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Crimes contra o casamento

Crimes contra o casamento

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Análise geral e crítica acerca dos Crimes contra o Casamento. Baseia-se numa análise bibliográfica das doutrinas dominantes sobre os aspectos gerais dos crimes. Aborda-se as peculiaridades de cada crime. Faz-se uma crítica a respeito.

1 Introdução

            Ao talante do crescimento intelectual e dogmático, sempre proveitoso será a análise de qualquer conteúdo. Temas do Direito Penal, em vistas de tal ramo voltar-se para os bens mais importantes e caros ao desenvolvimento de uma sociedade, são assim suscitadores de uma rica discussão sobre seus pormenores.

É nessa seara que o trabalho em questão volta-se a uma análise técnico-geral e crítica sobre os Crimes contra o Casamento que, como a própria denominação deixa transparecer, são temas que mexem profundamente com o poder questionador dos olhos jurídicos. Assim é que nada mais proveitoso que uma análise dos crimes de Bigamia, Induzimento a Erro Essencial e Ocultação de Impedimento, Conhecimento Prévio de Impedimento, Simulação de Autoridade para Celebração de Casamento e Simulação de Casamento e seus pormenores a luz das mais variadas posições dogmáticas.

2 Crimes contra o Casamento

2.1 Bigamia

            A idéia de criminalização daquele que dolosamente casa-se com mais de uma pessoa no mesmo intervalo temporal há muito porta-se presente em culturas em que a monogamia é erigida. Em ordenamentos jurídicos mundiais encontra-se a tipificação do crime de bigamia desde a Idade Média. No ordenamento pátrio, encontra-se tipificado desde as Ordenações Filipinas de 1603, em que punia-se o criminoso com a pena de morte. Atualmente o crime encontra-se expresso no artigo 235 do Código Penal assim redigido:

Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

            É de se notar, portanto, que incrimina-se a conduta de uma pessoa já casada contrair dolosamente novo casamento. Caso sejam praticados apenas atos preparatórios ao casamento, como a falsificação documental, haverá o crime de falsidade documental. Ao consumar-se, porém, o novo casamento o crime de falso restará absorvido pelo crime da bigamia. É interessante destacar ainda que caso a pessoa casada contraia mais de um casamento na vigência de outro, haverá concurso material de crimes, em vistas de a já presente bigamia não afastar a criminalidade da posterior.

            A conduta volta-se a proteger o bem da proteção do princípio monogâmico erigido pelo Estado. Sujeito ativo do crime será aquele que, já sendo casado, contrai novo casamento no mesmo intervalo temporal ou ainda aquele que contrai casamento com quem sabe ser casado. Trata-se de crime bilateral, em vistas de serem necessárias duas pessoas para sua prática, mesmo que uma delas esteja de boa-fé. Sujeitos passivos são a família e o Estado, segundo parte da doutrina. Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 213), por sua vez, assevera serem sujeitos passivos do crime o consorte anterior e aquele que contrai o novo matrimônio, se de boa-fé. O elemento subjetivo do crime é claramente o dolo, sendo sua consumação com a celebração efetiva do matrimônio, admitindo-se ainda a tentativa.

            Questão silente na doutrina, talvez por tão recente decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça consiste na extensão do crime de bigamia a uniões matrimoniais de pessoas do mesmo sexo. Isso porque a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013 que afirma ser proibido, a partir do dia 16 de maio do mesmo ano, a qualquer autoridade competente a celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo ou mesmo a conversão da união estável das mesmas em casamento civil. Assim é que, caso não seja cumprida, caberá ao casal buscar o juiz corregedor para que se efetive a resolução e até reprimenda administrativa a aquela autoridade não cumpridora. Portanto, é importante destacar que faz-se necessária a extensão também do crime de bigamia a tais casos.

            2.2 Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento

            O crime em questão trata-se de uma adoção relativamente nova por parte do ordenamento jurídico pátrio, em vistas de ser tipificado primeiramente no Código Penal de 1940. Assim redigiu-se no artigo 236 do Código Penal:

Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

            É de se notar, portanto, que incriminam-se duas condutas em que o casamento é obtido via ludibriação alheia, em que necessitam-se de meios eficazes para tanto. Na primeira conduta é incriminado o ato de casar com outrem mediante a indução de erro essencial constante no artigo 1.521 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

Há ainda a segunda conduta incriminada de casar-se mediante a ocultação de impedimentos, desde que não seja casamento anterior em vistas de se tratar de bigamia. Tais impedimentos encontram-se arrolados no art. 1.521 do Código Civil, tal como aduz:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

            As condutas incriminadas voltam-se claramente a proteger o bem da constituição regular da família mediante o matrimônio. Sujeito ativo poderá se qualquer pessoa de qualquer dos gêneros, sendo ainda possível a enganação recíproca entre os dois contraentes. Sujeito passivo, segundo Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 215), é a pessoa induzida a erro. O elemento subjetivo do crime é claramente o dolo, sendo a consumação com a celebração matrimonial.

Ao se analisar o momento consumativo do crime é de se crer que a tentativa é perfeitamente possível. Porém, figura como acertada a posição do doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 214) quando aduz que a  tentativa trata-se de fato juridicamente impossível em vias de a ação penal para a persecução criminal dever ser impetrada pelo cônjuge enganado, o que se dará após o casamento. Assim é que a ação civil de nulidade do casamento é uma condição de processibilidade em vistas de o início da ação penal apenas dar-se com a sentença de civil de nulidade, quando claramente já a consumação criminosa sendo assim a tentava juridicamente impossível.

            2.3 Conhecimento Prévio de Impedimento.

            Tal como o delito anteriormente analisado, o crime em questão trata-se de uma adoção relativamente nova por parte do ordenamento jurídico pátrio, em vistas de ser tipificado primeiramente no Código Penal de 1940. Assim então fora redigido no artigo 237 do Código Penal:

Art. 237 - Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

            Desta forma, a conduta incriminada no tipo, consiste em casar-se conhecendo impedimento prévio. Uma análise apressada poderia levar à percepção de que trata-se de crime idêntico ao crime de casar-se mediante ocultação de impedimento, no dispositivo criminal anterior. Porém, há distinção de que no crime de Conhecimento Prévio de Impedimento dispensa-se o comportamento ativo do agente, bastando apenas que se abstenha de comunicar o impedimento constante no art. 1.521 do Código Civil de que é ciente. É importante ressalta, porém, que caso seja perpetrada a conduta do art. 1.521, IV – pessoas casadas – haverá o crime de bigamia e não o delito em análise.

            O crime volta-se a proteger o bem da regularidade formal do matrimônio em que são sujeitos ativos qualquer pessoa de qualquer dos gêneros. O sujeito passivo imediato é cônjuge iludido. Trata-se de crime doloso, em que consuma-se com a efetivação do casamento, sendo a tentativa plenamente admitida.

            Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 218) o crime em questão é um crime subsidiário em relação ao crime de Induzimento a Erro Essencial e Ocultação de Impedimento sendo diferente desse por não precisar o comportamento ativo do agente. Porém, no artigo 236 apenas o fato de ocultar impedimento já é incriminado e a ocultação é tida sim como um comportamento passivo. Logo, ao analisar-se é de se ter em conta que tratam-se se crimes idênticos ou extremamente semelhantes, o que acaba por revelar um erro prolixo do legislador que poderia muito bem ter posto o crime de conhecimento prévio de impedimento como um parágrafo do crime de ocultação de impedimento.

         2.4 Simulação de Autoridade para Celebração de Casamento

            Novamente, o crime ora analisado porta-se como uma novidade em vistas do ordenamento jurídico pátrio, tipificá-lo pela primeira vez no Código Penal vigente. Trata-se de delito subsidiário e também especial ao delito de usurpação de função pública. Assim vige atualmente o delito tipificado no artigo 238 do Código Penal:

Art. 238 - Atribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

            A conduta tipificada consiste na incriminalização da conduta de atribuir a si mesmo autoridade para a celebração matrimonial, mediante mentira ou fingimento. Tal casamento assim realizado é maculado pela anulabilidade, que será sanada caso não seja alegada durante dois anos, sem prejuízo a configuração do delito em apreço. Há aqui a proteção do bem da regular formação familiar. Sujeitos ativos podem qualquer pessoa de qualquer dos gêneros e portam-se como sujeitos passivos os cônjuges enganados. Trata-se de crime doloso, com consumação com a prática de ato da autoridade falsamente alegada. Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 221) assevera não haver possibilidade de se configurar a tentativa, em vista dos atos preparatórios já se considerarem por si só delitos autônomos.

            Questão interessante trata-se de se distinguir se o crime em questão trata-se de uma questão de autoridade simulada ou incompetência por parte daquele que celebra o casamento. Luiz Regis Prado (2011, p. 744) trata a questão do delito ora analisado como uma questão de competência. Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 221), por sua vez, assevera acertadamente que não se trata de uma questão de incompetência mas de atribuição falsa de autoridade, caso em que uma pessoa comum faz-se forjar como um juiz de paz. Se, porém, ela for uma funcionária pública tratar-se-á de problema de incompetência que maculará a casamento com a nulidade durante o prazo de dois anos em que caso não seja argüida restará afastada a nulidade do casamento, mas não a tipicidade do crime.

            2.5 Simulação de Casamento

            o crime ora analisado porta-se como uma novidade em vistas do ordenamento jurídico pátrio, tipificá-lo pela primeira vez no Código Penal vigente. Trata-se de delito subsidiário e assim está tipificado no artigo 239 do Código Penal:

Art. 239 - Simular casamento mediante engano de outra pessoa:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

            Ao se analisar tipo penal é de se notar que s conduta incriminada consiste de simular a ponto de acreditar o outro nubente que está de fato a casar-se quando na realidade não está. É imprescindível que haja o empreendimento de meio enganoso não empregado pelos dois contraentes, visto que um deles precisa ser enganado. Trata-se de crime doloso, em que consuma-se com a efetiva simulação e sua tentativa é plenamente admitida.

            É interessante destacar que porta-se acertadíssima a posição adotada por doutrinadores como Cleber Mason (2011, p. 174) e Luiz Regis Prado de que portam-se como coautores todos aqueles que sabiam da farsa tramada além do cônjuge enganador. O ato de casar-se trata-se uma atitude deveras importante na vida de qualquer um, que afeta não só a sua própria mas de toda a sua família. Desta forma, tal ato da vida deve ser muito bem analisado a luz de todas as suas conseqüências e possibilidades. A simulação, portanto, acaba por macular um dos atos mais importantes na vida de uma pessoa sendo então acertadíssima a posição de punir todos aqueles que o ajudam a macular através da simulação.

3 Considerações Finais

            Ao final da análise dos Crimes contra o Casamento é de se notar que o tema é, notadamente, terreno fértil para o espírito questionador que deve ser imanente a qualquer um que se proponha a entender seu conteúdo, apesar da maioria das explicações doutrinárias serem deveras simplificadas. O necessário princípio da segurança jurídica não pode prestar-se a tornar deveras rígido o entendimento jurídico, que deve ser uma ciência em constante oxigenação e construção dogmática para que efetivamente se proponha a finalidade a que lhe é destinada.

            Portanto, é de se notar que é necessário que se assevere uma proveitosa aliança entre os dispositivos jurídicos das doutrinas, legislações e decisões jurisprudenciais, sem que, contudo, sufoquem as tão proveitosas discussões sobre os temas em questão tendo em vista de estas portarem-se como importantes fatores de evolução jurídica. O Direito é movido as mais variadas transformações sociais e culturais, sendo assim tal realidade um fato intrínseco ao seu desenvolvimento. Destarte, a análise conjunta dos variados dispositivos jurídicos precisa tornar-se um hábito comum a todos os seus aplicadores.

REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Induzimento a Erro Essencial e Ocultação de Impedimento. In:_______. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. 6. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Conhecimento Prévio de Impedimento. In:_______. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. 6. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Simulação de Autoridade para Celebração de Casamento. In:_______. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. 6. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Simulação de Casamento. In:_______. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. 6. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2012.

GRECO, Rogério. Bigamia. In:_______. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 9. ed. v. 3. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Induzimento a Erro Essencial e Ocultação de Impedimento. In:_______. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 9. ed. v. 3. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Conhecimento Prévio de Impedimento. In:_______. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 9. ed. v. 3. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Simulação de Autoridade para Celebração de Casamento. In:_______. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 9. ed. v. 3. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Simulação de Casamento. In:_______. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 9. ed. v. 3. Niterói: Impetus, 2012.

PRADO, Luiz Regis Simulação de Casamento. In_______. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. v.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 543 – 558.

PRADO, Luiz Regis. Simulação de Autoridade para Celebração de Casamento. In_______. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. v.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 543 – 558.

PRADO, Luiz Regis. Conhecimento Prévio de Impedimento. In_______. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. v.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 543 – 558.

PRADO, Luiz Regis. Induzimento a Erro Essencial e Ocultação de Impedimento. In_______. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. v.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 543 – 558.

PRADO, Luiz Regis. Bigamia. In_______. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. v.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 543 – 558.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Vade Mecum. 13 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.



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