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Direito à liberdade:uma análise do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol

Direito à liberdade:uma análise do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol

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O presente artigo tem por objetivo fazer uma análise crítica do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, com direção de Glauber Rocha, levando em consideração o Direito à Liberdade.

Sobre o Direito à Liberdade foi escolhido para análise crítica o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, não apenas pela evidente metáfora de que trata sobre a busca pela liberdade no contexto histórico do Coronelismo do Sertão e do Movimento Social dos Cangaceiros, mas, principalmente, por esta ser, possivelmente a obra mais importante da cinematografia brasileira. Escrito e direito pelo grande cineasta Glauber Rocha, o filme representa uma inovação ao movimento do Cinema Novo – nas palavras de Rocha “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” –, influenciado pelo neorealismo italiano.

O movimento do Cangaço foi iniciado no Brasil na primeira metade do século XIX, inicialmente considerado como um fenômeno social de banditismo, visto que se referia a grupos de trabalhadores explorados pelos latifundiaristas e coronéis do Sertão. O trabalho análogo ao escravo, a seca da Caatinga e o sentimento de exploração foi desenvolvendo nos trabalhadores um sentimento de revolta. Os primeiros grupos de cangaceiros, então, eram formados por homens e mulheres que viam no modelo econômico uma opressão, eram contra o Estado, formando pequenos bandos, eles saqueavam vilarejos e matavam pessoas vinculadas ao governo. 

O filme de Glauber Rocha conta a história de Manoel e Rosa, dois nordestinos que, vivendo a pobreza desoladora do Sertão, juntamente com a exploração da mão de obra, decidem se juntar a um grupo de cangaceiros e partir em vingança: vingar seus anos de sofrimento, vingar os anos de exploração, vingar o modelo coronelista da política. Neste momento é possível observar que a figura do cangaceiro, muito bem representada no filme, é o arquétipo metaforizado da liberdade. Embora, perante a lei e o Estado os cangaceiros representassem apenas bandidos, numa visão Jusnaturalista, os bandidos saqueadores eram apenas homens famintos: famintos não apenas da comida e da água que era pouca, mas das injustiças sociais cometidas pela elite latifundiária.

Destarte, embora os grupos de cangaceiros fossem, a luz da lei, assassinos e ladrões, eles representavam a liberdade do povo trabalhador e explorado e a esperança de que estas minorias pudessem ser, enfim, respeitadas. Assim como Antígona, que, segundo a mitologia, desrespeita a vontade do tio – Rei e representante do Estado –, decide por enterrar o cadáver do próprio irmão, uma vez que entendeu que seu entendimento de Justiça estava acima das Normas impostas e determinados pela tirania do Rei (SÓFOCLES, 2010), os cangaceiros também entendia que sua ideologia de justiça estava acima das leis impostas pela elite, as quais apenas objetivavam a exploração das minorias pobres e o enriquecimento dos donos de terras. 

O Direito à Liberdade, como mostrado no filme também esbarra com o Direito à Locomoção, visto que os cangaceiros se apresentavam como grupos nômades, que saqueavam as casas mais ricas dos vilarejos. Também aponta para o Direito ao Pensamento, uma vez que eles possuíam ideologias próprias que, embora fossem contra o Estado opressor, representavam a Justiça. Por fim, ainda é possível pensar na liberdade religiosa, outro aspecto muito retratado no filme. Neste sentido não há óbice em asseverar que Glauber Rocha desenvolveu bastante sobre a discussão religiosa durante o filme, o conflito entre o certo e o errado, o justo e o injusto estão presentes em todo roteiro. Manoel, personagem que se junto ao grupo de cangaceiro, durante toda história se questiona sobre a presença de Deus e se suas condutas são pecaminosas ou justas – inclusive, daí o título do filme, demonstrando a difícil relação entre o homem e Deus. 

Por fim, numa análise filosófica do filme, o Direito a Liberdade é representado, pois, de forma metafórica na figura dos cangaceiros, que buscam sua alforria diante de um contexto social, econômico, político e climático extremamente hostil. As reflexões feitas pela personagem Manoel, sobre sua escolha em permanecer no grupo – saqueando as casas dos coronéis e donos de terras, estuprando suas esposas e filhas, invadindo e destruindo as vilas ricas –, demonstra o dilema da Justiça. Desta feita, como conclui Kelsen (2000) na obra O que é Justiça, talvez mais importante do que descobrir o que realmente seja justiça, é sempre continuar perguntar o que é justo.

Referências

Kelsen, Hans. O que é justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 

Rocha, Glauber. Deus e o Diabo na Terra do Sol. Rio de Janeiro: Copacabana Filmes, 1964. 

Sófocles. Antígona. São Paulo: Cia das Letras, 2010.


Autores

  • Felipe Adaid

    Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

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  • Renata Adaid

    Renata Adaid

    Design Gráfica e Brachaleranda em Direito pela Puc Campinas

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