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Tráfico de pessoas e a mercantilização da vida.

Uma análise do crime de tráfico de pessoas com ênfase na exploração sexual

Tráfico de pessoas e a mercantilização da vida. Uma análise do crime de tráfico de pessoas com ênfase na exploração sexual

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O tráfico de pessoas é um mercado clandestino, obscuro e extremamente lucrativo. Embora pouco divulgado, este crime atinge diversos países, já classificado como a terceira maior fonte lucrativa para crime organizado no mundo.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir sobre o crime de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. O tráfico de pessoas faz parte da história do Brasil, existente desde a era colonial e mesmo passado muitos anos, ainda está fortemente presente na sociedade. Agora com uma nova roupagem, agindo de maneira silenciosa, mas atingindo grandes proporções. O tráfico está presente em todos os países, seja como país receptor, transitório ou de origem. As vítimas são na maioria das vezes mulheres, em situação de pobreza, sem expectativa de melhores condições de vida. Os aliciantes as convencem de irem trabalhar no exterior ou em outros estados, com promessas de alto faturamento de forma rápida e fácil. Inicia-se desta forma, um verdadeiro pesadelo para as vítimas. Analisaremos a forma como ocorre o crime, o perfil das vítimas, as formas de combate existentes no Brasil, nos demais países que sofrem com esse crime entre outros temas envolvidos. O tráfico de pessoas é um mercado clandestino, obscuro e extremamente lucrativo.

Palavras-chave: Tráfico De Pessoas. Crime. Exploração Sexual. Vítima. 

SUMÁRIO: Introdução. 1. Raízes históricas do tráfico de pessoas. 2. Tráfico de pessoas no mundo. 3. Realidade do tráfico de pessoas no Brasil.  4. Exploração Sexual. 5. Combate ao tráfico de pessoas. 6. Legislação aplicada ao crime de tráfico de pessoas. Considerações finais 

INTRODUÇÃO

A abolição da escravatura é tida como marco da liberdade, dignidade e vitória em favor dos direitos humanos, porém, será que realmente a abolição pôs fim as práticas de escravidão?

A prática escravista continua fortemente presente em nossa sociedade, mas com uma nova roupagem. É uma escravidão contemporânea que vem crescendo demasiadamente, o que gera muitas discussões e cobranças às autoridades para criarem formas de combate a esse crime que atinge milhões de pessoas de todo o planeta. Vivemos em um mundo que conta com um sistema capitalista, totalmente voltado ao desenvolvimento econômico em busca de lucros, chegando ao ponto de mercantilizar a própria vida das pessoas. Uma coisificação do ser humano, que em uma nova forma de escravidão, são tratados como mercadoria. O presente trabalho tem como objetivo discutir sobre a realidade do tráfico no Brasil e no mundo, com ênfase na exploração sexual. Analisando as pesquisas recentes sobre o tema, como também como ocorre à prática do tráfico para fins de exploração sexual, desde o aliciamento até a chegada aos países receptores, onde ocorre a exploração. Abordaremos tanto o tráfico nacional como internacional e a realidade do mesmo no Brasil.

1. RAÍZES HISTÓRICAS DO TRÁFICO DE PESSOAS

O tráfico de seres humanos faz parte da história do nosso país, por cerca de 300 anos foi transportados milhões de pessoas para diversas formas de escravidão, como trabalho forçado, exploração sexual, servidão doméstica entre outras. Eram feitas em embarcações conhecidas como Navios Negreiros, que transportavam homens, mulheres e crianças para a América vindas de diferentes regiões da África, amontoados nos porões dos navios em condições desumanas e acorrentados uns aos outros. Muitos não resistiam à longa travessia atlântica e faleciam devido às doenças causadas pela falta de higiene e péssimas condições do local. Chegando à América, eram tratadas como mercadorias e essa comercialização rendia muito lucro para os traficantes de escravos, tornando-se uma das principais fontes econômicas da época.

O fim da prática de comercialização do tráfico nos Navios Negreiros ocorreu em 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, o que representou uma grande vitória em prol da liberdade dos escravos. Porém, será que realmente a escravidão foi vencida? O tráfico de pessoas ficou no passado?

Infelizmente, mesmo após mais de 150 anos do fim da prática dos navios negreiros, considerados como marco da comercialização do tráfico humano, a escravidão ainda está fortemente presente no Brasil e no mundo. Há uma escravidão contemporânea agindo de maneira silenciosa, mas que deixa grandes consequências. Cerca de milhões de pessoas são compradas e vendidas todos os anos no mundo e grande parte da população desconhece essa realidade.

O tráfico de seres humanos é uma forma contemporânea da escravidão, e essa prática vem crescendo cada vez mais. Mas afinal, o que vem a ser tráfico de pessoas? 

No ano de 2000 foi assinado um Protocolo, conhecido como Protocolo de Parlemo, que define internacionalmente, pela Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, ratificado pelo Brasil em 2004, conceito de tráfico de pessoas como:

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.

O tráfico de pessoas pode ser praticado para diferentes finalidades, como a exploração sexual, trabalho forçado, doação ilegal e transplante de órgãos. Além de ser uma afronta aos direitos humanos, à dignidade e integridade da pessoa humana, é também um crime tipificado pelo nosso Código Penal nos artigos 231 e 231-A que serão abordados no decorrer do trabalho.

2. TRÁFICO DE PESSOAS NO MUNDO

O tráfico de Pessoas, embora seja reprovado pelo Direito Penal e pela Constituição Federal, é uma prática que cresce cada vez mais, pois não há barreiras suficientes para combatê-lo. O tema vem preocupando as autoridades e uma parte minoritária da população, pois como já exposto anteriormente, grande parte da sociedade não tem conhecimento das proporções desse problema mundial. Para ter uma noção, o tráfico de pessoas é a terceira maior fonte lucrativa para crime organizado no mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas. Cerca de 2,45 milhões de pessoas são traficadas por ano no mundo. O que gera em torno de U$$ 30 bilhões anualmente. 

Conforme o Relatório Global 2014 sobre Tráfico de Pessoas, divulgado pelo UNODC, foram identificados mais de 510 fluxos de tráfico ao redor do mundo. São em média 152 países de origem e 124 de destino. Rússia, Ucrânia, Tailândia, Nigéria, Romênia, Albânia, China e Bulgária, segundo dados das Nações Unidas são os principais países de origem do tráfico de pessoas. Entende-se como Países de origem, o País de origem das vítimas do tráfico. Elas deixam sua nação em busca de melhores condições de vida para si e para sua família, todavia, o que antes era a chance para mudar de vida torna-se um pesadelo, como é o caso da exploração sexual.

Os motivos que levam as vítimas a aceitarem sair do seu País para trabalharem no exterior estão inteiramente relacionados com o sistema econômico destes países, ou seja, são países na maioria de terceiro mundo, com falta de oportunidade de trabalho, de políticas públicas eficientes de assistência e combate ao crime, acesso restrito à educação, marcados pela pobreza e desigualdade social. Diante dos atrativos de trabalho com altos faturamentos e de forma rápida, muitos são iludidos e acabam tornando-se vítimas, são tratados como escravos dos traficantes, obrigados a trabalharem em condições desumanas e recebendo muito pouco, quando ainda recebem.

Os Países transitórios são na maioria, aqueles que estão em desenvolvimento, países em que as vítimas ficam por um decorrer de tempo antes de chegaram ao seu destino, que são os chamados países receptores. Hungria, Tailândia, Ucrânia, República Tcheca, Itália, Bulgária e Índia, são exemplos de Países transitórios. Já os receptores, são os Países que recebem as vítimas, o destino final para onde são levadas. Os receptores são na maioria, países desenvolvidos, onde as vítimas serão exploradas. Alemanha, Itália, Estados Unidos, Holanda, Japão, Bélgica e Austrália, são exemplos de países desenvolvidos onde ocorre grande parte da exploração mundial.

3. REALIDADE DO TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL

O Brasil é, de forma geral, um país de origem, porém, com o crescimento econômico, vem sendo considerado receptor e até mesmo transitório. No tráfico Internacional, a maioria dos brasileiros são levados para o Suriname, onde foram registrados 133 casos, logo em seguida Suíça com 127, Espanha com 104 e Holanda com 71.A maioria desses casos é para fins de exploração sexual.

O tráfico interno ocorre dentro do país, podendo ser intermunicipal ou interestadual. Segue os mesmos conceitos do tráfico internacional, porém é realizado entre cidades e estados brasileiros. Conforme o relatório produzido pelos EUA (2009), o Brasil enfrenta um grande número de tráfico interno, cerca de 400 mil pessoas são exploradas sexualmente e 25 mil homens trabalham em condições análogas à escravidão. Segundo o mesmo relatório, o estado de Goiás possui a maior incidência de vítimas do tráfico.  Em que muitas mulheres e crianças são traficadas para países como Espanha, Itália, Portugal e Holanda, principais países receptores. Na ultima década forma registrados 770 casos de tráfico em todo o País, só do estado de Goiás foram 140 dos casos registrados, o que resultou na liderança do ranking nacional. São Paulo, mesmo com uma população sete vezes maior que Goiás ficou na segunda posição com 96 casos, em terceiro foi Minas Gerais com 72, em seguida Rio de Janeiro com 53 e Pernambuco em quinto lugar, com 35 inquéritos sobre tráfico.

 Porém, recentemente um novo relatório foi publicado, o Relatório Nacional de Tráfico de Pessoas, divulgado no mês de julho deste ano pelo Governo Federal. Os dados de 18 unidades do Brasil registraram 254 vítimas de tráfico de pessoas só no ano de 2013. De acordo com esse relatório anual, São Paulo lidera o ranking com 184 vítimas, logo em seguida Minas gerais com 29 e Santa Catarina em terceiro com 25 casos. De acordo com o Ministério da Justiça, o número de denúncias cresceu 865% entre os anos de 2011 e 2013. Esses dados despertaram ainda mais a preocupação das autoridades diante do crescimento do crime, mas também representa um fato positivo, as vítimas estão lutando contra o crime, pois a denúncia é o primeiro passo para combater esses criminosos.

TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL

ANO

DENÚNCIAS

2011

32

2012

170

2013

309

4. EXPLORAÇÃO SEXUAL

O papel da mulher na sociedade contemporânea representa uma grande conquista feminista, elas passaram a desempenhar funções totalmente inimagináveis para o século passado. A mulher conquistou seu lugar na sociedade, estando à frente de cargos importantes e de destaque no mercado político e econômico. O gênero vem provando cada vez mais sua capacidade e igualdade perante o sexo oposto. Porém, infelizmente, quando se trata do crime de tráfico de pessoas a realidade é outra, a mulher não é símbolo de garra e conquista, pelo contrário, representam fraqueza e vulnerabilidade, somando em torno de 70% das vítimas do tráfico (Unodc/2014).

Em todo o planeta, diversas mulheres são iludidas a se deslocarem para outro país ou estado em busca de melhores condições de vida, oportunidade de trabalho, casamento, dinheiro fácil. A maioria dessas mulheres são de classe baixa, mães solteiras, desempregadas, em condições de miserabilidade que acabam por torná-las vulneráveis às propostas de emprego fora do seu local de origem.

Os aliciantes são na maioria das vezes homens, ou até mesmo mulheres que já foram vítimas de exploração e acabaram entrando para o crime. As vítimas são abordadas com propostas de emprego como trabalhos domésticos, vendedoras em lojas, modelos ou dançarinas. Oferecem salários altos, totalmente superiores aos que ganham no seu país. Após serem convencidas, são encaminhadas para outros países e chegando lá se deparam com uma realidade totalmente contrária à esperada. Na maioria das vezes, de mulheres trabalhadoras em busca de um sonho passam a ser vendidas como uma mercadoria, protagonistas de um verdadeiro pesadelo, como é o caso do relato de uma mulher vítima do tráfico ao programa de televisão Direito de Resposta em 2008:

Ela me disse que eu poderia ganhar o que eu ganho em um mês, em apenas uma semana, proposta tentadora, não me disse ao certo que tipo de trabalho era, disse apenas que era coisa boa, segura, um trabalho ‘firmeza’ na Europa e que era para eu estar sexta feira, nove horas naquele endereço. Quando cheguei lá já estavam com o visto e o passaporte prontinho ‘pro’ embarque ‘pra’ Europa. Na Europa havia pessoas me esperando, sabiam até a roupa que eu estava usando, me levaram para um apartamento, onde já estavam algumas mulheres. Éramos escravizadas, tínhamos que fazer todo o serviço doméstico, e ainda trabalhar como prostituta, sem ligar pra horários e cansaços físicos, se não concordava com alguma coisa éramos cruelmente ameaçadas de ser entregues para a polícia da imigração, que diziam ser a pior, que espancavam e até executavam os imigrantes, quem iria saber se realmente estavam mentindo, naquele cenário? Era mais fácil obedecer.

Como bem se pode observar no depoimento, as vítimas são iludidas com falsas promessas de mudar de vida, diante da condição de pobreza em que a maioria se encontra é “fácil” para os aliciadores convencê-las com tais propostas. As vítimas agarram a oportunidade única que encontram e não têm ideia do que as esperam, uma situação demasiadamente pior que qualquer problema econômico que poderia estar enfrentando. Muitas vezes as vítimas são menores de idade, que não tem sequer conhecimento da vida sexual. Chegando ao País receptor, de início, elas são obrigadas a terem relações com o chefe do crime, uma espécie de teste para “verificar a mercadoria”, atitude que caracteriza o estupro. Depois, iniciam uma longa jornada de exploração sexual de diversos homens, forçadas a trabalharem continuadamente. Uma verdadeira afronta à dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais como a liberdade.

São tratadas como “coisas”, “objetos”, mercadoria da indústria do sexo. Ficam alojadas em lugares sem segurança, sem alimentação digna, sem higiene, contraem doenças como vírus HIV, hepatite B, gonorreia, herpes. Sofrem violência e ameaças, por parte dos traficantes e dos clientes. Quando adoecem de forma grave impossibilitando o trabalho, são jogadas nas ruas como se fossem animais e, se tentam fugir muitas acabam sendo assassinadas.

Há um caso, de grande repercussão, da jovem Kelly Fernanda Martins, de 26 anos, encontrada morta em uma Rua de Tel Aviv (Israel). A causa da morte foi constatada como overdose, mas para a família da vítima foi um assassinato. Kelly saiu do Rio de Janeiro com destino a Israel iludida com uma promessa de US$ 1.500 por mês trabalhando em lanchonetes ou casas de família. Chegando ao País, foi mantida em cárcere privado obrigada a usar drogas e se prostituir. Após sua morte houve uma grande investigação que descobriu uma rede de prostituição e exploração de diversas brasileiras em Israel. Segundo depoimento de uma amiga da vítima, uma maranhense de 48 anos liberta da máfia, Kelly foi assassinado por ter tentado fugir: "Eu trabalhava das 9h à meia-noite. Tinha que 'fazer' até 20 homens por dia. Ninguém aguenta. A gente não saía nem pra comer. Quando tentamos fugir, minha amiga foi morta".  O caso ocorreu em 1998, e mesmo passado todos esses anos, essa ainda é a história de muitas mulheres. A exploração sexual vem ganhando proporções cada vez maiores no mundo.

Muitas vezes a situação precária de miséria e falta de oportunidade de emprego faz com que muitas delas sejam induzidas a prostituição com seu consentimento, não por gostarem ou se orgulharem da profissão, mas por não haver oportunidades contrárias, por verem suas famílias passando fome e não ter de onde tirar dinheiro para sustenta-los, por não ter acesso ao mercado de trabalho e por falta de formação ou qualificação. O ato de se prostituir não caracteriza um crime, todos têm essa liberdade, porém, mesmo sendo mulheres que já praticam a prostituição em seu país e os aliciadores as convencem de irem trabalhar em outros países com propostas tentadoras de dinheiro fácil, cometem crime. Quando as vítimas viajam, mesmo cientes do trabalho que vão exercer, elas são convencidas com promessas de atenderem clientes da alta sociedade, propostas tentadoras para quem já vive nesse meio. Porém, quando chegam, são exploradas sexualmente, obrigadas a trabalharem em situações análogas à escravidão, não recebem o pagamento e são impedidas de voltar para casa. Cabe ressaltar que o fato de haver ou não consentimento, não deixa de configurar o crime, pois o consentimento não é legítimo quando está em jogo a autonomia e a dignidade inerentes ao ser humano.

Os traficantes cobram dividas exorbitantes pelos gastos com passagem e roupas gastas com a viagem. Todo o pagamento dos clientes, na maioria das vezes fica com os exploradores e uma pequena parte é enviada pra família, para não levantar suspeita, ou simplesmente ficam com todo o dinheiro. Com um tempo vendem as mulheres para outros países com o intuito de renovar a “mercadoria”, pois é desta forma que elas são tratadas, como simples mercadoria.

A exploração sexual não é apenas um crime que deve ser punido, mas um grande problema social. Se não for combatido na maneira certa, atingindo a raiz do problema não veremos resultados.

5. COMBATE AO TRÁFICO DE PESSOAS

Uma das maiores barreiras ou quem dirá a maior delas, é a questão da cultura, a sociedade em geral vê a exploração sexual como algo normal e não como uma violência. O que faz com que cresça ainda mais a vergonha e o medo das vítimas, gerando outra barreira, a falta de denúncia.

A situação das vítimas do tráfico, convivendo com ataques violentos e ameaças diariamente, com seus documentos confiscados e em situação ilegal no país, impede que procurem ajuda. Mesmo quando conseguem fugir e voltar para casa, preferem esquecer e não procuram as autoridades.

Aproximadamente 72% dos traficantes condenados são homens com origem no país onde praticam os crimes, todavia, há sérios problemas de imputabilidade, pois 40% dos países possuem apenas alguma ou nenhuma condenação. Há uma grande desproporcionalidade entre o crescimento da prática de tráfico e exploração sexual diante a quantidade mínima de punição para seus autores.

O tráfico de pessoas é um crime que atinge todos os países, é um problema mundial. A ONU conta com diversas de agências como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), UNIFEM (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher), UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) e UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), para conscientizarem os governos a enfrentarem esse problema, com políticas públicas e organização de combate e punição para as quadrilhas.

No Brasil, foi aprovado um Projeto de Lei 7370/14 trazendo diversas mudanças na legislação, com o objetivo de melhor combater o tráfico nacional e internacional. Conforme a Projeto que foi aprovado pelo Deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), as investigações poderão contar com prerrogativas que auxiliarão nas investigações. O delegado ou membro do Ministério Público poderá requerer de qualquer órgão público ou particular, dados e informações cadastrais das vítimas ou suspeitos de tráfico. Tanto as empresas de transporte como de telefonia devem manter por 5 anos os dados de viagens e de ligações, disponíveis a qualquer momento para investigação. Essa aprovação representa um avanço na luta contra o crime de tráfico de pessoas, pois irá acelerar as investigações promovendo mais possibilidades de se chagar as vítimas e aos criminosos.

6. LEGISLAÇÃO APLICADA AO CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS

O exercício da prostituição, embora seja um tema preocupante e mal visto socialmente, não é classificado como crime. Uma vez que, para o legislado, não há nenhum bem jurídico violado na prática voluntária e individual da prostituição. Todavia, o fato da pessoa que exerce a prostituição não ter sua conduta tipificada como crime não excluem da culpabilidade aqueles que participem da mesma, seja obrigando, induzindo ou até mesmo facilitando a sua realização. No Código Penal, o art. 228 dispõe que cometerá crime de favorecimento a prostituição, aquele que induzir ou atrair alguém à prostituição como também facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone. Como também no atr. 229 do CP, há punição  para aquele que mantenha casa de prostituição e no art. 230, caracteriza como crime aquele que tirar proveito da prostituição de outrem com participação direta nos lucros, é o chamado crime de rufianismo, ou mais conhecido como a figura do “Cafetão”. Diante estes artigos pode-se notar que todos os terceiros que estão envolta da prostituição têm suas ações tipificadas na legislação, pois há um grande interesse social em por fim a essa profissão extremamente lucrativa, mas ao mesmo tempo vergonhosa, perigosa e reprovável.

O crime de tráfico de pessoas está disposto no capítulo V, arts. 231 e 231-A

Art. 231.  Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2º A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2º A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. Qualificada

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Ambos os crime supracitados foram modificados pela lei n. 11.106/2005 que alterou o nomen juris do crime, de tráfico de mulheres para tráfico de pessoas, agora o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa. Outra mudança foi o acréscimo da pena de multa à pena privativa de liberdade tanto no caput, como nos parágrafos que se aplica a ambos os crimes ( interno e internacional).

O bem protegido é a moralidade pública, os bons costumes e maneira ampla a dignidade sexual. O sujeito ativo como também o passivo poderá ser qualquer pessoa, vale ressalvar, que na modalidade passiva não importa se há ou não o consentimento da vítima para configurar o crime.

Segundo Bitencourt (2009), o tráfico de pessoas é um crime comum, por não haver condições especiais do sujeito; instantâneo, pois a ação e o resultado são próximos um do outro; plurissubsistente, por conter no tipo vários atos do sujeito; de forma livre, uma vez que poderá ser praticado por qualquer meio ou forma; e material na modalidade internacional e formal na modalidade interna. Porém, de acordo com as características e a consumação de ambos os crime, entendemos que tanto o tráfico interno como o internacional tem natureza formal, pois ambos não necessitam do efetivo exercício da prostituição para consumação do crime. No tráfico interno, basta que ocorra a realização de uma das ações descritas no tipo, no internacional, consuma-se com a entrada ou saída do território nacional, a prostituição representa apenas o exaurimento do crime, ou seja, o resultado do crime já consumado.

Quanto à tentativa, há divergências doutrinárias. Bitencourt (2009) considera a tentativa, em ambos os crimes, apenas teoricamente admissível. Por outro lado, Mirabete apresenta um posicionamento mais convicto:

Para a consumação do delito basta a entrada ou saída da pessoa do território nacional, não exigindo o efetivo exercício da prostituição. Trata-se de crime de perigo que não exige como resultado indispensável a exploração sexual. A tentativa é perfeitamente possível e ocorre, por exemplo, quando o agente prepara os papéis e compra a passagem e a pessoa é detida antes do embarque para o exterior. (Mirabete 2009, p. 465)  Grifo nosso.

Seguindo a linha de raciocínio do autor e tendo em vista que o crime é plurissubsistente, ou seja, há várias ações para realização do delito, o inter criminis poderá ser fracionado. Inter criminis é o percurso que será feito pelo criminoso até alcançar o fim desejado, quando o agente pratica o aliciamento, convence a vítima com suas propostas, compra a passagem e na hora do embarque a mesma é detida, ocorre uma interrupção do desse percurso, que caracteriza o crime tentado: “Tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente” (Art. 14, II, CP). Desta forma, entendemos que ambos os crime são de natureza formal e admitem a modalidade tentada.

Quanto à competência, o tráfico de pessoas internacional, mesmo cometidos no estrangeiro será sujeito à lei brasileira, uma vez que consiste em um crime que o Brasil se obrigou a reprimir conforme o principio da Justiça Universal ou cosmopolita (art. 7º, II, a, CP)

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Embora vivamos em um mundo globalizado, com grandes avanços tecnológicos, diversos meios de comunicação, convivemos com uma realidade absurda e inaceitável, um crime que cresce a cada dia e atinge milhões de pessoas. A sociedade de forma geral conhece o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual de maneira muito vaga, sabe que existe, mas não têm noção da proporcionalidade que esse crime atinge o mundo e, muito menos dos danos que são causados a vítima e sua família. Nas palavras do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo: "Todos os crimes nos trazem mal, mas poucos me trazem profunda ojeriza. O tráfico de pessoas é um deles. No século 21, imaginar que pessoas assumam condição de mercadoria é algo que nos traz dor e constrangimento." O tráfico de pessoas representa uma das maiores afrontas aos Direitos Humanos.

O enfrentamento por partes das autoridades teve um avanço significante, mas ainda há muito a ser feito. Além de desenvolver meios que auxiliem na busca pelos criminosos, também se faz necessário um direcionamento as vítimas. Quem é explorado sexualmente e sobrevive, trás consigo marcas profundas que precisam ser tratadas, tanto na questão física como psicológica. A segurança das vítimas também é outra forma de incentivar as denúncias, uma vez que muitas são ameaçadas para que não procurem ajuda. A existência de uma lei que regule especificamente o tráfico de pessoas também é uma medida que deve ser feita, pois o nosso ordenamento já conta com a lei do tráfico de drogas (lei nº 11.343, de 2006) e do tráfico de armas (Lei n o 10.826, de 2003). Faltando apenas a lei do tráfico de pessoas.

Aumentar a divulgação também é uma feramente essencial no combate, pois muitas pessoas “caem nessas armadinhas” por falta de informação. Além de cuidar das vítimas e dos criminosos, podemos concluir, através do breve estudo sobre as causas que levam as pessoas a se tornarem alvos deste crime, que é necessário cuidar das possíveis vítimas. A população que vive em situação de miserabilidade, sem oportunidade de trabalho, sem formação escolar, sem expectativa de vida no seu lugar de origem, na primeira oportunidade de melhorar de vida se deixa enganar. É preciso investir em educação. Uma nação que investe em educação, que desenvolve políticas públicas eficazes de inclusão no mercado de trabalho e na escola para tirar as crianças da rua e proporcioná-las um futuro melhor, poderá combater com muito mais sucesso tanto o crime de exploração, como os diversos problemas de violência que enfrentamos atualmente. É preciso direcionar o combate olhando tanto para o passado, cuidar das pessoas que foram vítimas; como o presente, resgatar as que hoje são exploradas; e o futuro, e impedir que novas pessoas sejam enganadas.

REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado De Direito Penal. 3º. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 75-83.

MIRABETE, J. F; FABBRINI, R.N. Manual de Direito Penal. 30º ed. São Paulo: Atlas, 2013. P. 463-469

JESUS, D. Direito Penal. Parte Especial. 19º. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 209-210

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SOUZA, Mércia Cardoso De; SILVA, Laura Cristina Lacerda e. Algumas Reflexões Sobre O Enfrentamento Ao Tráfico De Pessoas No Brasil. Disponível em< http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9302>. Acessado em 25 jul. 2015.

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SANTANA, Miriam Ilza. Tráfico Negreiro. Disponível em <http://www.infoescola.com/historia/trafico-negreiro/>. Acessado em 25 jun. 2015
 


[1] Dados da UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) com a campanha internacional “Coração Azul”

[2] Relatório do Departamento de Estado Americano

[3] Secretária Nacional de justiça (MJ), Ministério das relações exteriores e Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes.

[4] Fonte: Ministério da Justiça


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