantes do Oriente Médio chegaram na Europa, tanto de forma regular, como ilegalmente, consequentemente alguns cometem crimes. Como o direito penal trata esses refugiados? E eles devem ser inimigos?

Palavras-chave: Refugiados, Imigração, Direito Penal, Inimigo, ACNUR, Itália 

Sumário: 1 - ​OS REFUGIADOS / 2 - DIREITO PENAL DO INIMIGO NA MÍDIA / 3 - UM INIMIGO IMPORTANTE / 4 - O IMIGRANTE E OS BENEFÍCIOS DO CONCEITO DE PESSOA / 5 - DECLARAÇÃO DA ACNUR / 6 - CONCLUSÃO / 7 - referências
Introdução

O objetivo do estudo apresentado é fazer uma relação de um momento histórico, dos refugiados, e o direito penal interno dos Estados que compõem a Europa, como tratam uma questão tão complicada e tão grande, que causa impacto não só em seu território, mas em muitos outros. Também fazendo um comparativo com o direito penal do inimigo, estudo feito por Günther Jakobs, grande jurista alemão.

1 - ​Os Refugiados

Nos últimos anos uma grande onda de refugiados se inseriu na Europa, devido aos conflitos que ocorrem principalmente na Síria e avançam para outros cantos de países próximos.

Por causa desse terror e insegurança muitos nacionais desses países se sentem obrigados a procurar refugio em países com condições melhores. Não é questão de abandonar seu país de origem para integrar um melhor, é a busca de um refugio para sua proteção e garantia de direitos.

  Mas quem seria um refugiado? De acordo com Convenção de Genebra de 1951: 

''refugiado é toda a pessoa que “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode, ou em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, em consequência de tais acontecimentos não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele”.

Grandes fenômenos migratórios de refugiados ocorrem constantemente, de forma legal (cumprindo toda a forma exigida pelo país que acolhe), como também de forma ilegal (imigração ilegal). É ilegal a imigração que descumpre as leis de imigração do país, fazendo o próprio perder o controle daqueles que procuram acolhimento.

Agora com o imigrante ilegal no país, acredito que grande parte venha com boas intenções, mas infelizmente, mesmo sendo minoria destes, podem cometer um crime no país onde estão ilegalmente, e mesmo aqueles que vieram de boa-fé, podem se desvirtuar e transgredir alguma norma penal, assim como qualquer cidadão independente da nacionalidade.

2 - Direito penal do inimigo na mídia

A mídia é uma grande influenciadora de massas, principalmente em criar uma visão negativa da situação dos imigrantes legais e ilegais. Suponhamos que mil imigrantes ilegais cheguem à Itália, após alguns meses se constata que 200 (duzentos) desses refugiados foram detidos por algum crime, a tendência é, pelo menos de grande parte da mídia da Europa, mostrar a notícia ocultando sua totalidade, nesse exemplo nós teríamos: ‘’200 refugiados cometeram delitos nos últimos meses’’. É uma grande distorção feita pelos meios de comunicação, o que faz a população e até o próprio Estado encarar o imigrante como inimigo. O que levamos a uma ideia que foi apresentada por Günther Jakobs, jurista alemão, professor de direito penal e filosofia do direito na Universidade de Bonn.

O Direito Penal do inimigo cria um ‘’Estado de alerta’’ em relação a um grupo, privando-os de algumas garantias e os tirando do conceito de humano, logo são considerados inimigos da sociedade, não pelo que fizeram, mas pelo que podem fazer, e devem ser perseguidas.

A ideia de Direito penal do inimigo é uma ideia bastante radical, não encaramos ela como algo que poderia agregar o direito penal, e sim criar um ideal xenofóbico em relação aos imigrantes. Infelizmente acontece a transformação do imigrante em inimigo pela própria população.

Em tempos de crise, os nacionais têm uma tendência muito grande de querer reafirmar e reforçar sua identidade cultural, excluindo aqueles que têm outras raízes. Com essa exclusão que nos referimos à ideia de que o imigrante é um ‘’não-cidadão’’ que tem potencial para desestabilizar aquela sociedade.

Quando um Estado entra em crise, tanto política quanto econômica é evidente os primeiros apontados como responsáveis são os imigrantes, tornando-os um bode expiatório e as penas para estes aplicadas com fins simbólicos e uma prevenção geral positiva.

Com uma ilusão midiática dos delitos cometidos por imigrantes, somado com a crise, que como falamos antes, tende a usar os imigrantes como culpados, cria-se uma ideia de inimigo, alguém sem humanidade ou que veio para prejudicar a sociedade que ali convive. Assim o imigrante vai ser associado pelos nacionais como aquele com potencial e motivação para atos de terrorismo ou crimes comuns.

É evidente que grande parte dos imigrantes que cometem delitos, fizeram essa escolha por falta de oportunidades decorrente desse etiquetamento daquele que não é nacional. Torna-se a punição do imigrante como fato futuro, e com penas exclusivas e mais severas, como por exemplo, agravantes para crimes de classificação comum.

3 - Um inimigo importante

A mão de obra imigrante é de total importância para a Europa, evidente que a crise ser culpa dos mesmos é uma falácia, e que como estamos em uma era de globalização cultural, uma mudança de paradigmas e de tradições antigas.

A grande massa imigrante marginalizada e com poucas oportunidades de ingresso a uma vida igualitária com aqueles nascidos na Europa acaba se sujeitando a condições desfavoráveis, sendo elas, o crime ou trabalhos informais. Trabalhos que normalmente os nacionais se recusam a fazer, normalmente chamados de subempregos (sem a intenção de menosprezar as profissões) são encaminhados para os imigrantes.

Como grande parte da Europa, apesar de realmente existir uma crise, tem emprego formais de condições elevadas deixando, como falamos no parágrafo anterior, esses subempregos para os refugiados, trabalhos que também são importantes, mas que tem uma demanda de procura pelo emprego bem menor.

4 - O Imigrante e os benefícios do conceito de pessoa

 Como vimos o Direito penal do inimigo retira o status de cidadão ou pessoa do indivíduo, no nosso caso em questão, retira de um grande grupo. É inquestionável que um imigrante tem que ter todos os seus direitos quando se encontra em refugio em outro país. A visão midiática altera e cria um perfil genérico de refugiado (como falamos anteriormente), com esse perfil, que não carrega a individualidade de cada refugiado suas motivações intenções e ideais culturais, é espalhado por toda população com uma mensagem subentendida:

‘’esse aqui não é como nós, ele não tem direitos como nós, ele não é humano’’.

  É uma ideia bastante radical, mas ocorre indiretamente, então o legislador do país, usa esse perfil e ideal do imigrante inimigo, e faz uma campanha ao redor disso, com propostas conservadoras, e de cunho nacionalista.

  Assim políticas para dificultar a entrada e o convívio social de imigrantes crescem muito na Europa. A Lei 94/2009 da Itália, chamada de ''pacote de segurança'' dificultou muito a entrada e o trabalho para imigrantes, como por exemplo:

5-ter. Lo straniero che senza giustificato motivo permane illegalmente nel territorio dello Stato, in violazione dell'ordine impartito dal questore ai sensi del comma 5-bis, è punito con la reclusione da uno a quattro anni se l'espulsione o il respingimento sono stati disposti per ingresso illegale nel territorio nazionale ai sensi dell'articolo 13, comma 2, lettere a) e c), ovvero per non aver richiesto il permesso di soggiorno o non aver dichiarato la propria presenza nel territorio dello Stato nel termine prescritto in assenza di cause di forza maggiore, ovvero per essere stato il permesso revocato o annullato. Si applica la pena della reclusione da sei mesi ad un anno se l'espulsione è stata disposta perchè il permesso di soggiorno è scaduto da più di sessanta giorni e non ne è stato richiesto il rinnovo, ovvero se la richiesta del titolo di soggiorno è stata rifiutata, ovvero se lo straniero si è trattenuto nel territorio dello Stato in violazione dell'articolo 1, comma 3, della legge 28 maggio 2007, n. 68. In ogni caso, salvo che lo straniero si trovi in stato di detenzione in carcere, si procede all'adozione di un nuovo provvedimento di espulsione con accompagnamento alla frontiera a mezzo della forza pubblica per violazione all'ordine di allontanamento adottato dal questore ai sensi del comma 5-bis. Qualora non sia possibile procedere all'accompagnamento alla frontiera, si applicano le disposizioni di cui ai commi 1 e 5-bis del presente articolo nonchè, ricorrendone i presupposti, quelle di cui all'articolo 13, comma 3.

5-quater. Lo straniero destinatario del provvedimento di espulsione di cui al comma 5-ter e di un nuovo ordine di allontanamento di cui al comma 5-bis, che continua a permanere illegalmente nel territorio dello Stato, è punito con la reclusione da uno a cinque anni. Si applicano, in ogni caso, le disposizioni di cui al comma 5-ter, terzo e ultimo periodo.

    Como visto no dispositivo italiano, independente de houver riscos para o imigrante, caso volte para seu país, se ele estiver de qualquer forma sem seu registro feito, ele poderá ser expulso.

Essa Lei declarou uma verdadeiro combate intenso contra o imigrante ilegal, e extermínio de direitos fundamentais dos mesmos, impossibilitando ate mesmo se casar ou registrar seu filho. Acriminalização direta do ato de imigrar ilegal também e as penas aumentadas de vários crimes, pelo simples fato de ser imigrante.

Torna-se, portanto, um fora da lei, sem direitos, um não-pessoa, processando-o assim , para evitar aquilo que o modelo genérico de imigrante criminoso iria cometer, por motivos de ''segurança pública'', visando a expulsão do mesmo.

     Uma decisão de expulsão de um imigrante em nosso ponto de vista atual, com guerra incessante, e com vários mortos, que não tem nada a ver com o conflito, apenas está no país que apresenta um Estado de calamidade. 

Outro fato interessante na Itália é a pena de prisão, de ate 6(seis) meses, na inobservância injustificada à ordem de exibição de documento de identificação e autorização de residência, ou seja, o imigrante poderá ser detido pelo simples fato de não estar, ou não mostrar seus documentos:

-Art. 6, parágrafo 3° do D.L. n. 286/1998

3-  Lo straniero che, a richiesta degli ufficiali e agenti di pubblica sicurezza, non esibisce, senza giustificato motivo, il passaporto o altro documento di identificazione, ovvero il permesso o la carta di soggiorno, e' punito con l'arresto fino a sei mesi e l'ammenda fino a lire ottocentomila.

Claramente o artigo em questão, em sua parte, apresenta um dos elementos do direito penal do inimigo, que é a desproporcionalidade da pena.

O motivo de tal dispositivo é claramente, exercer a fiscalização extensiva nos imigrantes, para que os mesmos se sintam coagidos à sempre demostraram as autoridades que estão em dia com sua documentação, uma pequena demostração de intimidação do estado (prevenção geral negativa).

Claro que existem vários outros exemplos de abuso de poder sobre os imigrantes e sua relação com a transformação destes em inimigo, mas não vamos citar a totalidade delas, e sim demostrar o que se tem feito, principalmente pelo órgão especializado das Nações Unidas para Refugiados, o ACNUR.

5 - Declaração da ACNUR

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, com a sigla ACNUR, é um órgão das Nações Unidas, sendo criado pela resolução n.º 428 da Assembleia das Nações Unidas.

A partir dessa convenção a ACNUR têm oferecido auxilio e lutado pelos direitos e garantias dos refugiados, e na grande transformação do imigrante em ‘’bode expiatório’’ na Europa, ela se manifestou.

Em 17 de novembro de 2015, após o atentado de Paris, a ACNUR lamentou as perdas e a violência, mas também refutou a associação de refugiados com terrorismo, nas palavras de Melissa Fleming, porta-voz do ACNUR, em Genebra:

“O ACNUR está profundamente preocupado com a notícia, ainda não confirmada, de que um dos terroristas em Paris poderia ter entrado na Europa pela mesma rota dos refugiados. Nós ressaltamos a importância de preservar a integridade do sistema de refúgio. Refúgio e terrorismo não são compatíveis uns com os outros. A Convenção de 1951 é clara a respeito do tema, e exclui de seu alcance de proteção às pessoas que cometeram crimes”.

“Um mundo que acolhe os sírios pode derrotar o extremismo. Mas um mundo que os rejeita, especialmente refugiados mulçumanos, só alimentará a sua propaganda”.

O atentado a Paris foi uma grande tragédia, mas temos que ser lógicos, visto que, como disse a porta-voz do ACNUR, devemos preservar todo o sistema de refugio que acolhe muitas famílias de boa-fé.

A transformação do imigrante generalizado em inimigo tende a criar um lado mais conservador nos países, com uma visão de necessidade de preservar seus nacionais e sua cultura, levando ate mesmo a ideias mais radicais como expulsar os refugiados que já ali estão.

A respeito disso a ACNUR também se pronunciou, pedindo para que os países não devolvam os refugiados aos seus países, quando ainda há os riscos.

A ACNUR tem pedido aos países europeus evolução de sistemas e projetos sociais voltados para adaptação e integração dos imigrantes no país, descontruindo essa ideia de preconceito e de exclusão, assim como registros e condições organizadas de trabalho. Apenas apontar o refugiado como inimigo apenas se apresenta como uma ideia de concentrar a culpa em um só indivíduo.

6 - Conclusão

Em uma situação de conflito, em qualquer Estado, é prévisivel que os civis vão deixar aquela região em busca de segurança e moradia. Porém é de muita importância princípio da não ingerência nos assuntos internos do Estado, tendo ele sua autonômia para administrar quem entra em seu terriório, mas também temos os tratados estabelecidos durante os anos. Evidentemente a Europa vem passando por uma crise, e o ideal conservador crescendo no meio dela prejudica os refugiados, por isso o essencial nesse momento é a educação da população para que entenda que o refugiado é uma pessoa, com direitos e deveres, e que a mesma pode cometer erros e se desviar, sendo punida como um nacional também seria, principalmente por sua mão de obra e influência social ser de grande importância para o desenvolvimento e a saída da crise europeia.

7 - Referências bibliográficas 

- ÁVILA, Thiago André Pierobom. O controle penal da imigração em Portugal, Espanha e Itália - a face oculta do neorracismo europeu, Coimbra Ed.25/06/2012

-  GÜNTHER JAKOBS E MANUEL CANCIO MELIÁ, Direito penal do inimigo noções e críticas, 6° ed, 2015

- Legge 15 luglio 2009, n. 94, Disponível em: http://www.parlamento.it/parlam/leggi/09094l.htm . Acesso em 02 de junho de 2016

- Decreto Legislativo 25 luglio 1998, n. 286, disponível em: http://www.camera.it/parlam/leggi/deleghe/98286dl.htm

- ACNUR, ACNUR expressa preocupação sobre o acordo entre União Europeia e Turquia, Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/acnur-expressa-preocupacao-sobre-o-acordo-entre-uniao-europeia-e-turquia/ Acesso em 04 de junho de 2016

- ACNUR, Para ACNUR, refugiados não devem se tornar “bodes expiatórios” dos ataques em Paris, Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/para-acnur-refugiados-nao-devem-se-tornar-bodes-expiatorios-dos-ataques-em-paris/ Acesso em 04 de junho de 2016

 Soeren Kern, Alemanha: Onda de Crimes Praticados Pelos Migrantes, Polícia Capitula, Disponível em: http://pt.gatestoneinstitute.org/6855/alemanha-crimes-migrantes Acesso em 04 de junho de 2016

- Laura Scoz, A nova lei – imigração na Itália, Disponível em: http://www.trentini.com.br/?pagina=noticiaslocais_item&id=1192&unidade=1&idioma=port Acesso em 04 de junho de 2016

- ACNUR, Convenção relativa ao estatuto dos refugiados, Disponível em: http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf?view=1 Acessado em 04 de junho de 2016



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.